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Acórdão 547/2012, de 23 de Janeiro

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Sumário

Decide julgar improcedentes os pedidos de declaração de nulidade das deliberações de órgãos do Partido Socialista de 29 de setembro, de 31 de março e de 30 de setembro de 2012. (Processo n.º 695/12)

Texto do documento

Acórdão 547/2012

Processo 695/12

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I. Relatório

1 - Aires Abreu Aguiar de Pedro vem, na qualidade de militante do Partido Socialista, e ao abrigo dos artigos 30.º da Lei Orgânica 2/2003, de 22 de agosto (adiante referida como "LPP") e 103.º-D da lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei 28/82, de 15 de novembro, adiante referida como "LTC"), "recorrer do acórdão proferido pela Comissão Nacional de Jurisdição [do Partido Socialista], o qual julgou improcedente a impugnação que em prazo estatutariamente tempestivo, foi apresentada junto do referido órgão nacional, tendo por objecto a deliberação da Comissão Nacional do PS que em 31 de Março de 2012 aprovou os novos Estatutos do PS", pedindo:

Que seja declarada a "nulidade do acórdão proferido em 29 de Setembro de 2012 pela Comissão Nacional de Jurisdição do PS"; e, "em consequência", Que seja considerado "tempestivo o recurso/impugnação então apresentado pelo aqui recorrente em l2/04/2012 junto da Comissão Nacional de Jurisdição, tendo por objecto e pedido de nulidade da deliberação da Comissão Nacional do PS que aprovou os novos Estatutos do PS";

Que seja declarada a "nulidade da deliberação tomada pela Comissão Nacional em 31 de Março das duas deliberações anti-estatutárias (e por consequência absolutamente ilegais e assim desprovidas de qualquer valor jurídico) pelas quais foram aprovados os novos Estatutos";

E, "por consequência lógica, falta de competência e legitimidade, [que seja declarada] a nulidade [de] todas as deliberações novamente aprovadas pela Comissão Nacional em 30/09/2012".

2 - O autor fundamenta os mencionados pedidos nos termos seguintes:

"3. [O] ora recorrente foi notificado na qualidade de militante do PS do acórdão da Comissão Nacional de Jurisdição de que ora se recorre, em 03/10/2012 através de carta registada com aviso de recepção, conforme Doe. n.º 1 (cópia dos CTT) que aqui se junta.

4 - Decorre do artigo 103-D n." 3 da lei de Organização e Funcionamento do Tribunal Constitucional, que o prazo para impugnar-se (recorrer-se) para o Tribunal Constitucional das deliberações proferidas em última "instância estatutária dos partidos", é de 5 (cinco) dias (cfr: artigo 103-D n.º 3 e 103-C n.º s 3 e 4 da aqui identificada lei.

5 - Tendo as deliberações que ora se impugnam, sido aprovadas pela Comissão Nacional no dia 31 de Março de 2011 [sic] e data em que é apresentado o presente recurso (aos doze dias do mês de Abril de 2012), facilmente e ante a simples leitura da norma do artigo 61 n. 1 do Regulamento Disciplinar e Jurisdicional do PS, deveremos pois concluir pela tempestividade da presente impugnação.

6 - No dia 31 de Março de 2012 em reunião da Comissão Nacional, a qual teve lugar, na Cidade da Guarda, a referida Comissão Nacional aprovou por maioria dos respectivos votos dos seus membros duas deliberações (em nosso entendimento), a saber:

Uma primeira deliberação ("intercalar") pela qual, a dita CN considerou, mas ilegalmente, que estava "expressamente mandatada" pelo Congresso Nacional do PS, o qual teve lugar nos dais 09, 10 e 11 de Setembro de 2011, para aprovar as já conhecidas alterações aos Estatutos do PS;

Uma segunda deliberação (em nossa modesta opinião) através da qual, e na sequência do douto entendimento supra exposto perfilhado pela mesma, decidiu tal CN aprovar as ditas alterações estatutárias à margem dos respectivos Estatutos.

7 - Tendo igualmente a dita Comissão Nacional do PS aprovado posteriormente (mesmo após a nossa impugnação daquelas deliberações junto da Comissão Nacional de Jurisdição) aprovado novas deliberações, nomeadamente, Regulamento de militância e participação, Cargos de Representação Política, Regulamento Financeiro e Regulamento de Quotas, tendo por base estatutária os novos Estatutos (nova redacção) ilegalmente aprovados.

8 - Resulta claramente do disposto no artigo 117 n.º 1 in fine, que a Comissão Nacional do PS só poderá aprovar alterações aos Estatutos do PS, se e quando "... o Congresso lhe atribuir delegação de poderes para tanto, devendo em qualquer dos casos, a alteração estatutária ter sido previamente inscrita na ordem de trabalhos do Congresso", o que manifestamente não aconteceu no presente caso.

9 - O ora recorrente/impugnante, pelos motivos e fundamentos de facto e de direito que adiante se exporão com o necessário e devido desenvolvimento, entende pois que tais deliberações (identificadas em a) e b) do ponto 6. do presente recurso) violaram de forma grosseira e manifesta diversos preceitos consagrados nos Estatutos do Partido Socialista, nomeadamente o disposto no artigo 117 n.º 1 in fine dos mencionados Estatutos, verdadeira Constituição do Partido Socialista, sendo igualmente nulas por consequência lógica e legal, as novas deliberações aprovadas em 30 de Setembro de 2012, identificadas em 7. do presente recurso, porque aprovadas ao abrigo de Estatutos ilegalmente aprovados como já aqui expendido.

10 - Encontrando-se assim, tais deliberações irremediavelmente feridas de nulidade - senão mesmo prejudicadas pela sua inexistência jurídica - as quais constituem o objecto da presente impugnação, rectius, do presente recurso que ora é apresentado nesta Comissão Nacional de Jurisdição.

11 - Por tais razões legais, estatutárias e regulamentares, o aqui recorrente impugnou junto da Comissão Nacional de Jurisdição, nos termos dos Estatutos então em vigor, a deliberação da Comissão Nacional que ilegal e abusivamente aprovou os novos Estatutos do Partido Socialista.

12 - Em 29 de Setembro a Comissão Nacional de Jurisdição proferiu douto acórdão pelo qual (e do qual fomos notificados em 03/10/2012 como acima mencionado) indeferiu tal pedido de impugnação, assim julgando improcedente o recurso/impugnação da dita deliberação que então apresentámos junto da Comissão Nacional de Jurisdição, 12/04/2012 alegando para tanto e em síntese o seguinte.

13 - Considerou que o recorrente apresentou recurso intempestivo de tal deliberação, porquanto e segundo se alcança de tão douta fundamentação, "a norma invocada (artigo 61 n.º 1 do Regulamento do Partido Socialista, regulamento esse totalmente focalizado nas questões ligadas à disciplina interna do partido, regulando tudo quanto ao processo disciplinar respeita, desde a fase de instrução até às fases de julgamento e recursos de processos".

"Sendo só de disciplina que trata esse Regulamento não se pode recorrer a ele para regular situações de carácter processual ou outras que não tenham a ver com as questões disciplinares"

Mais refere o dito acórdão que "Assim, estando em causa uma situação de eventual violação dos Estatutos, e tendo em conta que da decisão proferida pelo Órgão Jurisdicional do Partido que julga em última instância, cabe recurso para o Tribunal constitucional, é fonte de direito aplicável a lei de Organização e Funcionamento do Tribunal Constitucional (Lei 28/82 de 15 de Novembro com as alterações subsequentes) que, no Subcapítulo III intitulado "Processos Relativos a Partidos Políticos", trata das questões relativas ao contencioso partidário".

"Dispõe o n. o 7 do artigo 103-C desta lei, aplicável com as necessárias adaptações ao caso concreto "ex vi "do n.º 3 do artigo 103-D que, se os Estatutos do Partido não previrem meios internos de apreciação da validade e regularidade do acto, o prazo para a sua impugnação é de 5 dias a contar da deliberação.

14 - Pelo que doutamente conclui tal acórdão, "sendo o prazo de 5 (cinco) dias a contar da data da deliberação, e considerando as datas de reunião da Comissão Nacional (31 de Março de 2012) e a data de apresentação do recurso/impugnação (12 de Abril de 2012), é manifesto que o prazo de 5 dias foi excedido... "(fIs., 1 a 4 do aludido acórdão).

15 - Por outro lado e já conhecendo o dito acórdão (facto que "não se percebe bem"... ao menos do ponto de vista lógico e processual) do mérito do nosso recurso então ali apresentado em 12/04/2012 que "O mandato à Comissão Nacional para rever os Estatutos foi conferido, englobado numa deliberação e, como tal, materialmente respeitado o disposto no artigo 117 dos Estatutos do PS" e assim concluindo a CNJ "Resulta, assim, de tudo quanto se deixa dito que a deliberação da Comissão Nacional sobre as alterações dos Estatutos, foi correcta e legitimamente tomada, sem violação de qualquer norma Estatutária". (Cfr: fIs., 7 e 8).

16 - E imagine-se... não obstante reconhecer o próprio acórdão o seguinte que "... é facto que não existiu, formalmente, a inscrição na ordem de trabalhos para a atribuição do mandato" pelo Congresso Nacional realizado em Braga (dias 9, 10 e 11) à Comissão Nacional para aprovar os novos Estatutos do Partido Socialista.

17 - São efectivamente estas as duas razões pelas quais a dita Comissão Nacional de Jurisdição julgou improcedente o nosso recurso então ali apresentado em 12/04/2012 e as quais não pode nunca aceitar o aqui recorrente.

[Segue-se a contestação das duas mencionadas «razões»: artigos 18. a 22. e 23. a 38, respetivamente, quanto à invocada intempestividade do recurso apresentado na Comissão Nacional de Jurisdição em 12 de abril de 2012 e quanto à invocada ilegitimidade ou incompetência da Comissão Nacional para aprovar alterações aos Estatutos do Partido Socialista; v. infra] 39 - Ainda muito recentemente (em reunião realizada em 30 de Setembro de 2012 em Magualde) a dita Comissão Nacional voltou a tomar novas deliberações, nomeadamente, tendo aprovado novo Regulamento de militância e participação, Cargos de Representação Política, Regulamento Financeiro e Regulamento de Quotas, tendo por base estatutária os novos Estatutos (nova redacção) ilegalmente aprovados.

40 - Tendo igualmente tido lugar recentemente eleições paras as respectivas concelhias e Federações do Partido Socialista, ao abrigo de Regulamentos aprovados também tendo por base estatutária tais novos Estatutos assim ilegalmente aprovados.

41 - Em face do exposto, e porquanto também tais últimas deliberações serão sempre ilegais e nulas por causa dos legais efeitos da nulidade da própria deliberação, através [sic] [É retomada a contestação da invocada legitimidade da Comissão Nacional para aprovar alterações aos Estatutos do Partido Socialista: artigos 42. a 53.;

v. infra] 54 - Destarte, a deliberação aprovada pela Comissão Nacional no passado dia 31/03/2012, através da qual, a referida CN considerou e assim deliberou que estava devidamente mandatada pelo Congresso Nacional do PS (realizado nos dias 09, 10, e 11 na Cidade de Braga) para proceder a tais alterações estatutárias, e cuja pretensa validade o dito acórdão ora defende, padece de manifesta de nulidade, por claríssima e grosseira violação do disposto no artigo 117 n.º 1 in fine dos Estatutos (a lei fundamental do Partido!) do PS, nulidade esta, que aqui (tal como já invocáramos junto da Comissão Nacional de Jurisdição através de recurso ali apresentado em 12/0412012) aqui invocamos e arguimos para os devidos efeitos estatutários e legais.

55 - A deliberação aprovada pela Comissão Nacional cuja validade o douto acórdão da Comissão Nacional de Jurisdição ora defende, coarcta de forma totalmente inadmissível os direitos dos respectivos militantes, nomeadamente os direitos de participação e de voto a que alude o artigo 14 n.º 1 al) b dos Estatutos do PS, dado que no Congresso de Braga (o plenário máximo do PS) nunca em momento algum, foi por aquele concedida autorização, expressa ou tão-pouco tácita à CN para concretizar/aprovar tais alterações estatutárias, atendendo que em nenhum momento tal suposta autorização alguma vez chegou a constar da respectiva Ordem de Trabalhos (dias 09, 10 e 11 de Setembro de 2011.).

56 - E assim foi, porquanto, por via de tal ilegalidade assim cometida (deliberação da Comissão Nacional que aprovou as alterações estatutárias respectivas sem que para tal tivesse sido mandatada pelo referido Congresso Nacional, como acima já exposto) os delegados ao dito Congresso, e por conseguinte, aqueles que os elegeram (militantes do PS) ficaram privados de apresentar as suas concretas e próprias propostas de alteração aos Estatutos do PS.

57 - Em suma, a deliberação aprovada pelo Comissão Nacional do PS (aprovada em 31 de Março de 2012) pela qual foram aprovadas as referidas alterações estatutárias, bem como aquela outra que a precedeu, i.e., deliberação pela qual a CN considerou que estava devidamente mandatada para o efeito pelo Congresso Nacional do PS, realizado nos dias 09, 10 e 11 de Setembro de 2011, encontram-se pois e de forma totalmente irremediável, fulminadas de nulidade, porquanto, não tinha aquele órgão nacional (CN) quaisquer poderes concedidos pelo Congresso Nacional de Setembro de 2012 [sic] contrariamente ao decidido no acórdão da Comissão Nacional de Jurisdição de que ora se recorre para o Tribunal constitucional.

58 - O mesmo é dizer, não se encontravam preenchidos os necessários requisitos consagrados no artigo 117 n.º 1 in fine, além de que na Convocatória aos delegados ao respectivo Congresso, nunca em momento algum, constou qualquer referência a tais alterações estatutárias, nem tão-pouco, o aludido Congresso alguma vez chegou a votar qualquer proposta que efectivamente mandatasse a CN para levar a cabo tais alterações estatutárias, conforme facilmente se alcança do Doe. n." 2 (Ordem de Trabalhos do XVIII Congresso Nacional do PS realizado nos dias 09,10 e 11 de Setembro de 2011).

59 - The last but not the least, curiosamente ou não! constata-se que a norma estatutária grosseiramente violada pela CN através das deliberações ora tomadas, mesmo com as recentes alterações ilegalmente aprovadas, continua a manter a mesma redacção, i.e.,a norma do art. 117 n.º 1 dos Estatutos do PS, mantém, mesmo após tais alterações o mesmíssimo conteúdo, o mesmo é dizer, que o "legislador revisionista estatutário" só admite e apenas continua a admitir que a CN aprove alterações aos Estatutos do PS, desde que para tal lhe sejam delegados pelo Congresso Nacional poderes bastantes para o efeito, mas também (requisitos de verificação cumulativa!), desde que tais ditas alterações estatutárias porventura autorizadas, constem previamente da ordem de trabalhos do respectivo Congresso Nacional."

3 - Citado para o efeito, o réu veio defender-se por exceção e por impugnação. Por exceção, suscitando a questão da inimpugnabilidade da deliberação da Comissão Nacional de Jurisdição de 29 de setembro de 2012 e, bem assim, a questão da "tempestividade da impugnação"; por impugnação, sustentando a improcedência da presente ação e a consequente "[manutenção] da deliberação da Comissão Nacional do Partido Socialista, proferida em 31/03/2012".

3.1.1 - São os seguintes, os fundamentos da invocada inimpugnabilidade da deliberação da Comissão Nacional de Jurisdição de 29 de setembro de 2012:

"1. À luz do disposto pelo art. 103º-C aplicável por remissão expressa do art.

103-D, ambos da lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, vários requisitos têm de estar reunidos para que este Tribunal possa apreciar recurso interposto de uma deliberação tomada por órgão de partido político.

