Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional:
I - Relatório
1 - Nos presentes autos, Eletricidade dos Açores, S. A. veio impugnar a deliberação tomada pela CNE - Comissão Nacional de Eleições, em 12 de outubro de 2012, com caráter de urgência, por intermédio de comunicações eletrónicas mantidas entre os membros daquele órgão administrativo, conforme expressamente permitido pelo artigo 5.º, n.os 2 e 3, do respetivo Regimento. O referido preceito legal - cuja competência de aprovação é garantida pelo n.º 3 do artigo 8.º da Lei 71/78, de 27 de dezembro, que criou aquele órgão - dispõe o seguinte:
"Artigo 5.º
Casos urgentes
1 - Durante os períodos eleitorais ou equiparados e sempre que haja urgência em decidir sobre matéria da competência específica da Comissão, os membros são chamados a deliberar sobre a documentação que lhes for remetida por correio eletrónico.
2 - A receção da mensagem de correio eletrónico que proceder à consulta, bem assim o que, da resposta, for essencial à determinação do sentido da deliberação serão confirmados por contacto pessoal mantido por outra via.
3 - Considera-se como se o tivesse sido em plenário a deliberação tomada nas condições do número anterior por maioria absoluta e que não tenha a oposição de mais de um terço dos membros em efetividade de funções.
4 - A correspondência eletrónica trocada serve como acta aprovada, dando-se nota do facto na primeira reunião que tiver lugar posteriormente.»
A referida deliberação assume o seguinte teor:
"A serem verdade os factos denunciados, a conduta da EDA consubstanciada na remoção dos cartazes de propaganda do BE e da CDU afixados nas infraestruturas concessionadas à EDA na ilha de Santa Maria não é fundamentada, não apresentando aquela entidade razões de facto e de direito pelas quais a colocação dos referidos cartazes não obedece aos requisitos legais, e contraria, por conseguinte, as disposições legais em matéria de propaganda política e eleitoral
Não estando em causa nenhuma das proibições estabelecidas pela lei, carece de fundamento legal a atuação da EDA de remoção dos cartazes de propaganda do BE e da CDU afixados nas infraestruturas, a que as participações se referem.
Afigura-se, ainda, que a atuação da EDA configura uma interferência ilegítima relativamente à ação de propaganda levada a cabo pelo BE e pela CDU na Ilha de Santa Maria e à função de esclarecimento e mobilização a que se destina, em pleno período de campanha eleitoral respeitante à eleição para a Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores de 14 de outubro de 2012.
Encontra-se cometida à Comissão Nacional de Eleições a competência específica para assegurar a igualdade de oportunidades de ação e propaganda das candidaturas (alínea d), do artigo 5.º da Lei 71/78, de 27 de dezembro).
Como referiu o Tribunal Constitucional, no Acórdão 605/89, o controlo da CNE é exercido não apenas quanto ao ato eleitoral em si mas de forma abrangente de modo a incidir também sobre a regularidade e a validade dos atos praticados no decurso do processo eleitoral.
O Tribunal Constitucional veio consagrar no Acórdão 312/2008 que "É a especial preocupação em assegurar que estes atos (eleições e referendos), de crucial importância para um regime democrático, sejam realizados com a maior isenção, de modo a garantir a autenticidade dos seus resultados, que justifica a existência e a Intervenção da CNE, enquanto entidade administrativa independente"
No exercício das suas competências a CNE tem sobre os órgãos e agentes da Administração os poderes necessários ao cumprimento das suas funções (artigo 7.º da Lei 71/78).
No caso concreto, não está em causa nenhuma das proibições estabelecidas pela lei, nem foram apresentados argumentos de facto ou de direito pelas quais a colocação da propaganda eleitoral das candidaturas nas infraestruturas concessionadas à EDA na ilha de Santa Maria não obedece aos requisitos legais ou constituam perigo iminente, pelo que se conclui que a remoção pela EDA da propaganda do BE e da CDU carece de fundamento legal.
Nos termos e com os fundamentos expostos e no uso dos poderes conferidos pelo artigo 7.º da Lei 71/78, de 27 de dezembro, notifique-se com urgência o Senhor Prof. Dr. Duarte José Botelho da Ponte, Presidente do Conselho de Administração da EDA, para, de imediato, ordenar a suspensão da remoção da propaganda eleitoral do BE e da CDU, bem como a reposição da propaganda entretanto removida na ilha de Santa Maria, sob pena de, não o fazendo, cometer o crime de desobediência previsto e punido pelo artigo 348. º do Código Penal.
