Acordam em Plenário no Tribunal Constitucional:
I - Relatório
1 - No âmbito do processo eleitoral para apresentação da candidatura do Partido Humanista (PH) à eleição de deputados para a Assembleia da República pelo círculo eleitoral "Europa" (Mapa Oficial 4/2011, publicado no Diário da República, 1.ª série, de 11 de Abril de 2011), marcada para 5 de Junho de 2011, nos termos do artigo 2.º do Decreto do Presidente da República n.º 44-A/ 2011 de 7 de Abril, o juiz das Varas Cíveis de Lisboa ordenou, por despacho de 24 de Abril de 2011, a notificação do mandatário da candidatura para, em 2 dias, apresentar as declarações de candidatura previstas no artigo 24 n.º 3 da Lei Eleitoral para a Assembleia da República (Lei 14/79 de 16 de Maio, doravante, LEAR), relativamente aos candidatos com excepção do candidato Tiago Guerra, e as certidões comprovativas da inscrição de todos os candidatos no recenseamento eleitoral.Em 29 de Abril o mandatário do PH requereu a junção ao processo de diversos
documentos.
Por despacho de 3 de Maio de 2011, o juiz decidiu o seguinte:«Na sequência de despacho proferido para o mandatário vir suprir as irregularidades consistentes na falta da documentação prevista no artigo 24.º n.º 3 e 4 da lei 14/79, veio o Mandatário proceder à junção de nova lista, de onde consta a substituição dos candidatos suplentes por outros candidatos, a troca de posições do candidato efectivo e mandatário n.º 1, pela candidata efectiva n.º 2, mantendo-se aquele como
mandatário.
Junta igualmente declarações de candidatura dos candidatos n.º 2 e dos suplentes ora indicados em substituição e bem assim certidões de eleitor da candidata n.º 2, da 1.ª suplente e uma declaração relativamente à 2.ª suplente indicada.Ora, tem sido entendimento do Tribunal Constitucional que na fase de suprimento de irregularidades pode o mandatário substituir ou aditar candidatos à lista apresentada (Acórdãos do TC n.os 264/85, 565/89 publicados no Diário da República de 21/03/86 e 05/04/90 e Acórdão 207/87 publicado no Diário da República, 2.ª série de 02/07/87), independentemente de despacho nesse sentido.
O que não pode nem se encontra previsto na lei é a troca de posições dos candidatos efectivos, em violação aliás do disposto no artigo 15.º n.º e 2 da Lei Eleitoral, mormente em casos em que essa troca implica que o cabeça de lista designado como mandatário e aceite como tal pelos demais candidatos (conforme consta da declaração de candidatura) passe a n.º 2, mantendo no entanto a designação de mandatário, agora
sem aceitação dos demais candidatos.
Tratar-se-ia de uma nova irregularidade criada por esta alteração, já não suprível e nãoadmissível.
Por outro lado, os candidatos efectivos ou suplentes têm que comprovar nos autos os denominados requisitos de apresentação das respectivas candidaturas, para se aferir da sua elegibilidade, um dos quais consiste na entrega da declaração de candidatura e o seguinte na entrega de certidão de eleitor, face ao que dispõe o artigo 4.º da referidalei.
No que se reporta à certidão de inscrição no recenseamento eleitoral, apenas as comissões recenseadoras podem passar as aludidas certidões (Lei 13/99).Ora, a ora indicada como suplente Joana da Conceição Saudades Saramago apresenta apenas uma "Declaração" emitida por quem não tem competência para o efeito e sem observância do disposto no artigo 24.º n.º 4 b) da Lei 14/79.
Não tem esta declaração valor de certidão, e de onde resulta que tal substituta indicada também não pode ser admitida por não comprovar ser cidadã eleitora.
Por sua vez, o candidato suplente João Luís da Costa Menezes inicialmente apresentado não satisfaz os requisitos de apresentação previstos no artigo 24.º n.º 4 da lei 14/79, não apresentando nem declaração de candidatura, nem certidão de
eleitor.
Pelo exposto, não admito a troca de posições dos candidatos efectivos n.os 1 e 2,mantendo-se a ordem já antes consignada.