2 - Um deles é considerar que o recurso para o Tribunal Constitucional só é possível quando estiverem "esgotados todos os meios internos previstos nos estatutos para apreciação da validade e regularidade do acto." - cf. art.

103-C/3.

3. ln casu, o acto impugnado é a deliberação da Comissão Nacional de Jurisdição tomada em 29 de Setembro de 2012, a qual negou provimento à impugnação apresentada pelo ora Recorrente.

4 - Em causa a deliberação tomada pela Comissão Nacional do Partido Socialista, no dia 31 de Março de 2012, a qual o ora recorrente e ali impugnante considerava ser ilegal, o que peticionou em impugnação apresentada naquela Comissão Nacional de Jurisdição no dia 12 de Abril do mesmo ano.

5 - A Comissão Nacional de Jurisdição do Partido Socialista, em reunião mantida no dia 29 de Setembro de 2012, julgou improcedente a impugnação e de tal acórdão recorre para este Tribunal o Recorrente Aires Pedro, tudo conforme, de resto, resulta da alegação do impugnante e decorre dos documentos que ora se juntam - doc.1 e 2 (cópia da acta e do acórdão).

6 - Desse acórdão foi o Recorrente notificado por oficio expedido no dia 1 de Outubro p.p. e recepcionado no dia 3 de de Outubro p.p., conforme documento que junta - doc.3.

7 - Entretanto, resulta dos autos que no dia 8 de Outubro p.p, o ora Recorrente deu entrada em juízo do presente recurso, recebido na Secretaria no dia 10 do corrente mês.

8 - Daí decorre que, aparentemente, teria o Recorrente apresentado em tempo o seu Recurso perante a instância Constitucional. Sucede que, 9 - De acordo com o disposto no artigo 30 n.º 1 da denominada lei dos Partidos Políticos (Lei Orgânica 2/2003, de 22 de Agosto, na redacção que lhe foi dada pela Lei Orgânica n" 2/2008, de 14 de Maio), "as deliberações de qualquer órgão partidário são impugnáreis com fundamento em infracção de normas estatuárias ou de normas legais, perante o órgão de jurisdição competente." Ou seja, 10 - Mesmo a deliberação do órgão jurisdicional hierarquicamente superior admite impugnação - sob a forma de reclamação ou recurso - e só dessa decisão poderá "o filiado lesado recorrer judicialmente" para este Tribunal - cf.

Art. 30 n.º 2.

11 - No caso sub judice tal não aconteceu.

12 - Da deliberação tomada em 29 de Setembro de 2012 pela Comissão Nacional de Jurisdição do Partido Socialista - e que o impugnante afirma ter tido conhecimento no dia 3 de Outubro do mesmo ano - recorreu este directamente para o Tribunal Constitucional, quando deveria, isso sim, tê-la impugnado, junto daquele órgão.

13 - Ao não o fazer, não se verificam os requisitos legais para admissão do presente recurso, conforme exigência expressa do disposto no já citado art.103-C, n.º 3 da lei do Tribunal Constitucional.

14 - E nem se invoque que, nem os Estatutos do Partido Socialista, nem o seu Regulamento Disciplinar (actualmente Regulamento Processual e Disciplinar, conforme deliberação tomada na Comissão Nacional de 30 de Setembro p.p., documentos que se juntam sob n,º 4 e 5, prevêem tal possibilidade de impugnação, porquanto o entendimento deste Tribunal é que as normas em causa têm aplicação imperativa e imediata.

15 - Este Tribunal assim o decidiu em processo de contencioso partidário, onde os impugnantes, aí em causa, recorriam de deliberação punitiva tomada pelo Conselho Nacional de Jurisdição do PSD [segue-se transcrição dos n.os 2 (parte), 3 e 4 do Acórdão 252/2010].

16 - Posteriormente, o Plenário deste Tribunal confirmou o entendimento sufragado pela 2ª [rectius, 1.ª] Secção, conforme Acórdão 317/2010, de 14 de Julho de 2010, processo 529/10, onde foi Relator o Senhor Juiz Conselheiro João Cura Mariano:

"Da leitura deste preceito estatutário [referência aos Estatutos do Partido Social Democrata] verifica-se que as decisões de cessação da inscrição no partido são tomadas em primeira e única instância decisória interna pelo Conselho de Jurisdição Nacional, não estando previsto expressamente nos Estatutos do Partido Social Democrata qualquer mecanismo de reapreciação interna deste tipo de deliberações.

Contudo, o artigo 22.º, n.º 2, da Lei Orgânica 2/2003, de 22 de Agosto, na redacção dada pela Lei Orgânica o 2/2008, de 14 de Maio (Lei dos Partidos Políticos), determina que compete aos órgãos próprios de cada partido a aplicação das sanções disciplinares, sempre com garantias de audiência e defesa e possibilidade de reclamação ou recurso.

Estamos perante uma norma imperativa que não pode ser contrariada pelos estatutos partidários e que, no caso destes serem omissos sobre a consagração e regulamentação destas garantias, é directamente aplicável.

Assim, apesar de não se encontrar expressamente prevista nos Estatutos do Partido Social Democrata a possibilidade de reclamação ou recurso da deliberação do Conselho de Jurisdição Nacional que aplica a sanção disciplinar de cessação da inscrição no Partido, a existência dessa garantia é imposta pelo disposto no artigo 22.º, n.º 2, da lei dos Partidos Políticos.

A reclamação ou o recurso previstos neste dispositivo, são meios impugnatórios internos, estando a impugnação judicial prevista no artigo 30.º, n,º 2, da lei dos Partidos Políticos.

Não existindo na estrutura orgânica do Partido Social Democrata um órgão com poderes de revisão das decisões do Conselho de Jurisdição Nacional, o meio impugnatõrio interno das suas deliberações só poderá ser a reclamação a ele dirigida, pelo que aos recorrentes assistia o direito de reclamarem perante o Conselho de Jurisdição Nacional das referidas deliberações tomadas em 9 de Abril, nos Acórdãos n.º 52/10,59/10 e 71/10.

O artigo 103.º-C, n.º 3, da LTC, aplicável, com as necessárias adaptações, às acções de impugnação de deliberação tomada por órgãos de partidos políticos, por força da remissão constante do n.º 3, do artigo 103.º-D, da LTC, apenas admite essas acções depois de esgotados todos os meios internos previstos nos estatutos para apreciação da validade e regularidade da deliberação impugnada.

Estamos perante uma exigência de exaustão dos meios impugnatórios internos que, neste domínio, visa limitar o acesso ao Tribunal Constitucional apenas às pretensões que se mantenham após terem sido esgotadas as hipóteses de reapreciação no interior dos partidos políticos".

3.1.2 - Quanto à "tempestividade da impugnação", alega o Partido Socialista o seguinte:

"18. Entende o impugnante que, tendo as deliberações impugnadas sido aprovadas pela Comissão Nacional na reunião de 31 de Março de 2012, realizada na Guarda, e tendo o presente recurso/impugnação sido enviado à CNJ, por via postal em 12 de Abril de 2012, o mesmo é tempestivo, atento o disposto no n.º 1 do art. 61º do Regulamento Disciplinar do PS que estabelece o prazo de 15 dias para a impugnação das deliberações tomadas pelos órgãos do Partido.

19 - Porém, entende o requerido que a norma invocada não se aplica à concreta situação em causa na impugnação.

20 - Com efeito a norma invocada (art.61º n.º 1) está inserida no Regulamento Disciplinar do Partido Socialista, regulamento esse totalmente focalizado nas questões ligadas à disciplina interna do partido, regulando tudo quanto ao processo disciplinar respeita, desde a fase de instrução até às fases de julgamento e recursos dos processos.

21 - Sendo só de disciplina que trata esse Regulamento não se pode recorrer a ele para regular situações de carácter processual ou outras que não tenham a ver com as questões disciplinares.

22 - É certo que à data em que foi apreciada e decidida pela CNJ a impugnação deduzida, para além deste Regulamento, não existia nos Estatutos do Partido, nem em qualquer outro diploma por ele emanado, norma que especificamente regulasse os trâmites processuais das deliberações dos Órgãos do Partido cujo objecto não seja a disciplina, como não existiam normas processuais que concretamente regulassem os prazos de impugnação das deliberações de alteração dos Estatutos como no caso presente.

23 - Porém, a inexistência desses meios não permite concluir estar-se em presença de lacuna legislativa a colmatar com o recurso à analogia, como parece ser o que o impugnante faz.

24 - Com efeito, a prática seguida pelo PS nesta matéria vai no sentido de regulação pontual das situações relativas a actos susceptíveis de serem sindicados pelos órgãos Jurisdicionais do Partido, de que são exemplo os Regulamentos para as eleições seja de delegados ao Congresso, seja dos membros dos órgãos do Partido, como seja a do Secretário-geral, 25 - Regulamentos que, entre outras coisas, determinam e regulam as condições de recurso, definindo prazos e o percurso recursivo, conforme se vê das cópias que se juntam (doc.6 e 7).

26 - Assim, nos casos que não sejam de carácter disciplinar, a prática seguida pelos órgãos jurisdicionais do PS é o recurso aos princípios gerais do direito, nomeadamente o recurso às fontes do direito, como sejam as que regulam os Órgãos com competência jurisdicional para sindicar os actos praticados pelos partidos, para daí aferir da existência ou não de norma que permita regular a situação concreta.

27 - Ora, estando em causa uma situação de eventual violação dos Estatutos, e tendo em conta que da decisão proferida pelo Órgão Jurisdicional do Partido, que julga em última instância, cabe recurso para o Tribunal Constitucional, é fonte de direito aplicável a lei de Organização e Funcionamento do Tribunal Constitucional (Lei 28/82 de 15 de Novembro com as alterações subsequentes) que, no Subcapítulo III, intitulado "Processos Relativos a Partidos Politicos", trata das questões relativas ao contencioso partidário.

28 - Dispõe o n.º 7 do artigo 103.º-C desta lei, aplicável com as necessárias adaptações ao caso concreto "ex-vi" do n.º 3 do art. 103-D que, se os Estatutos do Partido não previrem meios internos de apreciação da validade e regularidade do acto, o prazo para a sua impugnação é de 5 dias a contar da data de deliberação.

29 - É certo que os Estatutos do PS prevêem que a impugnação das deliberações seja apreciada e julgada pelos órgãos jurisdicionais do partido.

Porém, o que é facto é que os Estatutos não regulamentam o modo de os exercer, nomeadamente, não definem prazos para o exercício do direito de impugnar.

30 - Daí o recurso àquela norma da lei de Processo do Tribunal Constitucional, norma essa que objectivamente define o prazo para o exercício do direito de impugnar, sendo certo que este é o Tribunal que, em recurso e em ultima instancia, sindica e julga o contencioso partidário.

31 - Ora, sendo o prazo de 5 (cinco) dias a contar da data da deliberação, e considerando as datas de reunião da Comissão Nacional (31 de Março de 2012) e a data da apresentação do recurso/ impugnação (12 de Abril de 2012), é manifesto que o prazo de 5 dias foi excedido, tanto mais que, o impugnante, apesar de não estar presente à reunião, demonstrou ter conhecimento da sua realização e do que nela se iria discutir.

32 - De resto, a fim de regulamentar e pôr termo às divergências quanto à matéria de recursos, nomeadamente, quanto aos prazos de recurso, a Comissão Nacional do PS, em 29 de Setembro de 2012, aprovou um novo Regulamento, que denominou de Regulamento Processual e Disciplinar do Partido Socialista, onde expressamente se trata de tudo quanto a recursos respeite (doc.5).

33 - Dispõe o artigo 55 desse Regulamento que:

"1. O prazo para interposição de recurso é de quinze (15) dias a contar da notificação da decisão, salvo nos seguintes casos:

Nos processos eleitorais para os órgãos do Partido o prazo e o trâmite processual de recurso é aquele que estiver fixado no Regulamento Eleitoral;

As deliberações tomadas pelos órgãos nacionais do Partido que não respeitam a matéria disciplinar, são recorríveis para a Comissão Nacional de Jurisdição no prazo de 5 dias a contar da deliberação ou notificação pessoal sempre que a mesma tenha lugar.

2 - No âmbito dos recursos em processos eleitorais o acórdão final deve ser notificado ao impugnante, ao órgão que homologou os resultados e aos demais candidatos que eventualmente tenham participado no ato eleitoral."

34 - Ora, o disposto na alínea b) veio expressamente regulamentar a matéria em causa, prazos de recurso, distinguindo o que é disciplinar das outras matérias, pondo cobro à referida inexistência de normas de regulação processual dos actos jurisdicionais, clarificando as divergências existentes quanto aos prazos de recurso.

35 - Daí que, essa alínea b) não se pode deixar de considerar como norma interpretativa, face à incerteza e divergência existente quanto às normas e prazo de recurso a aplicar, de que é exemplo o diferente entendimento que requerente e requerido tem nesta matéria.

36 - Esta nova norma situa-se dentro dos quadros da controvérsia, sendo certo que a ela se chega sem ultrapassar os limites imposto à interpretação e aplicação da lei, como certo é que a mesma é inovadora já que o julgador ou interprete, em face dos antigos textos, poderia sentir-se não autorizado a adoptar a solução que a nova lei vem consagrar.

37 - Temos, assim de concluir que, não há qualquer dúvida de que o prazo de recurso das deliberações dos Órgãos Nacionais, que não respeitem a matéria disciplinar, é de 5 (cinco) dias a contar da deliberação.

38 - Razão porque, tendo as deliberações impugnadas sido aprovadas pela Comissão Nacional na reunião de 31 de Março de 2012, realizada na Guarda, e tendo o recurso/impugnação sido enviado à CNJ, por via postal em 12 de Abril de 2012, 39 - Precludiu, por intempestivo, o direito do impugnante à impugnação, por terem decorrido mais de 5 dias da data da deliberação recorrida.

3.2 - Finalmente, quanto ao mérito, o Partido Socialista defende que "o procedimento que conduziu à alteração dos Estatutos do Partido Socialista, por deliberação tomada na reunião da Comissão Nacional de 31 de Março de 2012, não enferma da omissão de qualquer formalidade, nem do vício apontado pelo recorrente" (cf. o artigo 40. da contestação; no que respeita às razões justificativas, v. os artigos 41. a 104. do mesmo articulado).

4 - Notificado para se pronunciar sobre as exceções deduzidas na contestação, o autor veio defender a sua improcedência (nos artigos 60. a 89.

da sua resposta o autor pronunciou-se também sobre a matéria dos artigos 41. a 104. da contestação, mas, uma vez que, conforme o próprio reconhece - cf. o artigo 61.-, se trata de matéria de impugnação, tal parte da resposta não será considerada).

5 - O acórdão da Comissão Nacional de Jurisdição (adiante referida simplesmente como "CNJ"), de 29 de setembro de 2012, na sua fundamentação e decisão, diz o seguinte (cf. o doc. n.º 2 junto à contestação, fls. 74 e ss.):

"Da LEGITIMIDADE A legitimidade do impugnante para apresentar a presente impugnação decorre dos Estatutos do PS e do disposto no artigo 31.º n.º 2 da Lei 2/2003.

Da TEMPESTIVIDADE da impugnação/recurso Entende o impugnante que tendo as deliberações impugnadas sido aprovadas pela Comissão Nacional na reunião de 31 de Março de 2011 [sic] realizada na Guarda e tendo o presente recurso/impugnação sido enviado a CNJ por via postal em 12 de Abril de 2011 [sic], o mesmo é tempestivo. atento o disposto no n.º 1 do artigo 61.º do Regulamento Disciplinar do PS que estabelece o prazo de 15 dias para a impugnação das deliberações tomadas pelos Órgãos do Partido.

Salvo o devido respeito entendemos que a norma invocada não se aplica à concreta situação em causa na impugnação.

