de 12 de outubro
Uma das preocupações do XIX Governo Constitucional, em matéria de política social, consiste na revisão do regime jurídico do rendimento social de inserção, enquanto prestação de combate à pobreza sujeita a um conjunto de direitos e deveres consubstanciados na celebração de um contrato de inserção.Em cumprimento deste objetivo foi, recentemente, publicado o Decreto-Lei 133/2012, de 27 de junho, que procede, designadamente, à revisão do regime jurídico do rendimento social de inserção, o qual prevê, no âmbito das medidas de inserção que devem integrar o contrato de inserção, a participação do titular da prestação e dos membros do seu agregado familiar em programas de ocupação temporária que se traduzam na realização de atividades socialmente úteis, como forma de promoção da sua integração social e comunitária.
Assim, o desenvolvimento de atividade socialmente útil surge como uma forma de ativação social e comunitária por parte dos beneficiários da prestação de rendimento social de inserção, através da colaboração prestada a entidades que desenvolvem este tipo de atividades, prestando desta forma um importante contributo cívico a favor da comunidade onde se inserem, e que não se confunde com o desenvolvimento de trabalho socialmente necessário a que se encontram obrigados os beneficiários de prestações de desemprego.
A atividade socialmente útil pode desenvolver-se, designadamente, no âmbito do apoio à organização e desenvolvimento de projetos ou eventos ligados à prática desportiva, recreativa e cultural, do apoio à organização e desenvolvimento de projetos ou eventos de proteção do património natural e paisagístico - nomeadamente, atividades de proteção do ambiente, da fauna e da flora -, do apoio à organização e desenvolvimento de projetos ou eventos de proteção ou defesa do património arquitetónico, do apoio à organização e desenvolvimento de atividades não permanentes - como sejam, a organização de bibliotecas, arquivos e museus municipais -, do apoio à organização e desenvolvimento de atividades de apoio social, ou do apoio à organização e desenvolvimento de atividades ligadas a serviços gerais de apoio de carácter não permanente.
Sujeita a um conjunto de regras que assegura aos beneficiários de rendimento social de inserção o desenvolvimento de outras formas de inserção na sociedade, como sejam a procura ativa de emprego ou a elevação das suas competências através da frequência da escolaridade obrigatória ou de formação profissional, a atividade socialmente útil apenas pode ocupar até quinze horas semanais, distribuídas no máximo por três dias úteis.
A violação grave e reiterada, pelo beneficiário, dos deveres decorrentes do presente decreto-lei, assim como a verificação de faltas injustificadas, comportam a cessação do direito ao rendimento social de inserção.
Por seu turno, as entidades promotoras - aquelas que se proponham beneficiar do desenvolvimento de atividade socialmente útil - estão sujeitas a um conjunto de deveres que impedem a utilização da atividade útil como uma forma de ocupação ou de substituição de postos de trabalho, assegurando que essa atividade não configura, de modo exclusivo, tarefas que integram o conteúdo funcional dos lugares do quadro de pessoal dessas entidades.
Compete ao Instituto da Segurança Social, I. P., sem prejuízo das competências dos órgãos das Regiões Autónomas, o desenvolvimento e o acompanhamento da atividade socialmente útil, em parceria com entidades sem fins lucrativos, ou do setor social, que se proponham beneficiar dessa atividade e se inscrevam na bolsa constituída para o efeito.
Foram ouvidos os órgãos do governo próprio da Região Autónoma da Madeira, Associação Nacional de Municípios Portugueses, da Associação Nacional de Freguesias e da União das Mutualidades Portuguesas.
Foram promovidas as audições dos órgãos do governo próprio da Região Autónoma dos Açores, da Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade e da União das Misericórdias Portuguesas.
Assim:
Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 198.º da Constituição, o Governo decreta o seguinte:
Artigo 1.º
Objeto
O presente decreto-lei regula o desenvolvimento da atividade socialmente útil a que se encontram obrigados os titulares do rendimento social de inserção e os membros do respetivo agregado familiar, adiante designados por beneficiários, nos termos definidos no contrato de inserção celebrado de acordo com o disposto no artigo 18.º da Lei 13/2003, de 21 de maio.
Artigo 2.º
Conceito de atividade socialmente útil
1 - Considera-se atividade socialmente útil a ocupação temporária a que ficam sujeitos os beneficiários previstos no artigo anterior, desenvolvida a favor de entidades sem fins lucrativos, ou do setor da economia social, designadas por entidades promotoras, com vista à satisfação de necessidades sociais e comunitárias.
2 - A atividade socialmente útil caracteriza-se pela realização de tarefas que, na sua maioria, não integram o âmbito do conteúdo funcional dos lugares previstos no quadro de pessoal ou nos instrumentos de regulamentação coletiva aplicáveis ou não se sobreponham às desenvolvidas pelos trabalhadores da entidade promotora.
