Clínica Internacional de Campo de Ourique
Pub

Outros Sites

Visite os nossos laboratórios, onde desenvolvemos pequenas aplicações que podem ser úteis:


Simulador de Parlamento


Desvalorização da Moeda

Recomendação 7/2012, de 23 de Novembro

Partilhar:

Sumário

Emite uma Recomendação do Conselho Nacional de Educação sobre autonomia das escolas.

Texto do documento

Recomendação 7/2012

Recomendação sobre autonomia das escolas

Preâmbulo

No uso das competências que por lei lhe são conferidas e nos termos regimentais, após apreciação do projeto de Recomendação elaborado pelos Conselheiros Joaquim Azevedo, Rosalina Martins, Fernando Bexiga e João Carlos Muñoz, o Conselho Nacional de Educação, em reunião plenária de 22 de outubro de 2012, deliberou aprovar o referido projeto, emitindo assim a sua quarta Recomendação no decurso do ano de 2012.

Recomendação

Enquadramento

1 - Esta recomendação nasce da eleição do tema da autonomia como abordagem central do Estado da Educação 2012, bem como do acompanhamento das recentes medidas tomadas pelo Ministério da Educação e Ciência (MEC) em ordem ao reforço da autonomia das escolas.

2 - O Conselho Nacional de Educação (CNE) tem vindo a pronunciar-se sobre a autonomia das escolas em diferentes oportunidades, quer a propósito de políticas que mais especificamente se lhe dirigem, quer em relação a matérias organizacionais, curriculares ou pedagógicas que apelam a uma maior capacidade de intervenção e responsabilização por parte das escolas/agrupamentos de escolas.

Do conjunto de observações e recomendações feitas destacam-se as que se reportam a:

a) Conceito de autonomia: gradual e contratualizada, assente em princípios de territorialização, participação, equidade e sustentabilidade (Parecer 3/97, VII - Conclusões e recomendações, ponto 86).

b) Autonomia e interdependência hierárquica: articulação de eventuais reformulações e intervenções nos vários níveis de administração e gestão e limitação de produção legislativa e regulamentar excessiva (Parecer 2/2004, Parecer 3/2008, pontos 18 e 19).

c) Autonomia e interdependência territorial: responsabilização social, participação e implantação comunitária (Parecer 3/2008, pontos 21 e 22).

d) Autonomia, responsabilização e garantia de qualidade: estreitamento de relação entre autonomia e avaliação; avaliação como instrumento de desenvolvimento organizacional e estratégia de reconfiguração de políticas públicas (Parecer 5/2008, ponto 4; Parecer 3/2010, 7.ª recomendação;

Parecer 5/2008, ponto 4.5).

e) Dimensões da autonomia:

Autonomia curricular: currículo aberto a permitir diversificação e gestão local, institucional e profissional e gestão integrada do tempo e do espaço (Parecer 2/2012). Ainda em 2012, a propósito do prolongamento da escolaridade obrigatória, é reforçada a necessidade de aprofundar a autonomia curricular, apelando a uma maior articulação local e implantação territorial (Recomendação 3/2012, ponto 12).

Relativamente à organização do tempo curricular, o CNE é favorável a uma maior autonomia da organização escolar (Parecer 1/2011, Recomendações, alínea e).

Autonomia e gestão do corpo docente: gestão flexível de recursos, subordinada a critérios pedagógicos definidos no âmbito da organização escolar (Parecer 8/2008, ponto 5).

Autonomia e gestão financeira: evolução para um sistema de financiamento contratualizado (Recomendação 2/2011).

f) Estrutura orgânica das instituições escolares: subordinação aos princípios da Constituição e Lei de Bases do Sistema Educativo; clara distinção entre gestão estratégica de base comunitária e execução técnica; primado dos critérios pedagógicos e científicos; estrutura orgânica interna, constituição e composição dos órgãos devem ser de decisão estratégica da escola, dentro de parâmetros genericamente definidos (Pareceres n.os 4/1990; 5/1997;

2/2004; 3/2008, pontos 22 e 30; Recomendação 4/2011, ponto 6).

3 - Da audição de um conjunto de diretores, realizada no CNE em 25 de maio do corrente ano sobre autonomia das escolas, destacam-se os seguintes aspetos:

A autonomia das escolas é reduzida, mesmo naquelas que têm contrato de autonomia (23 escolas), devido à rigidez dos normativos do MEC. A questão mais sensível parece ser a da gestão dos recursos humanos.

A autonomia deve ser diferenciada para cada escola e traduzir-se por flexibilidade e prestação de contas.

