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Assento 1/97, de 18 de Outubro

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Sumário

Requerida a instrução por um só ou por alguns dos arguidos abrangidos por uma acusação, os efeitos daquela estendem-se aos restantes que por ela possam ser afectados, mesmo que a não tenham requerido. A final, a decisão instrutória que vier a ser proferida deve abranger todos os arguidos constantes da referida acusação, por não haver lugar, neste caso, a aplicação posterior do nº 2 do artigo 311º do Código de Processo Penal, (aprovado pelo Decreto-Lei 78/87, de 17 de Dezembro). (Proc. nº 41250).

Texto do documento

Assento 1/97

Processo 41 250. - Acordam, em plenário, na 1.ª Subsecção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça:

O Ex. Procurador-Geral-Adjunto junto do Tribunal da Relação de Coimbra veio interpor o presente recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, nos termos do artigo 437.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, relativamente ao problema de se determinar se, requerida a instrução por um ou mais arguidos em processo em que existam ainda outros arguidos que a não tenham solicitado, o despacho de pronúncia ou não pronúncia a proferir pelo juiz de instrução valerá como tal relativamente a todos os arguidos ou tão-somente em relação àquele ou àqueles que a tenham requerido.

Ou, dito de outra maneira, suscita o problema da interpretação a dar aos artigos 286.º, n.º 1, 308.º, n.º 3, e 311.º, todos daquele Código.

E fundamenta o recurso na existência de dois acórdãos em oposição, ambos da Relação de Coimbra, dos quais já não é admissível recurso ordinário, proferidos nos processos n.º 132/90 e 134/90, respectivamente em 18 de Abril de 1990 e em 9 de Maio do mesmo ano.

Para tal alega, em súmula, o seguinte:

«O acórdão recorrido, de 9 de Maio, decidiu que `quer haja um só arguido, quer haja vários, havendo instrução, o respectivo juiz proferirá despacho de pronúncia ou não pronúncia que valerá como tal em relação a todos os arguidos', ao passo que o acórdão fundamento, ao conhecer de recurso de decisão instrutória em que o Ex. Juiz havia feito a apreciação indiciária relativamente a todos os arguidos, mesmo não requerentes da instrução, determinou a revogação de tal despacho em relação aos arguidos não requerentes da instrução, com o fundamento de `carecer o Sr. Juiz de Instrução de competência para tal, como se estabelece e infere do n.º 2 do artigo 311.º do Código de Processo Penal'.» E ambos os acórdãos foram proferidos em recursos de despachos idênticos do Ex. Juiz de Instrução de Aveiro, redigidos da seguinte forma:

«Apenas se valorou e apreciou prova quanto aos factos por que vinham acusados os arguidos que requereram a abertura da instrução e na medida em que estes impugnaram a sua veracidade [...] Assim, o despacho de pronúncia incidirá sobre toda a matéria fáctica constante da acusação, limitando-se o juiz de instrução a verter para aquele despacho os factos sobre os quais não incidiu a sua actividade investigatória, sem prejuízo, no entanto, do poder de fiscalização conferido ao juiz de julgamento pelo artigo 311.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Penal.» Por Acórdão de 19 de Setembro de 1991 foi julgado verificado que os dois acórdãos se encontram em oposição sobre o mesmo ponto de direito e foram proferidos no domínio da mesma legislação, pelo que os autos foram mandados prosseguir.

Só alegou o Ex. Procurador-Geral-Adjunto junto deste Supremo, a defender as seguintes posições:

a) A decisão que julga verificada uma oposição de acórdãos é imodificável, no domínio do actual Código de Processo Penal, mas não obriga a que o Supremo, ao uniformizar a jurisprudência, esteja obrigado a adoptar uma das duas posições em conflito, em virtude de se dever entender ser-lhe lícito definir uma outra como aquela que corresponde à correcta interpretação da norma em que tais decisões se basearam;

b) O direito de requerer a instrução é um direito pessoal e disponível, mas não potestativo, dos arguidos, que o podem exercer ou não consoante a sua atitude perante a causa e a sua própria estratégia de defesa, pelo que será violadora desse direito uma solução que faça estender os efeitos de um pedido de realização da instrução feito por outro co-arguido a um arguido que a não requereu, por se ter conformado com a acusação (ou indiciação) ou por a sua estratégia de defesa o levar a organizar a sua defesa em momento posterior;

c) O estender os efeitos da instrução a quem a não tenha requerido acaba por violar o princípio da celeridade processual e, inclusivamente, afectar o direito a pedir uma eventual separação de processos com base em a conexão poder retardar excessivamente o julgamento de qualquer dos arguidos [artigo 30.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal];

d) Desta forma, a decisão a fixar a jurisprudência deverá ser formulada nos seguintes moldes: «O âmbito da instrução, os poderes de cognição do juiz de instrução e o despacho de pronúncia, requerida que seja a instrução pelo arguido, delimitam-se pelos precisos termos do pedido instrutório, embora sem prejuízo do conhecimento amplo relativamente a co-arguidos, também acusados, e às consequências legais a retirar, relativamente à acusação, da procedência do pedido de instrução, nos termos dos artigos 402.º e 403.º do Código de Processo Penal. Requerida instrução pelo arguido relativamente a uma parte da acusação, a parte remanescente e a situação dos co-arguidos que não deva ser apreciada não são objecto de instrução nem da pronúncia, por competir ao juiz do julgamento a sua apreciação, nos termos do ar\132tigo 311.º do mesmo Código.» Foram corridos os devidos vistos.

Como questões prévias relativamente à discussão do objecto do recurso podem ser colocadas duas, resultantes da tomada de posição do Ex.

Procurador-Geral-Adjunto nas suas alegações, e que são as seguintes:

a) Possibilidade ou não de o plenário do Tribunal vir a entender diferentemente do acórdão preliminar que julgou verificada a oposição de acórdãos e mandou prosseguir os autos;

b) Possibilidade ou não de o mesmo tribunal vir a adoptar solução diversa das duas opostas, que dão origem ao pedido de uniformização da jurisprudência, por aquela dever ser considerada como a mais consentânea com a correcta aplicação da lei e a uma melhor interpretação da respectiva letra e espírito.

Passemos, por conseguinte, a apreciá-las:

A) Possibilidade de o plenário reapreciar o problema da existência da oposição de acórdãos.

Como já foi referido no Acórdão, com força obrigatória, n.º 4/93, de 27 de Janeiro, é perfeitamente viável e legal, e até mesmo obrigatória, a apreciação, no acórdão sobre a questão de fundo, da existência ou não da invocada oposição de acórdãos.

E os argumentos então invocados e que continuam válidos são os seguintes:

Pelo Código de Processo Penal de 1929, o recurso para fixação de jurisprudência seria interposto, processado e julgado como idêntico recurso em processo civil (§ único do artigo 668.º), o que significava que o Supremo, ao apreciar a final o recurso, não estava impedido de decidir em contrário do acórdão preliminar que julgara verificar-se a invocada oposição de acórdãos (artigo 766.º, n.º 3, do Código de Processo Civil).

No Código de Processo Penal actual nada se refere sobre essa matéria, e, sabido como é que ele se encontra dominado pelo princípio da auto-suficiência do processo penal, com recurso às normas do processo civil apenas quando as mesmas se harmonizem com aquele, poderia ser-se levado a concluir que o mencionado acórdão preliminar sobre a existência da oposição de acórdãos formaria caso julgado, impeditivo da reapreciação posterior de tal problema.

Não parece, no entanto, que assim deva ser.

É que o referido acórdão preliminar mais não é que uma decisão inicial, indispensável para o prosseguimento do recurso, mas que não tem virtualidade intrínseca para vincular os restantes juízes que são chamados a apreciar o objecto do recurso, como se vai ver.

Por um lado, seria atentatório da unidade do sistema jurídico que o recurso para obtenção do mesmo resultado - a fixação da jurisprudência, com efeitos vinculativos para os restantes tribunais - estivesse sujeito a regimes distintos quanto ao valor da decisão inicial que estabelece a existência de oposição de acórdãos sobre o mesmo ponto de direito, consoante se tratasse de divergências entre acórdãos cíveis ou sociais, ou entre acórdãos tirados em matéria criminal, tanto mais que, nesta última, com alguma frequência, os tribunais são chamados a pronunciar-se sobre matérias de natureza exclusivamente civil, como, por exemplo, a que respeita a indemnizações por factos ilícitos.

Por outro lado, verifica-se fazer parte do sistema jurídico em geral e do sistema do processo penal em particular a estruturação de um esquema legal segundo o qual a generalidade das decisões interlocutórias desse tipo não faz caso julgado.

É assim, com efeito, que é modificável pelo tribunal a decisão do presidente de um tribunal superior que mande admitir um recurso não admitido pela 1.

instância (artigo 405.º, n.º 4, do Código de Processo Penal), tal como é modificável pelo tribunal de recurso a qualificação jurídica dos factos feita pelo tribunal recorrido (mesmo quando se entenda que, nesse caso, o primeiro não poderá aumentar a punição imposta por este se se não tiver pedido o respectivo agravamento) e, quanto ao processo civil, que é modificável, no saneador, a posição assumida pelo tribunal, no despacho liminar, sobre a inexistência de vícios conducentes à ineptidão da petição inicial (artigo 479.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).

Trata-se, em todas as situações apontadas, de decisões preliminares, de natureza interlocutória, cujas únicas finalidades são as de permitir a apreciação global do objecto do recurso pelo tribunal competente quando aquelas sejam no sentido do prosseguimento dos autos e a de impedir, então de maneira definitiva, tal apreciação quando as mesmas tenham o sentido oposto e delas não caiba legalmente recurso.

