Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional
I - Relatório
Socirural - Sociedade Rural e Agrícola, S. A., deduziu reclamação perante o Tribunal Tributário de Lisboa do despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa, datado de 30 de Outubro de 2008, que lhe indeferiu pedido de declaração de prescrição de dívida de IRC relativa ao exercício de 1993.O Tribunal Tributário de Lisboa considerou não verificada a prescrição e negou provimento à reclamação, por considerar, atento o disposto no artigo 5.º, n.º 5, do Decreto-Lei 124/96, de 10 de Agosto, que o prazo de prescrição aplicável, tendo tido início em 1 de Janeiro de 1994 (começo do ano civil seguinte aquele em que se verificou o facto tributário), se encontrou suspenso desde 25 de Agosto de 1997 (data do despacho que deferiu o pedido de adesão às condições de pagamento previstas naquele diploma) até 12 de Setembro de 2006 (data do despacho de exclusão desse
regime).
Dessa decisão, a reclamante interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, invocando, além do mais, a inconstitucionalidade da interpretação normativa adoptada pelo tribunal recorrido, por violação dos princípios constitucionais da legalidade, da proporcionalidade, da justiça, da boa fé e da segurança jurídica.Por acórdão de 3 de Junho de 2009, o Supremo Tribunal Administrativo negou provimento ao recurso, considerando não verificado o alegado vício de inconstitucionalidade, com os seguintes fundamentos:
Alega ainda a recorrente que o entendimento adoptado pelo tribunal "a quo" e pela jurisprudência deste Tribunal, que aqui também se adopta, no sentido de que só o despacho de exclusão do regime previsto no Decreto-Lei 124/96 determina a cessação do efeito interruptivo do prazo de prescrição, viola os princípios constitucionais da legalidade, da proporcionalidade, da justiça, da boa fé e da segurança jurídica, pois que, segundo esse entendimento, o prazo prescricional poderia ficar indefinidamente (no limite, para sempre) suspenso, na dependência de um acto puramente discricionário da administração fiscal (o despacho de exclusão), que esta praticaria (ou não) quando muito bem entendesse [...] fazendo recair indevida e injustificadamente sobre o contribuinte (e, no limite, indefinidamente, como já evidenciámos as consequências da inércia da Administração (n.º 4 das suas alegações de recurso, a fls. 110 a 112 dos autos e respectiva conclusão 15 supra transcrita).
A recorrente não aponta com clareza as razões pelas quais os princípios constitucionais da legalidade, proporcionalidade, boa fé e segurança jurídica são violados pela interpretação do n.º 5 do artigo 5.º Decreto-Lei 124/96 adoptada, não mais dizendo quanto à questão que o transcrito no parágrafo anterior.
Ora, o que alega não convence este Tribunal de que a interpretação adoptada viole qualquer daqueles princípios, pois que, como se disse, entende-se que é essa a interpretação do n.º 5 do artigo 5.º do Decreto-Lei 124/96 que melhor se adequa ao espírito do diploma - que consagra medidas excepcionais de recuperação de créditos das quais frequentemente são devedores empresas em situação económica difícil, pelo que dificilmente se compatibilizaria com o rigor da exclusão automática por incumprimento integral e pontual de uma única prestação, antes fazendo sentido distinguir as situações de incumprimento simples das de incumprimento prolongado - e a que representa o justo equilíbrio entre o interesse do devedor (que vê suspensa a execução) e o do credor (que vê suspenso o decurso do prazo de prescrição).
Também não colhe a argumentação da recorrente de que, em virtude da interpretação adoptada, o prazo prescricional poderia ficar indefinidamente (no limite, para sempre) suspenso, e na dependência de um acto puramente discricionário da administração fiscal (o despacho de exclusão), que esta praticaria (ou não) quando muito bem entendesse [...], pois que despacho de exclusão do regime é um acto vinculado, e não discricionário, tendo o contribuinte ao seu dispor o meio processual da intimação para um comportamento que poderia usar para compelir a Administração tributária a excluí-lo do regime, verificando-se os pressupostos dessa exclusão e a omissão ilegal da Administração tributária em a determinar, se nisso tivesse interesse.