Com efeito a norma invocada (art o 61º n.º 1) está inserida no Regulamento de Disciplina do Partido Socialista, regulamento esse totalmente focalizado nas questões ligadas à disciplina interna do partido, regulando tudo quanto ao processo disciplinar respeita, desde a fase de instrução até às fases de julgamento e recursos dos processos.

Sendo só de disciplina que trata esse Regulamento não se pode recorrer a ele para regular situações de carácter processual ou outras que não tenham a ver com as questões disciplinares.

É certo que, para além deste Regulamento, não existe nos Estatutos do Partido nem em qualquer outro diploma por ele emanado, norma que especificamente regule os tramites processuais das deliberações dos Orgãos cujo objecto não seja a disciplina, como não existem normas processuais que concretamente regulem os prazos de impugnação das deliberações de alteração dos estatutos como no caso presente.

Porém a inexistência desses meios não permite concluir estar-se em presença de lacuna legislativa a colmatar com o recurso à analogia, como parece ser o que o impugnante faz.

Com efeito, a prática seguida pelo PS nesta matéria vai no sentido de regulação pontual das situações relativas a actos susceptíveis de serem sindicados pelos Orgãos Jurisdicionais do Partido, de que são exemplo os Regulamentos para as eleições dos Orgãos Federativos e Concelhios, regulamentos esses que. entre outras coisas, determinam e regulam as condições de recurso, definindo prazos e o percurso recursivo.

Nos outros casos que não sejam de carácter disciplinar a pratica seguida é o recurso aos princípios gerais do direito, nomeadamente o recurso às fontes do direito aplicável à sindicância dos actos impugnados, para aferir da existência ou não de norma que permita regular a situação concreta.

Assim estando em causa uma situação de eventual violação dos Estatutos, e tendo em conta que da decisão proferida pelo Órgão Jurisdicional do Partido que julga em última instância, cabe recurso para o Tribunal Constitucional, é fonte de direito aplicável a lei de Organização e Funcionamento do Tribunal Constitucional (Lei 28/82 de 15 de Novembro com as alterações subsequentes) que, no Subcapítulo III, intitulado "'Processos Relativos a Partidos Políticos" trata das questões relativas ao contencioso partidário Dispõe o n.º 7 do artigo 103.º-C desta lei aplicável com as necessárias adaptações ao caso concreto ex vi do n.º 3 do artigo 103.º-D que, se os Estatutos do Partido não previrem meios internos de apreciação da validade e regularidade do acto, o prazo para a sua impugnação é de 5 dias a contar da data de deliberação.

É certo que os Estatutos do PS prevêem esses meios, porém o que é facto é que não regulamentam o modo de os exercer, nomeadamente não definem prazos para o exercício do direito de impugnar, sendo certo que este é o Tribunal que, em recurso e em última instância, sindica e julga o contencioso partidário.

Ora, sendo o prazo de 5 (cinco) dias a contar da data da deliberação, e considerando as datas de reunião da Comissão Nacional (31 de Março de 2012) e a data da apresentação do recurso/impugnação (12 de Abril de 2012), é manifesto que o prazo de 5 dias foi excedido, tanto mais que. o impugnante, apesar de não estar presente à reunião, demonstrou ter conhecimento da sua realização e do que nela se iria discutir Razão porque precludiu o direito do impugnante à impugnação.

Pese embora com a declaração de intempestividade do recurso fique prejudicado o conhecimento do seu objecto sempre se dirá o seguinte A questão suscitada pelo impugnante é a arguição da incompetência da Comissão Nacional para aprovação de revisão estatutária por considerarem que não dispunha de mandato aprovado em Congresso para o efeito, atenta a redacção do artigo 117.º dos Estatutos à data em vigor.

Pelas razões que adiante exporemos é nosso entendimento que materialmente não assiste razão ao impugnante, sendo que, nesta parte, permitimo-nos acompanhar de perto a resposta apresentada pela Presidente do Partido.

Com efeito, como é do conhecimento de todos os militantes do Partido as duas moções globais apresentadas em Congresso defendiam uma revisão estatutária com naturezas e latitudes várias, sendo este um dos temas que dominou grande parte dos trabalhos dos Congressos A moção de orientação global, O Novo Ciclo, aprovada com 75 % dos votos expressos, continha proposta expressa de atribuição de mandato à Comissão Nacional para alteração dos Estatutos, o qual deveria ser antecedido de um grande debate interno, como ocorreu sendo este o comummente designado por facto público e notório.

No decurso do tempo que decorreu desde a aprovação da Moção em Congresso em Setembro de 2011, até à realização da Comissão Nacional, em Março de 2012, não há notícia de qualquer interpelação, interrogação ou dúvida quanto ao procedimento em curso e a conclusão do mesmo.

Este é um facto relevante, na nossa perspectiva, pois permite concluir que por todos os militantes foi percebido e assumido que, com a aprovação da Moção no Congresso, e subsequente processo de discussão, a Comissão Nacional estava mandatada para aprovar as alterações que viessem a ser propostas.

Se assim não fosse seria um processo inútil o que atento o universo dos destinatários e a sua participação activa e empenhada, seria atentatório dos ditames da boa fé.

Afigura-se-nos ser relevante o argumento invocado quando refere que a ordem de trabalhos do XVIII Congresso Nacional não previa expressamente a deliberação prevista no artigo 117.º /1 in fine dos Estatutos.

Porém, para lá de tudo aquilo que supra expendemos a este propósito, recordamos também as regras estabelecidas no artigo 18.º do Código Procedimento Administrativo, aqui visto enquanto regime subsidiário ao funcionamento de uma associação de natureza pública.

Prevê a referida norma que a ordem do dia das reuniões dos órgãos colegiais, deve ser entregue a todos os membros com antecedência para que dela tomem conhecimento.

Pretende o legislador que desta forma os membros que compõem o órgão estejam habilitados a formar uma vontade expressa na deliberação de forma esclarecida, informada e fundamentada.

Aplicando este regime e princípio ao caso dos autos constatamos que as moções de orientação nacional foram objecto de deliberação, tendo a ordem de trabalho e os respectivos documentos sido distribuídos com meses de antecedência em relação à data de realização do Congresso o que permitiu a cada um dos Congressistas fundamentar livre e esclarecidamente o seu voto.

Pese embora isso, é facto que não existiu, formalmente, a inscrição na ordem de trabalhos para atribuição do mandato.

Porém, face a toda a materialidade descrita e ao longo de meses não contestada, terá de sobrepor-se a forma à matéria, o adjectivo ao substantivo.

Julga-se que a resposta, de novo, poderá ser encontrada no direito administrativo, mais uma vez tido por direito subsidiário face à natureza pública do Partido Socialista, como qualquer outro partido político.

No direito administrativo, a vontade manifesta-se através de decisões individuais ou deliberações colectivas. Uma e outras precedidas do denominado procedimento administrativo. composto de vários actos instrumentais, quase todos sem autonomia em relação ao acto final Porém, alguns deles assumem uma relevância tal que podem determinar a anulação ou nulidade da decisão ou deliberação tomadas.

Designadamente, se ocorrer omissão de formalidades essenciais, como parece ser o caso da omissão formal de inscrição de um ponto na ordem de trabalhos.

Sucede que, nem todas as omissões de formalidades são essenciais ou determinam a invalidade do acto.

Nas palavras dos autores Mário e Rodrigo Esteves de Oliveira (in Concursos e Outros Procedimentos de Contratação Pública, pp. 246-247, Almedina 2011), "um outro mecanismo destinado a atenuar o desvalor normalmente associado à inobservância de uma formalidade consiste na denominada teoria das formalidades não essenciais ou, então, como melhor pode dizer-se, só relativamente essenciais.

Há muito adoptada pela jurisprudência e doutrina nacional e estrangeira, inclusive em matéria de contratação pública, a referida teoria diz-nos que devendo as formalidades do procedimento, em princípio, considerar-se essenciais abstractamente invalidantes, elas poderiam em certas circunstâncias, e salvo se a lei não dispusesse expressamente de outra forma, degradar-se em formalidades só relativamente essenciais, geradoras da invalidade do acto afectado apenas quando os fins ou interesses a que as mesmas estivessem legalmente votadas não tiverem sido alcançados em concreto, por qualquer outra via, legal e legítima claro (por mero acaso até).

Diversamente, se, apesar da omissão ou prática deficiente da formalidade, o objectivo ou interesse da respectiva norma se realizasse à mesma, em concreto, por outra via (sem se incorrer para isso noutra ilegalidade), então, dada a inocuidade teleológica daquela preterição, estaríamos perante um caso de mera irregularidade do acto em causa, já não da sua invalidade.

À luz da doutrina citada, os autos podem ser enquadrados do seguinte modo:

Só o Congresso Nacional tem poderes para mandatar a Comissão Nacional para aprovar revisão estatutária. Tais poderes têm de ser manifestados por deliberação e essa deve estar previamente inscrita na ordem de trabalhos.

In casu, o Congresso aprovou a moção Novo Ciclo, a qual expressamente propunha que a Comissão Nacional fosse mandatada para aprovar a revisão dos Estatutos. Não inscreveu expressamente essa individual e concreta deliberação na ordem de trabalhos. A Comissão Nacional aprovou a revisão estatutária.

Julga-se, assim, que a omissão da inscrição na ordem de trabalhos degradou-se em formalidade não essencial, uma vez que a sua ausência não impediu a verificação do facto pretendido: a revisão dos Estatutos, conforme resultou quer da aprovação expressiva da moção de orientação global, quer do debate mantido ao longo de seis meses no período compreendido entre Setembro e Março.

O mandato à Comissão Nacional para rever os Estatutos foi conferido, englobado numa deliberação de objecto mais vasto, mas inequivocamente conferido e, como tal, materialmente respeitado o disposto no artº. 117.º dos Estatutos do PS:

Ou seja, e retomando os autores citados, existe "uma situação de irrelevância (substantiva) do vício de procedimento sempre que, e na medida em que, os fins específicos que a imposição legal ou regulamentar da formalidade visava atingir tenham sido comprovadamente alcançados no caso concreto, ainda que por outra via.

Assegura-se desta forma o valor dos preceitos de forma, mas evita-se cair num formalismo excessivo ou estéril, tendo em consideração o carácter instrumental das prescrições procedimentais.

Resulta assim, de tudo quanto se deixa dito, que a deliberação da Comissão Nacional sobre as alterações dos Estatutos, foi correcta e legitimamente tomada, sem violação de qualquer norma Estatutária.

DECISÃO Pelo exposto, acordam os Conselheiros da Comissão Nacional de Jurisdição em negar provimento ao recurso/impugnação."

II. Fundamentação

6.1 - Tendo o autor proposto a presente ação ao abrigo do artigo 103.º-D da LTC, invocando apenas ser «militante» do Partido Socialista - qualidade, aliás, não questionada pelo réu -, cumpre começar por apreciar a sua legitimidade processual. Com efeito, o autor impugna deliberações de órgãos daquele Partido que, devido à violação de regras essenciais relativas à competência e, porventura, também ao funcionamento democrático do Partido Socialista, o atingem somente nessa sua qualidade, e de modo idêntico ao de qualquer outro militante (cf., em especial, os artigos 55. e 56. da petição inicial). O autor não alega nem invoca a lesão de quaisquer outros interesses que não os de simples «militante de base», os quais, por dizerem respeito à generalidade dos militantes, se podem reconduzir aos interesses do próprio partido. Em especial, o autor não alega que o acórdão da CNJ ou a deliberação da Comissão Nacional, datada de 31 de março de 2012, assim como as demais deliberações deste órgão, afetem direta e pessoalmente os seus direitos de participação nas atividades do partido. A sua iniciativa processual dirige-se exclusivamente à tutela da legalidade estatutária: é apenas por considerar que a deliberação da Comissão Nacional de 31 de março de 2012 foi ilegal e abusivamente aprovada que o autor apresentou em 12 de abril de 2012 recurso junto da CNJ, impugnando tal deliberação (cf. o artigo 11. da petição inicial).

Está em causa, portanto, uma espécie de ação popular partidária dirigida exclusivamente à defesa da legalidade interna do Partido Socialista, tal como prevista no artigo 103.º-D, n.º 2, da LTC: "pode ainda qualquer militante impugnar as deliberações dos órgãos partidários com fundamento em grave violação de regras essenciais relativas à competência ou ao funcionamento democrático do partido" (cf., quanto à qualificação do meio processual, o Acórdão 505/2012, disponível em www.tribunalconstitucional.pt; sobre a relevância do artigo 103.º-D, n.º 2, para efeitos de determinação da legitimidade processual ativa, v. Miguel Prata Roque, "O Controlo Jurisdicional da Democraticidade Interna dos Partidos Políticos - O Tribunal Constitucional entre o princípio da intervenção mínima e um contencioso de plena jurisdição"

in AAVV, 35.º Aniversário da Constituição de 1976, vol. II, Coimbra editora, Coimbra, 2012, p. 281 e seguintes, pp. 327-328).

A particularidade deste tipo de ação popular prende-se com o agravamento dos requisitos de legitimidade e de procedência. Para que o Tribunal possa conhecer do mérito da causa, não basta a alegação de uma qualquer ilegalidade ou a alegação de uma simples violação de regra estatutária; é necessário alegar factos que substanciem ilegalidades graves respeitantes a regras essenciais relativas à competência ou ao funcionamento democrático do partido (cf. o citado artigo 103.º-D, n.º 2, da LTC). De modo correspondente, a procedência de tais ações depende da prova dessas alegações.

Em sede de apreciação dos pressupostos processuais é suficiente verificar o cumprimento pelo autor do mencionado ónus de alegação. In casu o mesmo pode considerar-se cumprido, em virtude do que vem alegado na petição inicial, especialmente nos seus artigos 11. e 54. a 58.

6.2 - Resulta da petição inicial que o autor pretende impugnar o acórdão da CNJ, de 29 de setembro de 2012, que negou provimento à impugnação deduzida pelo ora autor junto do citado órgão "das deliberações tomadas pela Comissão Nacional do PS na reunião realizada no dia 31 de Março [de 2012] na cidade da Guarda" (cf. o documento n.º 2 junto à contestação, fls. 74 e ss.). De resto, tanto o autor, como o réu reutilizam aqui excertos de textos pertinentes ao anterior processo interno (v.g., quanto ao autor, o artigo 5. da petição inicial; e, quanto ao réu, o artigo 18. e seguintes da contestação). Por outro lado, vem pedida a declaração de nulidade tanto do mencionado acórdão da CNJ, como de várias deliberações da Comissão Nacional do Partido Socialista: uma anterior ao dito acórdão, as demais posteriores ao mesmo. Acresce que as exceções deduzidas pelo réu se reportam a deliberações distintas: por um lado, o réu invoca a inimpugnabilidade perante este Tribunal do acórdão da CNJ e, por outro lado, defende a intempestividade da impugnação interna apresentada pelo ora autor. Justifica-se, por conseguinte, uma prévia clarificação do objeto do processo e uma indicação do iter cognoscitivo do Tribunal.

A deliberação impugnada é, desde logo, o acórdão da CNJ de 29 de setembro de 2012 (cf. o pedido formulado pelo autor, o artigo 3. da petição inicial e os artigos 3. e 5. da contestação).