3 - A atividade socialmente útil é compatível com as aptidões do beneficiário, bem como com as suas habilitações escolares, qualificação e experiência profissional, e respeita as normas gerais e especiais relativas às condições de trabalho, designadamente no que concerne à segurança, higiene e saúde no trabalho.
Artigo 3.º
Âmbito pessoal
1 - Integram o âmbito pessoal do presente decreto-lei os beneficiários do rendimento social de inserção, com idade compreendida entre os 18 e os 60 anos, sem prejuízo do disposto no número seguinte.2 - Ficam excluídos da prestação de atividade socialmente útil os beneficiários que:
a) Recebam prestações de desemprego;
b) Se encontrem a exercer atividade profissional ou a frequentar qualquer grau de ensino, ação de formação profissional ou outro tipo de atividade no âmbito de medidas ativas de emprego;
c) Se encontrem a prestar apoio indispensável a membro do seu agregado familiar, de forma permanente;
d) Sejam vítimas de violência doméstica acolhidas em casas de abrigo.
Artigo 4.º
Gestão e entidade gestora
1 - A gestão da atividade socialmente útil compete ao Instituto da Segurança Social, I. P. (ISS, I. P.), e às entidades competentes das administrações regionais autónomas, no âmbito das respetivas competências.2 - São competências da entidade gestora, designadamente:
a) Organizar e gerir a bolsa das entidades promotoras;
b) Estabelecer com as entidades promotoras, através de protocolo individual, as regras de funcionamento da atividade socialmente útil;
c) Acompanhar, através do técnico gestor do processo de rendimento social de inserção, o cumprimento dos direitos e deveres dos beneficiários;
d) Fiscalizar o cumprimento dos deveres das entidades promotoras;
e) Articular com outros serviços públicos, designadamente com o Instituto de Emprego e Formação Profissional, I. P. (IEFP, I. P.), com vista a uma gestão eficaz e eficiente da atividade socialmente útil.
Artigo 5.º
Entidades promotoras
1 - Podem candidatar-se a entidades promotoras as entidades sem fins lucrativos ou do setor da economia social, designadamente:a) Instituições particulares de solidariedade social (IPSS), ou entidades a estas equiparadas;
b) Associações de utilidade pública e cooperativas;
c) Serviços e organismos da Administração.
2 - As entidades interessadas em beneficiar do desenvolvimento de atividade socialmente útil, devem apresentar, por via eletrónica em formulário próprio, a sua candidatura junto do ISS, I. P.
3 - As entidades promotoras devem satisfazer os seguintes requisitos:
a) Encontrarem-se regularmente constituídas e devidamente registadas;
b) Terem a situação contributiva regularizada perante a segurança social e a administração tributária;
c) Terem a sua situação regularizada no que respeita a apoios nacionais ou europeus, designadamente os concedidos pelo IEFP, I. P.;
d) Disporem de contabilidade organizada, desde que legalmente exigida, de acordo com o sistema de normalização contabilista.
Artigo 6.º
Duração da atividade socialmente útil
O limite máximo semanal de duração da atividade socialmente útil é de quinze horas, distribuído no máximo até três dias úteis, e sem ultrapassar diariamente seis horas.
Artigo 7.º
Direitos dos beneficiários
1 - O beneficiário tem direito a transporte, alimentação e seguro de acidentes pessoais, da responsabilidade da entidade promotora, sem prejuízo do disposto no número seguinte.2 - O encargo com a alimentação do beneficiário implica que a atividade socialmente útil desenvolvida tenha a duração mínima diária de quatro horas.
Artigo 8.º
Deveres dos beneficiários
Constituem deveres dos beneficiários:a) Cumprir as orientações da entidade promotora quanto à forma como deve ser desenvolvida a atividade socialmente útil;
b) Cumprir o horário acordado com a entidade promotora;
c) Informar com antecedência a entidade promotora sempre que estiver impossibilitado de comparecer no local onde deve ser desenvolvida a atividade socialmente útil, indicando o motivo da falta;
d) Justificar as faltas ou atrasos;
e) Não adotar comportamentos que perturbem ou interfiram com o normal funcionamento da entidade promotora;
f) Zelar pela boa utilização dos recursos materiais, bens, equipamentos e utensílios postos ao seu dispor para a realização da atividade socialmente útil;
g) Cumprir as regras e instruções de segurança, higiene e saúde no trabalho.