Conclui-se, pois, no sentido de que a interpretação propugnada não viola os citados
princípios constitucionais.
A recorrente interpôs então recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da lei do Tribunal Constitucional, pretendendo ver apreciada a constitucionalidade da norma do artigo 5.º, n.º 5, do Decreto-Lei 124/96, de 10 de Agosto, quando interpretada no sentido de que só com a prolação do despacho de exclusão do regime previsto naquele diploma se dá a cessação do efeito suspensivo do prazo prescricional.Tendo o processo prosseguido, a recorrente apresentou alegações, em que concluiu do
seguinte modo:
a) Pretende-se que se aprecie a constitucionalidade da norma que a decisão recorrida extraiu do Decreto-Lei 124/96, de 10 de Agosto, especificamente do seu artigo 5.º, n.º 5, quando interpretada no sentido de que só com a prolação do despacho de exclusão do regime previsto naquele mesmo decreto-lei se dá a cessação do efeitosuspensivo do prazo prescricional.
b) Entende-se que a interpretação normativa do referido preceito por que optou a decisão recorrida, é insustentável com os princípios da legalidade, da proporcionalidade, da justiça, da boa-fé e da segurança jurídica, decorrentes, designadamente, do artigo 266.º da Constituição c) As razões que justificam o instituto da prescrição das dívidas fiscais são, também, razões constitucionais, ligadas ao facto de se entender que a partir de um determinado período de tempo considerado razoável de que a Administração fiscal dispõe para cobrar as dívidas deixa de ser constitucionalmente aceitável que, por inércia da própria Administração Fiscal, pudesse permanecer sobre o contribuinte, indefinidamente, umaameaça de execução do seu património.
d) O mecanismo da suspensão do prazo prescricional justifica-se, em geral e, no caso que motivou a presente suspensão, por nesse período de tempo (em que vigora a suspensão), se entender que as razões para o não avanço do processo tendente à cobrança da dívida ou são imputáveis ao contribuinte ou a dívida não é exigível.e) As razões que justificam - até de um ponto de vista constitucional, insiste-se - a possibilidade de suspensão do prazo prescricional desaparecem a partir do momento em que a dívida se torna exigível, cabendo a partir daí à Administração Fiscal desencadear os actos necessários à sua cobrança efectiva, não sendo legítimo que faça recair sobre o contribuinte as consequências da sua inércia.
f) Esse inadmissível efeito de transferência de riscos e responsabilidades da Administração para o contribuinte seria levado ao limite, através da interpretação de que só com um novo acto da Administração tributária (o despacho de exclusão) cessaria a suspensão do prazo de prescrição, porque, como já se evidenciou, se trataria de um acto que a Administração poderia praticar apenas se e quanto quisesse
(sem qualquer dependência de tempo).
g) Em suma: na interpretação daqueles preceitos por que optou a decisão recorrida o prazo prescricional poderia ficar indefinidamente (no limite, para sempre) suspenso na dependência de um acto puramente discricionário da administração fiscal (o despacho de exclusão), que esta praticaria (ou não) quando muito bem entendesse.h) Esta interpretação normativa é não apenas profundamente injusta mas, também por isso mesmo, absolutamente insustentável do ponto de vista da sua compatibilidade com a Constituição, designadamente com os princípios enunciados no seu artigo 266.º, fazendo recair indevida e injustificadamente sobre o contribuinte (e, no limite, indefinidamente, como já evidenciámos) as consequências da inércia da Administração.
i) Os princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança assumem-se como princípios classificadores do Estado de Direito Democrático, e que implicam um mínimo de certeza e segurança nos direitos das pessoas e nas expectativas juridicamente criadas a que está imanente uma ideia de protecção da confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica e na actuação do Estado.