Esta deliberação procedeu, nos termos do artigo 30.º, n.º 1, da LPP, ao controlo da legalidade interna da deliberação da Comissão Nacional de 31 de março de 2012, formulando um juízo de não ilegalidade. Tal juízo fundou-se em dois argumentos: a intempestividade do recurso interno e a sua falta de fundamento. Acresce que o réu na sua contestação veio, conforme referido, invocar expressamente que a mencionada impugnação interna foi apresentada fora de prazo, o que implicaria a preclusão do direito do ora autor à impugnação (cf. o artigo 39. da contestação). Todas estas circunstâncias são relevantes por duas ordens de razões: primeira, porque o princípio da intervenção mínima aplicável neste domínio exige que o Tribunal Constitucional aprecie a legalidade das deliberações tomadas por órgãos de partidos políticos somente depois de sobre as mesmas se ter pronunciado o órgão de jurisdição do partido; segunda, porque o autor também pede a declaração de nulidade da deliberação que foi objeto de apreciação por parte da CNJ (cf. os arts. 103.º-C, n.º 3, da LTC, aplicável ex vi do artigo 103.º-D, n.º 3, da mesma lei, e o artigo 30.º, n.º 2, da LPP; sobre o aludido princípio, v., por todos, Miguel Prata Roque, "O Controlo Jurisdicional da Democraticidade Interna dos Partidos Políticos..." cit., p. 310 e seguintes).

Desde que o órgão de jurisdição interno tenha conhecido do mérito da impugnação interna, a intervenção mínima do Tribunal Constitucional não impede que este Tribunal aprecie também, e se for o caso declare a respetiva nulidade, a deliberação partidária primária, não se limitando à deliberação partidária de controlo. Aliás, a garantia de tutela jurisdicional da pretensão do autor exige-o: este o que pretende com a sua iniciativa junto do Tribunal Constitucional é a remoção do ato lesivo dos seus interesses, ou seja, da própria deliberação tomada por órgão partidário que, em vista da exaustão dos meios internos exigida pela LTC e pela LPP, foi objeto de impugnação junto do órgão de jurisdição interno. Na medida em que este órgão tenha apreciado a legalidade de tal deliberação, pode o Tribunal Constitucional reapreciá-la sem desrespeitar o princípio da intervenção mínima, porquanto se limita a apreciar matéria já objeto de um juízo de controlo por parte de um órgão partidário. Assim, e uma vez que a CNJ apreciou a legalidade da deliberação da Comissão Nacional de 31 de março de 2012, nada obsta a que no caso vertente o Tribunal Constitucional conheça, além da legalidade da deliberação da CNJ, também da legalidade da citada deliberação da Comissão Nacional, e, bem assim, de eventuais nulidades consequentes, conforme pedido pelo autor na sua petição.

Pelo exposto, o Tribunal irá começar por conhecer das duas exceções expressamente deduzidas pelo Partido Socialista: a inadmissibilidade do pedido de impugnação da deliberação da CNJ de 29 de setembro de 2012 e a extemporaneidade da impugnação da deliberação da Comissão Nacional de 31 de março de 2012. No caso de ambas improcederem, haverá, depois, que apreciar os pedidos de declaração de nulidade das deliberações da CNJ e da Comissão Nacional daquele Partido, segundo a ordem indicada pelo autor.

7.1 - A alegada inadmissibilidade do pedido de impugnação da deliberação da CNJ de 29 de setembro de 2012 baseia-se no entendimento de que tal deliberação, de acordo com a LPP, estaria sujeita a um regime de reclamação prévia: "da deliberação tomada em 29 de Setembro de 2012 pela Comissão Nacional de Jurisdição do Partido Socialista [...] recorreu este [o impugnante] directamente para o Tribunal Constitucional, quando deveria, isso sim, tê-la impugnado, junto daquele órgão" (artigo 12. da contestação). Não o tendo feito, considera o réu não estarem verificados "os requisitos legais para admissão do presente recurso, conforme exigência expressa do disposto no [...] art. 103-C, n.º 3 da lei do Tribunal Constitucional" (artigo 13. da contestação). Em apoio da sua tese, o réu invoca jurisprudência anterior deste Tribunal, com especial destaque para o Acórdão 317/2010, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 18 de agosto de 2010 (cf. os artigos 15. e 16. da contestação).

Segundo o artigo 103.º-D da LTC, podem os militantes para tanto legitimados intentar ações de impugnação de deliberação tomada por órgãos de partidos políticos junto do Tribunal Constitucional. «Impugnáveis», para o efeito, são as deliberações de órgãos partidários previstas nos n.os 1 e 2 do citado preceito, "depois de esgotados todos os meios internos previstos nos estatutos para apreciação da [sua] validade e regularidade" (assim, o artigo 103.º-C, n.º 3, da LTC, aplicável ex vi do artigo 103.º-D, n.º 3, do mesmo diploma). No mesmo sentido, estatui a LPP:

Artigo 30.º (Deliberações de órgãos partidários) 1 - As deliberações de qualquer órgão partidário são impugnáveis com fundamento em infração de normas estatutárias ou de normas legais, perante o órgão de jurisdição competente.

2 - Da decisão do órgão de jurisdição pode o filiado lesado e qualquer outro órgão do partido recorrer judicialmente, nos termos da lei de organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional.

In casu a decisão impugnada pelo autor é, como referido, o acórdão da CNJ - o órgão jurisdicional máximo do Partido Socialista (v. os arts. 79.º e 69.º, n.º 1, respetivamente, das versões dos Estatutos desse Partido anterior e posterior à deliberação da Comissão Nacional de 31 de março de 2012) - que decidiu o recurso interno interposto desta mesma deliberação da Comissão Nacional.

Ou seja, não se conformando com esta última, o ora autor impugnou-a perante a instância interna estatutariamente competente, a qual, pela deliberação ora impugnada, não lhe deu razão. Com efeito, compete à CNJ - em conformidade com a exigência estatuída no artigo 30.º, n.º 1, da LPP - "instruir e julgar os processos de impugnação da validade das deliberações e decisões dos órgãos nacionais e das federações do Partido" (cf. os Estatutos do Partido Socialista, artigo 81.º, n.º 1, al. b), na versão anterior à deliberação da Comissão Nacional, de 31 de março de 2012, e artigo 70.º, n.º 1, al. b), na versão resultante da mesma deliberação). De resto, tal competência da CNJ é assumida pela deliberação ora impugnada e não é contestada pelo réu.

A competência da CNJ em análise tem um caráter secundário, uma vez que aquele órgão decide como instância de recurso, ou, conforme referido no artigo 30.º, n.º 1, da LPP, como "órgão de jurisdição". E das decisões do mesmo órgão que decidam impugnações perante si deduzidas cabe sempre «recurso judicial» para o Tribunal Constitucional, nos termos da respetiva lei de Organização, Funcionamento e Processo (assim, o citado artigo 30.º, n.º 2, da LPP). Esta lei, como igualmente referido, só admite a propositura de ação de impugnação de deliberação tomada por órgãos de partidos políticos "depois de esgotados todos os meios internos previstos nos estatutos para apreciação da validade e regularidade" da deliberação em causa (cf. a LTC, arts. 103.º-C, n.º 3, e 103.º-D, n.º 3).

Os Estatutos do Partido Socialista, relativamente às deliberações de órgãos nacionais, como é o caso da Comissão Nacional (cf. o respetivo artigo 59.º, alínea b), na versão anterior à deliberação da Comissão Nacional de 31 de março de 2012, e artigo 52.º, alínea b), na versão resultante da mesma deliberação), preveem apenas um meio de impugnação da sua invalidade:

precisamente, o recurso perante a CNJ, enquanto órgão máximo de jurisdição do Partido Socialista, ao abrigo do artigo 81.º, n.º 1, al. b), na versão anterior à deliberação da Comissão Nacional, de 31 de março de 2012, e do artigo 70.º, n.º 1, al. b), na versão resultante da mesma deliberação. A decisão desse recurso interno é, pelo seu lado, impugnável diretamente perante o Tribunal Constitucional, conforme resulta inequivocamente do artigo 30.º, n.º 2, da LPP.

Não há aqui lugar para a exigência de uma prévia reclamação a deduzir junto do órgão de jurisdição que, em última instância no interior do partido político, decide o recurso interno. Tal exigência não resulta diretamente da lei e nem sequer concorreria para uma maior concretização do princípio da intervenção mínima - o princípio enformador da exigência de exaustão dos meios internos.

Esta última, conforme salienta o autor na resposta às exceções, visa tão só impedir que o Tribunal Constitucional, em matéria de contencioso partidário, seja a primeira entidade a resolver o respetivo litígio (cf. o artigo 32. daquele articulado).

Na verdade, se o órgão máximo de jurisdição de um partido político já decidiu da validade de uma dada deliberação tomada por um órgão do mesmo partido, a apreciação que o Tribunal Constitucional venha a fazer da mesma deliberação é necessariamente indireta, não funcionando o Tribunal como a primeira instância de controlo da legalidade interna ou externa de tal deliberação. A apreciação que o Tribunal realiza é necessariamente antecedida pela interpretação e aplicação do direito, mormente das normas estatutárias e demais normas internas, feita por um órgão de controlo de legalidade do próprio partido político, ressalvando-se, desse modo, o mínimo de autonomia inerente à liberdade de auto-organização. Importa, na verdade, não esquecer que a criação de partidos políticos ainda é uma expressão da liberdade de associação (cf. artigo 51.º, n.º 1, da Constituição).

Aliás, a exigência de uma reclamação prévia nas aludidas circunstâncias, enquanto limitação ou retardamento do acesso ao Direito e ao Tribunal Constitucional, teria de ter uma justificação que de todo em todo não se vislumbra. A reclamação é um meio de impugnação de uma decisão perante o respetivo autor e, como tal, pode dar lugar a uma decisão secundária ou de controlo de uma decisão primária - aquela que respeita a uma dada situação da vida que deva ser objeto de decisão formal. Porém, tratando-se da reclamação de uma decisão secundária, a decisão da reclamação já só pode ocasionar uma nova decisão secundária: a um primeiro juízo de controlo, segue-se um segundo emitido pelo mesmo órgão. Se o que está em causa, da perspetiva de quem impugna uma deliberação ou decisão primária, recorrendo dela para um órgão de controlo, é a discordância quanto à própria apreciação da decisão primária por tal órgão, que interesse poderá justificar a exigência de uma segunda apreciação da mesma decisão primária pelo mesmo órgão de controlo, enquanto condição necessária para a abertura da via jurisdicional? Saliente-se, por fim, que a impugnabilidade imediata perante o Tribunal Constitucional de decisões proferidas pelo órgão de jurisdição máximo de um partido político sobre decisões para ele inicialmente reclamadas ou recorridas - ou seja, a impugnabilidade imediata de decisões sobre reclamações ou recursos de decisões primárias - agora afirmada em nada contende com a jurisprudência anterior deste mesmo Tribunal, mormente a referida pelo réu na sua contestação. Com efeito, e como resulta dos excertos transcritos naquele articulado (cf. o art. 16.), o Acórdão 317/2010 versou sobre uma situação em que o órgão jurisdicional máximo do partido - no caso o Conselho de Jurisdição Nacional do Partido Social Democrata - atuou como órgão de decisão primário, e não como instância interna de controlo. Acresce que a decisão em causa correspondia à aplicação de uma sanção disciplinar - matéria objeto da norma contida no artigo 22.º, n.º 2, da LPP, segundo a qual, "compete aos órgãos próprios de cada partido a aplicação das sanções disciplinares, sempre com garantias de audiência e defesa e possibilidade de reclamação ou recurso". Como nota o autor na sua resposta às exceções, em sede de controlo interno de sanções disciplinares, a lei "alude à figura da reclamação ou recurso, mas ainda assim, nunca exigindo cumulativamente o uso dos dois meios processuais. Na verdade, utiliza a disjuntiva (ou) e nunca a cumulativa (e). O mesmo é dizer, que apenas exige (e apenas em sede disciplinar!) [...] que o impugnante faça uso, ou do recurso respectivo, ou da reclamação que ao caso seja adequada a obter a eventual reapreciação da decisão tomada por um órgão de um partido" (cf. o artigo 20.; v. também o artigo 31. do mesmo articulado) Neste contexto, compreende-se a citada jurisprudência anterior deste Tribunal, em particular o excerto do Acórdão 317/2010 transcrito pelo réu (artigo 16. da contestação):

"[A]pesar de não se encontrar expressamente prevista nos Estatutos do Partido Social Democrata a possibilidade de reclamação ou recurso da deliberação do Conselho de Jurisdição Nacional que aplica a sanção disciplinar de cessação da inscrição no Partido, a existência dessa garantia é imposta pelo disposto no artigo 22.º, n.º 2, da lei dos Partidos Políticos.

A reclamação ou o recurso previstos neste dispositivo, são meios impugnatórios internos, estando a impugnação judicial prevista no artigo 30.º, n,º 2, da lei dos Partidos Políticos.

Não existindo na estrutura orgânica do Partido Social Democrata um órgão com poderes de revisão das decisões do Conselho de Jurisdição Nacional, o meio impugnatório interno das suas deliberações só poderá ser a reclamação a ele dirigida, pelo que aos recorrentes assistia o direito de reclamarem perante o Conselho de Jurisdição Nacional das referidas deliberações tomadas em 9 de Abril, nos Acórdãos n.º 52/10,59/10 e 71/10."

Pelo exposto, a deliberação ora impugnada correspondente ao acórdão da CNJ de 29 de setembro de 2012 é impugnável diretamente perante este Tribunal, improcedendo a exceção a tal respeito deduzida pelo réu nos artigos 1. a 17. do seu articulado.

7.2 - A segunda exceção deduzida pelo réu respeita à intempestividade da impugnação apresentada perante a CNJ em 12 de abril de 2012. Como referido supra no n.º 6.2., a proceder tal alegação, a presente ação teria de ser julgada improcedente, uma vez que, nessa eventualidade, o direito de impugnar internamente a deliberação da Comissão Nacional teria caducado, não se podendo, por isso, ter como verificada a exaustão dos meios internos.

Recorde-se, por outro lado, que este foi um dos fundamentos para a CNJ negar provimento à impugnação interna.

Com efeito, a deliberação impugnada julgou intempestivo o recurso interno interposto pelo ora autor em 12 de abril de 2012 da deliberação da Comissão Nacional, datada de 31 de março anterior, por considerar aplicável, na ausência de norma interna, o prazo de cinco dias previsto no artigo 103.º-C, n.º 7, da LTC, a contar da data da deliberação. À invocação pelo recorrente, ora autor, de que o prazo para aquela impugnação seria o de quinze dias previsto no artigo 61.º, n.º 1, do «Regulamento Disciplinar do Partido Socialista», aprovado pela Comissão Nacional em 8 de novembro de 2003 - trata-se do diploma em vigor à data da interposição do recurso interno - a CNJ respondeu que "a norma invocada (artigo 61.ºº n.º 1) está inserida no Regulamento de Disciplina do Partido Socialista, regulamento esse totalmente focalizado nas questões ligadas à disciplina interna do partido, regulando tudo quanto ao processo disciplinar respeita, desde a fase de instrução até às fases de julgamento e recursos dos processos. Sendo só de disciplina que trata esse Regulamento não se pode recorrer a ele para regular situações de carácter processual ou outras que não tenham a ver com as questões disciplinares". Esta mesma argumentação é reproduzida pelo réu na sua contestação, a propósito da «tempestividade da impugnação» (artigo 18. e seguintes).

O autor não aceita o argumento (v. petição inicial):

"18. Ora, não aceitamos pois tal hilariante fundamentação legal que aqui transcrevemos, porquanto e muito contrariamente ao defendido em tal acórdão, jamais o aqui recorrente poderia ter que socorrer-se dos preceitos e prazo (cinco dias) consagrados em tal diploma legal (Lei de Organização e Funcionamento do Tribunal Constitucional), para atacar tal deliberação social, porquanto:

19 - As disposições legais ali citadas, nomeadamente o artigo 103-C n.º 7 apenas seriam aplicáveis aos presentes autos, caso efectivamente os estatutos do partido não previssem meios internos de apreciação da validade e regularidade das deliberações tomadas pelos respectivos órgãos, o que aqui não é manifestamente o caso.