As escolas gostariam de ter autonomia para:

Gerir os recursos humanos: contratação e formação de docentes em função das suas necessidades, com recurso aos professores da escola que já têm mais formação, de modo a reforçar as competências profissionais dos professores;

Adotar um currículo diferente, nomeadamente um currículo local a partir do currículo nacional (20 a 30 % local e 80 a 70 % nacional);

Organizar o ensino a seu modo (o tempo, as turmas, etc.);

Definir metas em função da situação de partida da escola e do contexto socioeconómico em que se insere;

Contratualizar serviços de apoio ao desenvolvimento dos seus projetos junto das instituições-recurso existentes na sua área de influência.

4 - O regime de autonomia, administração e gestão dos estabelecimentos públicos de educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário aprovado pelo Decreto-Lei 75/2008, de 22 de abril, foi alterado recentemente pelo Decreto-Lei 137/2012, de 2 de julho, na sequência do reordenamento da rede escolar em curso, por via do agrupamento e da agregação de escolas.

Das alterações introduzidas destacam-se:

Reforço da competência do Conselho Geral;

Reajustamento do processo eleitoral do diretor;

Consagração de mecanismos de responsabilização no exercício de cargos de direção, de gestão e de gestão intermédia;

Nova constituição do conselho pedagógico;

Reforço dos requisitos de formação e de legitimidade eleitoral do coordenador de departamento;

Reforço da valorização de uma cultura de autoavaliação e de avaliação externa.

O contrato de autonomia passa a ser considerado o instrumento por excelência de aprofundamento da autonomia das escolas. Neste sentido, a Portaria 265/2012, de 30 de agosto, vem definir os princípios orientadores, os domínios e os instrumentos dos contratos a celebrar entre o MEC e as escolas que queiram assumir e desenvolver mais autonomia pedagógica, curricular, administrativa e cultural.

Introdução

5 - A autonomia das escolas/agrupamentos de escolas é, antes de mais, o exercício de uma responsabilidade social pela educação, em cada contexto escolar e social. Ela expressa-se através de um conjunto de dispositivos legais, de procedimentos da administração central, regional e local e de práticas escolares que estão ao serviço do reforço da capacidade das escolas/agrupamentos de escolas construírem, aplicarem e avaliarem o seu projeto educativo próprio, com as famílias e as autarquias, no contexto sociocomunitário local, tendo em vista melhorar progressivamente os processos e os resultados escolares.

A autonomia é uma dinâmica social, sempre em evolução, e é instrumental, pois trata-se de um meio para se atingir um fim: melhorar em permanência o desempenho social das escolas e o serviço público de educação. A autonomia visa a melhoria. A autonomia visa colocar todos os recursos disponíveis ao serviço da melhoria das aprendizagens dos alunos concretos de cada escola/agrupamento de escolas.

Quem melhor conhece e tem de saber administrar as escolas/agrupamentos de escolas é a comunidade educativa local, a começar pelos professores e diretores, pelos pais e pelo poder autárquico. O primeiro direito e o dever de educar é das famílias, direito e dever a que o Estado se associa para fazer com que o serviço público de educação se cumpra em todo o território com liberdade, equidade e rigor. A intervenção do Estado deve ser reguladora e orientadora, não deve consistir numa intervenção permanente, desestabilizadora e desorientadora, dirigida ao controlo cada vez mais burocratizado e centralizado. Ao Estado caberá sempre a defesa do superior interesse das crianças sem alijar responsabilidades, devendo para isso assumir as suas responsabilidades, em cooperação com outros atores sociais.

6 - A autonomia valoriza os critérios da proximidade, do conhecimento mais fiel das realidades sociais e escolares, do envolvimento dos parceiros sociais da educação, em cada contexto sociocomunitário local, da responsabilização de todas as entidades locais com intervenção na educação das crianças, jovens e adultos e da articulação territorial entre as suas vertentes estratégica e operacional e de gestão pedagógica, administrativa e financeira.

Cada "comunidade educativa" gerada em torno de cada escola/agrupamento de escolas deve poder desenvolver, apresentar e ver reconhecido o seu projeto educativo próprio para ser, posteriormente, acompanhado e avaliado pela tutela; as escolas privadas devem ver respeitados o direito e o dever de desenvolverem projetos educativos autónomos, incluindo "planos próprios", sem a interferência dos serviços da administração educacional que não sejam os que derivem da verificação do cumprimento de regras orientadoras gerais e de níveis mínimos de prestação do serviço público de educação escolar.