Por tais razões, não pode deixar de se entender que a matéria constante do acórdão preliminar, que julgou verificada uma dada oposição de julgados, continua a ter de ser reapreciada pelo plenário quando ele se pronunciar sobre o sentido a dar à pretendida uniformização da jurisprudência.

Foi esta, de resto, a jurisprudência seguida por este Supremo nos únicos casos em que, até agora, o mesmo foi chamado a pronunciar-se sobre idêntica questão prévia (Acórdãos, com força obrigatória geral, de 27 de Janeiro de 1993, proferido no processo 43 073, publicado no Diário da República, 1.ª série, de 26 de Março de 1993, e de 6 de Maio de 1992, proferido no processo 42 317, sobre o conhecimento oficioso ou não das nulidades processuais penais, publicado no Diário da República, 1.ª série-A, n.º 180, de 6 de Agosto de 1992).

Mais delicada, no entanto, é a segunda das indicadas questões prévias, que se passa a focar.

B) Possibilidade de a solução uniformizadora da jurisprudência ser diferente da de qualquer dos acórdãos em conflito.

É princípio geral do nosso sistema jurídico que o Supremo Tribunal de Justiça, porque não pode, em via de recurso nos campos penal e processual, proceder à análise da matéria de facto e apenas tem competência para discutir os aspectos de interpretação e aplicação do direito, se encontra limitado, no âmbito dos seus poderes de apreciação, pelos limites da questão, tal como a mesma foi definida pelos recorrentes.

E são, sem dúvida, expressão desse princípio a regra da proibição da reformatio in pejus e a da possibilitação, em determinadas circunstâncias, da anulação de um julgamento e reenvio do processo (num autêntico sistema de cassação), quando lhe não seja possível extrair conclusões seguras a partir dos dados de facto definitivamente apurados pela ou pelas instâncias.

Por tal motivo poder-se-ia ser levado a concluir que, num recurso para fixação de jurisprudência, o mesmo Tribunal estaria limitado a dizer qual das duas posições em conflito se configurava como a correcta, relativamente a um certo ponto de interpretação da lei.

Na realidade, porém, a solução deverá ser diferente, como se vai ver.

A limitação do campo de apreciação do Supremo respeita tão-somente à matéria de facto, mas não abrange os aspectos de definição interpretativa e aplicativa do direito, uma vez que estes constituem, precisamente, a sua função primordial (resolver, de modo definitivo, no aspecto jurídico, uma questão relativamente à qual não existe acordo dos intervenientes processuais), como resulta, entre outros, dos artigos 433.º e 440.º do Código de Processo Penal.

E precisamente porque tem essa função de definir e interpretar o direito concretamente aplicável a uma específica situação de facto, não é teoricamente admissível uma limitação dos seus poderes de fixação jurídica, impeditiva de uma correcta interpretação da lei.

Basta pensar, por exemplo, nas hipóteses em que a divergência entre os dois acórdãos em oposição se traduza em um deles ter entendido que determinada situação de facto é enquadrável numa certa previsão legal (por hipótese, no furto ou nas ofensas corporais) e o outro ter decidido que ela é enquadrável noutra previsão da lei (na burla ou na coacção, respectivamente), e se chegar à conclusão, na fixação do correcto sentido da lei, que a situação em apreço não é punível, por se não verificarem os respectivos elementos típicos, ou que deve ser enquadrada numa diferente figura criminal (abuso de confiança, ou falsificação, ou injúrias, também respectivamente).

Todas estas possíveis variações de interpretação resultam da circunstância de que o enquadramento jurídico-penal de uma dada conduta num certo tipo criminal pressupõe um esquema de raciocínio em que o silogismo judiciário se processa da seguinte forma:

Os factos apurados são enquadráveis em determinada previsão legal? Os mesmos factos não são enquadráveis em qualquer outra? Em caso afirmativo, qual ou quais têm a natureza de dominantes ou absorventes do enquadramento na ou nas restantes? Silogismo este que, na prática, é traduzido expressamente apenas pela primeira das interrogações alinhadas, enquanto as restantes ficam formuladas de forma implícita.

E, posto o problema nestes termos, facilmente se verifica que, quando o tribunal, ao fixar a jurisprudência, acabe por adoptar uma interpretação diferente das duas que estão na base do conflito mas susceptível de resultar da aplicação da lei aos factos concretos que lhes subjazem, não está, por qualquer forma, a exceder os seus poderes-deveres de proceder ao correcto enquadramento interpretativo de natureza jurisprudencial obrigatória, a que se encontra vinculado pelo instituto em que se funda, para proferir uma tal decisão.

Foi esta, de resto, a posição já assumida por este Supremo Tribunal no Acórdão, com força obrigatória geral, de 25 de Março de 1992, proferido no processo 42 204, de que foi relator o Ex. Conselheiro Ferreira Vidigal, publicado no Diário da República, 1.ª série, de 10 de Julho de 1992.

Relativamente a todas as apontadas questões prévias, também já este Tribunal se pronunciou, em sentido idêntico ao que atrás foi indicado, no Acórdão, com força obrigatória geral, n.º 5/93, proferido no processo 43 073, de que foi relator o dos presentes autos.

Improcedem, por consequência, todas as referidas questões prévias.

Por isso, passa-se a apreciar o objecto deste recurso extraordinário para fixação de jurisprudência.

Em teoria, e no tocante à instrução, serão possíveis quatro posições:

A de que nela se deverão apreciar todos os factos em relação a todos os arguidos, mesmo que a não tenham requerido, por forma a ser proferido, a final, um despacho de pronúncia ou de não pronúncia respeitante a todos os referidos arguidos;

A de que na mesma se apreciará unicamente a prova relacionada com os factos atribuídos ao arguido ou arguidos que a tenham requerido, embora, a final, se deva proferir um despacho de pronúncia ou de não pronúncia que englobe todos os arguidos;

A de que na instrução se apreciam apenas os factos relacionados com a actuação de quem a tenha requerido, com prolação final de um despacho que pronuncie ou despronuncie unicamente quem a tiver requerido, e com sujeição da apreciação da conduta dos restantes a um posterior despacho do juiz de julgamento, de recebimento implícito da acusação, a designar a data da realização da audiência, nos termos dos artigos 311.º, n.º 2, e 312.º do Código de Processo Penal; e A de que, na mesma instrução, se apreciam os factos relacionados com a actuação de quem a tenha requerido e, ainda, a dos comparticipantes na sua actividade taxada de delituosa, mesmo que a não tenham requerido, com despacho final de pronúncia de todos esses comparticipantes necessários, e sujeição posterior da conduta de outros possíveis arguidos ao mencionado despacho liminar do juiz de julgamento.

No presente recurso apenas se discute se no despacho de pronúncia ou de não pronúncia se deve ou não incluir a apreciação (e, eventualmente, a qualificação) das condutas dos arguidos que não requereram a instrução, para além de idêntica e obrigatória apreciação das condutas do arguido ou arguidos que a requereram, mas tal circunstância não impede que se tenha de proceder à análise e desenvolvimento das quatro indicadas posições teóricas, já que a decisão do recurso passa necessariamente pela adopção de uma delas.

Desde já se pode referir que a letra da lei não se mostra suficientemente explícita para se poder considerar como iniludivelmente válida qualquer das indicadas posições, uma vez que ela é omissa quanto a esses pontos, e que a mesma, quando se refere à instrução, utiliza sistematicamente o termo «arguido» no singular (cf. os artigos 286.º a 310.º do Código de Processo Penal), terminologia, de resto, usada igualmente no que respeita ao julgamento e à decisão, mesmo quando haja pluralidade de arguidos (v., por exemplo, os artigos 312.º, n.º 2, 313.º, 315.º, 316.º, 325.º, 332.º, 333.º, 334.º, 335.º, 336.º, 337.º, 341.º, 342.º, 343.º, 344.º, 345.º, 351.º, 352.º, 357.º, 358.º, 361.º, 362.º, 364.º, 368.º, 369.º, 370.º, 371.º, 374.º, 375.º, 376.º, 377.º e 378.º do mesmo diploma).

Talvez precisamente por aqueles artigos se referirem sempre a «arguido», no singular, por se encontrar estabelecido, no artigo 286.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, que «a instrução tem carácter facultativo» (a exemplo, aliás, do que resultava da conjugação dos artigos 326.º e 327.º do Código de Processo Penal de 1929, na sua redacção primitiva), e por parecer que o julgador estará limitado a conhecer da matéria constante da acusação ou do requerimento para abertura da instrução (artigos 288.º, n.º 4, 303.º e 308.º, n.º 2, do Código em causa), surgiu uma forte tendência jurisprudencial no sentido de se considerar que na instrução o respectivo juiz só pode apurar a matéria respeitante à actuação do arguido ou arguidos que a tenham requerido, e, a final, só pode proferir despacho de pronúncia ou de não pronúncia quanto a esse ou esses arguidos.

São exemplos de tal posição doutrinária o acórdão invocado como fundamento no presente recurso e a redacção proposta pelo Ex. Recorrente para a formulação do acórdão, com força obrigatória geral, em apreciação.

O acórdão recorrido, pelo contrário, baseou-se na solução doutrinária acima indicada em segundo lugar (apreciação, na instrução, apenas dos factos respeitantes ao respectivo requerente, mas inclusão, no despacho de pronúncia, de todos os arguidos, mesmo os não requerentes da instrução).