j) A possibilidade de transferir para a Administração fiscal a possibilidade de determinar quando pretende fazer interromper o prazo de prescrição, determinando ela própria o momento em que produz o despacho de exclusão, cria ao cidadão o mais profundo sentimento de insegurança e desconfiança jurídica.
k) O entendimento do Supremo Tribunal Administrativo de que só com a prolação do despacho de exclusão se dá a cessação do efeito suspensivo do prazo prescricional, é contrário aos princípios constitucionais a que está vinculada a Administração Pública em geral e a Administração Tributária em particular, da legalidade, da proporcionalidade, da justiça, da boa-fé e da segurança jurídica, decorrentes, designadamente, do artigo 266.º da Constituição.
l) A prescrição, que emerge exactamente como consequência da inércia do credor (Administração Fiscal), via-se suspensa exactamente por essa mesma inércia. Aquilo que é causa de prescrição na interpretação que agora é posta em causa é afinal causa de suspensão da prescrição, o que não fará sentido e é contra os princípios constitucionais a que está vinculada a Administração Pública em geral e a Administração Tributária em particular, da legalidade, da proporcionalidade, da justiça, da boa-fé e da segurança jurídica, decorrentes, designadamente, do artigo 266.º da
Constituição.
Não houve contra-alegações.
Cabe apreciar e decidir.
II - Fundamentação
Dos elementos dos autos decorre a seguinte factualidade relevante:a) Em 30 de Outubro de 1998, foi instaurado contra a Socirural - Sociedade Rural e Agrícola, S. A. um processo executivo por dívida de IRC referente ao exercício de
1993, na importância de 11.384.919$00;
b) Abrangendo essa dívida, foi requerido pela interessada, em 5 de Fevereiro de 1997, a adesão às condições de pagamento previstas no Decreto-Lei 124/96, de 10 deAgosto;
c) Por despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa, de 25 de Agosto seguinte, foi deferido o pedido de adesão e autorizado o pagamento das dívidas fiscais em 150 prestações mensais e iguais com início em Setembro de 1997;d) A recorrente procedeu ao pagamento de 70 prestações, a última das quais em
Novembro de 2002;
e) Vindo a ser excluída do regime de pagamento diferido de dívidas por despacho do Subdirector-Geral dos Impostos, de 12 de Setembro de 2006;f) a recorrente formulou um pedido de declaração de prescrição da dívida exequenda
em de 14 de Outubro de 2008;
g) O qual foi indeferido por despacho do Chefe do Serviço de Finanças, de 30 de Outubro seguinte, que igualmente ordenou o prosseguimento do processo executivo.À luz desta factualidade, que foi dada como assente pelas instâncias, questiona a recorrente a interpretação efectuada pelo tribunal recorrido no sentido de que a suspensão do prazo de prescrição da dívida, resultante do disposto no artigo 5.º, n.º 5, do Decreto-Lei 124/96, apenas cessou com a prolação do despacho da Administração Tributária que determinou a exclusão do regime de diferimento do pagamento de dívidas, reputando-a como inconstitucional por violação dos princípios da legalidade, da proporcionalidade, da justiça, da boa-fé e da segurança jurídica, a que a Administração se encontra vinculada por força do artigo 266.º da Constituição.
É esta a questão de constitucionalidade que constitui objecto do recurso e que cabe
dilucidar.
O Decreto-Lei 124/96 pretendeu, como se explicita no respectivo preâmbulo, instituir um conjunto de remédios extraordinários para regularização das dívidas fiscais e à segurança social, resultantes de situações de incumprimento acumuladas, implementando dois grandes grupos de medidas: por um lado, relativamente à generalidade dos devedores foi previsto um regime geral de pagamento em prestações mensais iguais, até um máximo de 150, com redução, nos casos normais, de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa média de juros praticada na colocação da dívida pública interna; por outro lado, estabeleceu-se, em desenvolvimento do regime jurídico definido pelo artigo 59.º da Lei 10-B/96, de 23 de Março, e concretizando também a previsão do n.º 2 do artigo 55.º da mesma lei, em relação aos casos que envolvam processos especiais de recuperação de empresas ou contratos de consolidação financeira e reestruturação empresarial, um regime extraordinário de mobilização deactivos e de recuperação de créditos.