Diferentes níveis de responsabilidade 7 - Assim, a autonomia não pode ser confundida com a concessão, por parte da administração central, de um conjunto desconexo de competências às escolas/agrupamentos de escolas em áreas periféricas da direção e gestão das instituições, mas tem de atender sobretudo ao seu núcleo central, sob pena de se transformar num meio de a direção político-administrativa do MEC transferir para o nível escolar local as responsabilidades pelos (deficientes) resultados escolares.

A autonomia pressupõe, pois, um processo social, uma responsabilização progressiva, uma conquista social local, uma crescente adequação entre processos e resultados, um exercício de participação e de inscrição da educação no espaço público. Por tudo isto, a autonomia é um processo político, mais do que uma questão técnica.

8 - Neste quadro, é muito precária esta situação em que se prossegue uma retórica generalizada sobre a autonomia das escolas (que facilmente se decreta) e se continua a deixar ficar de lado quer uma revisão profunda do modelo de administração educacional, quer uma gestão descentralizada dos recursos humanos ou de um orçamento. Esta situação tem prejudicado o exercício da autonomia e a melhoria da eficiência, eficácia e equidade na educação, prejuízo este que tende a ser contabilizado pela direção político-administrativa do MEC como um fator de adiamento de um verdadeiro processo de autonomia.

9 - A contratualização da autonomia de cada escola/agrupamento de escolas, com a consagração de diferentes patamares de autonomia conforme as dinâmicas de melhoria já instituídas, pode vir a ser um caminho a reforçar neste processo político da educação.

10 - O CNE tem chamado a atenção para os disfuncionamentos e para as perdas de "produtividade" da administração educacional que derivam da permanente instabilidade legislativa, que desorienta e desfoca os principais protagonistas da educação do seu objectivo primordial.

A primeira responsabilidade

11 - A primeira responsabilidade de uma escola/agrupamento de escolas é para com os alunos e as famílias, não para com níveis e subníveis burocráticos, mais ou menos distantes das escolas/agrupamentos de escolas. O projeto educativo nasce da assunção desta responsabilidade, partilhada em dinâmicas sociocomunitárias muito concretas. A administração de um conjunto de recursos comuns e a salvaguarda de um conjunto de direitos e deveres igualmente comuns implicam a intervenção reguladora do Estado, que deve pautar-se pelo respeito para com esses projetos educativos locais e pelo incentivo a que se desenvolvam do melhor modo possível, tendo em conta a qualidade e a equidade do serviço público de educação (promovido por instituições públicas, privadas e cooperativas).

Vários responsáveis municipais sublinharam as dificuldades em assumir o seu relevante papel no desenvolvimento da educação devido não só à falta de competências específicas para tal como ao facto de terem de implementar medidas desconexas e desarticuladas entre si.

A desconfiança

12 - Está profundamente instalada uma cultura de desconfiança na administração pública central e desconcentrada face ao que é local e que pode e deve repousar no âmbito local. Idêntica desconfiança existe por parte das escolas em relação à administração educacional. Importaria prosseguir um caminho de diálogo entre os vários níveis da administração do território, tendo em vista reforçar quer um clima de confiança quer a realização de tarefas complementares entre esses níveis.

Vários diretores de escolas referiram que as escolas/agrupamentos de escolas são instituições confiáveis e que é muito desgastante a permanente desconfiança por parte da administração educacional e das sucessivas equipas governativas, traduzida num excesso de controlo à priori, quando grande parte daquilo que é legislado deixa as direções das escolas numa posição de menoridade e de falta de credibilidade.

Estas menorização e descredibilização traduzem-se também numa via que incentiva a falta de assunção de responsabilidades por parte dos diretores das escolas. Na verdade, se a administração educacional considera as direções das escolas/agrupamentos de escolas incompetentes para gerir, por exemplo, o grupo de pessoas sob a sua administração, os orçamentos e os créditos horários estabelecidos, é muito difícil que as mesmas direções sejam socialmente reconhecidas como competentes para gerir escolas/agrupamentos de escolas. É preciso confiar e a confiança traz, além de riscos, um importante processo de responsabilização social pela educação.

A construção retórica da autonomia

13 - Esta é a quarta vez que os governos legislam sobre a autonomia das escolas, no quadro da já conhecida e estafada construção retórica da autonomia. O risco que se corre é o de, mais uma vez, estarmos perante a proclamação de uma vontade política mais do que diante do exercício real de uma determinação política, com todo o cortejo de revisões do quadro de responsabilidades, do exercício responsável e complementar destas responsabilidades.

Existe, no entanto e ainda, um clima de confiança bastante por parte da generalidade das escolas/agrupamentos de escolas face a estas iniciativas legislativas, o que o CNE saúda com entusiasmo.