Vejamos, por isso, qual das mencionadas posições filosóficas deve ser considerada como mais correcta, à luz dos preceitos legais e dos princípios que enformam o nosso direito processual penal, e, nomeadamente, se o actual Código consagra um sistema de absoluta cindibilidade das diferentes matérias submetidas a julgamento, um sistema de cindibilidade parcial, ou um sistema de cindibilidade potencial, ou, pelo contrário, e tal como o anterior, um sistema de unidade mais ou menos absoluta de apreciação de tais matérias.

Comecemos, para o fazer, pela história do instituto em que se traduz a instrução (denominada «instrução contraditória» no Código anterior).

Na redacção primitiva do Código de Processo Penal de 1929, a «instrução contraditória» (equivalente à actual instrução) só podia ser requerida pelos arguidos que tivessem sido interrogados em juízo, e deviam sê-lo em requerimento articulado com indicação das diligências a realizar, feito pelo arguido (artigos 326.º e 327.º).

E como não havia juiz de instrução, o despacho de pronúncia (ou de não pronúncia) que se seguisse àquela instrução apreciava os factos em relação a todos os arguidos.

Com a reforma do Decreto-Lei 35 007, de 13 de Outubro de 1945, a «instrução contraditória» podia também ser requerida pelo Ministério Público (e tinha de o ser por este magistrado, nos casos em que a acusação por ele deduzida no fim da instrução preparatória tivesse natureza necessariamente provisória, por se tratar de processo de querela), para além de «o arguido» continuar a poder requerer a respectiva abertura.

Em qualquer dos casos, porém, não se podia requerer a abertura da «instrução contraditória» para se comprovar uma decisão do Ministério Público no sentido do arquivamento do processo, ao assistente não era conferido o direito de a requerer, as diligências respectivas respeitavam apenas aos factos indicados pelo arguido ou arguidos requerentes (se tivesse sido pedida por estes) ou aos relacionados com todos os arguidos (quando tivesse sido requerida pelo Ministério Público) e a apreciação final, traduzida pelo despacho de pronúncia ou de não pronúncia, abrangia todos os arguidos que tivessem sido acusados, mesmo que não tivessem requerido aquela «instrução».

E quando houvesse vários arguidos, se as diligências de instrução contraditória requeridas por um deles se concluíssem antes das que os outros tivessem requerido, o juiz, no regime inicial do Código, deveria apreciar as provas produzidas por aquele para quem tivesse terminado a instrução, se não fosse absolutamente indispensável aguardar a conclusão de todas as investigações (artigo 334.º), ao passo que, no regime do citado decreto-lei, a apreciação das provas produzidas em relação a todos os requerentes seria feita em simultâneo, mas sempre dentro de certo prazo peremptório (artigo 42.º do decreto-lei em causa).

Por outras palavras, e em resumo: a referida «instrução» tinha carácter facultativo quando requerida pelo arguido (ou arguidos) e, quando requerida por ele ou eles, só tinha como objecto o apuramento dos factos por eles indicados no respectivo requerimento de abertura da mesma (com a possibilidade de indeferimento do pedido de efectivação de diligências que o juiz entendesse serem impertinentes ou dilatórias - artigos 327.º, § único, do Código e 40.º daquele decreto-lei), mas o despacho final, de natureza unitária, apreciava a conduta de todos os acusados e procedia globalmente à sua pronúncia ou despronúncia, de forma individualizada em relação a cada um deles, tivesse sido ou não requerente da mencionada «instrução».

Vejamos, por isso, que diferenças existem no regime do Código actual, de 1987, cujas disposições mais significativas e a que se vai aludir se transcrevem em nota final (1), e se delas pode resultar qualquer cindibilidade do despacho que procede à apreciação dos indícios em ordem a preparar o processo para julgamento, sem deixar de se ter em atenção que presentemente se verificou um corte entre a actividade de um juiz que aprecia esses indícios e a de outro que fica encarregue do julgamento.

A abertura da «instrução» continua a ter carácter facultativo, não pode ser requerida pelo Ministério Público, mas pode sê-lo pelo arguido ou pelo assistente (e neste caso quanto a factos respeitantes a crimes de natureza não particular, relativamente aos quais o Ministério Público se tenha abstido de deduzir acusação), como resulta dos artigos 286.º, n.º 2, e 287.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.

Os factos a apurar continuam a ser apenas aqueles que tiverem sido indicados no requerimento para a sua abertura (artigos 287.º, n.º 3, e 288.º, n.º 4), assim como os actos a praticar são unicamente aqueles que o juiz entenda deverem ser levados a cabo (artigo 289.º).

Quer no caso de ser requerida a instrução por um ou mais arguidos e de haver outro ou outros que a não tenham requerido, quer no caso de não ter havido instrução, qualquer dos arguidos mantém o direito de requerer a separação de processos, quando tenha sido pedida a intervenção do júri, desde que o faça dentro dos cinco dias úteis posteriores à notificação do despacho que tiver admitido a intervenção do júri (artigo 30.º do Código de Processo Penal).

Ao mesmo tempo, e contrariamente à posição defendida pelo Ex.

Procurador-Geral-Adjunto, mesmo que se entenda que o despacho instrutório consubstanciado por uma pronúncia (ou por uma despronúncia) abrange todos os arguidos, tenham ou não requerido a instrução, nada se encontra na mesma lei que impeça um arguido que não tenha requerido a instrução de requerer a separação de processos, com o fundamento de existir nesta um interesse ponderoso e atendível, nomeadamente o não prolongamento da sua prisão preventiva.

Em teoria, até, nada impedirá, inclusivamente, que um arguido que tenha requerido a instrução, fundamentada, por exemplo, na simples junção e apreciação de um certo documento, venha, em determinado momento, pedir a separação de processos por aquele motivo, quando outro arguido, relativamente a uma infracção em que o primeiro não tenha comparticipado, tenha vindo igualmente a requerer uma instrução extremamente demorada e impeditiva da efectivação rápida do julgamento daquele, o que bem demonstra a impossibilidade de relacionamento entre o direito de requerer a instrução e o âmbito desta.

E, se assim é, não se encontra o apontado pretenso obstáculo legal a que a instrução, ou, pelo menos, o seu despacho final, abranja todos os arguidos, tenham ou não requerido a mesma.

É que não se trata de se dizer que, uma vez requerida a instrução, as diligências probatórias desta abrangem necessariamente as actividades dos arguidos que a não tiverem requerido (a necessidade só surgirá, como parece evidente, nas situações em que a actuação destes últimos tenha sido de comparticipação nos factos praticados pelos requerentes daquela fase processual), mas tão-somente, e numa primeira análise, de se determinar se o despacho que culmina a instrução deve ou não incluir, ainda que de forma tabelar (e a exemplo do que sucede com o despacho que designa dia para julgamento), os arguidos que a não tenham requerido.

Só depois de se dar uma eventual resposta afirmativa a tal questão surgirá a necessidade de se apurar se e em que medida o requerimento a pedir a realização da instrução pode ou deve afectar os arguidos que a não tenham requerido, e, mesmo assim, dentro de que parâmetros, por forma que as suas garantias de defesa não sejam afectadas.

Em conjugação com esse argumento, os defensores da posição de que o despacho de pronúncia só deve abranger quem tenha requerido a instrução argumentam que «o direito de requerer a instrução é um direito pessoal e disponível, mas não potestativo, dos arguidos, que o podem exercer ou não consoante a sua atitude perante a causa e a sua própria estratégia de defesa», e que, por tal motivo, se não pode aceitar que naquele despacho o tribunal se pronuncie sobre as condutas dos arguidos não requerentes da instrução.

Antes de mais, cumpre frisar que, em processo penal, a ideia de «estratégia da defesa», tal como a de «estratégia de ataque» (por parte do Ministério Público ou do assistente), quando possa existir, não tem nunca carácter pleno, em virtude de os factos a apurar se encontrarem, na quase totalidade dos casos, excluídos da regra da livre disponibilidade dos direitos, regra esta que só tem validade para um número apreciável dos direitos civis (e, mesmo assim, nem todos, como é sabido).

Basta pensar, por exemplo, que a expressão máxima dessa pretensa disponibilidade se traduz na confissão do arguido, e que esta última só tem relevo se o tribunal, mediante um conjunto de investigações a que oficiosamente tem de proceder, se convencer de que a mesma corresponde à realidade e é feita em plena liberdade do confitente (artigo 344.º, n.º 4, do Código de Processo Penal).

E o conceito da pretensa soberania da «estratégia de defesa» é totalmente afastado nas situações em que, por exemplo, acusados dois ou mais arguidos da prática de um dado ilícito que só possa existir como tal se se verificar uma determinada circunstância pessoal de um dos seus agentes, apenas este requeira a instrução, enquanto os restantes, baseados numa diferente «estratégia de defesa», se tenham reservado para discutir a acusação em julgamento, se, pela prova produzida na instrução, vier a ser afastada aquela circunstância incriminatória.

Com efeito, se aquele conceito tivesse a amplitude plena que se quer conceder, os restantes arguidos teriam de vir a ser submetidos a julgamento por um facto cuja ilicitude teria deixado de existir em resultado da decisão instrutória.

Parece manifesto, por isso, que, numa situação como a que foi indicada, a aludida decisão instrutória teria de produzir efeitos automaticamente, em relação aos não requerentes da instrução, quanto mais não fosse por aplicação do princípio geral de extensão das consequências legais de uma decisão que reaprecie uma anterior, ainda que o objecto da reapreciação seja limitado quanto a certos aspectos da primeira, preceito este consignado expressamente para os recursos pelo n.º 3 do artigo 403.º do Código de Processo Penal.

