Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
Relatório
No âmbito do processo penal comum que corre os seus termos sob o n.º 1552/04.1 SELSB, na 3.ª Secção do 5.º Juízo Criminal de Lisboa, por sentença proferida em 16 de Outubro de 2008, o arguido Filipe José Lopes Ramalho foi condenado:a) Na pena de 1 ano de prisão, pela prática, como autor material e em concurso efectivo, de um crime de ameaça p. e p. pelo artigo 153.º, n.º 1, e de um crime de injúria p. e p. pelo artigo 181.º, n.º 1, ambos do Código Penal;
b) E a pagar ao assistente a quantia de (euro) 2.500,00 a título de indemnização por
danos não patrimoniais.
Na sequência de recurso interposto pelo arguido, tal decisão condenatória foi integralmente confirmada por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 23de Abril de 2009.
O arguido interpôs então recurso deste acórdão para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC).Tendo sido liminarmente considerado que o requerimento de interposição de recurso não indicava todos os elementos legalmente exigíveis, o recorrente foi notificado para enunciar de forma clara, precisa e sintética quais as interpretações normativas cuja constitucionalidade pretendia ver apreciada e quais os parâmetros constitucionais que considerava violados por essas interpretações normativas.
Respondendo ao convite que lhe fora formulado, o recorrente requereu a fiscalização concreta da constitucionalidade das seguintes normas:
«[...]
a) Artigo 63.º n.º 1 do CPP (se interpretado no sentido e com a interpretação normativa subjacente ao recorrido acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de que a notificação para a audiência de julgamento não teria de ser notificada também ao arguido mas apenas ao seu advogado). Sendo, "in casu" o parâmetro constitucional violado, o disposto no artigo 32.º n.º 1 da lei Fundamental, o disposto no artigo 20.º n.º 4 da mesma lei Fundamental e o disposto no artigo 6.º da CEDH (Direito a umprocesso justo e equitativo).
b) Artigo 113.º n.º 9 do CPP (em conjugação com o disposto no artigo 373.º n.º 3 do CPP) no sentido e com a dimensão normativa sufragada no recorrido Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de que o arguido não teria de ser notificado pessoalmente da data da audiência de discussão e julgamento, sendo o parâmetro constitucional violado por essa interpretação normativa o estatuído no artigo 32.º n.º 1, (direitos do arguido em Processo Penal), 20.º n.º 4 da mesma lei Fundamental (Direito a um processo justo e equitativo) e artigo 6.º - 3 da CEDH (Direito a um processojusto e equitativo).
c) Artigo 333.º n.º 3 do CPP na interpretação normativa feita pelo Tribunal da Relação de Lisboa de que o arguido não teria de ser notificado pessoalmente para a sua comparência em juízo, sendo o parâmetro constitucional violado por essa interpretação normativa o disposto nos artigos 32.º n.º 1 e 5, 20.º n.º 4 da lei Fundamental e ainda o artigo 6.º da CEDH (direito a um processo justo e equitativo).
[...]».
O Recorrente foi então notificado pelo relator para apresentar as pertinentes alegações, com a advertência para o eventual não conhecimento da primeira e terceira questões de inconstitucionalidade anteriormente referidas.O Recorrente apresentou as respectivas alegações, culminando as mesmas com a
formulação das seguintes conclusões:
«[...]
1 - O artigo 63.º n.º 1 do CPP, se interpretado no sentido de que deve ser considerado suficiente a notificação ao defensor da data da audiência, sem que da mesma designação de data tivesse sido dado conhecimento pessoal ao arguido, - encontra-se ferido de verdadeira inconstitucionalidade material, por violação do princípio da lealdade e da transparência processuais e do direito a um processo justo e equitativo consignado no artigo 6.º n.º 3 alínea b) da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, e da ampla garantia de direitos do arguido em processo penal, a que faz jus o artigo 32.º n.º 1 da lei Fundamental uma vez que o arguido deverá obrigatoriamente ter conhecimento do conteúdo do mesmo despacho, que designa dia para a audiência e que lhe concede (ao arguido) um prazo (tempo) e meios necessários para se defenderda acusação que sobre o mesmo pende.