Desta deliberação cabe recurso para o Tribunal Constitucional a interpor no prazo de um dia, nos termos do artigo 102.º-B da Lei 28/82, de 15 de novembro.» (fls. 187 e 188)
2 - Notificada da referida deliberação, a recorrente interpôs recurso contencioso de impugnação, "a subir de imediato, nos próprios autos e com efeito suspensivo, nos termos do disposto no artigo 102.º, n.º 3, da Lei 28/82, de 15.11, na redação que lhe foi dada pela Lei 85/89, de 07.09" (sic, a fls. 3), cujas conclusões são as seguintes:
"a) O presente recurso é interposto da deliberação proferida pela Comissão Nacional de Eleições ao abrigo do artigo 5.º, do Regimento, que "ordena a suspensão da remoção da propaganda eleitoral do BE e da CDU, bem como a reposição da propaganda entretanto removida na Ilha de Santa Maria, sob pena de, não o fazendo, cometer o crime de desobediência previsto e punido pelo artigo 348.º do Código Penal.
b) A recorrente é a concessionária para o transporte e distribuição de energia elétrica para a Região Autónoma dos Açores, conforme resulta do contrato de concessão outorgado em respeito pela Resolução do Conselho de Governo n.º 181/2000, de 12 de outubro, Jornal Oficial, l Série, n.º 41, sendo que assumiu, como efetivamente assume, a obrigação de manter em bom estado de funcionamento, conservação e segurança os bens e meios afetos à respetiva concessão;
c) A recorrente tem ainda por objeto social a produção, aquisição, transporte, distribuição e venda de energia elétrica;
d) Salvo o devido respeito, e ao contrário daquilo que é alegado, os postes de iluminação não podem ser qualificados como "espaços públicos''. Pelo contrário, são bens da titularidade de uma sociedade anónima que se rege pelo direito privado, sendo que esta tem a obrigação legal de proteger e salvaguardar a sua integridade e, acima de tudo, a segurança de pessoas e bens, sob pena de ser responsabilizada civil e penalmente pelos danos que causar a terceiros;
e) De fato, a colocação de cartazes de propaganda política (ou outras) nos postes acima referidos não salvaguarda a segurança de pessoas e bens, designadamente: As faixas dos cartazes, quando amarradas entre apoios, funcionam como velas e transmitem esforços consideráveis aos apoios e aos cabos elétricos a eles suportados, superiores aos valores de cálculo, danificando os condutores e os apoios; Os pendurais amarrados às colunas de iluminação pública, com fios metálicos, danificam o revestimento de galvanização das colunas, não sendo possível evitar posteriormente a sua degradação por corrosão; Os pendurais amarrados aos postes das redes de baixa tensão, de linhas aéreas de distribuição de energia elétrica em cabo de cobre nu, enrolam-se nos condutores aquando da existência de vento, provocando avarias por curto-circuitos e quebra no abastecimento de energia elétrica às populações; Com a colocação de material de propaganda política, os trabalhadores da recorrente ficam impedidos de executar as manutenções programadas e a reparação de avarias, urna vez que sem a remoção da publicidade afixada, ficam impossibilitados de subir aos respetivos postes;
f) Aliás, esta Interpretação nem constitui um momento de criatividade jurídica. Trata-se de um entendimento que foi sufragado pela própria Comissão Nacional de Eleição (CNE 46/IX/1997), quando, relativamente à colocação de propagando em postes de iluminação, entendeu que "[...] que cabe à empresa responsável pela distribuição de eletricidade nos postes de iluminação pública e pela, manutenção destes aferir do perigo que que um suporte de propaganda eleitoral passa apresentar para o segurança das pessoas ou das coisas. [...] Porém, é exigência legal que os proprietários da propaganda sejam formalmente notificados para removerem os cartazes indicando-se os fundamentos concretos que determinam essa necessidade. E só depois de decorrido o prazo para a candidatura retirar esses meios de propagando, poderá a empresa removê-los."
g) A recorrente notificou a comissão política da CDU para proceder à remoção dos respetivos cartazes, concedendo um prazo razoável para o fazer, sob pena de, em caso de incumprimento, tal operação ser concretizada pela empresa;
h) Tratando-se, como efetivamente se trata, de bens não abarcados pelo conceito de "espaços públicos", cuja propriedade é da titularidade da recorrente; Tratando-se de um exercício de proteção do direito de propriedade; Tratando-se de uma conduta legítima visando a salvaguarda da segurança de pessoas e bens, nos termos e fundamentos da legislação e regulamentos aplicáveis, facilmente se constata que a recorrente não violou qualquer preceito legal, pelo que, salvo o devido respeito - que é muito -, a douta deliberação recorrida carece de fundamentos de facto e de direito que sustentem a mesma, com a agravante de, na mesma data de comunicação da deliberação a CNE e relativamente ao mesmo assunto, esta havia antes concedido à recorrente um prazo de 24 horas para se pronunciar... antes do termo deste prazo a CNE profere a deliberação recorrida;
i) A deliberação recorrida não procedeu à análise correta do normativo legal vigente (artigos 3.º, 4.º, 7.º e 8.º, todos da Lei 97/83, de 17-08), merecendo ser alterada por outra que valide a decisão e comunicação da recorrente., absolvendo a mesmo da prática de qualquer conduta legalmente ilícita, como se afigura de elementar.»