Ao caso em análise interessa o regime prestacional, a que a recorrente aderiu, e que se encontra regulado nos artigos 4.º e seguintes do Decreto-Lei 124/96 e, especialmente, no seu artigo 5.º, que, sob a epígrafe «Diferimento do pagamento doscréditos», dispõe o seguinte:
1 - O diferimento do pagamento dos créditos, incluindo os créditos por juros vencidos e vincendos, assumirá a forma de pagamento em prestações mensais iguais, no máximode 150.
2 - O número de prestações concedido para o pagamento dependerá de:
a) Capacidade financeira do devedor;
b) Montante da dívida, não podendo cada prestação ter valor inferior a metade dosalário mínimo nacional mais elevado;
c) Risco financeiro envolvido;
d) Circunstâncias determinantes da origem das dívidas.3 - O pagamento de cada prestação será efectuado até ao final do mês a que diga
respeito.
4 - Quando, por motivo não imputável ao devedor, o pagamento não tenha sido efectuado no prazo previsto no número anterior, poderá ser requerida a relevação do atraso, desde que o pagamento se efectue nos primeiros cinco dias úteis do mêsseguinte.
5 - O prazo de prescrição das dívidas suspende-se durante o período de pagamentoem prestações.
Deve começar por dizer-se que os princípios constitucionais que a recorrente invoca, por referência ao artigo 266.º da Constituição, são, como logo se depreende do contexto verbal do preceito, princípios da actividade administrativa material, e, portanto, critérios gerais a que os órgãos e agentes administrativos se encontram subordinados quando actuem no exercício das suas funções. Trata-se, por isso, de princípios que regem a Administração Pública em sentido funcional e, como tal, encontram concretização, no plano do direito ordinário, em disposições específicas do Código de Procedimento Administrativo, como sejam os seus artigos 3.º, 5.º e 6.º (por todos, Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, vol II, Coimbra, 2001, págs. 31 e segs.; Sérvulo Correia, Noções de Direito Administrativo, vol. I, Lisboa,1982, pás. 227 e segs.).
O que aqui está em causa não é, porém, uma qualquer actuação administrativa a que possa imputar-se a violação de qualquer dos indicados princípios fundamentais - para cujo conhecimento o Tribunal Constitucional não seria, de resto, o competente - , mas unicamente uma questão de constitucionalidade normativa e, por conseguinte, de eventual desconformidade com a Constituição da interpretação que o tribunal recorrido, na resolução judicial do caso concreto, tenha adoptado em relação a umdeterminado dispositivo legal.
Nestes termos, a arguição da recorrente apenas poderá, quando muito, ser reconduzida a uma possível violação do princípio da segurança jurídica enquanto projecção do Estado de Direito ínsito no artigo 2.º da Constituição e do princípio da proporcionalidade enquanto princípio material inerente aos direitos liberdades e garantias, com consagração expressa no artigo 18.º da Constituição.Como tem sido já afirmado, a garantia de segurança jurídica inerente ao Estado de direito corresponde, numa vertente subjectiva, a uma ideia de protecção da confiança dos particulares relativamente à continuidade da ordem jurídica. Nesse sentido, o princípio da segurança jurídica vale em todas as áreas da actuação estadual, traduzindo-se em exigências que são dirigidas à Administração, ao poder judicial e,
especialmente, ao legislador.