2 - Diversa interpretação da lei retiraria toda a eficácia e toda a razão de ser ao disposto no artigo 61.º n.º 1 alínea h) do CPP, esvaziando de modo absolutamente intolerável de sentido o efectivo direito ao recurso por parte do arguido em processo penal, constitucionalmente consagrado no artigo 32.º n.º 1 da lei Fundamental e o princípio do efectivo direito ao recurso consagrado na Convenção Europeia dosDireitos do Homem. (artigo 13.º).
3 - Além do mais, a própria natureza e génese do Mandato, regulado no artigo 1157.º do Código Civil já citado, ao conferir ao defensor o direito de representação, ou seja, o direito de actuar em nome do seu representado ou mandante, não confere nem concede a possibilidade de se substituir ao próprio arguido, em matéria da sua exclusiva esfera pessoal, como seja ao direito de se pronunciar pessoalmente na audiência, nos termos em que entender mais adequados para a sua defesa, sendo certo que não existe nos autos mandato com poderes especiais a que alude o artigo 1159.º 4 - O artigo 113.º n.º 9 do CPP, se ou quando interpretado - em conjugação com o disposto no artigo 373.º n.º 3 do CPP - no sentido de que o arguido não terá que ser notificado pessoalmente da data da audiência de discussão e julgamento e só a partir dessa notificação se iniciando a contagem do prazo de contestação e entrega do Rol de Testemunhas a que alude o artigo 315.º do CPP -, encontra-se ferido de verdadeira inconstitucionalidade material, por violação do mesmo artigo 32.º n.º 1 da Constituição da República e dos princípios de garantia dos direitos de defesa do arguido neleconsignado.
5 - Resultando dos autos que no caso concreto, o arguido prestou TIR e após essa prestação de TIR, veio a ser devolvida a carta que o Tribunal lhe endereçara convocando-o para a audiência de julgamento (com a informação constante do verso de fls. 241), entende a defesa que a decisão recorrida, ao ordenar esta notificação de carácter não pessoal, (em vez de ordenar a notificação pessoal do recorrente), fez clara interpretação inconstitucional do citado artigo 113.º n.º 9 do CPP, no qual se exige, também para este caso (de conhecimento da data da audiência) a notificação doarguido com carácter pessoal.
6 - Estatuindo o artigo 196.º n.º 3 alínea a) do CPP que o arguido passa a ter a obrigação de comparecer perante o Tribunal quando e sempre que para tal for...devidamente notificado", o certo é que a sobredita obrigação processual tem como premissa expressamente indicada no artigo em causa, a legalidade ou a normalidade dessa notificação, não valendo uma qualquer "notificação".
7 - Não sendo o arguido obrigado a conhecer todo o Rol de notificações a que a lei alude (artigo 113.º do CPP) e que são inúmeras, a normalidade ou a legalidade dessa notificação, no caso "subjuditio" traduzir-se-ia na notificação efectuada pessoalmente, sendo essa a imposição da lei processual no referente à designação de dia para o julgamento (artigo 113.º n.º 9 do CPP e sendo essa também a exigência do texto constitucional, artigo 32.º n.º 1 e 6 e 20.º n.º 4 da CRP).
8.º Ora, "in casu" não poderia ter sido "dispensada" a presença do arguido (para a hipótese contida no texto constitucional no seu artigo 32.º n.º 6 CRP) uma vez que não foram, previamente a essa "dispensa", assegurados os direitos de defesa do arguido, exigência contida nesse mesmo preceito (o 32.º n.º 6 da CRP). E não foram assegurados, dada a inexistência de notificação pessoal.
