Decreto 44183
1. O Decreto 43418, de 21 de Dezembro de 1960, determinou a reorganização da indústria de lacticínios da ilha da Madeira em termos que se afiguraram de evidente vantagem para as cooperativas de produtores de leite ali existentes e para todos os interessados nesta actividade.
Tão evidente se mostravam as vantagens e tão fácil seria às cooperativas delas tomarem consciência, ao longo do estreito contacto que têm com alguns serviços do Ministério da Economia, que pareceu descabido prever-se expressamente naquele diploma a recusa dessas sociedades em participar no novo empreendimento.
Assim, aquele decreto é omisso nesta matéria.
2. No relatório do Decreto 43418 já se salientou suficientemente a necessidade da reorganização da indústria em causa. Só a União das Cooperativas Agrícolas de Lacticínios e Produtoras de Leite da Ilha da Madeira, bem como as quatro cooperativas que nela se agrupam, não deram, em tempo útil, cumprimento ao disposto naquele decreto por não julgarem conformes com os seus interesses os termos da reorganização decretada. Em contrário, a Cooperativa de Lacticínios do Norte e os industriais independentes manifestaram a sua concordância.
As razões invocadas para a recusa da União não legitimam, porém, que a reorganização se processe por forma essencialmente diferente da que foi decretada. O limitado espaço geográfico que a ilha representa traz especialidades ao problema, que obrigam a procurar a sua justa solução no equilíbrio e cooperação dos interesses existentes.
O projecto da União de que se construam duas fábricas, uma para as cooperativas e outra para os industriais, enferma de vícios que não permitem considerá-lo, tidos em conta os preceitos de uma produção económica e as regras constitucionais de equilíbrio de interesses que ao Governo são impostas.
Das apreciações produzidas sobre a reorganização decretada fica ainda a convicção de que os objectivos e os termos da Lei 2005 não são sempre correctamente interpretados. Um ponto convém acentuar: a lei prevê que, decidida uma concentração industrial, qualquer interessado possa participar do novo empreendimento sem subscrição financeira, se assim o desejar; nos termos do n.º 2.º da base X, a simples aceitação traduz-se numa tomada de posição equivalente a um valor patrimonial ali definido. Mas a recusa de participar não dá direito a qualquer indemnização, além do pagamento dos equipamentos existentes pelo justo valor que tiverem, considerada a idade, o valor técnico e a sua possível utilização na unidade futura. Uma concentração industrial não pode ser onerada com encargos que não correspondam a valores reais, para além daquilo que a lei generosamente consente.
No caso presente, para transigir com uma regra já aplicada na ilha, tolera-se excepcionalmente o pagamento de indemnizações, pela transferência do direito de laborar o leite, aos que não queiram participar na nova sociedade; mas as importâncias assim pagas, cujo limite se fixa muito abaixo dos valores até agora correntes, não entram no capital da nova sociedade, constituindo apenas encargo dos sócios, que, com o seu pagamento, adquirem o direito de aumentar a sua posição naquele capital.
A participação financeira das cooperativas na nova sociedade não constitui problema particular. Se as cooperativas se dispunham a construir uma fábrica contando com facilidades de crédito que o Estado lhes dispensasse, por certo não duvidam de que o mesmo auxílio lhes será prestado se a fábrica se fizer nos termos da reorganização aprovada.
3. Com a recusa da União frustra-se o meio previsto para permitir a todos os produtores de leite integrarem-se no novo empreendimento e usufruírem das respectivas vantagens.
A União, actualmente, não integra todas as cooperativas e não representa maioria dos produtores de leite; nela não se inclui a Cooperativa de Lacticínios do Norte, que representa 25 por cento da produção das cooperativas. Como esta última mostra interesse em colaborar, mantém-se a conveniência de, mesmo com a recusa da União, reservar a favor das cooperativas uma posição na nova sociedade; e mantém-se a regra de paridade com os industriais inicialmente prevista.