3 - Por serem relevantes para a boa decisão dos autos, procede-se a uma descrição dos factos resultantes da documentação junta aos autos:
i) Em 10 de outubro de 2012, a mandatária da CDU comunicou, por correio eletrónico, ao delegado da CNE - Comissão Nacional de Eleições que havia sido notificada, ao final da tarde do dia 09 de outubro de 2012, pela recorrente, para que procedesse à remoção da sua propaganda política que se encontrava presa com correntes a dois postos de iluminação pública, sitos na Ilha de Santa Maria e que são explorados, em regime de concessão, pela recorrente (fls. 207);
ii) Nesse mesmo dia, o delegado da CNE - Comissão Nacional de Eleições na Região Autónoma dos Açores informou a mandatária da CDU, por correio eletrónico, que já tinha conhecimento dessa atuação por parte da recorrente e que aquele órgão administrativo independente iria apreciar a referida questão (fls. 207);
iii) Em 12 de outubro de 2012, às 11h45, a mandatária da CDU comunicou, por correio eletrónico, ao delegado da CNE - Comissão Nacional de Eleições - que uma equipa da EDA tinha procedido à remoção da referida propaganda política, conforme se comprova por fotografias que constam em anexo aos autos de procedimento administrativo que deram causa ao presente recurso (fls. 206);
iv) Às 14h44 desse mesmo dia, o delegado da CNE - Comissão Nacional de Eleições - comunicou, por correio eletrónico, à mandatária da CDU que, havia recebido as fotografias "que serão certamente úteis no processo crime que adiante, decerto, haverá de correr" e que "já tinha conhecimento telefónico da situação, da qual de[u] imediato conhecido à Comissão" (fls. 206);
v) Com efeito, às 11h46 do dia 12 de outubro de 2012, o Secretário e Coordenador dos serviços da CNE - Comissão Nacional de Eleições procedeu ao envio de um projeto de deliberação sobre a matéria, a todos os membros daquele órgão, por via de correio eletrónico, conforme expressamente autorizado pelo artigo 5.º do respetivo Regimento, a ser decidido com caráter de urgência (fls. 203-verso e 204)
vi) Às 12h14 do mesmo dia, o referido Secretário e Coordenador dos serviços enviou novo correio eletrónico em que expressamente manifestava a proposta do delegado da CNE - Comissão Nacional de Eleições para que a deliberação e a notificação da mesma identificasse o Presidente do Conselho de Administração da recorrente como a pessoa que seria penalmente responsável por eventual crime de desobediência qualificada à deliberação a tomar (fls. 203);
vii) A notificação da deliberação proferida (supra transcrita) foi enviada, com caráter de "Muito Urgente", em simultâneo, por correio eletrónico, às 15h42 de 12 de outubro de 2012 (fls. 189) e por telefaxe, às 15h44 do mesmo dia, tendo sido recebida conforme se comprova por registo de envio do telefaxe (fls. 191), encontra-se expressamente dirigida ao Presidente do Conselho de Administração da recorrente, Prof. Doutor Duarte Botelho da Ponte (fls. 187);
viii) Às 17h36 de 12 de outubro de 2012, a mandatária da CDU comunicou, por correio eletrónico, ao delegado da CNE - Comissão Nacional de Eleições que a recorrente, por volta das 15h30 (hora local dos Açores; por conseguinte, às 16h30 do território continental, ou seja, após receção, pela recorrente, da notificação da deliberação), que havia reposto as estruturas de suporte da propaganda eleitoral anteriormente removida (fls. 206);
ix) Às 17h24 do mesmo dia, já a recorrente havia interposto recurso da deliberação que lhe fôra notificada, através de telefaxe (fls. 3 a 9);
x) Os autos de recurso foram enviados pela CNE - Comissão Nacional de Eleições, para a Secretaria do Tribunal Constitucional, através de telefax (fls. 2), enviado às 12h01 do dia 13 de outubro de 2012 (sábado), sendo que o original apenas viria a dar entrada na mesma Secretaria em 15 de outubro de 2012, ou seja, no dia seguinte ao ato eleitoral (fls. 100).