Mas a necessidade de extensão dessa regra, de produção de efeitos para além do requerente de um dado tipo de processamento, verifica-se também relativamente a pessoas que não sejam requerentes da instrução, acusadas como co-autoras de uma certa infracção, quando um outro co-autor a requeira e invoque circunstâncias, não já exclusivamente pessoais, mas ligadas à própria natureza do ilícito.

E nas situações em que a instrução é requerida pelo assistente, os efeitos da mesma estendem-se obrigatoriamente a todos os arguidos, o que acabaria por implicar uma «diversidade de armas» em relação à instrução requerida apenas por um dos arguidos, se se aceitasse a posição propugnada pelo Ex.

Procurador-Geral-Adjunto.

Ora, se se não encontram fundamentos legais ou teóricos que obstem à adopção da solução de que a abertura de instrução, embora requerida por um só, deve produzir efeitos (pelo menos em termos de despacho de pronúncia) em relação a todos os arguidos, temos razões de ordem processual que nos inculcam que a regra geral, no processo penal, e em virtude da especial natureza pública, quer das regras processuais, quer das regras do direito substantivo subjacente, é a de que a prática de um acto por um dos intervenientes aproveita a, ou se repercute em, todos os demais.

É assim, por exemplo, que o pedido da documentação da prova em audiência singular origina que a redução a escrito das declarações e dos depoimentos se estenda a todos (artigo 364.º, n.º 1, do Código de Processo Penal), que o pedido de intervenção do júri, nos processos comuns com intervenção de colectivo, para além de irretractável, dê origem a que todo o processo seja julgado com intervenção do júri e a que, se algum dos arguidos não requerentes da intervenção do júri não quiser que assim aconteça, tenha de requerer a separação de processos, em curto prazo, como acima se referiu, e que, em caso de recurso, a interposição deste por um dos arguidos obrigue a que o tribunal de recurso, no caso de procedência do mesmo, tenha de extrair as adequadas consequências em relação a todos (artigo 403.º, n.º 3, já citado).

Assim, e se é esse o princípio geral, deve o mesmo ser aplicado ao caso de a instrução não ser requerida por todos os arguidos, mas unicamente por um ou por alguns deles, até porque a referida instrução se encontra sujeita a um especialíssimo regime no que concerne a uma eventual alteração substancial de factos constantes da acusação.

Com efeito, ao contrário do que se poderia pensar que resultaria de toda a ênfase posta no Código quanto ao problema da alteração substancial dos factos da acusação [artigos 1.º, n.º 1, alínea f), e 359.º], a alteração de tais factos, feita na decisão instrutória, traduzida pela prolação de um despacho de pronúncia, é geradora unicamente de uma nulidade relativa, que fica sanada se não for arguida em cinco dias (artigo 309.º, n.º 1 e 2).

Ora, como poderá reagir contra uma tal nulidade um arguido não requerente da instrução se não tiver, nesta fase processual, um estatuto mínimo de interveniente nela em relação ao qual a decisão proferida tenha carácter unitário e o abranja necessariamente? Por outro lado, a procedência da tese defendida pelo Ex. Recorrente levaria à prática de actos em duplicado (por um lado, pronúncia feita pelo juiz de instrução, com eventual alteração dos factos constantes da acusação, e, por outro, despacho de marcação de julgamento, correspondente a uma pronúncia implícita, com aceitação dos factos constantes da acusação, feita pelo juiz do julgamento) e com consequente violação dos comandos legais dos artigos 311.º, n.º 2, e 359.º, n.º 1, já que a redacção destes («Se o processo tiver sido remetido para julgamento sem ter havido instrução, o presidente despacha no sentido de [...]» e «Uma alteração substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver [...]») só pode ser entendida no sentido de que, se houver pronúncia, a acusação desaparece como realidade processual atendível (excepto, como é evidente, se e na medida em que a decisão instrutória remeta para ela).

Nestes termos, e em função do exposto, fixam a seguinte jurisprudência obrigatória:

«Requerida a instrução por um só ou por alguns dos arguidos abrangidos por uma acusação, os efeitos daquela estendem-se aos restantes que por ela possam ser afectados, mesmo que a não tenham requerido.

A final, a decisão instrutória que vier a ser proferida deve abranger todos os arguidos constantes da referida acusação, por não haver lugar, neste caso, a aplicação posterior do n.º 2 do artigo 311.º do Código de Processo Penal.» E, em conformidade com esta jurisprudência, confirmam o acórdão recorrido, cuja doutrina é a mesma (artigo 445.º do Código de Processo Penal).

Dê-se cumprimento ao disposto no artigo 444.º do Código de Processo Penal.

Não há lugar a tributação.

(1) Código de Processo Penal de 1987:

«Artigo 30.º

1 - Oficiosamente, ou a requerimento do Ministério Público, do arguido, do assistente ou do lesado, o tribunal faz cessar a conexão e ordena a separação de algum ou alguns dos processos sempre que:

a) Houver na separação um interesse ponderoso e atendível de qualquer arguido, nomeadamente no não prolongamento da prisão preventiva;

b) A conexão puder retardar excessivamente o julgamento de qualquer dos arguidos; ou c) Houver declaração de contumácia, nos termos do artigo 336.º, n.º 2.

2 - A requerimento de algum ou alguns dos arguidos, o tribunal pode ainda tomar a providência referida no número anterior quando outro ou outros dos arguidos tiverem requerido a intervenção do júri.

3 - O requerimento referido no princípio do número anterior tem lugar nos cinco dias posteriores à notificação do despacho que tiver admitido a intervenção do júri.

Artigo 40.º

Nenhum juiz pode intervir em recurso ou pedido de revisão relativo a uma decisão que tiver proferido ou em que tiver participado, ou no julgamento de um processo a cujo debate instrutório tiver presidido.

Artigo 286.º

1 - A instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento.

2 - A instrução tem carácter facultativo e não pode ter lugar nas formas de processo especiais.

Artigo 287.º

...................................................................................................................

3 - O requerimento [para abertura da instrução] não está sujeito a formalidades especiais, mas deve conter, em súmula, as razões de facto e de direito, de discordância relativamente à acusação ou não acusação, bem como, sempre que disso for caso, a indicação dos actos de instrução que o requerente desejaria que o juiz levasse a cabo, dos meios de prova que não tenham sido considerados no inquérito e dos factos que, através de uns e de outros, se espera provar.

Artigo 288.º

...................................................................................................................

4 - O juiz investiga autonomamente o caso submetido a instrução, tendo em conta a indicação, constante do requerimento da abertura de instrução, a que se refere a parte final do n.º 3 do artigo anterior.

Artigo 291.º

...................................................................................................................

2 - Os actos e diligências de prova praticados no inquérito só são repetidos no caso de não terem sido observadas as formalidades legais ou quando a repetição se revelar indispensável à realização das finalidades da instrução.

Artigo 298.º

O debate instrutório visa permitir uma discussão perante o juiz, por forma oral e contraditória, sobre se, do decurso do inquérito e da instrução, resultam indícios de facto e elementos de direito suficientes para justificar a submissão do arguido a julgamento.

Artigo 303.º

1 - Se dos actos de instrução ou do debate instrutório resultar alteração dos factos descritos na acusação do Ministério Público ou do assistente, ou no requerimento para abertura da instrução, o juiz, oficiosamente ou a requerimento, comunica a alteração ao defensor, interroga o arguido sobre ela sempre que possível e concede-lhe, a requerimento, um prazo para preparação da defesa não superior a cinco dias, com o consequente adiamento do debate, se necessário.

.....................................................................................................................

Artigo 304.º

1 - Ao debate instrutório é correspondentemente aplicável o disposto no artigo 328.º, n.º 1 e 2.

Artigo 308.º

1 - Se, até ao encerramento da instrução, tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz, por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respectivos; caso contrário, profere despacho de não pronúncia.

2 - É correspondentemente aplicável ao despacho referido no número anterior o disposto no artigo 283.º, n.º 2, 3 e 4, sem prejuízo do disposto na segunda parte do n.º 1 do artigo anterior [equivalência da leitura do despacho pelo juiz à notificação dos presentes].

Artigo 309.º

1 - A decisão instrutória é nula na parte em que pronunciar o arguido por factos que constituam alteração substancial dos descritos na acusação do Ministério Público ou do assistente ou no requerimento para abertura da instrução.

2 - A nulidade é arguida no prazo de cinco dias contados desde a data da notificação da decisão.

Artigo 311.º

...................................................................................................................

2 - Se o processo tiver sido remetido para julgamento sem ter havido instrução, o presidente despacha no sentido:

a) De rejeitar a acusação, se a considerar manifestamente infundada;

b) De não aceitar a acusação do assistente na parte em que ela representa uma alteração substancial da acusação do Ministério Público, nos termos do artigo 284.º, n.º 1.

Artigo 313.º

1 - O despacho que designa dia para a audiência contém, sob pena de nulidade:

a) A indicação dos factos e disposições legais aplicáveis, o que pode ser feito por remissão para a acusação ou para a pronúncia, se a houver;

......................................................................................................................

Artigo 358.º

1 - Se no decurso da audiência se verificar uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, com relevo para a divisão da causa, o presidente, oficiosamente ou a requerimento, comunica a alteração ao arguido e concede-lhe, se ele o requerer, o tempo estritamente necessário para a preparação da defesa.

2 - Ressalva-se do disposto no número anterior o caso de a alteração ter derivado de factos alegados pela defesa.

Artigo 359.º

1 - Uma alteração substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, não pode ser tomada em conta pelo tribunal para o efeito de condenação no processo em curso; mas a comunicação da alteração ao Ministério Público vale como denúncia para que ele proceda pelos novos factos.

Artigo 379.º

É nula a sentença:

.....................................................................................................................

b) Que condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358.º e 359.º;

....................................................................................................................