Trata-se assim de um princípio que exprime a realização imperativa de uma especial exigência de previsibilidade, protegendo sujeitos cujas posições jurídicas sejam objectivamente lesadas por determinados quadros injustificados de instabilidade (Blanco de Morais, Segurança Jurídica e Justiça Constitucional, in Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, vol. XLI, n.º 2, 2000, pág. 625).Referindo-se à protecção da confiança dos particulares relativamente à manutenção de um certo regime legal, Reis Novais defende, em tese geral, que «os particulares têm, não apenas o direito a saber com o que podem legitimamente contar por parte do Estado, como, também, o direito a não verem frustradas as expectativas que legitimamente formaram quanto à permanência de um dado quadro ou curso legislativo, desde que essas expectativas sejam legítimas, haja indícios consistentes de que, de algum modo, elas tenham sido estimuladas, geradas ou toleradas por comportamentos do próprio Estado e os particulares não possam ou devam, razoavelmente, esperar alterações radicais no curso do desenvolvimento legislativo normal» (Os princípios constitucionais estruturantes da República Portuguesa, Coimbra, 2004, pág. 263).
Por outro lado, o princípio da proporcionalidade, como pressuposto material da restrição legítima de direitos, liberdades e garantias, impõe que a solução normativa se revele como idónea para a prossecução dos fins visados pela lei, se mostre necessária por não ser viável ou exigível que esses fins sejam obtidos por meios menos onerosos para os direitos dos cidadãos, e se apresente ainda como uma medida razoável, e, por isso mesmo, não excessiva ou desproporcionada (Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4.ª edição, Coimbra, págs. 392-393).
Revertendo ao caso concreto, o que se verifica é que a recorrente aderiu ao regime de diferimento do pagamento de dívidas fiscais previsto no Decreto-Lei 124/96, comprometendo-se a efectuar o pagamento da dívida em causa, relativa ao ano de 1993, em 150 prestações mensais, com início em Setembro de 1997. A recorrente procedeu apenas ao pagamento de 70 dessas prestações, a última das quais em Novembro de 2002 e veio a ser excluída do regime de pagamento diferido de dívidas por despacho do Subdirector-Geral dos Impostos, de 12 de Setembro de 2006.
Nos termos previstos no artigo 5.º, n.º 5, do Decreto-Lei 124/96, «o prazo de prescrição das dívidas suspende-se durante o período de pagamento em prestações», pelo que o tribunal recorrido formulou o entendimento de que a suspensão do prazo prescricional, por efeito da adesão ao regime de regularização de dívidas, só cessou com a efectiva exclusão do interessado do regime de pagamento em prestações, e não - como pretende a recorrente - a partir do momento em que a dívida se tornou exigível por incumprimento de uma das prestações devidas.
A interpretação seguida pelo tribunal recorrido insere-se numa corrente jurisprudencial segundo a qual o prazo de prescrição das dívidas tributárias se suspende durante o período de pagamento em prestações, entendendo-se como tal o período de pagamento que foi concedido ao contribuinte para proceder à regularização das dívidas, e não aquele durante o qual efectivamente satisfez as prestações mensais que integravam o plano de pagamentos. Nesse entendimento, a não exclusão automática do regime de regularização de dívidas por efeito do simples incumprimento de uma das prestações devidas, decorre desde logo da previsão constante do n.º 4 do artigo 5.º do citado diploma legal, que estabelece a possibilidade da relevação do atraso, desde que por motivo não imputável ao devedor. E enquadra-se ainda na prática administrativa adoptada na sequência do Despacho 18/97-XII do Secretário de Estado da Administração Fiscal, de 14 de Março de 2007, que aprovou as grandes orientações para o acompanhamento do plano de regularização de dívidas fiscais, de acordo com o qual, relativamente aos aderentes em situação de incumprimento prolongado (contribuintes com mais de seis meses de atraso), a Administração Tributária não exclui automaticamente do regime os contribuintes logo que deixem de pagar as primeiras prestações, antes procura que eles mantenham essa adesão, aceitando que eles adiram a planos de regularização autónomos das quantias em dívida ou ofereçam bens em
pagamento.