9.º Pelo que a recorrida decisão fez, com o devido respeito uma interpretação literal do artigo 113.º n.º 9 e do artigo 196.º n.º 3, ambos do CPP. Já que, apesar da exigência contida no artigo 113.º n.º 9 do CPP (quanto à obrigatoriedade de notificação pessoal do arguido neste caso), a instância partiu do princípio (e isso ressalta nas sua decisão) de que se o recorrente não recebeu a carta foi porque não quis recebê-la e que face ao disposto no artigo 196.º do CPP o arguido estaria então "regularmente notificado".
10.º Por isso se entende que o decidido viola a Constituição e a lei penal adjectiva, porquanto não é esse o sentido do artigo 32.º da CRP ou do 20.º n.º 4 CRP não sendo também esse o sentido do artigo 113.º n.º 9 ou do artigo 196.º n.º 3 ambos do CPP.
11.º No caso concreto, esse mesmo direito de defesa do recorrente (como o direito inalienável de ser notificado pessoalmente da data da audiência") foi postergado pela instância. Ora, "o que interessa é que (os preceitos legais" tenham como parâmetro de validade imediata, não a lei ("outra lei") - no caso o artigo 196.º CPP) - mas a Constituição (in douto Acórdão do TC n.º 405/87), também sendo certo que "a validade do Direito não pode afirmar-se com total indiferença pelo seu conteúdo. Se a dimensão jurídica das leis ficasse reduzida ao processo, o seu princípio normativo - material seria apenas o poder", como já ensinava o insigne professor Castanheira
Neves.
12.º Num caso como o dos autos em que estava em causa um direito fundamental, a decisão tomada pela instância violou o texto Constitucional, também no sentido em que esqueceu que há leis com uma densificação material determinada, como por exemplo as leis que incidem sobre os actos organizadores dos direitos, liberdades e garantias. A recorrida decisão perfilhou, em nossa opinião, uma visão não substancialista da lei, recusando um critério constitucional - material caracterizador da função legislativa.13.º É que, no caso concreto, o artigo 113.º n.º 9 do CPP tem necessariamente dimensão substantiva - material e não apenas processual ou organizatória. E assim equacionada a questão, dúvidas não restam que o disposto no artigo 196.º n.º 3 alínea d) do CPP (que ainda assim não teria aplicação neste caso dado o arguido nada ter incumprido), sempre deveria ceder face ao comando do artigo 113.º n.º 9 do CPP (único preceito a regular, especificamente a génese da notificação do arguido para o dia da audiência), bem como à exigência contida no próprio texto Constitucional e Constitucional-Europeu (artigo 32.º n.º 5 e outros 32.º n.º 1, artigo 20.º n.º 4 e "maxime" artigo 6.º n.º 3 alínea b) da CEDH).
14.º - Na verdade, dispondo o artigo 6.º n.º 3 alínea b) da Convenção Europeia dos Direitos do Homem que "todo o acusado tem, como mínimo, e entre outros, o direito de "Dispor do tempo e dos meios necessários para a preparação da sua defesa", é por demais óbvio que no caso concreto o recorrente não teve nem o tempo nem os meios necessários para a preparação da sua defesa.
15.º - Daí a suscitada inconstitucionalidade material do mencionado artigo 113,º n.º 9 do CPP se ou quando interpretado no sentido ou com a dimensão normativa de que num caso como o dos autos o arguido não deveria ser notificado pessoalmente, apenas porque a carta que o Tribunal lhe endereçou veio devolvida pelos CTT com a indicação aposta no verso de fls. 241. O parâmetro constitucional desse modo violado é o constante do artigo 32.º n.º 1, 5 e 6 da CRP (já que a excepção de julgamento aqui prevista é para casos muito diferentes do destes autos, ou seja, para aqueles específicos casos em que ao arguido é previamente "assegurado o direito de defesa"), tendo-se ainda violado, por erro interpretativo, o disposto no artigo 18.º n.º 2 da CRP ao majorar-se o estatuído no artigo 196.º n.º 3 alínea d) do CPP em ordem a sobrepor tal norma quer à apontada exigência contida no artigo 113.º n.º 9 do CPP quer ao
próprio texto Constitucional.