Artigo 403.º

1 - É admissível a limitação do recurso a uma parte da decisão quando a parte recorrida puder ser separada da parte não recorrida, por forma a tornar possível uma apreciação e uma decisão autónomas.

2 - Para efeito do disposto no número anterior, é nomeadamente autónoma a parte da decisão que se referir:

a) A matéria penal, relativamente àquela que se referir a matéria civil;

b) Em caso de concurso de crimes, a cada um dos crimes;

c) Em caso de unidade criminosa, à questão da culpabilidade, relativamente àquela que se referir à questão da determinação da sanção;

d) Dentro da questão da determinação da sanção, a cada uma das penas ou medidas de segurança.

3 - A limitação do recurso a uma parte da decisão não prejudica o dever de retirar da procedência daquele as consequências legalmente impostas relativamente a toda a decisão recorrida.

Artigo 434.º

1 - No requerimento de interposição do recurso, o recorrente pode requerer que as alegações sejam produzidas por escrito.

2 - Se não houver oposição do recorrido e o recurso dever prosseguir, o relator, no exame preliminar, fixa o prazo em que o recorrente e recorrido devem produzir alegações, não podendo, relativamente a cada um, exceder 15 dias.

..................................................................................................................... ».

Lisboa, 19 de Outubro de 1995. - Bernardo Guimarães Fisher Sá Nogueira - Pedro Elmano de Figueiredo Marçal - Sebastião Duarte de Vasconcelos da Costa Pereira - António de Sousa Guedes - Manuel Luís Sá Ferreira - Victor Manuel Ferreira da Rocha - José Moura Nunes da Cruz - Rui Manuel Brandão Lopes Pinto - Joaquim Daniel Araújo dos Anjos - Manuel António Lopes Rocha - Humberto Carlos Amado Gomes - Manuel Castro Ribeiro - Manuel de Andrade Saraiva (dispensei o visto) - José Sarmento da Silva Reis (vencido, tiraria decisão a fixar jurisprudência obrigatória no sentido que proposto vem pelo Ministério Público) - José Joaquim da Costa Figueirinhas (vencido nos termos do voto do Ex. Colega Silva Reis).

Tribunal Constitucional

Acórdão 226/97 - Processo 96/96

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I - Relatório

1 - Edna Thália Jarrim Moya e Valdemar Pereira Batista, arguidos nos presentes autos, recorreram para o Tribunal da Relação de Coimbra do despacho do juiz de instrução criminal de Aveiro que indeferiu arguição de irregularidade da decisão instrutória que, tendo apenas valorado e apreciado a prova quanto aos factos pelos quais vinham acusados os arguidos que requereram a abertura da instrução, decidiu que «o despacho de pronúncia incidirá sobre toda a matéria fáctica constante da acusação, limitando-se o juiz de instrução a verter para aquele despacho os factos sobre os quais não incidiu a sua actividade investigatória - factos imputados aos arguidos que não requereram a abertura da instrução -, sem prejuízo, no entando, do poder de fiscalização conferido ao juiz de julgamento pelo artigo 311.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Penal».

Os recorrentes sustentaram que, havendo instrução, é ao juiz respectivo e não ao juiz do julgamento que compete apreciar, em relação a todos os arguidos - e não só aos que requereram a instrução -, se foram recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação de uma pena ou de uma medida de segurança.

Na sua resposta, o Ministério Público sustentou que deveria ser negado provimento ao recurso por entender que a decisão instrutória deve versar apenas matéria relativamente à qual se requereu a abertura de instrução. E já no Tribunal da Relação de Coimbra, o Ministério Público suscitou ainda a questão do regime de subida do recurso, propugnando que lhe fosse atribuído o regime de subida diferida - e não imediata, como decidira o juiz a quo.

2 - Por Acórdão de 9 de Maio de 1990, o Tribunal da Relação de Coimbra concedeu provimento ao recurso, tendo, em consequência, julgado inválida a decisão instrutória em relação aos recorrentes, bem como os termos subsequentes do processo que a irregularidade pudesse afectar.

Neste acórdão, entendeu-se que «quer haja um só arguido quer haja vários, havendo instrução, o respectivo juiz proferirá despacho de pronúncia ou de não pronúncia, que valerá como tal em relação a todos os arguidos. No caso de ter havido instrução e desde que a decisão instrutória seja no sentido de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança, ao juiz de julgamento apenas lhe compete designar a data para a audiência, não podendo rejeitar a acusação por a considerar manifestamente infundada.» E, por conseguinte, concluiu-se que o juiz de instrução «ao proferir a decisão instrutória deveria ponderar, em relação a todos os acusados - e, consequentemente, também em relação aos arguidos Edna Thália e Valdemar -, se a acusação era fundada ou manifestamente infundada, devendo rejeitá-la neste último caso, sem relegar essa fiscalização para o juiz do julgamento».

3 - O Ministério Público interpôs recurso extraordinário de fixação de jurisprudência do Acórdão de 9 de Maio de 1990, em virtude de existir oposição entre a decisão tomada no acórdão recorrido e a decisão constante do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 18 de Abril de 1990, pois no acórdão fundamento entendeu-se o seguinte: «se houver mais de um arguido, o processo é remetido ao juiz de instrução para a realização das diligências que forem pedidas pelos requerentes da instrução, e, oportunamente, ao juiz do julgamento, para aceitação ou rejeição da acusação quanto aos não requerentes. Depois, designar-se-á data para a audiência.» Admitido o recurso para fixação de jurisprudência, por Acórdão preliminar de 19 de Setembro de 1991, o Ministério Público apresentou alegações sustentando que a interpretação dada pelo acórdão recorrido aos artigos 286.º, n.º 1, 308.º, n.º 3, e 311.º do Código de Processo Penal, no sentido de a instrução e a pronúncia abrangerem toda a acusação e todos os arguidos (incluindo os não requerentes da abertura da instrução), é violadora das garantias de defesa dos arguidos não requerentes (artigo 32.º, n.º 1, da Constituição).

4 - O Supremo Tribunal de Justiça, por Acórdão de 19 de Outubro de 1995, fixou a seguinte jurisprudência obrigatória:

«Requerida a instrução por um só ou por alguns dos arguidos abrangidos por uma acusação, os efeitos daquela estendem-se aos restantes que por ela possam ser afectados, mesmo que a não tenham requerido.

A final, a decisão instrutória que vier a ser proferida deve abranger todos os arguidos constantes da referida acusação, por não haver lugar, neste caso, à aplicação posterior do n.º 2 do artigo 311.º do Código de Processo Penal.» Em consequência, foi confirmado o acórdão recorrido.

5 - O Ministério Público interpôs, ao abrigo do disposto nos artigos 280.º, n.º 1, alínea b), da Constituição e 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, recurso de constitucionalidade do acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória, para apreciação da conformidade à Constituição das normas contidas nos artigos 286.º, n.º 1 e 2, 287.º, n.º 1, alínea c), e 3, 288.º, n.º 4, 289.º, 298.º, 307.º, n.º 1, 308.º, n.º 1, e 311.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, interpretadas de modo a concluir que, «acusados vários arguidos, requerida a instrução para um ou alguns, tal requerimento afecta os não requerentes acusados de crimes autónomos, sendo-lhes aplicável a fase de instrução, maxime, sendo abrangidos pela decisão instrutória, sem que lhes seja aplicável o regime do artigo 311.º, n.º 2, do Código de Processo Penal».

Só o Ministério Público apresentou alegações, que concluiu do seguinte modo:

«As normas constantes dos artigos 286.º, n.º 1 e 2, 287.º, n.º 1, alínea c), e 3, 288.º, n.º 4, 289.º, 298.º, 307.º, n.º 1, 308.º, n.º 1, e 311.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, interpretadas no sentido de que, acusados vários arguidos e requerida a instrução para um ou alguns, tal requerimento afecta os não requerentes acusados de crimes autónomos, sendo abrangidos pela instrução e pela respectiva decisão instrutória, sem que lhes seja aplicável o regime do artigo 311.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, enfermam de inconstitucionalidade material, por violação das garantias de defesa consagradas no artigo 32.º da Constituição.» 6 - Corridos os vistos, cumpre decidir.

II - Fundamentação

A) O objecto do recurso

7 - O presente recurso vem de um acórdão de fixação de jurisprudência emitido pelo Supremo Tribunal de Justiça ao abrigo do disposto nos artigos 437.º e seguintes do Código de Processo Penal. Tal acórdão não só tem eficácia no processo em que o recurso (para a fixação de jurisprudência) foi interposto como constitui jurisprudência obrigatória para os tribunais judiciais (artigo 445.º, n.º 1, do Código de Processo Penal).

Poderia colocar-se, desde logo, a questão de saber se a questão de constitucionalidade suscitada se não refere directamente ao próprio acórdão de fixação de jurisprudência - e não às normas legais por ele interpretadas e aplicadas - e se tal acórdão é passível de controlo de constitucionalidade (isto é, se constitui uma norma de acordo com o conceito funcional que tem vindo a ser adoptado pelo Tribunal Constitucional - cf., neste sentido, os Acórdãos n.º 80/96, publicado no Diário da República, 1.ª série, de 9 de Junho de 1986, 157/88, publicado no Diário da República, 1.ª série, de 26 de Julho de 1988, 168/88, publicado no Diário da República, 1.ª série-B, de 11 de Outubro de 1988, 150/86, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 26 de Julho de 1986, 172/93, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 18 de Junho de 1993, e 214/94, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 19 de Julho de 1994).

8 - Contudo, esta questão não possui qualquer relevância no caso sub judicio.