Por outro lado, a hipótese de se manter a recusa da União torna inoperante a doutrina do artigo 20.º, que previa a integração na nova unidade industrial das futuras instalações de higienização de leite do Funchal através da transferência para aquela União da concessão outorgada pela Câmara Municipal; torna-se, pois, necessário considerar directamente esta integração, de acordo com a alínea a) da base VII da Lei 2005, por se tratar de actividade industrial afim da indústria de lacticínios e normalmente exercida por esta, prevendo-se simultâneamente o direito de participação na nova sociedade à actual concessionária.
4. Do exposto resulta que, formalmente, o Decreto 43418 contém uma omissão na medida em que não prevê a hipótese de a União não participar na nova empresa; e levantando-se dúvidas sobre se a natureza de tal omissão permitiria resolvê-la com o recurso ao artigo 24.º desse diploma se publica novo decreto complementar daquele.
Por essa razão, há que dar novo prazo para cumprimento do disposto nos artigos 17.º e seguintes do mesmo decreto; aproveita-se, igualmente, a oportunidade para ajustar as suas disposições ao estatuído no Decreto-Lei 43843, de 5 de Agosto de 1961, entretanto publicado.
Pelo exposto, ouvido o Conselho de Ministros, em conformidade com a base IX da Lei 2005, de 14 de Março de 1945;
Usando da faculdade conferida pelo n.º 3.º do artigo 109.º da Constituição, o Governo decreta e eu promulgo o seguinte:
Artigo 1.º Os artigos 5.º, 7.º, 9.º e 20.º do Decreto 43418, de 21 de Dezembro de 1960, passarão a ter a redacção seguinte:
Art. 5.º A empresa acima referida constituir-se-á sob a forma de uma sociedade por quotas, com o capital mínimo de 8000 contos, distribuindo-se nas seguintes proporções:
49 por cento pela União das Cooperativas Agrícolas de Lacticínios e Produtoras de Leite da Ilha da Madeira.
49 por cento pelo agrupamento dos industriais.
2 por cento pela Junta Geral do Distrito Autónomo do Funchal.
§ 1.º Se a União das Cooperativas Agrícolas de Lacticínios e Produtoras de Leite da Ilha da Madeira não desejar participar na nova sociedade, a quota de 49 por cento que está reservada às cooperativas poderá ser subscrita por estas isoladamente ou agrupadas como acordarem.
§ 2.º O capital social poderá ser realizado em prestações, cujos montantes e prazos serão fixados pela gerência da sociedade, sem prejuízo da realização efectiva de 50 por cento no acto da constituição.
§ 3.º O capital correspondente à quota da União das Cooperativas Agrícolas de Lacticínios e Produtoras de Leite da Ilha da Madeira e à quota do agrupamento dos industriais poderá ser realizado:
1.º Pelo valor dos terrenos, máquinas, edifícios e equipamentos dos estabelecimentos do respectivo agrupamento que venham a ser utilizados na nova unidade fabril;
2.º Pelo valor de rendimento de cada estabelecimento do respectivo agrupamento, calculado por litro de leite da sua laboração média anual. O valor de rendimento global de todos os estabelecimentos actualmente existentes não poderá exceder 2400 contos, isto é, 20 por cento do valor estimado do novo empreendimento, e a cada um caberá a parte proporcional que for calculada em função do leite laborado no ano de 1959;
3.º Pelo valor em dinheiro ou produtos dos respectivos agrupamentos.
...
Art. 7.º A gerência da nova sociedade será exercida por três membros, escolhidos um por cada sócio, entre os seus legais representantes, indicados por simples carta registada enviada com aviso de recepção.
§ único. Se a União das Cooperativas Agrícolas de Lacticínios e Produtoras de Leite da Ilha da Madeira não fizer parte da sociedade, a gerência será exercida por três membros, escolhidos um pelas cooperativas que participarem na sociedade, outro pela Junta Geral e outro pelos industriais, salvo se aquelas cooperativas tomarem uma posição inferior a 10 por cento do capital social, caso em que a gerência será constituída por um representante da Junta Geral do Distrito e dois representantes das empresas industriais.
