1. A Lei 65/78, de 13 de Outubro, aprovou, para ratificação, a Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
O Decreto-Lei 265/79, de 1 de Agosto, que reestruturou os serviços que têm a seu cargo as medidas privativas de liberdade, avultou o princípio de que a execução dessas medidas deve ser orientada de modo a respeitar a personalidade do recluso e os seus direitos e interesses jurídicos não afectados pela condenação (artigo 3.º, n.º 1), nisso reproduzindo quase literalmente o artigo 1.º, n.º 2, do Decreto 2273/1977, de 29 de Julho, que alterou em Espanha o regime das instituições penitenciárias.
Coerentemente, o Decreto-Lei 265/79 explicitamente garantiu, no artigo 151.º, n.º 1, os direitos reconhecidos nos artigos 25.º e seguintes da Convenção. E preceituou que «o Ministério da Justiça regulamentará os pressupostos internos dos respectivos recursos» (artigo 151.º, n.º 2). Só por lapso o legislador do Decreto-Lei 265/79 subordinou esse artigo 151.º à epígrafe «Recurso para o Tribunal dos Direitos do Homem», ao qual já aludira no preâmbulo do diploma. Realmente, o que está em causa é o direito de petição (recurso) para a Comissão Europeia dos Direitos do Homem, que é um órgão diverso daquele Tribunal, embora de igual forma enquadrado no âmbito do Conselho da Europa.
O regulamento que agora se aprova é meramente subsidiário em relação à Lei 65/78 e à Convenção e seus Protocolos adicionais, no tocante ao processamento do recurso, e ao Decreto-Lei 265/79, no que ao regime interno dos estabelecimentos prisionais se refere. Um ponto há, no entanto, que acautelar. O direito de petição está, em geral, constitucionalmente consagrado (artigo 49.º, n.º 1) e é uma das bases do esquema de protecção dos direitos do homem acolhido na Convenção. Não faria, assim, sentido que, por aplicação do artigo 43.º do decreto-lei, se pudesse coarctar, de facto, o seu exercício. De resto, o princípio hoje dominante em matéria de direito penitenciário é o da excepcionalidade da censura da correspondência dos reclusos.
Entendeu-se, pois, que o regime dos artigos 40.º e seguintes do decreto-lei deverá ser, na circunstância, aplicado por forma a não impedir de facto o exercício do direito. Não se diga, no entanto, que ele deveria ser, pura e simplesmente, eliminado, em homenagem à pureza dos grandes objectivos. Na verdade, é o próprio Conselho de Europa que adverte quanto aos abusos a que o exercício do direito de petição pode, reflexamente, dar lugar. E, no caso concreto do seu exercício por reclusos, esclarece que estes não ficam dispensados «de observar os regulamentos do estabelecimento (prisional) e de submeter a sua correspondência, incluindo as cartas dirigidas à Comissão, ao contrôle normalmente exercido pelas autoridades penitenciárias» (por exemplo, Dossiers sur les droits de l'homme, n.º 2, de 6 de Outubro de 1978).
Optou-se por uma solução tão aberta quanto possível, embora em moldes de não afectar a disciplina necessária dos estabelecimentos prisionais.
2. Nestes termos, determino, com base no artigo 151.º, n.º 1, do Decreto-Lei 265/79, de 1 de Agosto, o seguinte:
1.º Os reclusos que se considerem vítimas de violação de qualquer dos direitos enumerados na Convenção Europeia dos Direitos do Homem e seus Protocolos adicionais, com as reservas formuladas pela Lei 65/78, de 13 de Outubro, por acto de uma autoridade pública praticado posteriormente à data da entrada em vigor em Portugal da Convenção, poderão, depois de esgotados os recursos internos, e no prazo de seis meses após a última decisão da mais elevada instância nacional competente, apresentar à Comissão Europeia dos Direitos do Homem, individual ou colectivamente, uma petição, dirigida ao Secretário-Geral do Conselho da Europa.
2.º - 1 - À petição, em papel comum isento de selo, aplicar-se-á, de forma que não fique prejudicado o efectivo exercício dos direitos consignados nos artigos 25.º e seguintes da Convenção, o regime constante dos artigos 40.º e seguintes do Decreto-Lei 265/79.
2 - Não poderá, em qualquer caso, ser retida pelo director do estabelecimento prisional correspondência dirigida pelo recluso ao Conselho da Europa ou deste provinda.
3.º A Direcção-Geral dos Serviços Prisionais facultará aos reclusos que o solicitem a consulta, nos estabelecimentos prisionais, da Lei 65/78 e do texto integral da Convenção e Protocolos adicionais, na tradução oficial.
4.º A mesma Direcção-Geral promoverá seja efectuada uma tradução, não oficial, em português, do Regulamento Interno da Comissão Europeia dos Direitos do Homem, que facultará, quando possível, aos reclusos que o solicitem.
5.º O recluso que pretenda ser esclarecido da forma como mais adequadamente deve proceder para exercer o direito de petição pode dirigir-se, em exposição fundamentada, ao Gabinete de Acesso ao Direito do Ministério da Justiça, logo que criado.
6.º - 1 - Para que a sua petição possa ser redigida numa das línguas oficiais da Comissão (francês ou inglês), o recluso pode solicitar, em requerimento dirigido ao Ministro da Justiça, onde sumariamente justifique o seu estado de carência económica ou qualquer outra dificuldade atendível, que ela seja traduzida numa dessas línguas pelos serviços do Ministério.
2 - O Ministro da Justiça, ouvido o director do estabelecimento prisional, autorizará, se entender que a justificação procede, que a petição seja traduzida numa dessas línguas sem qualquer encargo para o recluso.
3 - Em tal caso, a petição não deverá, como regra, exceder duas folhas de papel de vinte e cinco linhas.
7.º - 1 - O apoio jurídico previsto nos n.os 5.º e 6.º antecedentes não está sujeito, por parte do Ministério da Justiça, a qualquer prazo, nem é para ele vinculativo, não podendo o recluso invocar a sua não concessão como causa do não exercício do direito de petição.
2 - O pedido de apoio jurídico deverá ser assinado pelo recluso.
3 - Aos reclusos analfabetos ou que não possam escrever aplicar-se-á o regime do artigo 41.º do Decreto-Lei 265/79.
8.º As pessoas que, nos termos legais, tomem conhecimento de petições ou de correspondência com elas relacionadas estão obrigadas a sigilo.
9.º Qualquer dúvida na execução do presente despacho normativo será esclarecida por despacho do Ministro da Justiça.
3. A Direcção-Geral dos Serviços Prisionais circulará o presente despacho pelos estabelecimentos prisionais, em termos que os reclusos dele possam efectivamente tomar conhecimento.
Ministério da Justiça, 7 de Abril de 1980. - O Ministro da Justiça, Mário Ferreira Bastos Raposo.