16.º- Como corolário do que fica dito, violado também se mostra violado o disposto no artigo 6.º (direito a um processo justo e equitativo) da C. E. D. H. Como refere Ireneu Cabral Barreto na sua Convenção Europeia Anotada (ob. cit.), "Para uma efectiva protecção dos "direitos do homem" não é suficiente uma consagração substantiva; será necessário estabelecer garantias fundamentais de processo, de modo a reforçar os mecanismos de salvaguarda daqueles direitos".17.º - A recorrida decisão viola, também, por manifesto erro de interpretação/valoração, o disposto no artigo 20.º n.º 4 da lei Fundamental, já que, como vimos, ao recorrente não foi assegurado, neste "interim" o direito a um processo justo e equitativo, exigência também contida no já apontado artigo 6.º da Convenção
Europeia dos Direitos do Homem.
18.º - Inconstitucionalidade material do artigo 333.º n.º 3 do CPP aplicada na decisão recorrida: valem, "hic et hunc" os mesmos argumentos já aduzidos "supra ", ou seja, ao socorrer-se da norma excepcional contida no artigo 333.º n.º 1 do Código do Processo Penal, (e não o seu n.º 3 como por lapso manifesto se deixou exarado em requerimento entregue em 7 de Julho 2009 para este Venerando Tribunal), a instância considerou, tacitamente, que o arguido não deveria ter sido notificado pessoalmentepara a audiência em que iria ser julgado.
19.º - Deste modo, o artigo 333.º n.º 3 do CPP, se interpretado no sentido ou com a dimensão normativa de que não é necessário ser o arguido notificado pessoalmente da data da audiência (apenas porque uma carta que lhe foi enviada para a morada constante do seu T.I.R. ter sido devolvida), bastando a notificação da mesma data e das obrigações dela decorrentes (cumprimento eventual do disposto no artigo 315.º do CPP), ao seu defensor, encontra-se ferido de verdadeira inconstitucionalidade material, por violação do artigo 32.º n.º 1, 5 e 6 da lei Fundamental e do geral princípio dodireito ao recurso nele consignado.
20.º E, como já se referiu a propósito da inconstitucionalidade material do artigo 113.º n.º 9 do CPP - na interpretação feita pela decisão recorrida - violado se mostra também aqui o parâmetro constitucional contido no artigo 32.º n.º 1 e 5 da lei Fundamental, bem como o disposto no artigo 20.º n.º 4 da mesma Constituição, o que significa que foi violado - nessa interpretação - quer o texto constitucional português, quer a imposição europeia a que faz jus o apontado artigo 6.º n.º 3 alínea b) daConvenção Europeia dos Direitos do Homem.
Razão pela qual o presente recurso de constitucionalidade deve proceder, declarando este alto Tribunal as suscitadas inconstitucionalidades com as respectivas consequênciase efeitos processuais.
O Ministério Público contra-alegou e concluiu pela seguinte forma:
«[...]
1 - Porque, quanto à norma do artigo 63.º, n.º 1, do CPP, a decisão recorrido não a aplicou na dimensão cuja inconstitucionalidade o recorrente pretende ver apreciada,não deverá conhecer-se do recurso.
2 - Não tendo sido suscitada, durante o processo e de forma adequada, a inconstitucionalidade da norma do artigo 333.º, n.º 3, do CPP, não deverá, tambémnesta parte, conhecer-se do recurso.