Como se explicita no acórdão o STA de 16 de Janeiro de 2008 (Processo 416/07), que seguiu idêntica orientação, «só depois de notificados para regularizarem a sua situação faltosa, e no caso de não o fazerem, os contribuintes são então excluídos do regime de adesão e passam a ser tratados como não aderentes, com a consequente perda dos benefícios que até aí mantinham, o que significa que só pelo despacho de exclusão os contribuintes perdem efectivamente os benefícios de terem aderido ao plano de regularização das dívidas fiscais ao abrigo do Decreto-Lei 124/96, um dos quais é necessariamente a suspensão dos processos de execução, deixando de se justificar a partir daí, por isso, a suspensão do prazo de prescrição que até aí se impunha» (no mesmo sentido, os acórdãos do STA de 28 de Março de 2007, Processo 587/05), de 31 de Janeiro de 2008, Processo 278/07, de 25 de Junho de 2008, nos Processos n.os 386/08 e 446/08, de 7 de Janeiro de 2009, Processo 569/08, de 2 de Abril de 2009, Processo 425/08).Pretende a recorrente que uma tal interpretação normativa da referida disposição do artigo 5.º, n.º 5, do Decreto-Lei 124/96 viola o princípio da protecção da confiança na medida em que torna a duração do prazo prescricional dependente de um acto discricionário da Administração, que poderá fixar, quando assim entender conveniente,
o momento em que cessa a suspensão.
A arguição mostra-se ser improcedente.
O prazo de prescrição dos impostos periódicos foi fixado pelo artigo 48.º, n.º 1, da lei geral tributária em oito anos a contar do termo do ano em que ocorreu o facto tributário e o diferimento do pagamento das dívidas fiscais, por efeito da adesão ao regime definido no Decreto-Lei 124/96, pode atingir 150 prestações mensais, que corresponde a uma dilação temporal de doze anos e meio.Assim sendo, a suspensão do prazo de prescrição das dívidas durante o período de pagamento em prestações, como determina o citado artigo 5.º, n.º 5, desse diploma é uma necessária decorrência do próprio regime legal de regularização de dívidas, pois que, de outro modo, a adesão dos contribuintes devedores ao plano faseado de pagamento implicaria inevitavelmente a própria extinção da dívida remanescente, caso se mantivesse em curso o prazo prescricional.
Por outro lado, o acesso a qualquer das medidas excepcionais previstas no diploma envolve, por parte do devedor, um compromisso expresso de cumprimento futuro das suas obrigações tributárias, e as dívidas abrangidas pelo regime de regularização só se tornam exigíveis quando deixe de ser efectuado o pagamento integral e pontual das prestações nele previstas ou sejam revogadas as autorizações concedidas para o pagamento diferido, caso em que os montantes exigíveis serão determinados de acordo com o valor e com os prazos de pagamento a que o devedor estava obrigado (artigo 3.º, n.º 1, alínea a), n.º 2, alíneas a) e b), e n.º 3).
O deferimento do requerimento implica, por sua vez, a suspensão dos processos de execução fiscal em curso, bem como de novos processos que se tornem necessários para garantir a o valor da dívida (artigo 14.º, n.º 10).
Em todo este condicionalismo, a recorrente, tendo aderido ao regime de regularização de dívidas fiscais através do pagamento em 150 prestações mensais, não poderia invocar qualquer expectativa legítima relativamente à possibilidade de o prazo prescricional entretanto suspenso vir a ser retomado sempre que deixasse de cumprir pontualmente qualquer das prestações a que se obrigou. O que seria de esperar era que a recorrente, tal como se comprometeu, viesse a proceder ao pagamento atempado de todas as prestações abrangidas pelo plano de regularização, e era nesse compromisso que assentava a relação estabelecida entre o devedor e a Administração, assim se compreendendo que esta tivesse vindo a introduzir mecanismos administrativos de flexibilização do regime legal, de modo a permitir, em benefício dos contribuintes faltosos, a relevação dos atrasos nos pagamentos periódicos para evitar, no imediato, a consequência mais gravosa de cobrança coerciva das dívidas através do reatamento
dos processos de execução fiscal.
