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Acórdão 402/2012, de 10 de Outubro

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Sumário

Decide pronunciar-se pela ilegalidade da deliberação de realização de referendo local tomada pela assembleia de freguesia de Melres, concelho de Gondomar,em 30 de agosto de 2012. (Processo n.º 590/12).

Texto do documento

Acórdão 402/2012

Processo 590/12

Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional

I - Fundamentação

1 - A Presidente da Assembleia de Freguesia de Melres, freguesia do Município de Gondomar, submeteu a este Tribunal a deliberação de realização de referendo local tomada por esta assembleia no dia 30 de agosto de 2012, para efeitos de fiscalização preventiva da constitucionalidade e da legalidade, em cumprimento do que dispõe o artigo 25.º da Lei Orgânica 4/2000, de 24 de agosto (LORL), diploma que aprova o regime jurídico do referendo local (fl.

2 e ss. dos presentes autos e doc. 17, junto aos mesmos).

2 - O pedido, com data de entrada neste Tribunal em 3 de setembro de 2012, foi enviado através de telecópia no dia 2 de setembro do ano em curso. Dele decorre que a iniciativa referendária coube à Junta de Freguesia de Melres, órgão que, para o efeito, apresentou à Assembleia de Freguesia «Proposta de realização dum Referendo Local na Freguesia de Melres, respeitante à eventual agregação da Freguesia de Melres, decorrente da entrada em vigor da Lei 22/2012, de 30 de maio, referente à Reorganização Administrativa Territorial Autárquica» (docs 1, 2 e 3, juntos aos autos).

3 - O referendo em causa comporta uma só pergunta, formulada da seguinte forma:

«Concorda com uma alteração dos limites territoriais da Freguesia de Melres que resulte duma agregação com qualquer, ou quaisquer, das Freguesias de Medas, Lomba ou Covelo».

4 - No mesmo documento foi também requerido o reenvio prejudicial ao Tribunal de Justiça da União Europeia, ao abrigo do artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, «com vista à resposta das questões do doc. n.º 2 [concretamente as "colocadas nas várias alíneas do ponto 37"] e de outras que o tribunal entenda suscitar».

O documento mencionado corresponde à proposta de deliberação da Junta de Freguesia de Melres (doc. 2, junto aos autos) e dele constam as seguintes questões:

«a) Os princípios e disposições constantes da Carta Europeia de Autonomia Local, designadamente os do Preâmbulo e dos art.º 2.º e 4.º n.º 6, são compatíveis com a Lei Orgânica 4/2000 supra referenciada (designada lei do Referendo Local), se esta não admite que os órgãos eleitos de uma autarquia local de base (freguesia) consultem os seus eleitores sobre se concordam ou não com a extinção da sua freguesia, com vista à sua agregação a outras, determinada por via administrativa? b) A referida Carta Europeia deve ser interpretada como opondo-se a que uma lei (Lei 22/2012, apelidada de reorganização administrativa territorial autárquica) se aplique a autarquias locais de base (freguesias), parte delas com uma identidade de séculos, que não preveja a audição efetiva, em tempo útil, das populações (fregueses) ou dos seus órgãos eleitos? c) O artº4.º n.º 6 da Carta Europeia de Autonomia Local deve ser interpretado com o sentido e alcance de se opor a uma legislação que imponha a extinção de uma freguesia com órgãos autárquicos eleitos, por via da fusão, incorporação, ou outra forma, sem a prévia e efetiva audição de qualquer daqueles órgãos? d) A disposição contida no art.º5.º da Carta Europeia opõe-se a qualquer alteração dos limites territoriais de uma freguesia, determinada por via administrativa, se não for essa a vontade dos fregueses, declarada por qualquer meio, nomeadamente por via do Referendo? e) Tendo a freguesia de Melres órgãos democraticamente eleitos (Junta de Freguesia e Assembleia de Freguesia), os princípios e determinações da dita Carta Europeia são compatíveis com a lei portuguesa existente, se esta impedir que os titulares desses órgãos exerçam o seu mandato, auscultando a vontade popular, no caso de entenderem que o devem fazer?».

Dos pontos 27. e 37. daquele documento, cujo teor foi inteiramente reproduzido no pedido enviado a este Tribunal, decorre que o reenvio prejudicial é requerido a título subsidiário, caso se entenda que «a Lei Orgânica 4/2000 não contempla o exercício do direito de Referendo Local quanto à matéria em causa» (fl. 5 e ss. dos presentes autos).

II - Fundamentação

1 - Segundo o artigo 240.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP), as autarquias locais podem submeter a referendo dos respetivos cidadãos eleitores matérias incluídas nas competências dos seus órgãos, nos casos, nos termos e com a eficácia que a lei estabelecer, devendo entender-se que são matérias de referendo local as da competência meramente consultiva dos órgãos das autarquias locais (assim, Acórdãos do Tribunal Constitucional n.os 390/98, 518/99, 113/99 e, mais recentemente, Acórdãos n.os 384/2012, 388/2012 e 400/2012, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt). A reorganização administrativa do território das freguesias não é matéria da competência deliberativa das assembleias de freguesia, face ao disposto nos artigos 164.º, alínea n), e 236.º, n.º 4, da CRP, mas tal não obsta a que este órgão representativo da freguesia delibere sobre a realização de um referendo local. O artigo 3.º, n.º 1, da LORL dispõe até que o referendo local pode ter por objeto questões que se integrem nas competências dos órgãos autárquicos, quer exclusivas quer partilhadas com o Estado ou com as Regiões.