3 - As notificações respeitantes ao dia designado para o julgamento devem ser feitas ao arguido e ao seu defensor (artigo 113.º, n.º 9, do CPP).4 - Nos termos das disposições conjugadas dos artigos 313.º, n.º 3 e 113.º, n.os 1, alínea c, 3 e 9, todos do CPP, aquela notificação ao arguido, quando esta tenha prestado termo de identidade e residência, deve ser feita por via postal simples, com prova de depósito, e dirigida à morada indicada por aquele.
5 - Nestas circunstâncias, a notificação, não por contacto pessoal, mas pela forma descrita, não violando as garantias de defesa do arguido (artigo 32.º, n.º 1, da Constituição), nem o direito a um processo equitativo (artigo 20.º, n.º 4, da Constituição) mostra-se adequada a uma mais célere tramitação processual, celeridade essa que goza de tutela Constitucional (artigo 32.º, n.º 2, da Constituição).
6 - A conclusão anteriormente extraída, não é posta em causa, nos casos em que, como o dos autos, o arguido tem conhecimento pessoal da acusação, a carta é comprovadamente depositada no receptáculo, e não são adiantados quaisquer factos que levem a legitimamente duvidar que a carta foi recebida e que o arguido teve
conhecimento do seu conteúdo.
7 - Termos a que deverá improceder o presente recurso."Por seu turno, o assistente contra-alegou e concluiu pela seguinte forma:
«[...]
1 - O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem tem, reiteradamente, afirmado que, no âmbito de um processo penal equitativo, a comparência do acusado reveste uma grande importância, mas que este direito não reveste um carácter absoluto, antes devendo harmonizar-se com outros interesses, designadamente os da justiça, pelo que são admissíveis os julgamentos in absentia.2 - Essencial a essa aceitação, entre outros pressupostos, é que ao arguido que não comparece em julgamento tenha sido dado conhecimento efectivo da data e local da
sua realização.
3 - Esta noção tem sido interpretada pelo TEDH como obrigando os Estados a diligenciarem para que ao arguido seja dado conhecimento da data e local do julgamento, embora sem lhes impor um ónus desproporcionado, designadamente através da exigência de que também o acusado tome as providências adequadas para possibilitar que se torne efectivo esse conhecimento.4 - Na esteira deste entendimento o TEDH já decidiu que as autoridades não podem ser responsáveis pela impossibilidade de comparência de um arguido no julgamento se este não tomou as providências necessárias para receber o correio que lhe era
endereçado.
5 - É, portanto, à luz desta jurisprudência que se afigura dever questionar-se se o disposto na lei nacional quanto às obrigações decorrentes da prestação de TIR, concretamente no que respeita à forma como as notificações, após a aplicação dessa medida de coação, serão feitas ao arguido, está ou não de acordo com a exigência de um processo equitativo a que alude o artigo 6.º da CEDH.6 - Após prestar TIR o arguido, para o efeito de ser notificado por via postal simples, deve indicar a sua residência, o local de trabalho ou outro domicilio à sua escolha, ficando obrigado a não mudar de residência ou dela se ausentar por mais de cinco dias sem informar a nova residência ou o lugar onde pode ser encontrado, sendo-lhe comunicado que todas as posteriores notificações processuais serão feitas por via postal simples para a morada que indicou, excepto se, entretanto, tiver comunicado ao processo uma outra morada para receber as notificações (artigo 196.º, n.º 1, 2, e 3,
alínea a) a c) do C. P. P.).
7 - É-lhe também dado conhecimento de que o incumprimento dessas obrigações legitima a sua representação por defensor em todos os actos processuais nos quais tenha o direito ou o dever de estar presente, bem como a realização da audiência na sua ausência (artigo 196.º, n.º 3, al. d), do C. P. P.).8 - A lei processual penal não exige a notificação pessoal do arguido nos casos em que ele presta TIR e, por via disso, toma conhecimento dos trâmites seguintes relativos a
notificações.