Não admito como substituta a indicada Joana da Conceição Saudades Saramago, nem o candidato suplente João Luís da Costa Menezes.Em consequência, não constando da lista o número mínimo de candidatos suplentes, determino a rejeição da lista apresentada (artigo 15.º n.º 1 e 28 da Lei 14/79).
Notifique.»
O recorrente reclamou, dizendo:
«Partido Humanista, pessoa colectiva n.º 504957015, com sede na Rua de Santa Catarina, 820 - 1.º Fte., na cidade do Porto, vem, face ao teor da notificação que lhe foi feita, reclamar, ao abrigo do disposto no artigo 30.º, n.º 1 da Lei Eleitoral da Assembleia da República (LEAR), do despacho que rejeitou a sua lista de candidatura, pelo círculo eleitoral da Europa, à próxima eleição de deputados à Assembleia da República, nos termos e com os fundamentos seguintes:Em síntese, a lista de candidatura do reclamante foi rejeitada com fundamento no facto de não ter o número mínimo de candidatos suplentes.
Porém, o despacho reclamado não fez uma correcta interpretação do disposto no
artigo 15.º, n.º 1 e 28º, n.º 3 da LEAR.
Com efeito, a obrigatoriedade de proposição de listas contendo a indicação de candidatos suplentes em número não inferior a dois nem superior aos dos efectivos (neste caso, dois) refere-se ao momento de apresentação das aludidas listas decandidatura.
Com efeito, a indicação de candidatos suplentes visa acautelar a necessidade de substituir candidatos efectivos que venham a desistir ou a ser considerados inelegíveis, preservando, assim, a elegibilidade da lista.Porém, após os procedimentos e a notificação previstas nos artigos 26.º e 27º da LEAR, tendo vindo (ou não) o mandatário a suprir irregularidades, o que importa é que a lista tenha o número completo de candidatos efectivos.
Aliás, o artigo 28.º, n.º 3 da LEAR refere-se apenas ao número total de candidatos, devendo, pois, ser interpretado no sentido de que só a falta dos candidatos efectivos suficientes é motivo de rejeição da lista.
No mesmo sentido pronunciou-se o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 698/93, publicado no DR 2.ª série, de 20.01.94, cuja jurisprudência, apesar de incidir sobre eleições autárquicas, é inquestionavelmente transponível para o âmbito de eleições
legislativas, como é o caso.
Ora, a lista de candidatura do reclamante tem, apesar da exclusão da candidata Joana da Conceição Saudades Saramago, o número suficiente de candidatos efectivoselegíveis.
Deste modo, inexiste o fundamento invocado para a rejeição da lista do reclamante.Sem prescindir, A candidata Joana da Conceição Saudades Saramago requereu na Junta de Freguesia de Carcavelos certidão de inscrição no recenseamento eleitoral, usando para o efeito uma minuta que lhe foi facultada pelo reclamante, à semelhança de todos os demais candidatos humanistas, que junta e cujo teor dá aqui por reproduzido (Doc. 1), dirigida ao respectivo presidente da comissão recenseadora.
Em resposta, foi-lhe entregue o documento com que instruiu o processo de candidatura, intitulado "Declaração", o qual atesta que a mesma está inscrita no
recenseamento eleitoral.
A candidata em questão, bem como o reclamante, é alheia ao formato e título que a Junta de Freguesia de Carcavelos deu ao referido documento, sendo certo, porém, que o mesmo não pode deixar de ser considerado um documento autêntico, cuja força probatória só pode ser ilidida com base na sua falsidade (cf. artigo 372.º, n.º 1 do Código Civil), dado ter timbre, carimbo e assinatura oficiais.Na verdade, no que respeita aos factos por si atestados, o referido documento é suficiente para o efeito em vista, uma vez que demonstra a capacidade eleitoral activa e
passiva da candidata em causa.
E, de resto, já é tempo dos cidadãos portugueses deixarem de pagar pela incúria, a incompetência, a má vontade e o preconceito discriminatório com que os poderespúblicos os tratam sistematicamente.
Ora, está em causa um direito fundamental de participação política (cf. artigo 50.º da Constituição da República Portuguesa), o qual não pode ser cerceado apenas porque uma entidade pública deixou de exercer as suas competências pela forma mais correcta, emitindo um documento a que porventura falta algum dos requisitos exigidosna lei.