Importa então apreciar e decidir.
II - Fundamentação
4 - A questão que se coloca é a de saber se o presente recurso mantém utilidade, na medida em que o ato eleitoral já ocorreu em 14 de outubro de 2012 e que a propaganda eleitoral objeto de discórdia visava, precisamente, promover o esclarecimento e apelar ao voto nos partidos políticos que a afixaram.
É verdade que o Tribunal Constitucional já apreciou várias impugnações de deliberações da CNE - Comissão Nacional de Eleições - que condenaram diversas entidades à reposição de propaganda eleitoral ou política, em sentido estrito (esta última, quando ocorra fora dos períodos de campanha eleitoral), em caso de remoção indevida da mesma. Porém, em todos esses casos (cf. Acórdãos n.º 525/89, n.º 483/2008, n.º 180/2009, n.º 209/2009 e n.º 492/2009, todos disponíveis in http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/), quer o ato físico de remoção da propaganda, quer a decisão final sobre a sua legalidade, proferida pelo Tribunal Constitucional, ocorreram sempre em momento muito anterior à data do ato eleitoral respetivo, ou seja, a tempo de produzir efeitos úteis quanto à reposição da mesma.
Sucede que, neste caso, a deliberação da CNE - Comissão Nacional de Eleições foi tomada, com caráter de urgência (ao abrigo do artigo 5.º do respetivo Regimento), no dia 12 de outubro de 2012, tendo sido logo notificada à recorrente e, nesse mesmo dia, alvo de recurso para este Tribunal. O processo em causa apenas subiu a este Tribunal no dia 15 de outubro de 2012, ou seja, já finda a campanha eleitoral e realizado o ato eleitoral.
Ou seja, o presente recurso obriga o Tribunal Constitucional a enfrentar um problema nunca antes abordado, que diz respeito à inutilidade superveniente de um recurso interposto ao abrigo do n.º 1 do artigo 102.º-B da LTC, quando o mesmo ocorra no último dia de um período de campanha eleitoral e, simultaneamente, a deliberação recorrida também seja proferida na mesma data.
Aliás, o problema da inutilidade da própria deliberação recorrida foi expressamente equacionado pelos membros da CNE - Comissão Nacional de Eleições que, confrontados com a urgência da reposição da propaganda política, na própria tarde do último dia de campanha eleitoral, recorreram ao mecanismo da deliberação por via de comunicação eletrónica entre os seus membros. De acordo com correio eletrónico enviado por um dos seus membros - que, nos termos do n.º 4 do artigo 5.º do Regimento, faz parte integrante da ata de aprovação da deliberação ora impugnada -, expressamente se equaciona, mediante expressão de acordo quanto a uma deliberação favorável à ilegalidade do ato de remoção:
"Também concordo, para o imediato, embora provavelmente sem efeitos úteis.
Depois do ato eleitoral, entendo que devemos analisar este reiterado incumprimento da EDA relativamente ao deliberado pela CNE em anteriores casos neste mesmo período de campanha.
Na verdade, tendo o ato eleitoral já ocorrido no passado dia 14 de outubro de 2012 e visando a propaganda eleitoral apelar ao voto naquele ato eleitoral, qualquer que fosse a decisão do Tribunal Constitucional nenhuma consequência jurídica daí resultaria, na medida em que, findo o ato eleitoral, a afixação da propaganda eleitoral deixaria de fazer sentido ou sequer de gozar de especial proteção jurídica. Isto porque, na medida em que, nos termos do artigo 55.º da LEALRAA, o período da campanha eleitoral finda às 24 horas da antevéspera do mesmo, torna-se evidente que a propaganda eleitoral afixada pelos partidos políticos que apresentaram candidaturas deve ser retirada pelos mesmos, em tempo razoável, logo que realizado o ato eleitoral.
Em suma, conclui-se pela inutilidade do presente recurso.
III - Decisão
Pelos fundamentos supra expostos, decide-se não conhecer do objeto do presente recurso por inutilidade superveniente.
Sem custas, por não serem legalmente devidas.
Lisboa, 17 de outubro de 2012. - Ana Maria Guerra Martins - Catarina Sarmento e Castro - Pedro Machete - Vítor Gomes - Fernando Vaz Ventura - Maria Lúcia Amaral - J. Cunha Barbosa - Maria João Antunes - Carlos Fernandes Cadilha - Maria José Rangel de Mesquita - Maria de Fátima Mata-Mouros - João Cura Mariano - Joaquim de Sousa Ribeiro.
206480951