9 - Ao arguido cabe tomar as providências necessárias para receber o correio que lhe é endereçado para a morada que para o efeito indicou nos autos.10 - Resulta dos autos que, através via postal simples (carta depositada na morada fornecida pelo arguido) foi o arguido notificado da data designada para julgamento, em cumprimento do disposto no artigo 113.º, n.os 1, alínea c) e 3.
11 - Decorre igualmente dos autos que a morada para a qual foi enviada a notificação é efectivamente a do arguido, e aquela que o arguido fez constar no TIR que prestou pois foi aí que, também através de carta simples com depósito, foi o mesmo notificado da data designada para a leitura da sentença (cf. fls. 287 e 298 dos autos).
12 - Acresce que, em respeito pelo artigo 32.º, n.º 6 da Constituição da República Portuguesa, estão definidos nos artigos 333.º e 334.º do C. P. P. os casos em que pode ser dispensada a presença do arguido na audiência de julgamento, estando nos termos daquele assegurado o direito de recurso, cujo prazo se conta a partir da notificação da sentença, direito de que o arguido podia ter feito uso.
13 - Face ao exposto, as decisões tomadas nos autos foram proferidas no respeito pelo disposto nos artigos 63.º, n.º 1, 113.º, n.º 9, 373.º, n.º 3, 333.º, n.os 1, 2 e 3 e 196.º do C. P. P. e não se vê que a interpretação que delas fizeram viole quer a Constituição, nomeadamente os artigos 32.º e 20.º n.º 4, quer a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, nomeadamente o seu artigo 6.º, n.º 3.
14 - Assim, na interpretação que fizeram das supra normas processuais penais, considerando que o arguido estava notificado da data designada para julgamento e determinando a realização do julgamento na sua ausência, as instâncias não violaram nem a Constituição da República Portuguesa nem a Convenção Europeia dos Direitos
do Homem.
Termos e fundamentos por que deve ser considerado improcedente o presente recurso.
[...]».
Fundamentação
1 - Da delimitação do objecto do recurso
1.1 - Do não conhecimento do recurso de constitucionalidade na parte respeitante à interpretação normativa do artigo 63.º, n.º 1, do Código de Processo Penal No respectivo requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade, oportunamente aperfeiçoado, o recorrente suscitou a inconstitucionalidade material do artigo 63.º, n.º 1, do CPP, na interpretação segundo a qual o arguido não tem de ser notificado do despacho que designa dia para a realização da audiência de julgamento, sendo suficiente a respectiva notificação ao defensor.Esta questão de inconstitucionalidade emerge de um processo em que a audiência de julgamento foi realizada na ausência do recorrente (arguido), com intervenção de defensor nomeado, tendo o recorrente invocado nas alegações de recurso interpostas para o tribunal recorrido a nulidade da falta de notificação do despacho que designou
data para a audiência de julgamento.
Sobre a referida arguição de nulidade recaiu a decisão recorrida mas a aludida interpretação normativa não foi explícita ou implicitamente aplicada como fundamentoda mesma (ratio decidendi).
Para ilustrar esta afirmação, passa-se a transcrever o segmento da decisão recorrida em que foi apreciada a matéria respeitante à notificação do despacho que designa a data para a realização da audiência de julgamento:
«[...]
Inicia o recorrente a sua impugnação da sentença condenatória manifestando o entendimento de que foi cometida a nulidade do artigo 119.º alínea c) CPP, com violação do disposto nos artigos 113.º n.º 9 e 333.º n.os 1 e 2 CPP, por ausência de notificação pessoal do despacho que designou data para julgamento.Dispõe o artigo 119.º alínea c) CPP que "Constituem nulidades insanáveis, que devem ser oficiosamente declaradas em qualquer fase do procedimento, além das que como tal forem cominadas em outras disposições legais:
...
c) A ausência do arguido ou do seu defensor, nos casos em que a lei exigir a respectivacomparência;
...".