De outra forma, estaria encontrada a maneira das juntas de freguesia (e comissões recenseadoras), cujos titulares são eleitos cm listas partidárias, inviabilizarem as listas de candidatura das forças políticas concorrentes, prejudicando o pluralismo democrático, que é um princípio estruturante da República Portuguesa (cf. artigo 2 da CRP).Não pode, portanto, neste caso, prevalecer um mero conceito de justiça formal, sob pena de perversão de valores essenciais da democracia pluralista.
Face ao exposto, a candidata suplente Joana da Conceição Saudades Saramago deve ser admitida, com às consequências legais.
E, nessa conformidade, a lista de candidatura do reclamante deve também ser admitida.
Finalmente, ainda a título subsidiário,
O reclamante aceita que o seu mandatário não poderia por si só alterar a ordem doscandidatos constantes da sua lista.
Porém, o reclamante validou essa alteração, enviando fax para o tribunal nesse sentido.Ora, se o reclamante, através do seu órgão representativo, tem o poder de apresentar uma lista de candidatura, também pode proceder a alterações à mesma.
De resto, a concordância dos candidatos com a designação como mandatário do respectivo cabeça-de-lista não se vê prejudicada com a troca de posição do mesmo na
lista de candidatura.
É que essa concordância é feita intuitu personae, com o que se mantém independentemente da posição que o mesmo mandatário passe posteriormente aocupar na lista como candidato.
Assim sendo, nada obsta à troca de posições dos candidatos efectivos, muito embora o reclamante aceite qualquer veredicto nesta matéria.Nestes termos, requer se digne dar provimento à presente reclamação, admitindo a lista de candidatura do reclamante, nomeadamente com a ordem que a final lhe foi dada.» O juiz das Varas Cíveis de Lisboa decidiu a reclamação nos seguintes termos:
«Nos presentes autos, tendo sido proferida decisão de rejeição da lista de candidatura do Partido Humanista Português, pelo círculo Eleitoral da Europa, veio o Partido Humanista e o mandatário da Lista, apresentarem reclamação nos termos do disposto no artigo 30.º n.º 1 da LEAR, com os seguintes fundamentos:
A obrigatoriedade de proposição de listas contendo a indicação de candidatos suplentes em número não inferior a dois, nem superior aos dos efectivos, refere-se ao momento de apresentação das aludidas listas de candidatura, pelo que após os procedimentos e a notificação previstos nos artigos 26 e 27 da LEAR tendo vindo ou não o mandatário suprir as irregularidades, o que importa é que a lista tenha o número mínimo de candidatos efectivos, devendo o artigo 28.º n.º 3 da LEAR ser interpretado com o sentido de que só a falta de candidatos efectivos suficientes é motivo de recusa
da lista.
Alega ainda que a referida candidata Joana da Conceição Saudades Saramago, requereu na Junta de Freguesia certidão de inscrição no recenseamento eleitoral, usando uma minuta que lhe foi facultada pelo Partido Humanista, tendo-lhe sido entregue uma "Declaração" que atesta que se encontra inscrita no recenseamento eleitoral, documento este autêntico, sendo-lhe alheia a ela candidata e ao partido o formato e título do aludido documento, pelo que deve esta candidata ser admitida.Por último, alega que aceita que o mandatário da lista não poderia por si só trocar a ordem dos candidatos, mas que o PH validou essa alteração, remetendo fax para este tribunal, não estando prejudicada a concordância dos candidatos com o mandatário da lista, com a troca de posição, uma vez que esta concordância é feita intuitu personae.
Cumpre-nos decidir a reclamação apresentada, nos termos do disposto no artigo 30.º
n.º 4 da LEAR.
Em primeiro lugar, concorda-se com o reclamante que o que está em causa é o direito fundamental de participação política, previsto na Constituição da República Portuguesa.No âmbito desse direito, concede-se, nomeadamente aos Partidos Políticos, através dos seus mandatários, o direito de apresentar as candidaturas, mas com observância dos requisitos exigidos legalmente, que constam da LEAR.
Na apresentação dessas candidaturas, a estes partidos, incumbe o ónus de cuidar da regularidade das mesmas, da autenticidade dos documentos e da elegibilidade dos
candidatos que apresenta.
Apresentadas as listas, a este Tribunal incumbe nos termos do artigo 26.º n.º 2 da LEAR, a verificação da regularidade do processo, da autenticidade dos documentos e da elegibilidade dos candidatos, nos prazos que estão consignados nos artigos 27 e 28da LEAR.