Para onde queremos ir

14 - Escasseiam, no entanto e lamentavelmente, os estudos de cenarização sobre os possíveis desenvolvimentos da descentralização da educação e da autonomia das escolas/agrupamentos de escolas, estudos que permitam às escolas e à administração central olhar para o futuro com objetivos mais claros, com mais serenidade e mais focagem em relação a resultados precisos, uma vez que diante de vários cenários (suas implicações, riscos e oportunidades) será possível escolher um caminho concreto, de todos conhecido, que se decida empreender nos próximos anos.

Não existe, hoje, uma definição clara e partilhada pelos vários níveis administrativos e pelos diversos atores sociais, não só acerca do que se pretende para a reorganização da administração da educação, mas também sobre os modos e tempos para lá chegarmos e sobre os passos concretos a dar em cada fase. Ninguém arrisca um caminho, estuda ou coloca sobre a mesa cenários concretos de evolução. Esta indefinição política constitui um grave entrave à melhoria dos processos que favoreçam a autonomia. Assim, ficam também comprometidos muitos e importantes esforços que se empreendem em prol da melhoria da educação, atolados que ficam neste emaranhado de medidas, se aplicadas sem rigor nem sentido prospetivo.

15 - Persistem entraves ou dificuldades por parte dos diversos atores locais, o que tem contribuído para prolongar no tempo a indefinição política sobre a autonomia. Por exemplo: da parte dos professores admite-se que a descentralização passe sobretudo pelo "municipalismo da educação", que a autonomia se concentre demasiado sobre a figura do diretor e que a contratação de docentes passe para níveis mais descentralizados; da parte dos municípios persiste o medo de que a progressiva transferência de poderes não venha acompanhada dos respetivos envelopes financeiros; por parte dos pais e de outros agentes locais continua a pressupor-se que a autonomia possa corresponder ao estilhaçamento das orientações e normas gerais nacionais, entre elas o currículo, ou que equivalha à concentração excessiva do poder nas mãos dos diretores. E poderíamos prosseguir;

existem realmente dificuldades no processo de autonomia que não derivam apenas da administração central e do Estado. O esclarecimento destas dificuldades é indispensável como condição para todos mobilizar para uma estratégia concertada e consistente de autonomia e responsabilidade na educação.

Conselhos Gerais e Conselhos Municipais

16 - Os conselhos gerais das escolas/agrupamentos de escolas e os conselhos municipais de educação, apesar de algumas ambiguidades muito nítidas, têm favorecido uma lenta e progressiva assunção de responsabilidades no campo da educação, por parte dos agentes sociais locais. À medida que se caminha de um campo escolar muito restrito (como a intervenção das autarquias na gestão do 1.º ciclo) para a consideração de uma política concertada de educação das crianças e adultos de um território e do papel de cada um dos agentes sociais locais no desenvolvimento de planos municipais de educação - projetos educativos locais/municipais, abre-se um novo campo de oportunidades e riscos que têm de ser devidamente considerados. Como sugeriram os agentes ouvidos pelo CNE, tal realidade nova apela para uma mais efetiva descentralização da educação, reforçando-se ao mesmo tempo o papel regulador do nível político-administrativo central.

Importa, entretanto, rever a esta luz a constituição dos conselhos municipais de educação pois não se compreende como é que não integram na sua composição os diretores das escolas/agrupamentos de escolas do município.

Esta presença poderá ajudar a reforçar o diálogo entre as várias ofertas educativas e a aprofundar a relevância da educação ao longo da vida nos esforços municipais em prol do desenvolvimento, reduzindo até um relativo distanciamento que alguns responsáveis municipais, estranhamente, ainda revelam face à educação.

As entidades e pessoas ouvidas pelo CNE sublinham a necessidade de se avaliar e rever quer os tipos e níveis de participação sociocomunitária nos conselhos gerais das escolas e nos conselhos municipais de educação, quer as necessárias articulações entre ambos os órgãos, que deverão atuar em complementaridade e em reforço da qualidade e equidade do serviço público de educação.

17 - As cartas educativas, instrumentos de planeamento e de gestão da rede escolar ao nível concelhio, deveriam estar mais integradas nas competências de um nível político-administrativo local, municipal e até supramunicipal, sempre que a dimensão dos municípios o aconselhe. Estes instrumentos e a sua gestão ao longo do tempo podem incrementar a participação social na educação e chamar para este "campo" de ação social não só mais parceiros, como também parceiros mais comprometidos.

18 - As atividades de enriquecimento curricular - AEC - constituem, apesar de muitas limitações, uma experiência de maior envolvimento das autarquias nas atividades de apoio administrativo ao ensino; seria bom fazer-se um balanço das experiências acumuladas e dos principais resultados alcançados, para que esta dinâmica possa ser integrada num esforço prospetivo de redefinição dos níveis de responsabilidade no campo da administração educacional.