20 - E não é o presente caso, justamente porque o Partido Socialista, dispõe e consequentemente prevê no seu Regulamento disciplinar aprovado em 08 de Novembro de 2003 que não obstante tal designação (Regulamento disciplinar) facto é que a epígrafe do seu artigo 61 intitula-se "Impugnação da validade das deliberações sociais", sendo igualmente verdade, que tal artigo regulamentar, no seu n.º 1 (art.º 61 n. o 1) dispõe textualmente o seguinte:

«As deliberações e decisões tomadas pelos órgãos do Partido podem ser impugnadas com fundamento em ilegalidade ou violação das normas estatutárias ou regulamentares, mediante requerimento apresentado no prazo de quinze (15) dias a contar da data da deliberação ou daquela em que da mesma tomou conhecimento o impugnante, mas nunca depois de decorridos 90 dias da data da deliberação».

21 - Donde, e sem necessidade de mais e alongadas explanações a este respeito, facilmente se compreende e se aceita, atento tal normativo regulamentar e que tendo a deliberação da Comissão Nacional aprovado tal deliberação em 31 de Março de 2012 (aprovação dos novos Estatutos do PS) e a respectiva impugnação da mesma tendo tido lugar no dia 12/04/2012 junto do orgão estatutariamente competente para o respectivo efeito, imperativo é considerar-se que o dito recurso foi tempestivamente apresentado."

Esta argumentação é desenvolvida pelo autor na sua resposta às exceções (cf. os respetivos artigos 38. a 59.).

O «Regulamento Disciplinar do Partido Socialista», de 8 de novembro de 2003, tem 68 artigos, distribuídos pelos seguintes capítulos:

Capítulo I: Disposições gerais;

Capítulo II: Da instrução do processo;

Capítulo III: Da acusação e da Defesa;

Capítulo IV: Do julgamento;

Capítulo V: Dos recursos;

Capítulo VI: Da revisão;

Capítulo VII: Medida cautelar do processo;

Capítulo VIII: Outras formas de jurisdição;

Capítulo IX: Disposições finais e transitórias.

Segundo o artigo 1.º (Jurisdição) do Regulamento em análise, "os filiados do Partido Socialista estão sujeitos à jurisdição dos seus órgãos estatutários nos termos previstos nos estatutos do partido e neste regulamento". Segue-se a definição de «infração disciplinar» no artigo 2.º e, depois, a enumeração das competências da CNJ (artigo 3.º) e das Comissões Federativas de Jurisdição (artigo 4.º) e, no artigo 5.º (Funcionamento), a disciplina do modo de funcionamento da CNJ. Os restantes artigos do Capítulo I - arts. 6.º a 19.º - respeitam a matéria disciplinar. E, como resulta das epígrafes dos Capítulos II a VII, é também essa a matéria neles disciplinada.

Todavia, a (grande) importância relativa ou, mesmo, a predominância das questões disciplinares, nas suas vertentes substantiva e adjetiva, não significa que aquele Regulamento, denominado «disciplinar», se limite a tratar de questões dessa índole. Comprova-o, desde logo, a matéria referente às competências da CNJ e das Comissões Federativas de Jurisdição, respetivamente, arts. 3.º e 4.º Em especial no que se refere à primeira, é muito significativa a reprodução no artigo 3.º dos normativos estatutários sobre, por exemplo, a competência para:

"Julgar definitivamente os recursos das decisões das Comissões de Jurisdição das Federações" (n.º 1, al. a); cf. o artigo 81.º, n.º 1, al. a), dos Estatutos na versão em vigor antes da deliberação da comissão Nacional de 31 de março de 2012);

"Instruir e julgar os processos de impugnação da validade das deliberações e decisões dos órgãos nacionais e das Federações do Partido" (n.º 1, al. b); cf.

o artigo 81.º, n.º 1, al. b), dos Estatutos na mencionada versão);

"Instruir e julgar conflitos de competência entre órgãos nacionais do Partido"

(n.º 1, al. c); cf. o artigo 81.º, n.º 1, al. c), dos Estatutos na mencionada versão);

"Decretar, por maioria de dois terços dos membros, a suspensão da execução de declarações ou deliberações de órgãos do Partido objecto de recurso, desde que a respectiva execução implique lesão de interesses fundamentais do Partido" (n.º 1, al. e); cf. o artigo 81.º, n.º 1, al. e), dos Estatutos na mencionada versão);

"Dar parecer sobre a interpretação ou suprimento de lacunas das disposições estatutárias ou regulamentares a solicitação dos órgãos nacionais ou das Federações do Partido" (n.º 2, al. e); cf. o artigo 81.º, n.º 1, al. h), dos Estatutos na mencionada versão);

"Participar nos processos de revisão estatutária" (n.º 2, al. h); cf. o artigo 81.º, n.º 1, al. i), dos Estatutos na mencionada versão);

"Submeter ao Congresso Nacional um relatório das suas actividades" (n.º 2, al. i); cf. o artigo 81.º, n.º 1, al. j), dos Estatutos na mencionada versão).

Considerando estas competências, compreende-se a inclusão no Regulamento em análise de um capítulo - o Capítulo VIII - dedicado a «outras formas de jurisdição», que não a «jurisdição disciplinar». Aí são tratadas, sucessivamente, a função consultiva (artigo 59.º - Emissão de pareceres), a função de resolução de conflitos internos (artigo 60.º - Conflitos de jurisdição ou competência) e a função de controlo de legalidade interna (artigo 61.º - Impugnação da validade das deliberações e decisões).

É o seguinte o teor do artigo 61.º do «Regulamento Disciplinar do Partido Socialista»:

1 - As deliberações e decisões tomadas pelos órgãos do partido podem ser impugnadas com fundamento em ilegalidade ou violação das normas estatutárias ou regulamentares, mediante requerimento apresentado no prazo de quinze (15) dias a contar da data da deliberação ou daquela em que da mesma tomou conhecimento o impugnante, mas nunca depois de decorridos 90 dias da data da deliberação.

2 - A impugnação pode ser feita por qualquer membro do Partido que tenha estado presente à deliberação ou decisão, ou por qualquer filiado que, não tendo estado presente, seja por ela prejudicado. No primeiro caso é fundamento de rejeição da impugnação ter o impugnante votado a favor da deliberação.

3 - O requerimento, no qual serão expostos os fundamentos do pedido, será apresentado na Comissão de Jurisdição competente e deverá ser instruído, sempre que possível, com todos os elementos de prova.

4 - Dentro do prazo de dez (10) dias, a Comissão de Jurisdição competente remeterá o duplicado do requerimento ao órgão que proferiu a deliberação impugnada, notificando este para apresentar cópia da deliberação no prazo que lhe for fixado, entre oito (8) e trinta (30) dias, e, no mesmo prazo, responder ao requerimento, se assim o entender, oferecendo, neste caso, todos os meios de prova.

5 - À instrução e decisão do processo são aplicáveis, com as necessárias adaptações, as regras dos Capítulos II e IV.

Este preceito, juntamente com as mencionadas normas de competência, contém uma regulamentação completa da impugnação interna de decisões dos diferentes órgãos do Partido Socialista e, por isso, dá cumprimento ao estatuído no artigo 30.º, n.º 1, da LPP. À luz deste último, o artigo 61.º em causa só pode ser entendido como disciplinando a impugnação de deliberações de órgãos deste Partido com fundamento em infração de normas estatutárias ou de normas legais. Note-se, de resto, que o «Regulamento Disciplinar do Partido Socialista», de 8 de novembro de 2003, disciplina autonomamente a impugnação ou recurso das decisões em matéria disciplinar (cf. o respetivo Capítulo V, arts. 41.º a 48.º; no artigo 44.º prevê-se o prazo de 15 dias para a interposição de recurso da decisão que ponha termo ao procedimento disciplinar).

No mesmo sentido, pronunciou-se em declaração de voto um dos membros da CNJ, José Manuel Ferreira da Silva:

"Estando de acordo e votando favoravelmente o decidido, não acompanho, porém, o que vem entendido no Acórdão sobre a tempestividade do recurso.

Na verdade, o artigo 61.º, n.º 1, do regulamento disciplinar, que estabelece o prazo de 15 dias para impugnação das deliberações dos órgãos do partido, tem não só aplicação para as questões ligadas à disciplina, como refere o Acórdão, mas também e na exacta medida quanto à impugnação da deliberação em causa da Comissão nacional que aprovou a alteração estatutária.

E isto claramente decorre do Capítulo VIII do dito Regulamento, que nele se intitula "OUTRAS FORMAS DE JURISDIÇÃO" (para além da disciplinar), capítulo este no qual se insere o referido artigo 61.º".

Por outro lado, não pode deixar de salientar-se que o réu, apesar de referir a existência de "divergências quanto à matéria dos recursos, nomeadamente, quanto aos prazos de recurso" - sendo essa inclusivamente uma circunstância alegada como justificação para o artigo 55.º do novo «Regulamento Processual e Disciplinar» do Partido Socialista (cf. os artigos 32. e 33. da contestação) - não substancia minimamente tal alegação. Mais:

conforme salienta o autor na sua resposta às exceções, o réu, apesar de a invocar, não dá um único exemplo da «prática jurisprudencial» seguida pela CNJ quanto à aplicação subsidiária da LTC (cf. o respetivo artigo 49.). De resto, a inclusão do novo preceito num Regulamento dito «processual e disciplinar» até parece indiciar que a tradição naquele Partido é a de as questões disciplinares não serem tratadas num instrumento autónomo, mas juntamente com outras matérias que relevam de uma «jurisdição», que não a disciplinar.

Improcede, pelo exposto, o entendimento da CNJ de que o artigo 61.º, n.º 1, do citado Regulamento, invocado pelo ora autor para justificar a apresentação do recurso interno em 12 de abril de 2012, não seja aplicável a tal impugnação. Na verdade, aquele Regulamento, embora seja predominantemente "focalizado nas questões ligadas à disciplina do partido", não o é totalmente; o mesmo não deixa de tratar de questões que relevam de «outras formas de jurisdição», como é o caso, justamente, do controlo de legalidade das deliberações dos órgãos partidários, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 30.º da LPP.

Tendo o autor impugnado a validade da deliberação da Comissão Nacional de 31 de março de 2012, em 12 de abril seguinte - facto por ele alegado (cf. os artigos 12., 15. e 21., todos da petição inicial) e reconhecido, quer no acórdão da CNJ objeto da presente ação, quer no artigo 31. da contestação -, mostra-se respeitado o prazo de quinze dias previsto no artigo 61.º, n.º 1, do «Regulamento Disciplinar do Partido Socialista», de 8 de novembro de 2003, pelo que a referida impugnação tem de se haver como tempestiva.

Consequentemente, a deliberação impugnada é, no que se refere à intempestividade do recurso interno interposto em 12 de abril de 2012 pelo ora autor, infundada.

8 - Não existindo outros obstáculos ao conhecimento do mérito da causa, cumpre apreciar e decidir, começando pelo pedido de declaração de nulidade do acórdão proferido em 29 de setembro de 2012 pela CNJ.

8.1 - Na sua petição, o autor suscita a questão da incompetência da Comissão Nacional para aprovar alterações aos Estatutos do Partido Socialista, uma vez que, em seu entender, não terá sido respeitado o disposto no artigo 117.º de tal normativo. Assim sendo, a deliberação da Comissão Nacional de 31 de março de 2012, que aprovou alterações aos mencionados Estatutos, é ilegal, contrariamente ao entendimento que fez vencimento na deliberação ora impugnada - o acórdão da CNJ de 29 de setembro de 2012.

É o seguinte o teor do preceito estatutário em causa, na versão em vigor antes das alterações introduzidas pela deliberação da Comissão nacional de 31 de março de 2012:

Artigo 117.º (Do processo de alteração dos Estatutos) 1 - Os presentes Estatutos são alterados por deliberação do Congresso Nacional ou por deliberação da Comissão Nacional, se o Congresso lhe atribuir delegação de poderes para tanto, devendo, em qualquer dos casos, a alteração estatutária ter sido previamente inscrita na ordem de trabalhos do Congresso.

2 - A inscrição na ordem de trabalhos, tendo em consideração o disposto no artigo 61.º, n.º 4 [preceito que atribui competência ao Congresso para aprovar alterações aos Estatutos, à Declaração de Princípios e ao Programa do Partido], pode ocorrer:

Por iniciativa da Comissão Nacional ou da Comissão Política Nacional ou mediante proposta do Secretário-Geral;

Pela maioria das Comissões Políticas das Federações que representem também a maioria dos militantes inscritos;

Por iniciativa de 5 % dos militantes inscritos.

Alega o autor que o XVIII Congresso do Partido Socialista realizado em Braga, em 9, 10 e 11 de setembro de 2011 - o Congresso imediatamente anterior à reunião da Comissão Nacional de 31 de março de 2012 em que foram aprovadas as alterações aos Estatutos - não delegou poderes de revisão estatutária na Comissão Nacional, uma vez que na ordem de trabalhos daquele Congresso não se encontrava inscrita a alteração estatutária (cf. os artigos 23. a 25. da petição inicial):

"23. Ora, [...] conforme então alegámos, perante a Comissão Nacional de Jurisdição do PS, resulta pois claramente do disposto no artigo 117 n.º 1 in fine, que a Comissão Nacional do PS só poderá aprovar alterações aos Estatutos do PS, se e quando "... o Congresso lhe atribuir delegação de poderes para tanto, devendo em qualquer dos casos, a alteração estatutária ter sido previamente inscrita na ordem de trabalhos do Congresso", o que manifestamente ali não aconteceu.

24 - E assim não aconteceu, porquanto entendemos, contrariamente ao entendimento agora revelado pela CNJ, que o Congresso do PS realizado em 09, 10 e 11 de Setembro de 2011, em especial, no dia 10 desse mesmo mês e ano, não houvera nunca concedido expresso ou tácito mandato à Comissão Nacional para em momento posterior proceder à aprovação dos novos Estatutos do PS, razão pela qual, a dita Comissão Nacional não tinha nem legitimidade nem competência estatutária para aprovar tal deliberação.

25 - Desde logo porque tal suposto mandato que ora invoca a CNJ na decisão proferida em 29 de Setembro e da qual fomos notificados em 03 de Outubro de 2012, nunca em momento algum constou da ordem de trabalhos do dito congresso, conforme facilmente se alcança da mesma (Cfr. Doc. n.º 1 que aqui se junta).

26 - Aliás, a própria CNJ reconhece (fls., 5 do douto acórdão) que "... é facto que não existiu, formalmente, a inscrição na ordem de trabalhos para a atribuição do mandato" pelo Congresso Nacional realizado em Braga (dias 9, 10 e 11) à Comissão Nacional para aprovar os novos Estatutos do Partido Socialista."

A omissão da inscrição das alterações estatutárias na ordem de trabalhos do XVIII Congresso do Partido Socialista, além de comprovada documentalmente - v. o citado documento n.º 1 junto à petição a que corresponde o documento n.º 9 junto à contestação -, não é impugnada pelo réu e, como referido pelo autor, é dada como assente na deliberação ora impugnada.

8.2 - As questões que, a partir da verificação do dado factual correspondente àquela omissão, se colocam ao Tribunal no quadro da presente ação - proposta, recorde-se, ao abrigo do artigo 103.º-D, n.º 2, da LTC - são duas:

Saber se, em geral, as regras estatutárias que habilitam o Congresso a delegar na Comissão Nacional do Partido Socialista o poder de alterar os Estatutos deste Partido, nomeadamente a inscrição prévia na ordem de trabalhos do Congresso que delibere tal delegação de poderes, são "regras essenciais relativas à competência ou ao funcionamento democrático do partido";

Saber se, no caso concreto, a omissão da inscrição na ordem de trabalhos do Congresso que deliberou delegar na Comissão Nacional poderes para alterar os Estatutos do Partido Socialista constituiu uma "grave violação" - ou seja, uma violação qualificada, e não uma violação simples - das regras estatutárias aplicáveis.