Ora, devendo a presente lista conter os elementos previstos no artigo 24.º da referida lei, apenas o primeiro candidato e mandatário da lista, preenchia na data de entrega,estes requisitos.
Por este motivo se ordenou a rectificação das irregularidades apresentadas, nos termosdo artigo 27.º da LEAR.
Mas, findo o prazo concedido e previsto na lei, tais irregularidades não foram supridas na sua totalidade, pela razões que já constam do despacho proferido, quer quanto à troca de posição dos candidatos efectivos e à designação de mandatário e declaração de candidatura apresentada, quer quanto à substituição dos candidatos suplentes e à comprovação dos requisitos de apresentação.Nem já o podiam ser, por decurso dos prazos previstos para o efeito.
E se o Mandatário não supriu as irregularidades apontadas nem cuidou de verificar se em relação aos novos candidatos que indica em substituição dos que constavam de anterior lista, se verificavam todos os requisitos para que este tribunal pudesse aferir da regularidade do processo, da autenticidade dos documentos e da sua elegibilidade, sibi
imputet.
O que não se pode é considerar que, sendo ordenado o suprimento de irregularidades, se estas não forem supridas, nenhuma consequência terá no que se reporta à admissãoda lista em causa.
Por outro lado, não sabe este Tribunal nem lhe incumbe averiguar em que circunstâncias foi passada a declaração que consta dos autos.Esta não tem o valor que se lhe pretende atribuir, porque não só não emana do órgão competente, como não contém qualquer identificação da candidata em causa. Não se trata sequer de uma qualquer formalismo excessivo.
É de todo em todo impossível saber se a candidata em causa se encontra recenseada ou não, porque nem sequer consta identificada na referida declaração.
Assim, a lista em apreço enferma de irregularidades não supridas, não perfazendo por esse motivo, o número mínimo de candidatos previsto na lei.
Pelo exposto se mantém o decidido.
Notifique.»
É desta decisão que o PH interpôs o presente recurso, nos seguintes termos:«Partido Humanista, pessoa colectiva n.º 504957015, com sede na Rua de Santa Catarina, 820 - 1.ª Fte., na cidade do Porto, vem, face ao teor da notificação que lhe foi feita, interpor recurso, ao abrigo do disposto no artigo 32.ª da Lei Eleitoral da Assembleia da República (LEAR), do despacho que indeferiu a sua reclamação contra a decisão que rejeitou a sua lista de candidatura, pelo círculo eleitoral da Europa, à próxima eleição de deputados à Assembleia da República, nos termos e com os
fundamentos seguintes:
Em síntese, a lista de candidatura do reclamante foi rejeitada com fundamento no facto de não ter o número mínimo de candidatos suplentes, dado que as demais irregularidades apontadas não importaram por si sós a respectiva rejeição, comodecorre da decisão recorrida.
Contudo, pese embora a reclamação apresentada pelo recorrente, a decisão de exclusão da sua lista foi confirmada, sem que tivessem sido analisados, com a profundidade que mereciam, os argumentos em que se baseava a mesma.Com efeito, a decisão recorrida limita-se a sustentar que não foram reparadas as irregularidades apontadas e que isso deve ter consequências, como se houvesse
necessidade de um castigo.
Assim, antes do mais, toma-se necessário reiterar a alegação apresentada na referida reclamação, aditando-lhe algumas razões mais.Em primeiro lugar, a M. Juiz da 1.ª instância não fez uma correcta interpretação do disposto nos artigos 15.º, n.º 1 e 28.º N.º 3 da LEAR.
Com efeito, a obrigatoriedade de proposição de listas contendo a indicação de candidatos suplentes em número não inferior a dois nem superior aos dos efectivos (neste caso, dois) refere-se ao momento de apresentação das aludidas listas de
candidatura.
Com efeito, a indicação de candidatos suplentes visa acautelar a necessidade de substituir candidatos efectivos que venham a desistir ou a ser considerados inelegíveis, preservando, assim, a elegibilidade da lista.Porém, após os procedimentos e a notificação previstas nos artigos 26.ª e 27.ª da LEAR, tendo vindo (ou não) o mandatário a suprir irregularidades, o que importa é que a lista tenha o número completo de candidatos efectivos.