Novas responsabilidades no nível local 19 - O caminho já feito em prol do reforço da autonomia das escolas/agrupamentos de escolas tem contribuído para reforçar a centralidade do território e o envolvimento sociocomunitário na promoção da educação de todos os cidadãos e ao longo da vida, o que constitui um enorme potencial para o futuro desenvolvimento da educação em Portugal. As experiências e projetos já em curso em muitos territórios são uma prova e uma garantia de que é possível, em muitos casos, ir um pouco mais longe na assunção de responsabilidades locais no campo da educação. No entanto, o desigual envolvimento territorial dos atores sociais locais requer a consideração de vários ritmos de desenvolvimento da descentralização da educação, desde que considerados todos dentro de um cenário mais global e claro de evolução.

20 - Importa perceber sempre o quanto existe de transferência de responsabilidades, pelo evoluir da situação da educação escolar e dos seus resultados, em vários processos de transferência de competências para as escolas/agrupamentos de escolas e para os municípios. Na realidade, em vários momentos, o MEC tem pretendido desencadear mais depressa uma transferência, para as escolas e para os municípios, das responsabilidades pelos atuais custos e resultados da educação do que desejado reforçar uma real assunção local, por parte das comunidades e dos atores sociais locais, pelos destinos da educação, desde as crianças aos adultos. A transferência de responsabilidades para o plano local requer a consideração imediata da sua sustentabilidade e dos graus de responsabilidade de cada um dos níveis político-administrativos envolvidos. Não pode haver transferência unilateral de competências, transformando as autarquias em "pagadores não gestores", como dizia um autarca ouvido, pois este processo desencadeia irresponsabilidades várias e vários prejuízos para os estudantes.

Nível municipal e supramunicipal

21 - O CNE está consciente das circunstâncias históricas em que se realiza o crescente envolvimento dos municípios na administração da educação.

Também reconhece várias limitações ao pouco delimitado, rigoroso e escrutinado envolvimento do poder autárquico na educação, desde o nepotismo até à partidarização da gestão educacional. Mas sublinha que a única entidade local com legitimidade democrática para assumir mais responsabilidades locais pela educação é o município.

Entendemos que quanto mais se caminha da gestão pedagógica do ensino para o controlo administrativo da atividade escolar, mais se podem integrar e bem as autarquias, sozinhas ou agregadas, na conceção, execução, acompanhamento e avaliação das políticas educativas locais, reservando-se o MEC e os órgãos competentes para um papel de verificação da adequação do envolvimento das autarquias na educação.

22 - Há responsáveis por escolas que manifestam a necessidade de alocar a gestão de certas atividades administrativas no nível municipal ou até supramunicipal, tendo em vista libertar e ajudar a focar a direção escolar na ação pedagógica e educativa e na melhoria dos processos e resultados das escolas (estão nesse caso a organização dos transportes escolares, a gestão do pessoal administrativo, a carta educativa municipal e a definição da rede de ofertas formativas, gabinetes de apoio de psicologia, serviços técnico-jurídicos e financeiros, serviços de mediação familiar, ação social escolar, concursos de aquisição de bens e serviços, gestão de equipamentos, apoio ao processamento de vencimentos).

Estes processos requerem muita ponderação e seleção, para que não sejam transformados em dinâmicas de defesa de um qualquer interesse particular acima da promoção do bem comum educacional.

23 - Existem hoje municípios com uma larga experiência de administração local da educação já acumulada e com técnicos devidamente preparados que deveriam poder avançar para níveis mais fortes e estruturados de descentralização da educação, numa forte articulação entre diretores das escolas/agrupamentos de escolas e responsáveis autárquicos e numa relação de proximidade que poderia ajudar a racionalizar meios físicos, humanos e financeiros e a potenciar sinergias locais.

A contratualização da autonomia

24 - Quanto à autonomia das escolas, há um importante caminho feito desde a entrada em vigor do Decreto-Lei 43/89. Este caminho, repleto de hesitações e de ambiguidades, tem permitido acumular experiência e reforçar competências de administração descentralizada e local da educação. A contratualização da autonomia tem permitido, desde 2008, um aprofundamento da dinâmica da celebração de contratos de autonomia, peça essencial para o futuro da descentralização da educação e da melhoria dos níveis de responsabilidade na educação, em Portugal.