Por força do citado artigo 103.º-D, n.º 2, da LTC, somente se a resposta a estas duas questões for afirmativa é que os pedidos do autor relativamente à nulidade do acórdão da CNJ de 29 de setembro de 2012 e à ilegalidade da deliberação da Comissão Nacional de 31 de março de 2012 podem proceder.

Caso contrário, os mesmos pedidos improcederão, ficando prejudicados os demais.

Este modo de equacionar as questões sub iudicio tem subjacente o entendimento de que, relativamente às «ações de impugnação de deliberação tomada por órgãos de partido político» previstas no artigo 103.º-D da LTC, este diploma estabelece uma distinção entre ações partidárias individuais e ações populares partidárias.

Com efeito, a Constituição, no seu artigo 223.º, n.º 2, alínea h), comete ao Tribunal Constitucional a competência para "julgar as ações de impugnação de [...] deliberações de órgãos de partidos políticos que, nos termos da lei, sejam recorríveis". E o legislador ordinário modulou a recorribilidade de tais deliberações em função dos interesses que por elas são lesados. Assim, no caso de ações partidárias individuais, correspondente ao n.º 1 do artigo 103.º-D da LTC, e em que está em causa a afetação de direitos subjetivos de um ou mais militantes partidários certos e determinados, a condição de procedência da ação é a verificação de uma qualquer ilegalidade, por forma a tutelar cabalmente a posição jurídica subjetiva dos militantes afetados. Já no caso de ações populares partidárias, correspondente ao n.º 2 do mesmo artigo, e em que está em causa apenas a legalidade interna do partido, a lei, numa lógica de intervenção mínima, faz uma ponderação de interesses favorável ao partido político e aos seus órgãos, admitindo como relevantes, para efeitos de declaração de nulidade, apenas ilegalidades qualificadas. A ratio é a de que, não estando em causa direitos individuais, mas apenas questões de legalidade interna, a intervenção do Tribunal Constitucional só se justifica relativamente a ilegalidades suscetíveis de comprometerem os princípios democráticos de organização partidária (cf. o artigo 51.º, n.º 5, da Constituição; sobre tais princípios e a legitimidade ativa dos militantes, v.

Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, tomo I, 2.ª ed., Coimbra, 2010, anots. ao artigo 51.º, XV, pp. 1016-1017, e XX, p. 1020; e Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 4.ª ed., Coimbra, 2007, anots. ao artigo 51.º, X e XI, pp.

686-687). A relevância atribuída aos mencionados princípios no âmbito da ação popular partidária é consonante com o sentido do aditamento pela Revisão Constitucional de 1997 do n.º 5 ao artigo 51.º da Constituição. Como salientam, a propósito, Gomes Canotilho e Vital Moreira, "A ideia subjacente ao n.º 5 é a de vincular as organizações partidárias à observância dos princípios fundamentais organizatórios, processuais e procedimentais da democracia política («democracia nos partidos»). Esta vinculação jurídico-constitucional dos partidos aos princípios da democracia interna é também justificada pela tendência, histórico-sociologicamente comprovada de oligarquização de partidos, bem como pela necessidade de possibilitar concorrência política interna, dada a dificuldade de formação de novos partidos nos actuais contextos políticos" (Autores cits., ob. cit., ibidem, anot. X, p. 686)."

8.3 - Quanto à primeira questão (v. supra o n.º 8.2.), importa ter presentes as seguintes considerações expendidas pelo autor na sua petição:

"27. Na verdade, era e continua a ser absolutamente claro, que em matéria de alterações aos ditos Estatutos (como aliás, e muito curiosamente dispõe os novos Estatutos) necessariamente na sua redacção anterior àquela que hoje se encontra em vigor, as mesmas só poderiam ter lugar caso, desde que respeitassem o disposto no seu então artigo 117 n.º 1 que dispunha o seguinte: "Os presentes Estatutos são alterados por deliberação do Congresso Nacional ou por deliberação da Comissão Nacional, se o Congressos lhe atribuir delegação de poderes para tanto, devendo em qualquer dos casos, a alteração estatutária ter sido previamente inscrita na ordem de trabalhos do Congresso (negrito e sublinhado nosso).

28 - Para melhor esclarecimento e fundamentação do aqui exposto, cito igualmente o excelente comentário técnico-jurídico publicado nas redes socais em 30/03/2012 a este propósito (falta de poderes da Comissão Nacional para aprovar as ditas alterações estatutárias e consequente nulidade de tal deliberação!) por Rui Namorado, ilustre Professor da Universidade de Coimbra, a saber:

«De facto, os estatutos do PS são bem claros: para que um Congresso Nacional possa proceder a uma alteração estatutária tem que a inscrever na respectiva ordem de trabalhos como um dos seus pontos.

Considera-se que os militantes do PS têm que saber à partida que o Congresso vai ter poderes de modificação dos estatutos (à escala do partido como se assumisse poderes "constituintes").

E o assumir destes poderes é de tal modo relevante que são muito poucas as fontes legítimas para que se proceda a essa inclusão na ordem de trabalhos.

Na verdade, no n.º 2 do artigo 117 dos estatutos do PS considera que essa inclusão na ordem de trabalhos pode ocorrer: "a. Por iniciativa da Comissão Nacional ou da Comissão nacional Política Nacional, ou mediante proposta do Secretário-Geral; b. Pela maioria das Comissões Políticas das Federações que representem também a maioria dos militantes inscritos; c. Por iniciativa de 5 % dos militantes inscritos.

Deste preceito resulta que estamos perante uma enumeração taxativa das vias juridicamente legitimadas para conduzirem à inscrição de alterações estatutárias na ordem de trabalhos do Congresso.

Repare-se, aliás, que os estatutos são inequívocos, quando indicam qual a via de que o secretário-geral dispõe para conseguir que eles sejam modificados num Congresso. Ele tem apenas um caminho à sua disposição: propor a inscrição desse ponto na ordem de trabalhos. Não lhe é dada qualquer outra hipótese. Portanto, algo diferente, mesmo para o secretário-geral, não é suficiente.

Por isso, o Congresso Braga de Setembro passado, realmente, não teve poderes de alteração estatutária.

Ora, o Congresso só poderia ter delegado poderes de alteração estatutária à Comissão Nacional se os tivesse. Ninguém pode delegar poderes que não tem.

Por isso, a Comissão nacional do PS não tem competência legal para votar qualquer alteração estatutária, até que um novo Congresso Nacional decida outorgar-lhos. Perante a clareza dos textos, não é provável que qualquer tribunal decida noutro sentido.».

29 - Donde, a Comissão Nacional ao ter aprovado tal deliberação, que ora entende a CNJ como tendo sido tomada de forma válida, torna-se para nós, absolutamente óbvio que o dito órgão nacional (CN) cometeu gritante e ostensiva ilegalidade de tal deliberação, por clara e também ostensiva violação do disposto no artigo 117 n.º 1 in fine dos Estatutos do PS, na sua redacção anterior àquela que lhe foi dada pela dita deliberação estatutariamente ilegal."

A exigência de inscrição prévia na ordem de trabalhos do Congresso Nacional da alteração dos Estatutos, independentemente de tal alteração dever ser realizada pelo próprio Congresso ou por ele delegada na Comissão Nacional, tal como prevista no artigo 117.º, n.º 1, dos Estatutos do Partido Socialista, é uma regra básica e fundamental de transparência e de publicidade do procedimento de formação democrática da vontade partidária. O relevo desta exigência é ainda reforçado pela circunstância de a mesma se encontrar associada a uma reserva de iniciativa quanto a alterações estatutárias, nos termos do n.º 2 do mesmo preceito. Com efeito, decorre do artigo 117.º em análise que o Congresso Nacional do Partido Socialista só tem poderes de revisão estatutária, desde que tal revisão seja inscrita na respetiva ordem de trabalhos a pedido das entidades especialmente legitimadas para o efeito.

Pretende-se, assim, evitar que este órgão assuma por iniciativa própria e em situações não previstas antecipadamente os aludidos poderes de revisão. A inscrição prévia na ordem de trabalhos apresenta-se, deste modo, simultaneamente como uma salvaguarda da reserva de iniciativa estatutária e uma salvaguarda da ponderação e discussão prévias à própria reunião do Congresso das alterações estatutárias a discutir no seio deste órgão.

A titularidade de poderes de revisão estatutária pelo Congresso sobreleva a questão da delegação desses poderes na Comissão Nacional. Isto é, uma vez dotado de poderes de revisão, cabe ao Congresso, e só a ele, decidir se os exerce diretamente ou se os delega na Comissão Nacional. Com efeito, o Congresso só pode delegar poderes de que seja titular, e essa titularidade é-lhe conferida mediante a inscrição das alterações estatutárias na ordem de trabalhos da sua reunião. A partir do momento em que o Congresso se encontra dotado de poderes de revisão estatutária, o mesmo é «soberano» no sentido de os exercer, ou não, e, por maioria de razão, de os delegar, ou não.

Qualquer outro entendimento desfiguraria a liberdade própria do delegante relativamente ao ato de delegação. Em especial, conceber a possibilidade de um condicionamento do exercício de poderes de revisão estatutária pelo modo como é promovida a inscrição das alterações estatutárias na ordem de trabalhos do Congresso, designadamente no sentido de admitir que tais poderes sejam obrigatoriamente delegados na Comissão Nacional, contraria a própria ideia de delegação de poderes. Esta é, por natureza, um ato do delegante; uma «delegação imposta por outrem» - ou, o que para o efeito redundará no mesmo - uma iniciativa de atribuição de poderes sujeita à condição de os poderes conferidos serem delegados, conflitua com a própria titularidade dos poderes a delegar no momento imediatamente anterior ao ato de delegação.

Pelo exposto, não cabe a menor dúvida sobre a essencialidade das regras plasmadas no artigo 117.º, n.º 1, dos Estatutos do Partido Socialista, no que respeita à competência do Congresso Nacional e à competência da Comissão Nacional para rever os mesmos Estatutos e sobre a importância de tais regras para o funcionamento democrático do Partido: o referido Congresso - que é um órgão nacional do Partido (cf. o artigo 59.º, alínea a), dos Estatutos) - só tem poderes de revisão dos Estatutos, caso a alteração estatutária tenha sido inscrita na ordem de trabalhos da sua reunião, a pedido de uma ou mais das entidades referidas no n.º 2 do mesmo preceito; e a Comissão Nacional - que também é um órgão nacional do Partido (cf. o artigo 59.º, alínea b), dos Estatutos) - só pode aprovar alterações estatutárias, desde que o Congresso, devidamente habilitado com poderes de revisão estatutária, nela tenha delegado esses poderes de revisão.

8.4 - Como referido, a ordem de trabalhos do XVIII Congresso Nacional do Partido Socialista não contemplava qualquer ponto relativo a alterações estatutárias. Tão-pouco consta da respetiva ata a referência expressa a uma «delegação de poderes» na Comissão Nacional referente à modificação dos Estatutos (cf. o documento n.º 14 junto à contestação, fls. 222 a 225). Resulta ainda dos autos que a Comissão Nacional, na sua reunião de 31 de março de 2012, aprovou diversas alterações aos Estatutos, porque se considerou mandatada para o fazer (cf. o artigo 6. da petição inicial, o artigo 40. da contestação, a deliberação ora impugnada e a ata da reunião da Comissão Nacional de 31 de março de 2012 junta pelo autor a fls. 25 e seguintes, a que corresponde o documento n.º 1 junto à contestação).

A questão da existência de mandato para aprovar alterações estatutárias foi expressamente abordada naquela reunião da Comissão Nacional. Conforme se retira da ata respetiva, foi apresentado um requerimento no sentido de as propostas de alterações aos estatutos não serem submetidas a votação, por se considerar não estar a Comissão Nacional "devidamente mandatada pelo Congresso" para o efeito (cf. fls. 26 e 27 ou fls. 64 e 65). E a sequência foi a seguinte (v. ibidem):

"Interveio o camarada António Ramos Preto, que esclareceu que o processo é anterior, que começou com a apresentação da candidatura a Secretário-Geral de António José Seguro, que vinha instruído com uma moção denominada «Novo Ciclo». Nesta moção expressa que com a sua aprovação se mandata a Comissão Nacional para a revisão dos estatutos.

Nessa sequência foi produzida a convocatória ao Congresso, foi votada a aprovação da moção de orientação (a qual obteve cerca de 75 %). No dizer de António Ramos Preto, o que é preciso saber é se o artigo 117.º foi cumprido, ou não, e quais as consequências.

No seu entender foi dado cumprimento através de uma inscrição prévia, independentemente de não ter sido a mais comum.

Todos tinham consciência do processo, não havendo a omissão de qualquer formalidade essencial, pelo que não existe efeito invalidante.

Interveio a Presidente da Mesa, Maria de Belém Roseira, que justificou a sua interpretação e porque estava obrigada a este procedimento. De acordo com o artigo 9.º do Código Civil a interpretação não deve cingir-se à letra da lei e explicou que a moção, de acordo com o artigo 61.º, n.º 5 [dos Estatutos].

Dissolve-se o Congresso e as suas conclusões têm valor vinculativo. Foi desta forma que se sentiu obrigada a Comissão Nacional com esta ordem de trabalhos [para a reunião de 31 de março de 2012], sendo hoje o dia limite para se cumprir a decisão referida.

Posto à votação o requerimento, foi este rejeitado com 25 votos a favor e 134 votos contra."

É, por conseguinte, manifesto que o formalismo previsto no artigo 117.º dos Estatutos do Partido Socialista quanto à alteração dos mesmos Estatutos não foi observado. A questão que se coloca, e que é decisiva para julgar da procedência da presente ação quanto à nulidade do acórdão da CNJ de 29 de setembro de 2012 e, bem assim, quanto à nulidade das alterações aos Estatutos aprovadas pela Comissão Nacional na sua reunião de 31 de março de 2012, é a de saber se tal inobservância tem relevância invalidante.

8.5 - Atento o parâmetro de avaliação a que este Tribunal se encontra vinculado nos termos do artigo 103.º-D, n.º 2, da LTC - não é qualquer violação de regras internas essenciais que justifica a invalidação, mas somente aquela violação que se deva reputar "grave" -, não se afigura necessário aprofundar a temática da relevância invalidante dos vícios de forma ou procedimentais, seja no âmbito do direito privado, em especial no direito societário, seja no direito público. Tão-pouco parece útil esmiuçar a distinção entre valores jurídicos negativos e a mera irregularidade.

Aquele preceito da LTC está funcionalizado aos princípios democráticos de organização partidária (cf. supra o n.º 8.2.), pelo que é em função destes que a gravidade da inobservância de um preceito interno considerado essencial deverá ser apreciada. O artigo 117.º dos Estatutos do Partido Socialista foi já considerada como uma regra essencial consagradora de uma reserva de iniciativa estatutária e destinada a acautelar a ponderação e discussão das alterações estatutárias a decidir pelo Congresso previamente à reunião desse órgão em que as mesmas alterações devem ser aprovadas (cf. supra o n.º 8.3.). Assim, terá de qualificar-se como "grave violação" do citado artigo 117.º a inobservância deste preceito, quando algum dos valores por ele tutelados se deva considerar substancialmente lesado.