Na verdade, o acórdão de fixação de jurisprudência proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça em 19 de Outubro de 1995 não foi utilizado, no caso vertente, como eventual «fonte normativa».

Assim, mesmo admitindo-se que o acórdão de fixação de jurisprudência constitui norma, numa perspectiva funcional, para efeito de fiscalização de constitucionalidade, não é ele que está em causa no presente processo (cf., em sentido idêntico, o Acórdão 279/95, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 28 de Julho de 1995).

Aquilo que constitui objecto deste recurso - e cuja constitucionalidade o Ministério Público questiona é a interpretação intraprocessual dada numa decisão do Supremo Tribunal de Justiça a normas constantes do Código de Processo Penal: artigos 286.º, n.º 1 e 2, 287.º, n.º 1, alínea a), e 3, 288.º, n.º 4, 289.º, 307.º, n.º 1, 308.º, n.º 1, e 311.º, n.º 2.

9 - O Tribunal entendeu que a questão de constitucionalidade foi suscitada durante o processo, na medida em que foi invocada antes de proferida a decisão recorrida, sendo irrelevante a circunstância de se estar perante um recurso qualificado por lei como extraordinário. A maioria do Tribunal (sem a concordância da ora relatora) entendeu que o Supremo Tribunal de Justiça, ao decidir o recurso, podia e devia conhecer a questão de constitucionalidade.

B) A questão de constitucionalidade suscitada

10 - Pela interpretação que dá às normas em crise, o Supremo Tribunal de Justiça entende que os efeitos da instrução requerida por um só ou por vários arguidos se estendem a outro ou a outros e que a respectiva decisão instrutória a todos abrange. O Ministério Público reputa de inconstitucional esta interpretação, por ela obstar à posterior aplicação da alínea a) do n.º 2 do artigo 311.º do Código de Processo Penal - rejeição de acusação manifestamente infundada pelo juiz do julgamento - e, por conseguinte, violar as garantias de defesa (artigo 32.º, n.º 1, da Constituição).

De acordo com o entendimento do Ministério Público, a instrução aberta a pedido da defesa jamais poderá abranger um arguido que a não haja requerido.

A ausência de requerimento de abertura de instrução será interpretável como escolha de uma estratégia de defesa que aposta, precisamente, na possibilidade de a acusação ser rejeitada por se afigurar manifestamente infundada.

Assim, segundo a interpretação alegadamente conforme à Constituição, a decisão instrutória (de pronúncia ou, mesmo, porventura, de não pronúncia) não poderia apreciar a acusação deduzida contra arguido diverso do que requereu a abertura da instrução. Tal apreciação estaria forçosamente reservada ao juiz do julgamento.

11 - No sistema processual penal português, a instrução assume hoje - e após a entrada em vigor do Código de 1997 - um carácter puramente facultativo e não pode ter lugar nas formas de processo sumária e sumaríssima (artigo 286.º, n.º 2): em processo comum, ela pode ser requerida pelo assistente, como modo de reacção a um despacho de arquivamento do Ministério Público, nos casos de crime público e semipúblico [artigos 277.º e 287.º, n.º 1, alínea a)]; pode ainda ser requerida pelo assistente que pretenda promover uma alteração substancial dos factos constantes da acusação do Ministério Público [artigos 284.º, n.º 1, e 287.º, n.º 1, alínea a)], e pode, finalmente, ser requerida pelo arguido que pretenda obter um despacho de não pronúncia total ou parcial [artigo 287.º, n.º 1, alínea b)] (cf. Germano Marques da Silva, Do Processo Penal Preliminar, 1990, pp. 258 e segs.).

O direito (potestativo) de o arguido requerer a abertura de instrução pressupõe, obviamente, um interesse juridicamente relevante na não realização do julgamento. Para além do efeito sociológico estigmatizante da audiência, que a proclamação da presunção de inocência não ilide, a continuação do processo implica a possibilidade de aplicação de medidas de coacção e de garantia patrimonial, que envolvem, pela sua natureza, restrições ou privações de direitos fundamentais do arguido.

Todavia, a não obrigatoriedade da instrução explica-se à luz de um desígnio de celeridade processual, que a Constituição associa à própria presunção de inocência (artigo 32.º, n.º 2). Apenas é exigível, na perspectiva das garantias de defesa do arguido, que este possa optar pela realização de instrução e que, mesmo não havendo instrução, os actos atinentes aos seus direitos fundamentais sejam da competência exclusiva de um juiz (artigo 32.º, n.º 4, da Constituição) (cf. Figueiredo Dias, A Revisão Constitucional, o Processo Penal e os Tribunais, 1981, pp. 83 e segs., e Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 7/87, publicado no Diário da República, 1.ª série, de 9 de Fevereiro de 1987).

12 - Neste sistema, descrito perfunctoriamente, o arguido que não requeira a instrução pode ser afectado pelo arguido que a requeira, na medida em que fica prejudicado, desde logo, um seu eventual desígnio de celeridade processual. A realização de instrução atrasará, inexoravelmente, a marcha do processo, dilatando o período de aplicação de medidas de coacção e de garantia patrimonial. Porém, este prejuízo pode ser eliminado mediante a separação de processos, prevista, precisamente no interesse do arguido, nas alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 30.º do Código Penal. Ora, no caso vertente, o arguido não se quis prevalecer de tal faculdade.

Por outro lado, o co-arguido que não requereu a instrução seria igualmente prejudicado se a instrução aberta por iniciativa de outro co-arguido pudesse determinar uma alteração substancial dos factos de que é acusado. Se assim fosse, estariam em causa as garantias de defesa e o princípio do contraditório, que a Constituição estende aos «actos instrutórios que a lei determinar» (artigo 32.º, n.º 5) e o Código de Processo Penal contempla expressamente no âmbito do debate instrutório (artigo 298.º). Contudo, esta possibilidade é arredada pelo regime de fixação do objecto do processo (e, na realidade, não se concretizou no caso sub judicio).

Com efeito, nos termos do n.º 1 do artigo 309.º do Código de Processo Penal, a decisão instrutória não pode, sob pena de nulidade, acarretar uma alteração substancial dos factos descritos na acusação ou no requerimento para abertura da instrução. Deste modo, se um arguido requerer a abertura de instrução, apenas se pode seguir a sua não pronúncia (total ou parcial) ou uma pronúncia que não exceda a acusação anteriormente formulada contra si pelo Ministério Público ou pelo assistente. Mas nunca poderá haver uma alteração substancial dos factos imputados a um outro arguido.

13 - Colocada a questão nestes termos, subsiste apenas uma pergunta crucial: a decisão instrutória pode estender-se a um arguido que não requereu a abertura de instrução sem promover uma alteração substancial dos factos que lhe foram imputados na acusação? Uma resposta puramente negativa a esta pergunta seria incompatível com o princípio da economia processual e poderia prejudicar, sem qualquer justificação razoável, o próprio arguido que não requereu a instrução. Na verdade, se no decorrer da instrução se verificar, por exemplo, que nem sequer foi cometido o crime imputado a dois co-autores, nada justifica que se passe ao julgamento de um deles, a pretexto de ele não ter requerido a abertura da instrução. Um tal julgamento seria inexplicável ante os princípios constitucionais de processo penal.

Mas a questão que agora se coloca é diversa: pode o juiz de instrução, fora daquela hipótese de não pronúncia, que seguramente não viola as garantias de defesa, antecipar-se ao juiz do julgamento no saneamento do processo e receber a acusação deduzida contra arguido que não requereu a abertura de instrução, não a rejeitando por não a considerar manifestamente infundada? 14 - Em termos gerais, a instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento (artigo 286.º, n.º 1, do Código de Processo Penal). É ao juiz de instrução que o legislador ordinário atribui, em primeira linha, competência funcional para exercer as funções jurisdicionais relativas ao inquérito (artigo 18.º).

Neste contexto, a competência atribuída ao juiz do julgamento para proceder ao saneamento do processo configura-se como meramente residual e encontra a sua justificação precípua no carácter facultativo da instrução (cf. o n.º 2 do artigo 311.º do Código de Processo Penal). O juiz do julgamento só tem competência para rejeitar a acusação na justa medida em que o órgão jurisdicional normalmente competente para o efeito não haja tido oportunidade de o fazer.

Desta sorte, não se vislumbra que alguma garantia de defesa seja postergada por o juiz de instrução apreciar o carácter manifestamente infundado ou não manifestamente infundado da acusação e, em consonância com a apreciação que fizer, pronunciar ou não pronunciar o arguido que não requereu a abertura da instrução. Existe, de todo o modo, um controlo jurisdicional da acusação, tendente a evitar que seja submetida a julgamento pessoa contra a qual foi deduzida acusação manifestamente infundada.

15 - As garantias de defesa apenas seriam afectadas se o debate instrutório abrangesse, sem exercício de contraditório, um arguido que não requereu a abertura da instrução ou se esta acarretasse uma alteração substancial dos factos que lhe são imputados na acusação. Ora, nada disto se verificou no caso dos presentes autos nem decorre da interpretação dada às normas em crise pelo acórdão impugnado. O aresto do Supremo Tribunal de Justiça limita-se a concluir que os efeitos da instrução requerida por um só ou por vários arguidos se estendem a outros arguidos e concretiza esses efeitos ao nível da decisão instrutória.

Também se poderia questionar a constitucionalidade de uma interpretação segundo a qual o juiz de instrução recebesse, passivamente, a acusação deduzida contra arguido que não requereu a abertura de instrução. A ser assim, tal arguido ver-se-ia privado de qualquer controlo judicial do inquérito e da acusação (que não poderia ser rejeitada no caso de ser manifestamente infundada). Porém, esta interpretação, que, como se viu, foi acolhida pelo tribunal de 1.ª instância, foi afastada pelo Tribunal da Relação de Coimbra, que concluiu que o juiz de instrução deveria ponderar se a acusação era fundada.