Apesar de implementada num número reduzido de escolas/agrupamentos de escolas (23), e ainda alvo de pouca e completa avaliação, esta política de contratualização volta a estar na agenda com a entrada em vigor do Decreto-Lei 137/2012, de 7 de julho, e da Portaria 265/2012, de 30 de agosto. Ampliam-se os campos e as possibilidades de reforço da autonomia e um novo e importante desafio é colocado às escolas/agrupamentos de escolas.

Descentralização e recentralização

25 - Existem riscos na descentralização da educação, como todos sabemos.

Mas é preciso avaliar bem estes riscos, não apenas em si mesmos mas também em comparação com os riscos de uma nova e mais forte centralização de todo o sistema; o menor dos riscos consistirá no aumento do nível local de responsabilidade e esse será porventura o maior ganho de um plano-projeto de descentralização da educação, a par do aumento dos níveis de confiança entre os vários níveis de atuação.

26 - Com a anunciada extinção das direções regionais de educação (DRE), a par do incremento da aplicação de novas tecnologias à comunicação entre o centro e a periferia, os riscos de uma generalizada recentralização da administração da educação vão aumentar.

A autonomia progressiva das escolas, fruto de uma crescente contratualização e corresponsabilização pela melhoria da educação entre o MEC e cada escola/agrupamento de escolas, não é compatível com um quadro político de crescente desresponsabilização do MEC pela sorte das escolas que se encontram diante de maiores dificuldades, por se localizarem em contextos sociais e culturais muito desfavorecidos. Importa que a extinção das DRE não se confunda com uma mera recentralização, nem com a perda do sentido da corresponsabilização pelo futuro da educação; para tal, é urgente a definição de um novo quadro de responsabilidades entre a administração central e local, pois torna-se difícil imaginar um futuro melhor para a educação se cada escola/agrupamento de escolas ficar remetido para um quadro único de relacionamento eletrónico e pontual com o nível central.

Já em 2008 (Parecer 3/2008) o CNE sublinhava que a "prioridade da política educacional nesta matéria deveria situar-se no plano do desenvolvimento da autonomia das organizações escolares e evitar ao máximo proceder a alterações morfológicas". Se o quadro político-administrativo continuar o mesmo, centralista e burocrático, sustentado na desconfiança e na desresponsabilização, por mais medidas que se tomem, mesmo que proclamem a autonomia, não surgirão as melhorias esperadas pela sociedade para a educação, mas os conflitos, as tensões, as hesitações e os adiamentos da análise dos problemas e da definição e aplicação das soluções mais adequadas a cada situação.

27 - Os riscos de autoritarismo por parte dos diretores e de clientelismo político por parte dos parceiros locais da educação, sobretudo as autarquias municipais, remetem não para a restauração do centralismo, mas para um novo quadro de relacionamento e de responsabilidade entre os níveis central e local e, dentro deste, entre as diferentes escolas/agrupamentos de escolas de um dado território. Este novo quadro parece também não ser compatível com o progressivo isolamento de cada escola/agrupamento de escolas sobre si mesmo.

A criação de mega-agrupamentos

28 - A recente criação de agrupamentos de grande dimensão, no mesmo quadro de muito débil definição política acerca da autonomia que se pretende para as escolas portuguesas, tem vindo a criar problemas novos onde eles não existiam: reforço da centralização burocrática dentro dos agrupamentos;

aumento do fosso entre quem decide e os problemas concretos a reclamar decisão, com a criação de novas hierarquias de poderes subdelegados;

existências de vários órgãos de gestão que nunca se encontram nem se articulam entre si; sobrevalorização da gestão administrativa face à gestão autónoma das vertentes pedagógicas. Tudo isto fragiliza ainda mais a já frágil autonomia e deixa pela frente o reforço do cenário único e salvador do caos: a recentralização do poder na administração central, agora reforçada na sua capacidade de controlo de tudo e todos, pelas novas tecnologias.

29 - Assim, os mega-agrupamentos constituem, até ao momento, um caminho de reforço do controlo e não da autonomia das escolas/agrupamentos de escolas, uma via que paulatinamente retira liberdade e capacidade de ação aos diretores e aos parceiros locais da educação. Ao concentrar, descentra-se e desfoca-se a ação nuclear dos dirigentes das escolas: melhorar cada dia os processos de ensino e os resultados das aprendizagens.

Vários diretores de escolas/agrupamentos de escolas testemunharam no CNE que se sentem cada vez mais sós e que este isolamento tem crescido com o encaminhamento de todo o conjunto de relações entre os níveis central e local para o frio e impessoal mundo da eletrónica.

