A Portaria 243/2013, de 2 de agosto veio regulamentar o Decreto-Lei 172/2006, de 23 de agosto, alterado pelos Decretos-Leis n.os 237-B/2006, de 18 de dezembro, 199/2007, de 18 de maio, 264/2007, de 24 de julho, 23/2009, de 20 de janeiro, 104/2010, de 29 de setembro e 215-B/2012, de 8 de outubro, estabelecendo os termos, condições e critérios de atribuição da reserva de capacidade de injeção de potência na rede elétrica de serviço público (RESP), bem como do licenciamento da atividade de produção de energia elétrica no âmbito do regime especial de remuneração garantida, respetivos prazos de duração, condições de manutenção e de alteração.
Nesse âmbito estabeleceu-se no seu artigo 25.º que se considerava alteração ao centro eletroprodutor:
a) A mudança de tecnologia para outra tecnologia que utilize a mesma fonte primária de energia renovável;
b) O reforço da potência instalada;
c) O reforço de potência de injeção na RESP;
d) A mudança de ponto de receção da RESP desde que não afete a localização de um centro eletroprodutor já instalado ou em obra.
Não obstante a natureza exemplificativa de tal enumeração, era claro que as alterações admissíveis diziam respeito a elementos não essenciais da decisão de atribuição do ponto de receção ou da licença de produção anteriormente emitida.
Nesse sentido, a regulamentação em apreço respeitava os limites dos regulamentos administrativos de execução ou complementares, na medida em que se limitava a concretizar o regime jurídico consagrado no diploma legal que visava implementar.
Esta Portaria 243/2013 veio a ser profundamente alterada pela Portaria 133/2015, de 15 de maio, tendo-se introduzido, entre outros, o artigo 35.º-A, relativo à possibilidade de alteração de tecnologia de produção de eletricidade com utilização da mesma fonte primária aos centros eletroprodutores regidos pela lei anterior, nos termos do artigo 15.º do Decreto-Lei 215-B/2012, de 8 de outubro, em termos análogos ao que já era anteriormente permitido para os centros regidos pelo atual regime jurídico e, assim, respeitadores os limites legal e constitucionalmente impostos à atividade normativa em questão.
Porém, foi igualmente introduzido o artigo 35.º-B que, em termos completamente inovadores, estabelece a possibilidade dos centros eletroprodutores regidos pela lei anterior, nos termos do artigo 15.º do Decreto-Lei 215-B/2012, de 8 de outubro, solicitarem a mudança de fonte primária de energia renovável para a produção de eletricidade.
O regime assim instituído afigura-se manifestamente ilegal.
Por um lado, porque, tratando-se de regulamento administrativo, vai muito além do legalmente permitido, instituindo um regime inovador, sem norma legal que a tal habilite.
Por outro lado, porque, excluindo apenas do seu âmbito de aplicação os centros eletroprodutores referidos no n.º 4 desse mesmo artigo 35.º-B, é aplicável aos centros eletroprodutores cuja atribuição da reserva de capacidade de injeção de potência na rede elétrica de serviço público e ou o licenciamento da atividade de produção de energia elétrica no âmbito do regime especial de remuneração garantida foi precedido de concurso, o que implica uma frontal violação do princípio da intangibilidade do objeto dos contratos administrativos.
Na verdade, viola claramente os princípios da concorrência, da transparência, da intangibilidade do objeto contratual, da segurança jurídica e da confiança (já que esses contratos surgem na sequência de um procedimento, que deve, ainda agora, ser protegido, por ter sido concretização dos referidos princípios; donde, o desrespeito pelo contratos e pelos procedimentos consubstancia uma violação intolerável da auto e da heterovinculação a que está sujeita a Administração), com âncora na Lei Fundamental e no Direito da União Europeia, a mera possibilidade de alteração, especialmente quando de feição tão radical, na execução contratual do objeto que foi submetido a concurso.