...
Art. 9.º Verificada ou não a hipótese prevista no § 1.º do artigo 5.º as actuais empresas de produção de lacticínios da ilha da Madeira têm, perante a nova sociedade, os seguintes direitos:
a) As cooperativas: participar até ao limite de 49 por cento do capital, com uma quota proporcional ao leite laborado em 1959. Se alguma não participar na nova empresa ou não integrar a sua quota, as participantes terão direito a tomar a respectiva posição ou a parte sobrante da respectiva quota, mediante rateio entre as interessadas, feito de acordo com a referida proporção; este aumento de posição implica o pagamento, na parte proporcional, das indemnizações a que se refere a alínea g).
Se só uma cooperativa desejar fazer parte da sociedade, terá o direito de integrar na totalidade a quota de 49 por cento ou apenas uma parte até àquele limite.
b) As empresas industriais: participar na quota de 49 por cento atribuída ao respectivo agrupapamento na proporção do leite laborado em 1959. Se alguma não participar na nova empresa ou não integrar a sua quota, as participantes terão direito a tomar a respectiva posição ou a parte deserta da sua quota, mediante rateio entre as interessadas, feito de acordo com a referida proporção.
Se as cooperativas, ou uma só delas, não integrarem a quota global que lhes está reservada, poderão as empresas industriais que o desejarem tomar a quota ou a parte deserta, mediante rateio feito de acordo com a posição que tenham na quota global de 49 por cento que lhes está atribuída.
As empresas industriais que tomem posições no capital da nova sociedade em substituição de outras empresas industriais ou de cooperativas ficam obrigadas ao pagamento, na parte proporcional, das indemnizações a que se referem as alíneas f) ou g), conforme os casos.
c) As empresas que possuam marcas de fabrico que a nova sociedade venha a utilizar: receber 0,5 por cento sobre o preço de venda da manteiga exportada sob a respectiva marca durante os dez anos seguintes ao início da laboração da nova unidade fabril.
d) As empresas que exercem a exportação de lacticínios: preferência, durante o período a que se refere o artigo 12.º, em tudo o que respeitar à exportação, desde que concorram em igualdade de condições; esta preferência verificar-se-á em relação a um volume equivalente à quota verificada para cada uma no ano de 1959.
e) As empresas produtoras de lacticínios, quer as cooperativas, quer as industriais, que não quiserem fazer parte da nova empresa têm direito a uma indemnização, a pagar por esta, quando iniciar a laboração, calculada nos termos da base XII da Lei 2005, após homologação pelo Ministro da Economia.
f) As empresas industriais que não quiserem fazer parte da nova empresa terão direito, para além da indemnização prevista na alínea anterior, a receber também uma indemnização por litro de leite correspondente à quota de rateio da sua produção, paga de uma só vez, até ao momento da constituição da nova empresa, pelas empresas industriais que tomarem a sua posição; o valor desta indemnização será fixado por acordo das partes interessadas e, se não houver acordo, pelo Ministro da Economia, mas em qualquer caso a indemnização a pagar a cada industrial não poderá ser superior a 40 por cento da quota que lhe caberia a título de valor de rendimento se participasse na reorganização.
g) As cooperativas que não quiserem fazer parte da nova empresa terão direito, para além da indemnização prevista na alínea e), a receber uma indemnização por litro de leite que tenham laborado em 1959, paga de uma só vez, até ao momento da constituição da nova empresa, pelas cooperativas ou empresas industriais que tomarem a sua posição; o valor desta indemnização será fixado nas condições estabelecidas na alínea anterior.
§ 1.º Sem prejuízo do disposto na alínea d), as actuais empresas exportadoras não industriais gozarão de preferência semelhante à prevista naquela alínea perante quaisquer novas empresas exportadoras não industriais.