Aliás, o artigo 28.º, n.º 3 da LEAR refere-se apenas ao número total de candidatos, devendo, pois, ser interpretado no sentido de que só a falta dos candidatos efectivos suficientes é motivo de rejeição da lista.
No mesmo sentido pronunciou-se o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 698/93.
publicado no Diário da República, 2.ª série, de 20.01.94. cuja jurisprudência, apesar de incidir sobre eleições autárquicas, é inquestionavelmente transponível para o âmbito
de eleições legislativas, como é o caso.
Ora, a lista de candidatura do reclamante tem, apesar da exclusão da candidata Joana da Conceição Saudades Saramago, o número suficiente de candidatos efectivos elegíveis. E, neste caso, o recorrente não podia ter apresentado mais candidatos suplentes, uma vez que o número mínimo e máximo destes coincidiam, face ao total deefectivos.
Deste modo, inexiste o fundamento invocado para a rejeição da lista do reclamante, ainda que não tivessem sido supridas todas as irregularidades apontadas Sem prescindir, A candidata Joana da Conceição Saudades Saramago requereu na Junta de Freguesia de Carcavelos certidão de inscrição no recenseamento eleitoral, usando para o efeito uma minuta que lhe foi facultada pelo reclamante, à semelhança de todos os demais candidatos humanistas, que junta e cujo teor dá aqui por reproduzido (Doc. 1), dirigida ao respectivo presidente da comissão recenseadora.Em resposta, foi-lhe entregue o documento com que instruiu o processo de candidatura do reclamante, intitulado "Declaração", o qual atesta que a mesma está inscrita no
recenseamento eleitoral.
A candidata em questão, bem como o reclamante, é alheia ao formato e título que a Junta de Freguesia de Carcavelos deu ao referido documento, sendo certo, porém, que o mesmo não pode deixar de ser considerado um documento autêntico, cuja força probatória só pode ser ilidida com base na sua falsidade (cf. artigo 372.º n.º 1 do Código Civil), dado ter timbre, carimbo e assinatura oficiais.Na verdade, no que respeita aos factos por si atestados, o referido documento é suficiente para o efeito em vista, uma vez que demonstra a capacidade eleitoral activa e
passiva da candidata em causa.
Aliás, não é verdade que o documento em causa não identifique de todo a referida candidata, mas apenas que não a identifica com todos os elementos previstos no artigo 24.º, n.º 4 b) da LEAR, sendo certo que, sendo a mesma titular de cartão de cidadão e atendendo à actualização automática do recenseamento eleitoral com a emissão deste,essa exigência deixou de ter razão de ser.
Além disso, não se entende nem se aceita o argumento de que o mesmo documento foi exarado por quem não tem competência para o efeito, atendendo a que as funções de presidente da comissão recenseadora são exercidas, por inerência de funções, pelopresidente da junta de freguesia respectiva.
Ora, está em causa um direito fundamental de participação política (cf. artigo 50.º da Constituição da República Portuguesa), o qual não pode ser cerceado apenas porque uma entidade pública deixou de exercer as suas competências pela forma mais correcta, emitindo um documento a que porventura falta algum dos requisitos exigidos numa lei carente de actualização, ao menos em sede interpretativa.De outra forma, estaria encontrada a maneira das juntas de freguesia (e comissões recenseadoras), cujos titulares são eleitos em listas partidárias, inviabilizarem as listas de candidatura das forças políticas concorrentes, prejudicando o pluralismo democrático, que é um princípio estruturante da República Portuguesa (cf. artigo 2.º da CRP).
Não pode, portanto, neste caso, prevalecer um mero conceito de justiça formal, sob pena de perversão de valores essenciais da democracia pluralista.
Face ao exposto, a candidata suplente Joana da Conceição Saudades Saramago deveria ser admitida, com as consequências legais, atendendo a que a sua capacidade eleitoral está suficientemente comprovada, quer em face do documento junto quer do cartão de cidadão de que a mesma é titular e que vem referenciado na declaração de
candidatura.