Artigo 9.º
Regime de faltas
1 - Consideram-se justificadas as faltas ou ausências ao cumprimento da atividade socialmente útil resultantes de:a) Doença ou acidente;
b) Apoio indispensável e inadiável a membro do seu agregado familiar, bem como a filho e a neto que não façam parte do seu agregado familiar;
c) Direitos e obrigações decorrentes de responsabilidade parental;
d) Cumprimento de obrigações legais ou judiciais inadiáveis;
e) Falecimento de cônjuge, parentes e afins, em linha reta e em linha colateral, até ao 2.º grau, ou até ao 3.º grau caso vivam em economia comum;
f) Cumprimento de obrigações decorrentes do contrato de inserção.
2 - A prova nas situações referidas nas alíneas a) e b) do número anterior é feita através de declaração médica emitida pelos serviços competentes do serviço nacional de saúde nos termos previstos no regime jurídico de proteção na doença do sistema previdencial, sem prejuízo de confirmação oficiosa, a todo o tempo, pelo sistema de verificação de incapacidades da segurança social.
3 - A prova nas situações referidas nas alíneas c), d), e) e f) do n.º 1 é feita, através de documento idóneo ou de informação dos serviços da segurança social.
4 - As faltas dadas pelo beneficiário que não sejam justificadas nos termos dos números anteriores consideram-se injustificadas e dão lugar à restituição dos respetivos encargos com transporte e alimentação.
5 - As faltas injustificadas no âmbito da atividade socialmente útil são equiparadas a falta de comparência injustificada a quaisquer convocatórias efetuadas pela entidade gestora competente, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 22.º da Lei 13/2003, de 21 de maio.
Artigo 10.º
Deveres das entidades promotoras
As entidades promotoras devem:a) Inserir e apoiar os beneficiários fornecendo-lhe os instrumentos e a formação necessários à execução das tarefas atribuídas;
b) Monitorizar e controlar a atividade socialmente útil prestada pelos beneficiários, designando para esse efeito um supervisor;
c) Comunicar aos competentes serviços da segurança social qualquer situação anómala que configure violação dos deveres a que os beneficiários estão sujeitos no âmbito da atividade socialmente útil;
d) Atribuir aos beneficiários tarefas que não configurem a violação do disposto do n.º 2 do artigo 2.º;
e) Cumprir com os encargos a que se encontra obrigada nos termos do artigo 7.º
Artigo 11.º
Cessação ou suspensão do cumprimento da atividade socialmente útil
1 - O cumprimento da atividade socialmente útil por parte do beneficiário cessa ou suspende sempre que se verificar alguma das seguintes situações:
a) Suspensão ou cessação do rendimento social de inserção;
b) Exercício de atividade profissional a tempo completo ou a tempo parcial;
c) Frequência de qualquer grau de ensino;
d) Frequência de ação de formação profissional;
e) Exercício de atividade no âmbito de medidas ativas de emprego;
f) Violação grave e reiterada, pelo beneficiário, dos deveres previstos no artigo 8.º, impeditiva da continuidade da atividade socialmente útil;
g) Violação grave e reiterada, pela entidade promotora, dos deveres previstos no artigo 10.º, impeditiva da continuidade da atividade socialmente útil.
2 - Para efeitos do previsto na alínea f) do número anterior, a violação grave e reiterada dos deveres dos beneficiários é equiparada a recusa de atividade socialmente útil, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 22.º da Lei 13/2003, de 21 de maio.
3 - Nos casos previstos na alínea g) do n.º 1, ouvidas as partes, compete à entidade gestora determinar a existência de violação grave e reiterada dos deveres da entidade promotora que seja impeditiva da continuidade da atividade socialmente útil, após o que, no prazo máximo de 30 dias, encaminha o beneficiário para nova atividade socialmente útil.
4 - Quando deixe de se verificar a causa de suspensão da atividade socialmente útil, compete à entidade gestora determinar nova atividade socialmente útil, no prazo máximo de 30 dias.
Artigo 12.º
Carta de compromisso de atividade socialmente útil
1 - A entidade promotora e o beneficiário assinam uma carta de compromisso de atividade socialmente útil que contém as tarefas a desemprenhar, o horário, bem como as demais condições que especialmente se apliquem àquela relação jurídica.
2 - Em tudo o que, no domínio dos deveres e dos direitos, a carta de compromisso seja omissa é aplicável o disposto no presente decreto-lei.
Artigo 13.º
Entrada em vigor
O presente decreto-lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 23 de agosto de 2012. - Pedro Passos Coelho - Vítor Louçã Rabaça Gaspar - Álvaro Santos Pereira - Luís Pedro Russo da Mota Soares.
Promulgado em 1 de outubro de 2012.
Publique-se.O Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva.
Referendado em 3 de outubro de 2012.
O Primeiro-Ministro, Pedro Passos Coelho.