§ 2.º A participação de 49 por cento reservada às cooperativas destina-se a ser, em princípio, completamente integrada pelas cooperativas agrícolas de produtores de leite da ilha da Madeira. Em consequência, a subscrição, no todo ou em parte, pelos industriais daqueles 49 por cento será feita a título precário, isto é, os industriais deverão ceder gradualmente as quotas subscritas à medida que as cooperativas se propuserem tomá-las dentro dos três primeiros anos do prazo previsto no artigo 12.º A cessão será feita pelo justo valor das quotas, e, se não houver acordo, este valor será fixado pelo Ministro da Economia. Se, porém, os ditos 49 por cento forem, no todo ou em parte, tomados inicialmente por uma ou mais cooperativas, estas não serão obrigadas a ceder qualquer parcela da sua posição em benefício de outras que pretendam entrar posteriormente.
§ 3.º A entrada de cooperativas na nova sociedade depois da constituição desta, nos termos da primeira parte do parágrafo anterior, não dá direito a qualquer participação no capital a título de valor de rendimento e implica a restituição às empresas industriais ou cooperativas das importâncias que tenham recebido destas nos termos da alínea g).
...
Art. 20.º Se a Cooperativa Agrícola dos Produtores de Leite do Funchal transferir para a União das Cooperativas Agrícolas de Lacticínios e Produtoras de Leite da Ilha da Madeira, com os inerentes direitos, a concessão para o tratamento do leite a fornecer em regime de exclusivo no concelho do Funchal, conforme se prevê no artigo 5.º do contrato de concessão aprovado em reunião de 21 de Agosto de 1958 da Câmara Municipal do Funchal, aquela terá direito a participar da quota da União das Cooperativas Agrícolas de Lacticínios e Produtoras de Leite da Ilha da Madeira na nova sociedade em percentagem a acordar entre as duas e aprovada pelo Secretário de Estado da Indústria.
§ 1.º A transferência da concessão a que se refere o corpo do artigo implica a integração das futuras instalações de tratamento de leite na nova fábrica de lacticínios a que se refere o artigo 2.º
§ 2.º Se a União das Cooperativas não participar na nova sociedade ou se, participando, não se fizer a transferência para esta da concessão referida no corpo do artigo, será esta concessão, com os inerentes direitos, transferida para a sociedade a constituir nos termos do artigo 2.º, devendo as instalações destinadas ao exercício do objecto da concessão ser integradas na nova fábrica de lacticínios e ficando a actual concessionária com o direito de participar na quota de 49 por cento reservada à União ou às cooperativas agrícolas, em percentagem a acordar entre elas e aprovada pelo Secretário de Estado da Indústria, ou a fixar por este na falta de acordo.
§ 3.º A aprovação do estabelecimento de novas centrais leiteiras ou pasteurizadoras pelas câmaras municipais da ilha da Madeira, nos termos do § 3.º do artigo 3.º do Decreto-Lei 36973, de 17 de Julho de 1948, bem como a aprovação dos cadernos de encargos das concessões, nos termos do artigo 5.º do mesmo decreto-lei, só serão feitas a título excepcional e quando razões especiais o justifiquem, enquanto durar o exclusivo a que se refere o artigo 12.º do presente diploma.
Art. 2.º O Ministério da Economia procurará facilitar às cooperativas que desejem fazer parte da nova empresa o acesso aos créditos necessários à integração das respectivas quotas sociais.
Art. 3.º Em qualquer dos casos referidos nas alíneas a) ou b) do artigo 9.º as quotas sociais sofrerão o ajustamento necessário ao cumprimento do disposto no § 1.º do artigo 4.º da Lei de 11 de Abril de 1901, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei 43843, de 5 de Agosto de 1961.
Art. 4.º Os prazos previstos nos artigos 17.º e seguintes do Decreto 43418, de 21 de Dezembro de 1960, passam a contar-se a partir da data do presente diploma.
Publique-se e cumpra-se como nele se contém.
Paços do Governo da República, 9 de Fevereiro de 1962. - AMÉRICO DEUS RODRIGUES THOMAZ - António de Oliveira Salazar - José do Nascimento Ferreira Dias Júnior - João Mota Pereira de Campos.