E, nessa conformidade, a lista de candidatura do reclamante deveria também ser admitida. Finalmente, ainda a título subsidiário, Admitindo a hipótese da candidata Joana da Conceição Saudades Saramago ser considerada definitivamente inelegível, nomeadamente por efeito da improcedência deste recurso, o recorrente procede desde já à sua substituição ao abrigo do disposto no artigo 37.º, n.º 1 c) da LEAR, pelaseguinte candidata:
Maria José Pinto Bastos Rola, natural da freguesia e concelho de Santa Maria da Feira, nascida a 07/09/1972, filha de Vítor Manuel da Silva Rola e de Maria Hermínia de Sousa Pinto Bastos, titular do cartão de cidadão 9927142, válido até 18/03/2016, emitido pelos Serviços de Identificação Civil, com a profissão de psicóloga, residente na Rua do Emigrante, n.º 11, freguesia de Arada concelho de Ovar.para o que junta a respectiva declaração de candidatura e certidão de eleitor.
Por último, o recorrente deixa cair a sua pretensão de troca de posição dos seus candidatos efectivos, a qual já fora indeferida sem que isso importasse a rejeição da sua lista, pelo que apresenta nova lista em conformidade com a sequência correcta final.
Conclusões:
1 - A lista de candidatura do recorrente tem o número de candidatos efectivos suficientes para ser admitida, após o suprimento das irregularidades inicialmente apontadas e a exclusão da sua última candidata suplente.2 - Deste modo, inexiste o fundamento invocado para rejeitar a mesma.
3 - Sem prescindir, a candidata Joana da Conceição Saudades Saramago não devia ter sido excluída, dado que a sua candidatura está suficientemente instruída, mormente quanto à sua capacidade eleitoral por força quer do documento emanado da Junta de Freguesia de Carcavelos que juntou aos autos quer do facto da mesma ser titular de cartão de cidadão, com o que o seu recenseamento eleitoral está automaticamente
actualizado.
4 - Subsidiariamente, admitindo a hipótese da candidata em questão ser definitivamente excluída, o recorrente procede desde já à sua substituição ao abrigo do artigo 37.º, n.º 1 a) da LEAR, perfazendo, assim, a sua lista o número de candidatos suplentessuficiente para a sua admissão.
5 - Face ao exposto, a decisão recorrida deve ser revogada ou, quando assim se não entenda, deve a lista do recorrente ser admitida mediante a substituição da candidataconsiderada inelegível.»
O recurso foi admitido no tribunal recorrido e enviado a este Tribunal em 13 de Maio de 2011, data em que foi distribuído. Cumpre decidir, no prazo determinado no artigo35.º n.º 1 da LEAR.
II - Fundamentos
2 - O recorrente começa por pedir a revogação da decisão recorrida por insubsistência do seu fundamento, por considerar ter a lista o número de candidatos suficientes; mas, se o Tribunal assim não entender, pede a admissão da lista autorizando-se a substituição da candidata inelegível; em todo o caso, alega o recorrente, a candidata Joana Saramago não devia ter sido excluída, visto que a candidatura satisfazia os requisitos legais, pelo que a lista não poderia ser rejeitada.Esta sucessão de pedidos obriga a determinar com rigor a ordem pela qual devem ser apreciados, tendo em conta o encadeado lógico em que se desenvolve o presente recurso e a prejudicialidade das questões que coloca.
O Tribunal não vai conhecer o pedido relativo à substituição da candidata Joana Saramago, ainda que apenas para analisar a oportunidade de uma tal pretensão nesta fase, antes de resolver a questão de saber se deve manter-se a decisão que a excluiu da lista; por sua vez, a questão de saber se a lista deve ser rejeitada no seu conjunto, por causa da exclusão da candidata Joana Saramago, também só poderá ser tratada depois
de saber se é de manter tal exclusão.
É, portanto, esta última a questão que deve ser tratada em primeiro lugar.3 - O juiz excluiu a candidata por uma única razão: entendeu que não tinha sido apresentado o certificado de recenseamento eleitoral, negando ao documento, com o qual o mandatário da candidatura visava satisfazer o requisito, força probatória suficiente. Lê-se no despacho recorrido, quanto a este assunto:
[...] a ora indicada como suplente Joana da Conceição Saudades Saramago apresenta apenas uma "Declaração" emitida por quem não tem competência para o efeito e sem observância do disposto no artigo 24.º n.º 4 b) da Lei 14/79.