E o Supremo Tribunal de Justiça sufragou esta última interpretação no acórdão de uniformização de jurisprudência ora recorrido.

Ao Tribunal Constitucional não compete, naturalmente, apreciar a correcção da interpretação normativa propugnada pelo Supremo Tribunal de Justiça ao nível infraconstitucional. Cabe-lhe, exclusivamente, ponderar se tal interpretação viola as garantias de defesa do arguido consagradas no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, ou quaisquer outros princípios ou normas constitucionais (cf.

artigo 79.º-C da Lei 28/82, de 15 de Novembro, aditado pela Lei 85/89, de 7 de Setembro). Ora, pelas razões anteriormente expendidas, conclui-se pela negativa. Consequentemente, deve negar-se provimento ao recurso e confirmar-se o acórdão recorrido na parte respeitante à questão de constitucionalidade suscitada.

III - Decisão

16 - Ante o exposto, o Tribunal Constitucional decide:

a) Não julgar inconstitucionais as normas constantes dos artigos 286.º, n.º 1 e 2, 287.º, n.º 1, alínea a), e 3, 288.º, n.º 4, 289.º, 307.º, n.º 1, e 311.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, quando interpretadas de forma a concluir que os efeitos da instrução requerida apenas por um só ou por vários arguidos se estendem a outro ou a outros arguidos e que a respectiva decisão instrutória abrange todos eles;

b) Negar provimento ao recurso;

c) Confirmar o acórdão recorrido na parte respeitante à questão de constitucionalidade suscitada.

Lisboa, 12 de Março de 1997. - Maria Fernanda Palma (com declaração de voto) - Vítor Nunes de Almeida - Armindo Ribeiro Mendes - Alberto Tavares da Costa - Maria da Assunção Esteves - Antero Alves Monteiro Dinis (vencido nos termos da declaração de voto junta) - José Manuel Moreira Cardoso da Costa.

Declaração de voto

Tendo sustentado a solução que obteve vencimento no presente acórdão quanto à questão de constitucionalidade suscitada - e não tendo, por isso, deixado de ser relatora do processo -, entendo que não se deveria ter tomado conhecimento do recurso pelas seguintes razões:

1.ª De acordo com a jurisprudência uniforme e reiterada do Tribunal Constitucional, o recurso previsto no artigo 280.º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional tem como pressuposto a arguição da questão de constitucionalidade normativa de modo processualmente adequado. E tem-se entendido que a questão de constitucionalidade não é suscitada de modo processualmente adequado quando o tribunal que aplicou a norma sindicada não pôde pronunciar-se sobre aquela questão (cf. os Acórdãos n.º 337/94, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 4 de Novembro de 1994, e 155/95, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 20 de Junho de 1995).

Ora, no caso dos autos, o Tribunal da Relação de Coimbra, que, em sede de recurso, aplicou as normas sindicadas segundo uma interpretação alegadamente inconstitucional, não foi confrontado com a questão de constitucionalidade e não a pôde apreciar.

Assim, falta o pressuposto do recurso de constitucionalidade precedentemente identificado.

2.ª É certo que o Tribunal Constitucional tem igualmente entendido que a questão de constitucionalidade pode vir a ser colocada já após a prolação da decisão judicial impugnada, quando esta aplicou de forma inesperada e surpreendente - isto é, com que o recorrente não poderia razoavelmente contar - a norma cuja inconstitucionalidade se invoca (cf. os Acórdãos n.º 136/85 e 94/88, publicados no Diário da República, 2.ª série, de 28 de Janeiro de 1986 e de 22 de Agosto de 1988, respectivamente).

Todavia, não foi isso que sucedeu no caso vertente. Na verdade, o Tribunal da Relação de Coimbra, antes de prolatar o Acórdão de 9 de Maio de 1990, foi confrontado com duas possibilidades interpretativas relativamente às normas agora impugnadas: a primeira, sufragada pelo juiz a quo, inclinava-se para uma visão restritiva do despacho de pronúncia, nos termos do qual este não poderia fiscalizar a acusação na parte referente a arguidos que não haviam requerido a instrução; a segunda, propugnada pelos recorrentes, considerava que o despacho de pronúncia deveria ponderar a existência de indícios suficientes para a dedução da acusação relativamente a todos os arguidos.

A última interpretação foi dada a conhecer ao Ministério Público, que teve oportunidade de se pronunciar sobre ela logo na resposta ao requerimento de interposição do recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra e, já perante este Tribunal, quando emitiu visto.

Contudo, o Ministério Público não suscitou em nenhuma destas ocasiões qualquer questão de constitucionalidade.

Assim, o Acórdão de 9 de Maio de 1990 do Tribunal da Relação de Coimbra não procedeu a nenhuma aplicação normativa inesperada ou surpreendente.

Confrontado com duas possibilidades de interpretação, optou por uma delas - por aquela que o Ministério Público considerava incorrecta, mas cuja constitucionalidade não pôs em causa e não impugnou, mediante a interposição de recurso de constitucionalidade.

3.ª Só após o trânsito em julgado do Acórdão de 9 de Maio de 1990 do Tribunal da Relação de Coimbra o Ministério Público interpôs recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, ao abrigo do artigo 438.º do Código de Processo Penal. Ora, este recurso é classificado como extraordinário pelo próprio Código de Processo Penal (cf. epígrafe do título II do livro VIII), pressupõe o trânsito em julgado do acórdão impugnado (cf. artigo 438.º, n.º 1) e tem a finalidade declarada de resolver um conflito resultante de soluções jurídicas opostas, servindo de precedente para decisões judiciais futuras (cf.

artigos 437.º, n.º 1, e 445.º, n.º 1; v., sobre a natureza deste recurso, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol. III, 1994, pp. 353 e segs., Manuel Simas Santos e outros, Código de Processo Penal Anotado, 2.º vol., 1996, pp. 654 e segs.). Deste modo, deve concluir-se que o Ministério Público não suscitou a questão de constitucionalidade de modo processualmente adequado: só o fez após o trânsito em julgado do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra que procedeu à interpretação normativa reputada de inconstitucional e no âmbito das alegações do recurso extraordinário de fixação de jurisprudência. Por isso não se deverá tomar conhecimento do objecto do presente recurso de constitucionalidade (cf., sobre situação análoga, em que apenas se suscitou a questão de constitucionalidade no recurso por oposição de julgados interposto perante o Supremo Tribunal de Justiça, entre outros, o Acórdão 367/96, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 10 de Maio de 1996). - Maria Fernanda Palma.

Declaração de voto

1 - A linha argumentativa do acórdão, no essencial, desenvolveu-se a partir das proposições que podem assim ser sintetizadas:

a) O direito (potestativo) de o arguido requerer a abertura de instrução pressupõe um interesse juridicamente relevante na não realização do julgamento;

b) Todavia, a não obrigatoriedade da instrução explica-se à luz de um desígnio de celeridade processual, que a Constituição associa à própria presunção de inocência;

c) Porém, o desígnio de celeridade processual do arguido que não requeira a instrução não resulta afectada pelo facto de um outro arguido a haver requerido, porquanto se poderá então prevalecer da separação de processos, prevista nas alíneas a) e c) do artigo 30.º do Código de Processo Penal;

d) Por outro lado, a circunstância de um arguido não ter requerido a instrução e um outro haver actuado em sentido contrário não acarreta para aquele, por expressa proibição decorrente do artigo 309.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, o perigo de se verificar na decisão instrutória uma alteração substancial dos factos descritos na acusação, caso em que se geraria a sua nulidade.

E, dadas por adquiridas estas permissas, atingiu-se então o ponto crucial da questão a decidir, formulando-se a interrogativa seguinte: «Pode o juiz de instrução, fora daquela hipótese de não pronúncia, que seguramente não viola as garantias de defesa, antecipar-se ao juiz do julgamento no saneamento do processo e receber a acusação deduzida contra o arguido que não requereu a abertura de instrução, não a rejeitando por não a considerar manifestamente infundada?» Respondeu-se assim:

«[...] a competência atribuída ao juiz do julgamento para proceder ao saneamento do processo configura-se como meramente residual e encontra a sua justificação precípua no carácter facultativo da instrução (cf. o n.º 2 do artigo 311.º do Código de Processo Penal). O juiz do julgamento só tem competência para rejeitar a acusação na justa medida em que o órgão jurisdicional normalmente competente para o efeito não haja tido oportunidade de o fazer.

Desta sorte, não se vislumbra que alguma garantia de defesa seja postergada por o juiz de instrução apreciar o carácter manifestamente infundado ou não manifestamente infundado da acusação e, em consonância com a apreciação que fizer, pronunciar ou não pronunciar o arguido que não requereu a abertura da instrução. Existe, de todo o modo, um controlo jurisdicional da acusação, tendente a evitar que seja submetida a julgamento pessoa contra a qual foi deduzida acusação manifestamente infundada.» E, culminando a defesa deste entendimento, acentuou-se por fim que «as garantias de defesa apenas seriam afectadas se o debate instrutório abrangesse, sem exercício de contraditório, um arguido que não requereu a abertura da instrução ou se esta acarretasse uma alteração substancial dos factos que lhe são imputados na acusação».

2 - A construção estrutural em que assim se fundou o julgamento de não inconstitucionalidade das normas impugnadas pelo Ministério Público desconsiderou um outro e específico enfoque jurídico-constitucional da questão, que, no entendimento do signatário da presente declaração de voto, haveria de reclamar uma decisão de inconstitucionalidade daquelas normas.