Na medida em que a divisão administrativa do território é matéria de reserva de lei (artigos 164.º, alínea n), e 236.º, n.º 4, da CRP), as assembleias de freguesia só poderão deliberar a realização de um referendo local atinente à reorganização administrativa territorial autárquica se houver lei a prever a intervenção destes órgãos representativos do poder local no procedimento de reorganização e nos termos legalmente previstos para tal intervenção (neste sentido, Acórdãos n.os 518/99, 113/99 e, mais recentemente, Acórdãos n.os 391/2012 e 400/2012).

A intervenção das assembleias de freguesia no procedimento de reorganização administrativa territorial autárquica, bem como os termos de tal participação, está prevista, presentemente, na Lei 22/2012, de 30 de maio, que aprova o regime jurídico da reorganização administrativa territorial autárquica, revogando, entre outras, a Lei 8/93, de 5 de março, diploma que, até então, definia o regime jurídico da criação de freguesias. E daquela lei resulta, conjugadamente com o disposto nos artigos 3.º, n.º 1, e 23.º da LORL, que as assembleias de freguesias podem deliberar a realização de um referendo local, tendo em vista o parecer que podem apresentar à assembleia municipal sobre a reorganização administrativa territorial autárquica (artigo 11.º, n.º 4), no quadro da preparação da pronúncia deste órgão representativo sobre esta reorganização (artigo 11.º, n.º 1), a qual deverá ser entregue à Assembleia da República no prazo máximo de 90 dias a contar da sua entrada em vigor (artigo 12.º). Isto é: até ao dia 15 de outubro de 2012, face ao disposto nos artigos 20.º e 22.º da Lei 22/2012 e ao entendimento de que a contagem do prazo se suspendeu durante as férias judiciais (artigo 144.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).

Este prazo máximo de 90 dias tem, porém, de ser articulado com os prazos e regras estabelecidos na LORL, com os previstos nos artigos 25.º, 26.º, 32.º e 145.º, n.º 1, e, muito particularmente para o que agora releva, com os estabelecidos nos artigos 33.º, n.º 1, conjugadamente com o que dispõe o artigo 96.º, n.º 2, e 142.º, n.º 3. De acordo com estes últimos, o referendo deve realizar-se no prazo mínimo de 40 dias e no prazo máximo de 60 dias a contar da decisão de fixação, devendo a data coincidir com um domingo, dia de feriado nacional, autonómico ou autárquico, e a assembleia de apuramento geral deve iniciar as suas operações no 2.º dia seguinte ao da realização do referendo.

2 - A deliberação de realização do referendo local tomada pela Assembleia de Freguesia de Melres integra-se no disposto no n.º 4 do artigo 11.º da Lei 22/2012. Esta Assembleia não deliberou porém em momento em que ainda era possível contribuir para a pronúncia da assembleia municipal, apresentando parecer sobre a reorganização administrativa territorial autárquica, de harmonia com o que dispõe o artigo 11.º, n.os 1 e 4, da Lei 22/2012.

Tendo deliberado no dia 30 de agosto de 2012 e sendo o feriado municipal no dia 8 de outubro do ano em curso, os resultados do referendo não poderiam nunca ser proclamados e publicados a tempo de ser apresentado aquele parecer e de o mesmo ser ponderado na pronúncia da assembleia municipal, a entregar à Assembleia da República até ao dia 15 de outubro de 2012.

Considerando que o referendo se deve realizar no prazo mínimo de 40 dias a contar da decisão da fixação (artigo 33.º, n.º 1, da LORL), num domingo, em dia de feriado nacional ou autárquico (artigo 96.º, n.º 2, da LORL), e que a assembleia de apuramento geral só pode iniciar as operações às 9 horas do 2.º dia seguinte ao da realização do referendo (artigo 142.º, n.º 3, da LORL), a proclamação e a publicação dos resultados do referendo nunca poderia ser feita antes dia 16 de outubro de 2012. Isto, portanto, sem atender à circunstância de o pedido de verificação da constitucionalidade e da legalidade ter sido enviado no dia 2 de setembro, ao prazo de 25 dias que o Tribunal Constitucional tem para se pronunciar (artigo 26.º) e aos prazos estabelecidos nos artigos 32.º e 145.º, n.º 1, da LORL.

Assim sendo, o resultado da consulta «não se poderá precipitar em ato de órgão autárquico permitido pela Lei 22/2012, de 30 de maio» (cf. Acórdão 400/2012), o que dita a ilegalidade da deliberação em causa.

3 - O pedido de reenvio prejudicial ao Tribunal de Justiça da União Europeia está prejudicado, uma vez que não se entende que «a Lei Orgânica 4/2000 não contempla o exercício do direito de Referendo Local quanto à matéria em causa». E, em qualquer caso, pelo facto de o enunciado das questões postas não ser suscetível de constituir objeto de uma questão prejudicial, admitindo que o Tribunal Constitucional se enquadra na noção de «órgão jurisdicional» de um Estado-membro, para efeitos do disposto no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, sendo competente, ao abrigo desta disposição, para a formulação de questões prejudiciais àquele Tribunal (assim, Acórdão 391/12).

III - Decisão

Face ao exposto, o Tribunal decide:

a) Pronunciar-se pela ilegalidade da deliberação de realização de referendo local tomada pela Assembleia de Freguesia de Melres em 30 de agosto de 2012;

b) Julgar prejudicado o pedido de colocação de questões prejudiciais ao Tribunal de Justiça da União Europeia.

Lisboa, 18 de setembro de 2012. - Maria João Antunes - Carlos Fernandes Cadilha - Joaquim de Sousa Ribeiro - Vítor Gomes - Fernando Ventura - J. Cunha Barbosa - Rui Manuel Moura Ramos.

206425839

Anexos

  • Texto integral do documento: https://dre.tretas.org/pdfs/2012/10/10/plain-304106.pdf ;
  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/304106.dre.pdf .

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