Por outro lado, no mundo empresarial, onde o assunto está mais estudado, os processos de fusão entre instituições com culturas diferentes são muito complexos e lentos. Seria vantajoso que se acompanhasse muito de perto estes processos, tendo em vista concentrar sobretudo aquilo que é de pendor administrativo e que pode ganhar escala e descentrar o que requer acompanhamento pedagógico e educativo de muita proximidade.

Avaliação externa e autonomia

30 - O processo de avaliação externa das organizações escolares, por parte da Inspeção-Geral da Educação e Ciência (IGEC), um dos poucos que se tem mantido e melhorado ao longo dos anos, apesar de interrompido uma vez, deve estar mais implicado com as políticas de descentralização e de autonomia das escolas/agrupamentos de escolas.

Aliás, a contratualização da autonomia, como se refere no Parecer 5/2008 do CNE, constitui uma das premissas básicas da avaliação externa, de outro modo pode tornar-se um moroso e inconsequente processo burocrático que descredibiliza as próprias avaliação e a autonomia.

O atual incremento de um novo modelo de avaliação externa, que o CNE acompanha por dever normativo e genuíno interesse, deve pois articular-se mais e mais com a contratualização que se pretende fomentar de novo.

As escolas privadas e a autonomia

31 - As escolas privadas, em Portugal, gozam de níveis muito débeis de autonomia que são incomportáveis com a liberdade de que deveriam usufruir e que está constitucionalmente consagrada. A liberdade de ensinar e de aprender, direito respeitado em muitos países da Europa, implica níveis de liberdade que as escolas têm tido pouca possibilidade de percorrer.

Recentemente, em 2012, em termos curriculares, foram dados importantes passos entre a Associação de Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo (AEEP) e o MEC, em ordem à autonomia, mas há ainda um longo caminho a fazer, mormente por parte das escolas privadas, verdadeira e longamente privadas de uma liberdade que apela à responsabilidade.

32 - Estas considerações sobre a autonomia escolar não se aplicam nem à Região Autónoma da Madeira, nem à Região Autónoma dos Açores.

Recomendações

33 - É com base neste quadro geral que o CNE recomenda:

Ao Governo e à administração educacional

1 - Que se defina um novo quadro de responsabilidades entre os vários níveis da administração educacional, o que se torna mais urgente após a reorganização da rede escolar que tem estado a ser implementada. Este quadro deve ajudar todos os envolvidos a perceberem melhor as suas responsabilidades, para melhor as exercerem.

2 - Que este novo quadro de responsabilidade consagre o caminho já feito por todas as partes, desde o nível central ao local, e potencie o desenvolvimento da descentralização da educação e da autonomia das escolas/agrupamentos de escolas.

3 - Que se pare um tempo para avaliar os ganhos e perdas, as ameaças e as oportunidades dos processos de fomento da descentralização da administração da educação e da autonomia escolar, sobretudo nos últimos cinco anos. Que estes momentos de avaliação sejam oportunidades para quebrar os níveis de desconfiança existentes entre os diferentes protagonistas.

4 - Que haja um inequívoco reforço da concentração das atividades de gestão pedagógica nas escolas, o mais perto possível dos alunos, aplicando um projeto educativo próprio, o que não está a ocorrer no processo de concentração de escolas/agrupamentos de escolas.

5 - Que se clarifique o que sucede à anunciada extinção das DRE, uma vez que é mister que não se deixe o nível de cada escola/agrupamento de escolas ainda mais isolado nem se verifique, como a outra face da mesma moeda, uma mais forte recentralização da administração da educação.

6 - Que os processos de descentralização administrativa e de autonomia não sejam sobretudo objeto de regulação normativa de "modelo único", mas que assentem numa progressiva responsabilização por parte dos professores, pais e autarquias, respeitando a diversidade de situações e de dinâmicas já instaladas.

7 - Que se incentive a celebração dos contratos de autonomia entre as escolas/agrupamentos de escolas e a tutela, tendo em vista ampliar os níveis de responsabilidade pelos processos e pelos resultados escolares.

8 - Que tudo seja feito para que se dissipe o clima de desconfiança que existe na administração central face às escolas/agrupamentos de escolas, nomeadamente através da formação e de instrumentos de salvagurada da liberdade de ensinar e aprender.

9 - Que seja revista a missão e composição dos conselhos municipais de educação dentro do quadro de reforço da descentralização educacional e da autonomia das escolas.

10 - O MEC deve proceder a uma cuidadosa avaliação das AEC, destacando as experiências positivas acumuladas, tendo em vista a redefinição dos níveis de responsabilidade na administração educacional.

11 - Deve ser clarificado o quadro de financiamento dos planos de estudo e do currículo, tanto na sua componente nacional como local, tendo em vista assegurar estabilidade a todos os intervenientes no processo educativo.