Vejamos porquê.

Como resulta do texto da lei e é por demais consabido, a instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento, tem carácter facultativo, há-de ser requerida pelo arguido ou pelo assistente (no caso deste último apenas quando se mostrem verificados certos pressupostos) e é dirigida por um juiz de instrução, assistido pelos órgãos de polícia criminal, sendo o seu conteúdo formado pelo conjunto dos actos de instrução que o juiz entenda dever levar a cabo e, obrigatoriamente, por um debate instrutório, oral e contraditório, no qual podem participar o Ministério Público, o arguido, o defensor, o assistente e o seu advogado, mas não as partes civis.

Encerrado o debate instrutório, o juiz, no caso de terem sido recolhidos indícios suficientes sobre a verificação dos pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, profere despacho de pronúncia, sendo que, no caso contrário, haverá de emitir um julgado de não pronúncia (cf. os artigos 286.º a 289.º, 307.º e 308.º do Código de Processo Penal).

Contrariamente, se o processo tiver sido remetido para julgamento sem ter havido instrução, o presidente do tribunal despacha no sentido: a) de rejeitar a acusação, se a considerar manifestamente infundada; b) de não aceitar a acusação do assistente na parte em que ela representa uma alteração substancial da acusação do Ministério Público, nos termos do artigo 284.º, n.º 1 (cf. artigo 311.º do Código de Processo Penal).

Ora, e aqui se situa o verdadeiro punctum saliens da questão de constitucionalidade proposta à sindicância deste Tribunal, será que pode afirmar-se, no plano dos direitos do arguido e das suas garantias de defesa, a existência de uma qualquer distinção (seja de grau, de dimensão ou de natureza) entre o despacho de pronúncia proferido nos termos do artigo 308.º pelo juiz de instrução e o despacho que, recebendo a acusação, designa dia e hora para julgamento, proferido pelo juiz de julgamento nos termos dos artigos 311.º a 313.º, todos do Código de Processo Penal? 3 - Tem-se por seguro que o grau de indiciação requerido pelo despacho de pronúncia se apresenta, por decorrência do próprio quadro normativo que rege a instrução, como mais exigente do que a indiciação dos pressupostos da punibilidade susceptíveis de conduzir à rejeição da acusação, quando considerada manifestamente infundada.

A este mesmo respeito, Germano Marques da Silva, Do Processo Penal Preliminar, Lisboa, 1990 (pp. 359 a 361), teve ensejo de escrever assim:

«O artigo 331.º, n.º 2, alínea a), dispõe, com efeito, que, se o processo tiver sido remetido para julgamento sem ter havido instrução, o presidente despacha no sentido de rejeitar a acusação, se a considerar manifestamente infundada.

A expressão manifestamente infundada, usada no artigo 311.º, respeita à indiciação dos pressupostos da punibilidade, como resulta da comparação entre o n.º 1 e o n.º 2 do artigo 311.º Da comparação entre as normas dos artigos 311.º, n.º 2, e 308.º, n.º 1, resulta que enquanto para a não pronúncia bastará que a indiciação não seja suficiente, no sentido de que dela não resulte uma possibilidade razoável, isto é, mais positiva do que negativa, quanto à eventual condenação do arguido, o artigo 311.º exige que seja manifesta a improcedência da acusação, que dos autos resulte evidente a falta de fundamento da acusação.

Mas tem vindo já a entender-se que o artigo 311.º, n.º 2, alínea a), impede mesmo um juízo de indiciação, um juízo crítico sobre os indícios de responsabilidade recolhidos nos autos. Não é defensável esta interpretação.

Não é defensável tal opinião face mesmo à letra do artigo 311.º, n.º 2, alínea a).

Algum juízo de apreciação sobre os indícios há-de existir sempre para que o juiz possa considerar ou não manifestamente infundada a acusação deduzida.

Nem sequer o preceito limita os fundamentos da rejeição, como sucedia no artigo 389.º do Código de Processo Penal de 1929, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei 605/75.

Cremos que a distinção reside nos meios de convicção de que dispõe o juiz.

Enquanto na instrução ele próprio pode ordenar diligências de investigação para seu melhor esclarecimento, no âmbito do artigo 311.º terá de formar a sua convicção apenas com o material probatório recolhido no inquérito, não podendo, por isso, tentar esclarecer as dúvidas que os autos lhe suscitem.» E logo a seguir:

«Há um grande grau de ilogismo na solução encontrada para o artigo 311.º Parece que o legislador quis fugir à crítica, frequente entre nós, no domínio da legislação anterior, de o despacho de pronúncia ou equivalente ser proferido pelo juiz competente para o julgamento, mas não cuidou que o despacho de pronúncia ou de recebimento da acusação não tem no novo Código a importância que assumia na legislação aprovada e que o despacho de não pronúncia não tem também os mesmos efeitos que tinha naquela legislação, nomeadamente os decorrentes dos artigos 148.º e 149.º Vai suceder agora que, não se podendo recusar a acusação com fundamento em indiciação insuficiente, quando não tenha havido instrução, muito provavelmente crescerão as absolvições por insuficiência de prova para a condenação, absolvições que terão o efeito de caso julgado material, enquanto os despachos de não pronúncia, com o fundamento em indiciação insuficiente, não terão o mesmo efeito. Será como que um prémio para o arguido por não requerer a fase da instrução.» (Itálicos acrescentados.) Mas, e paradoxalmente, a exigência de um qualificado grau de indiciação no despacho de pronúncia, traduzindo-se embora num acréscimo de garantias de defesa do arguido que requereu a instrução, poderá militar em desfavor daquele outro, cuja estratégia de defesa - por não acalentar, porventura, grandes expectativas em relação a um possível despacho de não pronúncia passa por uma imediata sujeição a julgamento.

E por duas ordens de razões:

Primeiramente, porque a prova a produzir em sua defesa, não passando pela intermediação do juiz de instrução, pode ser apresentada na audiência de julgamento como prova inicial, não submetida anteriormente a juízos de avaliação que, de um modo ou de outro, lhe retiram ou podem retirar o sentido de impacte e de surpresa que através dela se pretenda alcançar no julgamento.

Em segundo lugar, porque o despacho de pronúncia proferido pelo juiz de instrução traduz-se, indubitavelmente, em relação ao juízo de indiciação constante da acusação do Ministério Público, numa acrescida onerosidade para o arguido, que poderá, eventualmente, funcionar a seu desfavor no decurso do julgamento.

Com efeito, o juízo de indiciação que suportou o despacho de pronúncia contém, em relação à acusação do Ministério Público, não só por ser proferido por um juiz mas também pelas próprias garantias processuais de que se revestem os actos de instrução e o debate instrutório, um outro e qualificado significado.

4 - A Constituição, no artigo 32.º, n.º 1, consagra que o processo criminal assegurará todas as garantias de defesa, tendo-se entendido que neste preceito se contém uma cláusula geral englobadora de todas as garantias que hajam de decorrer do princípio da protecção global e completa dos direitos de defesa do arguido em processo criminal.

No ensino de Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª ed., Coimbra, 1993, p. 202, a locução todas as garantias de defesa «engloba indubitalvelmente todos os direitos e instrumentos necessários e adequados para o arguido defender a sua posição e contrariar a acusação. Dada a radical desigualdade material de partida entre a acusação (normalmente apoiada no poder institucional do Estado) e a defesa, só a compensação desta, mediante específicas garantias, pode atenuar essa desigualdade de armas. Este preceito pode, portanto, ser fonte autónoma de garantias de defesa. Em suma, a `orientação para a defesa' do processo penal revela que ele não pode ser neutro em relação aos direitos fundamentais (um processo em si, alheio aos direitos do arguido), antes tem neles um limite infrangível».

Ora, tendo em atenção o carácter facultativo da instrução e admitido sem reservas nem derivados processuais o direito de o arguido orientar em plenitude a sua defesa (e toda a estratégia que lhe subjaz), considera-se que a sua sujeição a uma instrução por ele indesejada (por não requerida) e ao consequente juízo de indiciação (juízo de pronúncia) por parte do juiz de instrução se traduz na ofensa a um direito constitucionalmente tutelado e inscrito no elenco das garantias de defesa consagrado no artigo 32.º da Constituição.

Se o arguido, depois de acusado pelo Ministério Público, pretende logo ser presente ao juiz de julgamento, não pode, contra sua vontade e por decorrência da garantia constitucional que lhe assiste, ser levado à presença do juiz de instrução! Refira-se, como remate das sumárias considerações deixadas expostas, que uma das proposições invocadas pelo acórdão - a separação dos processos -, da qual resultaria, além do mais, o afastamento da perda de celeridade processual, não se revela probante (ao menos totalmente), pois que, como bem se extrai do artigo 30.º do Código de Processo Penal, o seu quadro aplicativo não cobre a generalidade das situações, contemplando apenas hipóteses bem específicas e contadas. - Antero Alves Monteiro Dinis.

Anexos

  • Texto integral do documento: https://dre.tretas.org/pdfs/1997/10/18/plain-314081.pdf ;
  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/314081.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1945-10-13 - Decreto-Lei 35007 - Ministério da Justiça - Gabinete do Ministro

    Remodela alguns princípios básicos do Processo Penal.

  • Tem documento Em vigor 1975-11-03 - Decreto-Lei 605/75 - Ministério da Justiça - Gabinete do Ministro

    Altera o Código de Processo Penal e institui o júri.

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1989-09-07 - Lei 85/89 - Assembleia da República

    Introduz alterações à Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, lei de organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional.

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