Não tem esta declaração valor de certidão, e de onde resulta que tal substituta indicada também não pode ser admitida por não comprovar ser cidadã eleitora. [...] 4 - A alínea b) do n.º 4 do artigo 24.º da Lei 14/79 de Maio (LEAR) determina, com efeito, que a indicação dos candidatos que integram as listas concorrentes seja acompanhada por uma declaração de aceitação do candidato e por uma certidão de inscrição no recenseamento eleitoral de cada um dos candidatos, de onde constem os seguintes elementos: idade, filiação, profissão, naturalidade e residência, bem como número, arquivo de identificação e data do bilhete de identidade.
Tal como reconhece o juiz recorrido, cabe às comissões recenseadoras que funcionam junto das Juntas de Freguesia proceder à emissão de certidões de eleitores, conforme determina a alínea d) do n.º 1 do artigo 21.º da Lei 13/99 de 22 de Março. Aliás, nos termos do artigo 68.º desta lei, esta obrigação é absolutamente imperativa.
Sustenta o recorrente que deu total cumprimento a esta obrigação, alegando:
«A candidata Joana da Conceição Saudades Saramago requereu na Junta de Freguesia de Carcavelos certidão de inscrição no recenseamento eleitoral, usando para o efeito uma minuta dirigida ao respectivo presidente da comissão recenseadora. Em resposta, foi-lhe entregue o documento com que instruiu o processo de candidatura, intitulado "Declaração", o qual atesta que a mesma está inscrita no recenseamento eleitoral. A candidata em questão é alheia ao formato e título que a Junta de Freguesia de Carcavelos deu ao referido documento, sendo certo, porém, que o mesmo não pode deixar de ser considerado um documento autêntico, cuja força probatória só pode ser ilidida com base na sua falsidade (cf. artigo 372.º, n.º 1 do Código Civil), dado ter
timbre, carimbo e assinatura oficiais.
Na verdade, no que respeita aos factos por si atestados, o referido documento é suficiente para o efeito em vista, uma vez que demonstra a capacidade eleitoral activa epassiva da candidata em causa.»
E tem razão.
Documentos oficiais são todos aqueles que, de qualquer espécie e em qualquer suporte, são emitidos por uma autoridade pública detentora de poderes de certificação do facto que a declaração visa comprovar (artigo 369.º n.º 1 do Código Civil). Ora, o documento apresentado pelo recorrente, cujo teor deve ser associado ao conteúdo do documento que a solicita, e de onde constam todos os elementos exigidos pelo referido requisito eleitoral, certifica, na verdade, que a candidata Joana Saramago está recenseada "nesta Freguesia" de Carcavelos, "com o n.º de eleitor D-4582". Trata-se de uma certidão emitida pela Junta de Freguesia respectiva, destinada a comprovar a qualidade de eleitora da candidata. A circunstância de a certidão ter sido emitida por "A Presidente" da Junta de Freguesia, não invalida a conclusão anterior, dado que, nessa qualidade, é igualmente a presidente da comissão recenseadora - artigo 24.º da citada Lei 13/99. Em suma: o documento apresentado corresponde à certidão que, sob cominação de sanções severas, o já citado artigo 21.º n.º 1 alínea d) da Lei 13/99 impõe que as ditas comissões emitam quanto à certificação da qualidade de eleitor, mediante simples pedido do interessado.Não pode, por isso, manter-se a decisão que determinou a sua exclusão.
III - Decisão
4 - Em consequência, e mostrando-se prejudicado o conhecimento da restante matéria invocada, o Tribunal decide conceder provimento ao recurso, ordenando que seja admitida a candidatura da cidadã Joana da Conceição Saudades Saramago e, consequentemente, aceite a lista de candidatos apresentada pelo Partido Humanista para a eleição de deputados à Assembleia da República, no círculo eleitoral "Europa", nas eleições marcadas para 5 de Junho de 2011.
Não há custas.
Lisboa, 16 de Maio de 2011. - Carlos Pamplona de Oliveira - J. Cunha Barbosa - Catarina Sarmento e Castro - Ana Maria Guerra Martins - José Borges Soeiro - Vítor Gomes - Gil Galvão - Maria Lúcia Amaral - João Cura Mariano - Maria João Antunes - Joaquim de Sousa Ribeiro - Rui Manuel Moura Ramos.
204711643