12 - Importa interligar mais os processos e os resultados da avaliação externa das organizações escolares, promovida pela IGE, com a realização mais acelerada de contratos de autonomia.

Aos diretores e às escolas

13 - Que aproveitem mais e melhor os "corredores" de autonomia já criados normativamente, em particular desde agosto de 2012, e que invistam com mais coragem política na contratualização de níveis cada vez mais fortes e sustentados de autonomia.

14 - Que reforcem os mecanismos de autoavaliação e de prestação de contas.

15 - Que estimulem o funcionamento dos órgãos de gestão pedagógica intermédia e os envolvam nas principais decisões da vida das escolas/agrupamentos.

Aos autarcas

16 - Que promovam um maior investimento na criação de condições para a existência de compromissos locais claros em prol de mais e melhor educação, pois são em boa parte eles que constituem os esteios de uma autonomia escolar bem-sucedida.

17 - Que as cartas educativas sejam instrumentos de planeamento participados e capazes de atender às necessidades de educação e formação de todos os cidadãos e ao longo da sua vida.

18 - Que desencadeiem negociações com o MEC tendentes a desenvolver, a nível municipal e intermunicipal, dinâmicas de administração educacional capazes de agregar várias escolas e agrupamentos de escolas, ganhando escala na dimensão administrativa e apurando a proximidade na dimensão pedagógica. Evitar a recentralização da educação está, em parte, nas suas mãos.

Às Instituições de Ensino Superior e Centros de Investigação

19 - Que se incentivem os estudos sobre a evolução da administração educacional no quadro da administração pública portuguesa, procurando discernir cenários de evolução que permitam dar passos seguros em ordem à melhoria da educação.

22 de outubro de 2012. - A Presidente, Ana Maria Dias Bettencourt.

Declaração de Voto

Votei favoravelmente a Recomendação sobre Autonomia das Escolas na generalidade, no pressuposto de que seria aceite o acrescento que propus - "Ao Estado caberá sempre a defesa do superior interesse da criança [...] devendo para isso assumir as suas responsabilidades, em cooperação com outros atores sociais, nos termos da Constituição" (Introdução, ponto 5, último parágrafo) - o que não aconteceu apesar de ter enviado uma proposta escrita nesse sentido atempadamente. Maria Emília Brederode Santos

Declaração de Voto

Votei a favor da Recomendação sobre Autonomia das Escolas por concordar com o seu teor geral. No entanto, considero que há alguma ambiguidade na redação do ponto 15. A meu ver, o que está em causa nas posições de professores, pais e outros atores locais, que, igualmente, partilho, não é "admitir"ou "pressupor", é, antes, rejeitar um possível processo de autonomia que conduza ao "municipalismo da educação", que reforce a autonomia dos diretores e não a gestão democrática das escolas, que desvirtue o currículo nacional ou que transfira poderes para os municípios sem os respetivos meios financeiros. Maria do Rosário Barros

206538931

Anexos

  • Texto integral do documento: https://dre.tretas.org/pdfs/2012/11/23/plain-304935.pdf ;
  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/304935.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1989-02-03 - Decreto-Lei 43/89 - Ministério da Educação

    Estabelece o regime jurídico da autonomia das escolas oficiais dos 2.º e 3.º ciclos do ensino básico e do ensino secundário.

  • Tem documento Em vigor 2008-04-22 - Decreto-Lei 75/2008 - Ministério da Educação

    Aprova o regime de autonomia, administração e gestão dos estabelecimentos públicos da educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário.

  • Tem documento Em vigor 2012-07-02 - Decreto-Lei 137/2012 - Ministério da Educação e Ciência

    Altera (segunda alteração) o Decreto-Lei 75/2008, de 22 de abril, que aprova o regime jurídico de autonomia, administração e gestão dos estabelecimentos públicos da educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário, e procede à sua republicação.

  • Tem documento Em vigor 2012-08-30 - Portaria 265/2012 - Ministério da Educação e Ciência

    Define as regras e procedimentos a observar quanto à celebração, acompanhamento e avaliação dos contratos de autonomia a celebrar entre os agrupamentos de escolas ou escolas não agrupadas e o Ministério da Educação e Ciência.

Ligações para este documento

Este documento é referido no seguinte documento (apenas ligações a partir de documentos da Série I do DR):

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

O URL desta página é:

Clínica Internacional de Campo de Ourique
Pub

Outros Sites

Visite os nossos laboratórios, onde desenvolvemos pequenas aplicações que podem ser úteis:


Simulador de Parlamento


Desvalorização da Moeda