8.6 - No acórdão da CNJ, objeto da presente ação, o que se diz a propósito da inobservância do disposto no artigo 117.º dos Estatutos do Partido Socialista é que "materialmente não assiste razão ao impugnante" (isto é, ao autor na presente ação), acompanhando-se a resposta apresentada pela Presidente do Partido - a Dra. Maria de Belém Roseira - na reunião da Comissão Nacional de 31 de março de 2012. Além disso, invoca-se também a irrelevância invalidante da omissão verificada com base na «doutrina da degradação de formalidades essenciais em não essenciais». Em especial, quanto ao primeiro aspeto, consignou-se o seguinte:

"Com efeito, como é do conhecimento de todos os militantes do Partido as duas moções globais apresentadas em Congresso defendiam uma revisão estatutária com naturezas e latitudes várias, sendo este um dos temas que dominou grande parte dos trabalhos dos Congressos A moção de orientação global, O Novo Ciclo, aprovada com 75 % dos votos expressos, continha proposta expressa de atribuição de mandato à Comissão Nacional para alteração dos Estatutos, o qual deveria ser antecedido de um grande debate interno, como ocorreu, sendo este o comummente designado por facto público e notório.

No decurso do tempo que decorreu desde a aprovação da Moção em Congresso em Setembro de 2011, até à realização da Comissão Nacional, em Março de 2012, não há notícia de qualquer interpelação, interrogação ou dúvida quanto ao procedimento em curso e a conclusão do mesmo.

Este é um facto relevante, na nossa perspectiva, pois permite concluir que por todos os militantes foi percebido e assumido que, com a aprovação da Moção no Congresso, e subsequente processo de discussão, a Comissão Nacional estava mandatada para aprovar as alterações que viessem a ser propostas.

Se assim não fosse seria um processo inútil o que atento o universo dos destinatários e a sua participação activa e empenhada, seria atentatório dos ditames da boa fé."

O autor tomou conhecimento de todos estes argumentos. E, sobre os mesmos, entende o seguinte (cf. a petição inicial):

"30. É certo que da Moção de Orientação Nacional ("Novo Ciclo") - cujo primeiro subscritor foi o Camarada e actual SG (Secretário-Geral do PS) - a qual foi aprovada por 75 % dos delegados ao referido XVIII Congresso Nacional - consta (matéria que aborda o dito acórdão), mas apenas, e muito sumária e telegraficamente o seguinte e que ora se transcreve, a saber:

"Nesse sentido, propomos ao XVIII Congresso Nacional que, com a aprovação desta Moção, mandate a Comissão Nacional para a aprovação dos novos Estatutos do PS".

31 - Mas pergunta-se: será que pelo simples facto de tal Moção então aprovada pelo respectivo Congresso Nacional, "constar" a páginas tantas... e ali algures perdida o dito "pedido de autorização" para que a CN viesse a aprovar tais alterações, traduziu-se aquele (suposto "pedido") num verdadeiro e expresso mandato do dito Congresso Nacional, através do qual, "fora"

concedida àquele órgão nacional (CN) "legitimidade e competência" para aprovar tais alterações estatutárias? 32 - Salvo sempre o devido respeito por opinião contrária, não poderemos concordar com tal entendimento, segundo o qual, o referido Congresso Nacional, "tinha" conferido à CN "poderes bastantes, qual suposto "mandato tácito" - assim publicamente invocado pelo camarada António José Seguro - para concretizar tais alterações estatutárias, porquanto:

Da Ordem de Trabalhos do mencionado Congresso Nacional, em especial, dos trabalhos então agendados para o dia 10 de Setembro de 2011, não consta nem alguma vez constou qualquer referência a suposto e hipotético pedido de autorização ao Congresso, a fim de autorizar-se a Comissão Nacional para aprovar quaisquer alterações estatutárias, i,e., alterações aos Estatutos do PS;

Da dita Ordem de Trabalhos, e em consequência do supradito, nunca em momento algum o Congresso concedeu qualquer mandato expresso ou tão-pouco tácito à CN para posteriormente aprovar as ditas alterações estatutárias.

33 - Donde, não tendo nunca tal pedido de autorização sido concedido em concreto pelo Congresso Nacional à CN, para esta em momento posterior aprovasse quaisquer alterações estatutárias, considerarmos assim, que a recente deliberação da CN (31 de Março de 2012), porque assim não estava estatutariamente legitimada ou tão-pouco autorizada pelo dito Congresso, não tinha pois competência legal e estatutária para aprovar quaisquer alterações aos Estatutos do PS e logicamente também não a tinha, para deliberar no sentido que para tal estava autorizada pelo dito Congresso Nacional.

34 - Tendo assim procedido, tal deliberação padece de clara, grosseira e manifesta nulidade, rectius, deve a mesma considerar-se juridicamente inexistente, por violação do disposto no art. 117 n.º 1 in fine dos Estatutos do PS.

35 - Posto que a ter havido pedido de autorização ao Congresso Nacional para que a CN levasse a cabo tais alterações estatutárias (o que de todo em todo, nunca houve!), sempre e ao menos, tal concreto ponto (posterior alteração dos Estatutos do PS) teria que constar da dita Ordem de Trabalhos, a fim de ser discutida e votada e por conseguinte ser autorizada pelos Delegados a tal Congresso.

36 - Ainda assim pergunta-se: poderia ou pode o Congresso Nacional mandatar a Comissão Nacional para aprovar Moções Sectoriais em abstracto, qual cheque ou mera livrança em branco, mesmo que tais moções não tenham sido incluídas na respectiva Ordem de Trabalhos? 37 - Em prejuízo e em função de Moções sectoriais concretas e presentes ao Congresso, ou seja, devendo assim as mesmas constarem da ordem de trabalhos a fim de serem objecto de discussão e votação pelos respectivos Delegados ao dito Congresso? 38 - Evidentemente que a resposta, à falta de uma concreta proposta de alteração aos Estatutos que não tenha sido incluída na respectiva Ordem de Trabalhos, só poderá ser negativa à luz do preceituado no artigo 117, nomeadamente, tendo em atenção o consagrado no seu n.º 1 in fine dos respectivos Estatutos na sua redaccão anterior (posto que só esta versão pode ser aqui aplicada) o qual dispõe que e ora cita-se: Artigo 117 [...].

[...] 42 - Ora, imagine-se que numa dada Sociedade Comercial ou Associação, os respectivos sócios são convocados para a respectiva Assembleia Geral.

43 - Sabemos bem, e como resulta do artigo 54 do CSC que tem que haver uma convocatória na qual são descriminados os assuntos (Ordem de Trabalhos) a serem discutidos e posteriormente aprovados ou não na respectiva assembleia - geral.

44 - Sendo certo que tais assuntos não podendo legalmente limitar-se a constar de uma dada proposta do sócio X ou Y, têm pois que constar da respectiva Convocatória, i,e., da Ordem de Trabalhos.

45 - Posto que se assim não for, ou seja, caso tais assuntos não constem da referida ordem de trabalhos, a deliberação aí tomada será ilegal e por conseguinte nula ou anulável, ficando os sócios opositores a tal deliberação, com o legítimo direito a impugná-la.

46 - Sendo que a única excepção, não ocorrendo assim tal ilegalidade, apenas ocorrerá quando estejam presentes todos os respectivos sócios, e todos eles manifestem a vontade de que a assembleia se constitua e delibere sobre determinado assunto, o qual não constava da necessária convocatória., ou seja, em tal circunstancialismo, todos eles acordam em discutir e votar assuntos que não constam da dita Convocatória e daí (e apenas por tal razão) a dita deliberação será válida. (Cfr: artigo 54 n.º 1 do CSC e mesmo dispõe o art. 174 n.º 3 do CC em matéria de deliberações das Associações).

47 - Pois bem: no caso em apreço, nada disto aconteceu! Entendamo-nos:

nem o dito pedido de autorização ao Congresso Nacional no sentido de autorizar a CN para aprovar tais alterações Estatutárias (as quais tiveram lugar no dia 31 de Março de 2012) alguma vez chegou a constar da Ordem de Trabalhos daquele Congresso, nem tão-pouco alguma vez os delegados ao Congresso decidiram incluir (porque de todo em todo, estatutariamente nem poderiam fazê-lo) tal concreto abstracto pedido de autorização, qual suposto mandato, na referida ordem de trabalhos.

48 - Entende o douto acórdão ora objecto do presente recurso/impugnação, que as alterações estatutárias ora aprovadas ilegalmente, como já acima exposto, foram objecto de "larga e longa" discussão pública (após a realização do Congresso de Setembro de 2011) nomeadamente com a publicação do projecto de alterações no site do PS.

49 - Quid Iuris??? Pretenderá o douto acórdão, "defender" que por tal via (publicidade das então pretendidas alterações estatutárias) poderá a dita impugnação junto da Comissão Nacional de Jurisdição ser juridicamente "sanada" ?? ou tão simplesmente pretenderá, imputar a quem impugnou tal deliberação, pretenso comportamento subsumível à figura do "abuso de direito" na vertente do "venire contra factum proprium ??? 50 - Ora, nunca tal douta argumentação poderia aqui ser trazida à colação, atendendo que aquilo que se impugnou junto da Comissão Nacional de Jurisdição, foi uma deliberação, ante a sua óbvia nulidade no plano procedimental ou da sua formação e não qualquer discussão pública acerca de tais alterações estatutárias, desde logo porque desconhecemos a existência de qualquer mecanismo estatutário ou legal de "impugnação de discussões públicas".

51 - Tal discussão pública acerca das recentes alterações estatutárias, não configura qualquer e suposta "deliberação" tomada por órgão nacional do PS, da qual os seus militantes com legitimidade activa para o efeito, pudessem legal e estatutariamente impugnar junto dos órgãos de jurisdição próprios do PS.

52 - Aliás, e ainda que alguém "pudesse" subscrever tão surrealista opinião (que salvo o devido respeito, mais não são que meras "divagações factuais"), sempre perguntaríamos o seguinte: Como e em que termos poderia obter-se a "sanação" de uma nulidade (visto que esta é juridicamente insanável), i.e., o vício de que padece a deliberação (aprovação das alterações estatutárias) tomada pela CN em 31/03/2012 ??? a qual, aliás, sempre poderá a todo o tempo ser invocada em face do disposto no art." 286 do Código Civil!!! 53 - Obviamente que tal não é legalmente possível! Apenas deliberações estatutárias que padeçam de vícios menores, poderão, pelos meios legais próprios (confirmação), ser objecto de sanação, posto que em tal caso, estaremos perante meras anulabilidades (288 n. º 1 do Código Civil), o que manifestamente não é o caso nem os fundamentos legais e estatutários da presente impugnação.

54 - Destarte, a deliberação aprovada pela Comissão Nacional no passado dia 31/03/2012, através da qual, a referida CN considerou e assim deliberou que estava devidamente mandatada pelo Congresso Nacional do PS (realizado nos dias 09, 10, e 11 na Cidade de Braga) para proceder a tais alterações estatutárias, e cuja pretensa validade o dito acórdão ora defende, padece de manifesta de nulidade, por claríssima e grosseira violação do disposto no artigo 117 n.º 1 in fine dos Estatutos (a lei fundamental do Partido!) do PS, nulidade esta, que aqui (tal como já invocáramos junto da Comissão Nacional de Jurisdição através de recurso ali apresentado em 12/04/2012) aqui invocamos e arguimos para os devidos efeitos estatutários e legais."

O réu, pelo seu lado, considera que o procedimento que conduziu à alteração dos Estatutos do partido Socialista, por deliberação tomada na reunião da Comissão Nacional de 31 de março de 2012, não enferma da omissão de qualquer formalidade nem do vício apontado pelo autor (cf. o artigo 41. da contestação). Para fundamentar esta conclusão, invoca no seu articulado o seguinte (para além da invocação no artigo 61 e seguintes da «doutrina da degradação de formalidades essenciais em não essenciais», a propósito do artigo 18.º do Código de Procedimento Administrativo, considerado aplicável subsidiariamente "ao funcionamento de um associação de natureza pública"):

"42. Não tendo a alteração estatutária sido efectuada no Congresso, interessa saber se este delegou para o efeito poderes na Comissão Nacional, e se isso se pode considerar inscrito na ordem de trabalhos do Congresso.

43. "O Congresso Nacional é o órgão de apreciação e definição das linhas gerais da política nacional do partido" (artigo 61.º, n.º 1 dos Estatutos), na qual se inclui, naturalmente, o caminho procedimental que possa conduzir à alteração dos Estatutos.

44 - Por sua vez, "A Comissão Nacional como órgão deliberativo máximo entre Congressos" (artigo 66.º, n.º 1 compete-lhe em especial (artigo 66.º, n.º 2, alínea t) "marcar a data e o local de reunião do Congresso Nacional, aprovar os respectivos Regulamentos e Regimento e eleger a Comissão Organizadora do Congresso".

45 - Chamamos ainda aqui a norma do artigo 61.º n.º 5 dos Estatutos que dispõe que o Congresso Nacional"... dissolve-se após a sua realização, tendo as respectivas conclusões valor vinculativo para todos os órgãos do Partido"

(art. 61º n.º 5).

46 - O Congresso foi marcado na reunião da Comissão Nacional efectuada em 7 de Junho de 2012, a qual aprovou o Regulamento Eleitoral para a eleição dos delegados, bem assim, o Regulamento eleitoral para a eleição do Secretário-geral (doc.6 e 7).

47 - Dispõe o n.º 1 do artigo 9.º deste último Regulamento, de resto acompanhando a redacção do já referido artigo 61.º dos Estatutos que:

As Moções Políticas de Orientação Nacional são documentos de apreciação e definição das linhas gerais da política nacional do Partido e só tem legitimidade para a sua apresentação os candidatos a Secretário-Geral do Partido Socialista.

As Moções Políticas de Orientação Nacional são apresentadas pelo número mínimo de 100 militantes do partido, que disponham de capacidade eleitoral, e devem ser apresentadas até ao 30º dia anterior no acto eleitoral.

48 - O então candidato a Secretário-Geral, António José Seguro, apresentou a Moção "O NOVO CICLO PARA CUMPRIR PORTUGAL" (doc.8), constando no ponto 1.2, sob a denominação de "UMA NOVA FORMA DE FAZER POLÍTICA NO PARTIDO SOCIALISTA", o seguinte:

"Lançaremos, no Congresso Nacional de Setembro, um amplo debate nacional sobre a organização e funcionamento do PS", cujo objecto logo a seguir melhor concretiza, propondo: "ao XVIII Congresso Nacional que, com a aprovação desta Moção, mandate a Comissão Nacional para a aprovação dos novos Estatutos do PS".

49 - Regressando, diremos que decorre da transcrita norma do n.º 1 do art.

117 dos Estatutos, que estes prevêem e assim habilitam o Congresso a delegar poderes na Comissão Nacional para a alteração dos Estatutos, sendo certo que, como se disse, é este órgão que procede à "apreciação e definição das linhas gerais da política nacional do partido".

50 - Congresso que é convocado pela Comissão Nacional e nele são apreciadas e votadas as Moções Políticas de Orientação Nacional. E estas Moções aferem-se dentro da competência ampla do Congresso, pois elas próprias são também "documentos de apreciação e definição das linhas gerais de política nacional do Partido... ".

51 - De resto, tal como a Comissão Nacional de Jurisdição do PS já teve oportunidade de escrever no seu Acórdão 19/2006, "... embora os estatutos do PS não definam o que deva entender-se por moção, é do senso comum que uma proposta de tal natureza tem que visar necessariamente a apresentação de proposta, projectos ou programas de orientação política que mereçam ter a dignidade de ser debatido em Congresso e, no caso de aprovação, vincularem a acção política dos órgãos eleitos".

52 - Quer dizer, é do "senso comum", ou pelo menos do generalizado conhecimento dos militantes, que são as propostas que integram as Moções de Orientação Política Nacional, que definem implicitamente e por remissão, a ordem e programa de trabalhos do Congresso. Assim foi sempre e assim, naturalmente, continuará a ser.