Note-se, a este propósito, que estão em causa contratos que, entre outros, se submetem ao regime substantivo dos contratos administrativos que consta do Código dos Contratos Públicos, o que, desde logo, implica, pela integração expressa do regime legal aplicável, o respeito paramétrico pelos limites à modificação dos contratos que resulta do artigo 313.º do acervo normativo invocado, aplicável, recorde-se, a quaisquer tipos de modificações objetivas, seja a sua origem consensual, por facto imprevisto ou mesmo por intervenção do poder público de qualquer sujeito. Sendo que, a força deste regime é incrementada pelo facto de constituir a consagração de uma orientação firme do Direito da União Europeia, nomeadamente do Tribunal de Justiça, aplicável mesmo a procedimentos e contratos não abrangidos pelas Diretivas de 2004, e que, entretanto, ficou consagrado no novo pacote de Diretivas da Contratação de 2014.
Na matéria em apreço, tal é tanto mais grave quanto os potenciais concorrentes são previsivelmente diferentes consoante o tipo de fonte primária que seja submetida a concurso, de tal modo que é impossível assegurar qualquer juízo de prognose póstuma que tenha em conta os dados concursais. Adicionalmente, tal solução, de forma insustentável, leva ao esquecimento de que foi contratado um certo objeto, (com limitações e riscos inerentes, perfeitamente repartidos e com consequências prefixadas e aceites pelas partes nos contratos), sendo em alguns casos a atribuição de exclusivo dominial, que é relegado para a completa irrelevância, porque confundido, no modelo em apreço, com uma certa expectativa de produção e rendimento presumivelmente esperado. Ora, esta confusão e antecipação pseudocompensatória em interferência pelo equilíbrio das prestações assumidas em contratos firmados, com uma assunção imediatista e não verificada da respetiva necessidade seria, em qualquer caso, violadora da correta prossecução do interesse público, e desrespeitadora das regras básicas de distribuição do risco, do respeito pelos contratos e, no limite, do esforço probatório envolvido nestas questões, que desaconselha o tratamento com generalidade e abstração próprias na produção normativa.
Assim e mesmo num modelo em que seja salvaguardada a prossecução do interesse público, é inultrapassável a proibição da alteração do objeto de contrato precedido de procedimento concorrencial, por imposição legal e constitucional, o que resulta dos limites acima referidos e, bem assim, do disposto no artigo 33.º-G do Decreto-Lei 172/2006, de 23 de agosto, na versão que resultou do Decreto-Lei 215-B/2012, de 8 de outubro.
Acresce que, mesmo nos casos em que a atribuição da reserva de capacidade de injeção de potência na rede elétrica de serviço público e ou o licenciamento da atividade de produção de energia elétrica no âmbito do regime especial de remuneração garantida tenha sido objeto de ato administrativo, não é concebível, nem sequer em abstrato, que com a alteração da fonte de energia primária, estejamos perante uma alteração de um centro eletroprodutor, pois na realidade estamos perante um novo centro, dada a inevitabilidade de se tratar de um novo projeto, com outra tecnologia, outra fonte energética e, quase inevitavelmente, outra localização (sendo que, a soma destas potenciais alterações levam, necessariamente, a um juízo de inviabilidade das mesmas). Tal significaria a configuração de um centro eletroprodutor como um mero feixe de direitos de produção (independentemente do instrumento para tal utilizado) e reserva de capacidade de injeção de eletricidade na rede, o que constituiria um entorse inadmissível ao próprio regime de atribuição e licenciamento.
Por todo o exposto, e com os fundamentos que vimos de expor declaro, nos termos e ao abrigo do disposto nos artigos 143.º e 144.º do Código do Procedimento Administrativo, a invalidade das normas do artigo 35.º-B da Portaria 243/2013, de 2 de agosto, introduzido pela Portaria 133/2015, de 15 de maio.
Nos termos do disposto no artigo 144.º, n.º 3 do Código do Procedimento administrativo a presente declaração de invalidade produz efeitos desde a data da emissão do preceito regulamentar em causa, ou seja, desde 15 de maio de 2015.
31 de agosto de 2017. - O Secretário de Estado da Energia, Jorge Filipe Teixeira Seguro Sanches.
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