Em qualquer caso, era plenamente justificável que a posição jurídica do contribuinte que tenha aderido ao regime de diferimento do pagamento de dívidas apenas viesse a ser alterada após a verificação, pelos serviços, da respectiva situação tributária e mediante a prática de um acto revogatório da autorização concedida para a aplicação desse regime, com base na constatação da efectiva impossibilidade de o interessado regularizar a sua situação pelas formas de pagamento excepcionalmente admitidas nalei.
Neste plano, deve dizer-se que acto que exclui o devedor do regime de pagamento diferido não é, de nenhum modo, um acto de exercício discricionário já que ele tem de ter sempre como fundamento o incumprimento, por parte do devedor, das obrigações a que se sujeitou, pelo que é um acto vinculado quanto ao conteúdo e pressupostos.Além de que a não exclusão do devedor do regime de regularização de dívidas tem como necessária consequência, enquanto essa situação se mantiver, a impossibilidade de virem a prosseguir contra este os processos de execução fiscal que se encontram suspensos por efeito da sua adesão a esse regime. Estando a Administração impedida de assegurar a cobrança coerciva das dívidas fiscais, por virtude do prolongamento da aplicação do procedimento previsto no Decreto-Lei 124/96, não é possível imputar à inércia administrativa a impossibilidade de realização efectiva do direito.
E não há, nestes termos, qualquer afectação de expectativas que possam encontrar-se abrangidas pelo princípio da protecção da confiança, porquanto a recorrente não pode razoavelmente contar com a cessação do efeito suspensivo da prescrição antes de ter sido formalmente liberado do regime legal a que tinha aderido e quando, por virtude dele, estava ainda a coberto de qualquer mecanismo de cobrança forçada.
Por todas as razões já expostas, a interpretação normativa adoptada pelo tribunal recorrido não representa também qualquer violação do princípio da proporcionalidade.
Mesmo entendendo o instituto da prescrição das dívidas tributárias como uma garantia dos contribuintes, como vem sendo aceite pela doutrina (Benjamim Silva Rodrigues, "A Prescrição no Direito Tributário, in Problemas Fundamentais do Direito Tributário, Lisboa, 1999, págs. 261 e segs.; Casalta Nabais, Direito Fiscal, 5.ª edição, Coimbra, pág. 347), não pode deixar de concluir-se que a suspensão do prazo da prescrição é, no circunstancialismo do caso, uma medida necessária e idónea para a prossecução dos fins visados pela lei, dado que a solução normativa contrária traria inevitavelmente a extinção, pelo decurso do tempo, dos créditos fiscais e a consequente impraticabilidade do regime legal, que tem em vista a compatibilização dos interesses financeiros do Estado. Nem se trata, no caso, de um condicionamento desproporcionado ou excessivo quando é certo que, como se deixou esclarecido, o efeito suspensivo deriva de um acto voluntário do contribuinte, que, no seu próprio interesse, se sujeita à aplicação de um regime mais favorável de pagamento faseado das dívidas fiscais, e tem como contrapartida a atribuição do benefício de suspensão dos processos de execução que tenham sido instaurados pela mesmas dívidas fiscais.
Deste modo, contrariamente ao que vem alegado, não ocorre qualquer violação dos princípios constitucionais invocados, e, por conseguinte, não há motivo para alterar o
julgado.
III - Decisão
Termos em que se decide negar provimento ao recurso.Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 UC.
Lisboa, 14 de Abril de 2010. - Carlos Fernandes Cadilha - Vítor Gomes - Ana Maria Guerra Martins - Maria Lúcia Amaral - Gil Galvão.
203278324