53 - E tenha-se presente que, essa ordem de trabalhos implicitamente definida pelas propostas inseridas nas referidas Moções para poderem ser conhecidas de todos os militantes, o Regulamento Eleitoral para a Eleição dos Delegados ao XVIII Congresso Nacional estabelece que a eleição dos Delegados se realiza "até ao 10 dia anterior ao acto eleitoral" (artigo 82 do Regulamento Eleitoral para a Eleição dos Delegados), enquanto as Moções de Orientação Política Nacional devem ser apresentadas, como já se referiu, "... até ao 30 dia anterior ao acto eleitoral".

54 - Ou seja, os militantes quando elegem os Delegados ao Congresso, já sabem "para o que vão", já sabem a ordem de trabalhos e, no caso do Congresso que ora nos ocupa, já sabiam que se iria apreciar e votar a proposta de mandatar ou delegar poderes na Comissão Nacional para "aprovação de novos Estatutos do PS".

55 - E foi assim, de forma pública e notória, ou seja, por todas as diversas estruturas descentralizadas do partido ao longo do país (Secções, Concelhias e Federações), nas redes sociais, nos sites das candidaturas criados na internet, nos diversos meios de comunicação social, na rádio, imprensa e televisão, que os candidatos a Secretário-Geral apresentaram, difundiram e discutiram as suas Moções de Orientação Nacional e as propostas que elas continham, estabelecendo aí, desde logo, um amplo debate nacional entre os militantes sobre a organização e funcionamento interno do partido direccionado às alterações estatutárias preconizadas e a serem votadas em reunião da Comissão Nacional.

56 - E tanto assim que, naturalmente, no PROGRAMA, da ordem de trabalhos do XVIII Congresso Nacional do Partido Socialista, que teve lugar no Parque de Exposições de Braga (junto aos autos pelo requerente), foi fixado o dia 10 de Setembro de 2012, pelas 20h30 m, para a "Votação das Moções de Orientação Nacional ".

57 - Na Moção aprovada "NOVO CICLO PARA CUMPRIR PORTUGAL"

estava inserida a proposta de se mandatar a Comissão Nacional, para nela delegar os poderes para a alteração estatutária requerida para a concretização das linhas gerais da política nacional do Partido, sobre a sua organização e funcionamento interno.

58 - Em suma, a Ordem de Trabalhos do XVIII Congresso do PS (doc.9), por remissão, é a que resultou implicitamente das propostas contidas nas Moções de Orientação Nacional apresentadas pelos candidatos a Secretário-geral do partido, moções essas apresentadas até ao trigésimo dia anterior à data do Congresso.

59 - Ora, como se disse, da Moção aprovada pelo Congresso constava a proposta para se conferir mandato (leia-se, delegação de poderes) na Comissão Nacional para aprovação de novos Estatutos do PS.

60 - De resto, as deliberações do Congresso, não tendo sido impugnadas, tomaram-se definitivas, irrecorríveis e com" valor vinculativo para todos os órgãos do Partido", sejam eles a Comissão Nacional ou a Presidente do Partido (al. b) e f) do art. 59º dos Estatutos), pelo que a estes órgãos se impôs e bem dar-lhe execução: EST MODUS IN REBUS: em todas as coisas há conta e medida, devendo evitar-se os extremos."

8.7 - É manifesta, na posição assumida pelo autor, a desvalorização do significado objetivo das «moções políticas de orientação nacional». Para mais, no caso vertente, em que como é referido na deliberação impugnada, "as duas [únicas] moções globais apresentadas em Congresso defendiam [ambas] uma revisão estatutária". Acresce que o autor desvaloriza de forma ostensiva a intenção e o programa dos subscritores da moção política de orientação nacional vencedora - O Novo Ciclo Para Cumprir Portugal - e o respetivo conteúdo, que se estrutura a partir da ideia-força de que "o novo ciclo é uma nova forma de fazer política para cumprir Portugal, com as pessoas e para as pessoas" (cf. o documento n.º 8 junto à contestação, fls.

138 a 155). A «nova forma de fazer política» é, depois, densificada em dois planos: «uma nova forma de fazer política em Portugal» (ponto 1.1., pp. 9-13, da Moção); e «uma nova forma de fazer política no Partido Socialista» (ponto 1.2., pp. 14-18, da Moção). Com efeito, o mandato previsto naquela Moção para a Comissão Nacional proceder à revisão dos Estatutos surge claramente enquadrado por linhas programáticas que não permitem que se fale em «indicações sumárias e telegráficas» (cf. o artigo 30. da petição inicial) e, muito menos, de um «cheque ou mera livrança em branco» (cf. o artigo 36. da petição inicial).

Os aspetos referidos são relevantes, uma vez que são eles que justificam a importância a atribuir ao debate público entre os militantes do Partido Socialista que antecedeu o seu XVIII Congresso, aliás justamente salientado quer na deliberação impugnada, quer na contestação. Na verdade, foram (também) os aspetos mencionados que foram discutidos e foram (também) eles que fizeram a diferença na hora de votar em uma ou outra das duas moções políticas de orientação nacional em presença. Aceita-se, por isso, a afirmação conclusiva feita pela CNJ na deliberação impugnada - e que não foi objeto de oposição expressa por parte do autor - de "que por todos os militantes foi percebido e assumido que, com a aprovação da Moção no Congresso, e subsequente processo de discussão, a Comissão Nacional estava mandatada para aprovar as alterações que viessem a ser propostas".

Na mesma linha, é lícito concluir, acompanhando novamente o acórdão da CNJ, "que as moções de orientação nacional foram objecto de deliberação, tendo a ordem de trabalho e os respectivos documentos sido distribuídos com meses de antecedência em relação à data de realização do Congresso o que permitiu a cada um dos Congressistas fundamentar livre e esclarecidamente o seu voto".

A mera omissão de inscrição formal da questão das alterações estatutárias na ordem de trabalhos do Congresso, no contexto da discussão preparatória que antecedeu a sua reunião, não teve, por isso, o efeito alegado pelo autor no artigo 56. da sua petição. Por outro lado, também não aparece questionado o sentido do programa da revisão estatutária, uma vez que o mesmo se encontrava delimitado na moção que fez vencimento no Congresso em causa.

As questões suscitadas pelo autor, de resto, acabam por ser outras. O que pretende é saber se, ainda assim (isto é, não obstante o debate público anterior e posterior à reunião do Congresso), os subscritores e proponentes das duas citadas moções políticas de orientação nacional não deveriam ter promovido a inscrição na ordem de trabalhos do Congresso de um «ponto» referente às alterações estatutárias preconizadas nas respetivas moções. E se, não o tendo feito, não seria necessário realizar um novo Congresso de modo a permitir inscrever na sua ordem de trabalho o aludido «ponto». Por último, questiona ainda o autor se, para mandatar a Comissão Nacional para aprovar as alterações aos Estatutos, não seria necessário um ato de delegação expressa.

A letra do artigo 117.º dos Estatutos parece estar do seu lado. Contudo, o elemento literal não é o único a considerar na interpretação de preceitos normativos, nem sequer o decisivo. De todo o modo, para decidir a presente ação, não tem este Tribunal de aprofundar mais a hermenêutica do artigo 117.º dos Estatutos, já que a simples verificação de que no caso concreto os valores tutelados por tal artigo decorrentes dos princípios democráticos de organização partidária, em especial, a salvaguarda da reserva de iniciativa estatutária e a publicidade e anterioridade da discussão relativa à revisão estatutária, não são beliscados é, por si só, suficiente para não se ter por verificada uma "grave violação" desse preceito, relevante nos termos e para os efeitos do artigo 103.º-D, n.º 2, da LTC (cf. supra o n.º 8.5.).

E, no caso concreto, é seguro que os valores em causa foram salvaguardados no iter procedimental que culminou na deliberação da Comissão Nacional de 31 de março de 2012.

Em primeiro lugar, no tocante à reserva de iniciativa de revisão estatutária. A limitação da iniciativa a uma percentagem mínima dos militantes inscritos - artigo 117.º, n.º 2, alínea c), dos Estatutos do Partido Socialista - destina-se tão somente a prevenir que o Congresso seja obrigado a discutir iniciativas propostas sem um mínimo de representatividade. Trata-se, por assim dizer, de um mecanismo de prevenção contra eventuais disfuncionalidades inerentes ao mecanismo de «agendamento potestativo» aí previsto. Não está em causa impedir os militantes, mediante «iniciativas das bases», de proporem revisões estatutárias. Por isso, mesmo desconhecendo o número de subscritores iniciais da moção política de orientação nacional vencedora no XVIII Congresso, a sua aprovação pelo mesmo seria, em qualquer caso, suficiente para ratificar uma eventual iniciativa irregular. Atentas as finalidades visadas pela limitação da iniciativa de simples militantes, uma vez respeitadas a ponderação e discussão das propostas de alteração dos Estatutos nos procedimentos preparatórios do Congresso, com especial destaque para a eleição dos delegados ao Congresso, nada obsta a que, durante a reunião do Congresso, este delibere ratificar eventuais irregularidades ocorridas na fase da elaboração da respetiva ordem de trabalhos. Aliás, impedi-lo é que seria pouco consentâneo com o princípio da democracia interna e com a representatividade própria do Congresso.

Em segundo lugar, o debate interno referido na deliberação impugnada que antecedeu a reunião do Congresso e que teve por objeto necessário as duas moções políticas de orientação nacional e, bem assim, as alterações estatutárias nelas preconizadas - debate esse, que o autor não desmente, bem pelo contrário (cf., em especial, os artigos 48. e 51. da petição inicial) -, comprova que a discussão do sentido das alterações estatutárias realizada no Congresso foi devidamente preparada e as diferentes opções a considerar foram submetidas à apreciação de todos os militantes ainda antes de serem votadas pelo Congresso. As deliberações que este aprovou no tocante às alterações estatutárias e quanto ao mandato conferido à Comissão Nacional para o efeito foram, deste modo, antecedidas da ponderação e discussão minimamente necessárias. Os dados factuais disponíveis evidenciam não ter ocorrido nenhuma situação do tipo daquelas que a regra de inscrição prévia das alterações dos Estatutos na ordem de trabalhos do Congresso consignada no artigo 117.º, n.º 1, dos Estatutos do Partido Socialista, pretende evitar: uma situação que se possa caracterizar como «assunção de poderes de revisão estatutária no calor da discussão» ou como «assunção de poderes de revisão estatutária por iniciativa de uma maioria ocasional de delegados», em qualquer dos casos à margem da possibilidade de intervenção prévia do conjunto dos militantes do Partido.

Finalmente, quanto à exigência do caráter «expresso» do mandato conferido à Comissão Nacional para aprovar as alterações estatutárias, está em causa, na ótica do autor, saber se esse mandato tem algum sentido geral suscetível de limitar ou condicionar a intervenção do órgão mandatado. Liminarmente cumpre referir que a figura da delegação de poderes, diversamente do que sucede com a autorização para o seu exercício, justamente porque configura um ato intuitu personae, não pressupõe a definição de um qualquer sentido prévio quanto ao exercício dos poderes delegados. De todo o modo, e independentemente da determinação rigorosa da natureza da «delegação de poderes» prevista no artigo 117.º, n.º 1, dos Estatutos do Partido Socialista, a verdade é que in casu ocorreu uma dupla limitação do mandato conferido à Comissão Nacional: a limitação decorrente do sentido global da moção vencedora, na parte em que se refere a «uma nova forma de fazer política no Partido Socialista», e a limitação decorrente de os membros da Comissão Nacional terem sido eleitos na mesma reunião em que tal moção foi votada - foram eleitos maioritariamente membros que se identificavam com o sentido da moção vencedora.

Pelo exposto, e independentemente de saber se ocorreu ou não uma irregularidade por a matéria das alterações estatutárias não ter sido formalmente inscrita na ordem de trabalhos do XVIII Congresso do Partido Socialista, ou por não ter sido aprovado no mesmo Congresso uma autónoma deliberação a delegar poderes de revisão estatutária na Comissão Nacional, é certo e seguro que os valores tutelados pelo disposto no artigo 117.º dos Estatutos do Partido não se mostram lesados. Consequentemente, a haver qualquer irregularidade - o que não se tem por adquirido - a mesma não poderá ser tida como uma ilegalidade qualificada, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 103.º-D, n.º 2, da LTC.

Com efeito, é apenas esta a questão que cabe ao Tribunal Constitucional apreciar e decidir. O Tribunal já não tem que ajuizar sobre se, numa situação como a dos presentes autos, os Estatutos do Partido Socialista, afinal, dispensam a inscrição formal das alterações estatutárias e da atribuição do mandato à Comissão Nacional para as aprovar na ordem de trabalhos do Congresso - é a posição de princípio assumida pelo réu (cf. os artigos 40., 52.

a 55. e 58. da contestação); ou se, diferentemente, e como parece sustentar-se no acórdão da CNJ de 29 de setembro de 2012, não obstante a afirmação contida no último parágrafo da fundamentação (e, que a título subsidiário, também é defendido pelo réu no artigo 68. e seguintes do seu articulado), a omissão de tal formalidade, tida no caso concreto por não essencial, redunda numa simples irregularidade sem relevância invalidante.

Em conformidade com este entendimento, não pode o Tribunal Constitucional censurar, relativamente à competência da Comissão Nacional para alterar os Estatutos do Partido Socialista na sequência do XVIII Congresso, nem a deliberação da CNJ do Partido Socialista, datada de 29 de Setembro de 2012, nem a própria deliberação da Comissão Nacional, de 31 de março de 2012, que aprovou diversas alterações àqueles Estatutos.

9 - No tocante às deliberações da Comissão Nacional de 30 de setembro de 2012, a única ilegalidade que o autor lhes vem imputar é consequencial - a que resulta de as mesmas deliberações se basearem em normas estatutárias ilegais, porque, em seu entender, ilegalmente aprovadas pela deliberação da Comissão Nacional de 31 de março de 2012 (cf. os artigos 7., 9. 10. e 39. a 41., todos da petição inicial). Significativamente, o autor não alega ter impugnado autonomamente tais deliberações. E, de qualquer modo, a impugnação direta das mesmas deliberações perante o Tribunal Constitucional não seria admissível em virtude da exigência da exaustão dos meios internos (cf. o artigo 103.º-C, n.º 3, aplicável ex vi do artigo 103.º-D, n.º 3, ambos da LTC). Assim, uma vez que não pode ser declarada a ilegalidade da deliberação da Comissão Nacional de 31 de março de 2012, também não se verifica a invocada ilegalidade consequente das deliberações da Comissão Nacional de 30 de setembro de 2012.

III. Decisão

Pelo exposto, decide-se:

Julgar improcedentes as exceções de inadmissibilidade da impugnação da deliberação da CNJ de 29 de setembro de 2012 e de intempestividade do recurso interno interposto, em 12 de abril de 2012, da deliberação da Comissão Nacional de 31 de março de 2012;

Julgar a ação improcedente, quanto ao pedido de declaração de nulidade da deliberação da CNJ de 29 de setembro de 2012 e quanto ao pedido de declaração de nulidade da deliberação da Comissão Nacional de 31 de março de 2012;

Julgar a ação improcedente, quanto ao pedido de declaração de nulidade consequente das deliberações da Comissão Nacional de 30 de setembro de 2012.

Sem custas, por não serem legalmente devidas.

Lisboa, 20 de novembro de 2012. - Pedro Machete - Fernando Vaz Ventura - João Cura Mariano - Ana Maria Guerra Martins - Joaquim de Sousa Ribeiro.

206683792

Anexos

  • Texto integral do documento: https://dre.tretas.org/pdfs/2013/01/23/plain-306394.pdf ;
  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/306394.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 2003-01-13 - Lei 2/2003 - Assembleia da República

    Autoriza o Governo a tipificar como ilícito de mera ordenação social determinadas infracções à legislação da actividade seguradora.

  • Tem documento Em vigor 2003-08-22 - Lei Orgânica 2/2003 - Assembleia da República

    Aprova a lei dos Partidos Políticos.

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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