Nos termos do artigo 332.º n.º 1 CPP "É obrigatória a presença do arguido na audiência, sem prejuízo do disposto nos n.os 1 e 2 do artigo 333.º e nos n.os 1 e 2 do..."
Por sua vez, o artigo 333.º CPP estabelece no seu n.º 1 que "Se o arguido regularmente notificado não estiver presente na hora designada para o início da audiência, o presidente toma as medidas necessárias e legalmente admissíveis para obter a sua comparência e a audiência só é adiada se o tribunal considerar que é absolutamente indispensável para a descoberta da verdade material a sua presençadesde o início da audiência."
Fazendo apelo ao que dos autos consta, verifica-se que o arguido havia prestado TIR nos autos (cf. fls. 45) no qual indicou a morada em que residia.Na sequência do despacho de fls. 211/214 que recebeu a acusação e designou data para julgamento veio a ser remetida para a morada constante do TIR, depois de devolvida carta registada enviada para outra morada (cf. fls. 229), a notificação ao arguido daquele despacho, conforme resulta de fls. 232, foi efectuada por carta que foi depositada no receptáculo da morada fornecida pelo arguido no seu TIR (cf. fls. 242) e que veio, posteriormente, a ser devolvida com a anotação constante do verso de fls.
241.
Ora, da prestação do TIR consta expressamente a obrigação de comunicação de nova residência pelo arguido bem como a consequência dessa não comunicação.Percorridos os autos, não vemos qualquer comunicação feita pelo arguido acerca da alteração da morada fornecida no TIR pelo que, com a remessa feita a fls. 232 para a morada constante do TIR, mostram-se cumpridas as formalidades para a notificação do arguido e, em consequência, deve o arguido ter-se como regularmente notificado, tal como foi considerado no despacho proferido no início da audiência.
Sempre acrescentamos que em toda esta questão nunca o recorrente afirmou que não morava na residência que havia fornecido no TIR e que a carta envida para a respectiva notificação não lhe chegara às mãos em virtude desse facto, o que também não pode ser inferido da devolução de tais cartas aos serviços de correio depois de terem sido objecto de depósito na caixa de correio; percorridos novamente os autos constata-se que o arguido foi mais tarde efectivamente notificado nessa morada, através de carta simples com depósito, da data designada para a leitura da sentença tal como se extrai de fls. 287 e 298, tendo comparecido ao acto.
Em suma, a morada para a qual foi enviada a notificação do despacho a que alude o artigo 311.º CPP é a do arguido, pelo que a invocada nulidade não se verifica.
[...]».
A disposição legal aludida pelo recorrente - artigo 63.º, n.º 1, do CPP - dispõe que "o defensor exerce os direitos que a lei reconhece ao arguido, salvo os que ela reservarpessoalmente a este".
Ora, resulta do excerto da decisão recorrida acabado de transcrever que o Tribunal da Relação de Lisboa não decidiu a referida arguição de nulidade com fundamento na aplicação da norma constante do artigo 63.º, n.º 1, do CPP, muito menos interpretada nos precisos termos enunciados pelo recorrente em sede de recurso de constitucionalidade, tanto mais que o tribunal a quo até considerou que o recorrente foi regularmente notificado do despacho que designou data para a audiência dejulgamento.
Sucede que a fiscalização sucessiva concreta apenas tem lugar a propósito da aplicação jurisdicional efectiva de uma norma jurídica cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo, assumindo aquela fiscalização, assim, uma função instrumental aferida pela susceptibilidade de repercussão útil no processo concreto de que emerge, não servindo, pois, para dirimir questões meramente académicas.Uma vez que a interpretação normativa configurada pelo recorrente não corresponde a qualquer ratio decidendi da decisão do Tribunal da Relação de Lisboa, o presente recurso de constitucionalidade não seria dotado de qualquer repercussão útil no processo concreto de que emerge, isto é, o tribunal a quo nunca seria confrontado com a obrigatoriedade de reformar o sentido do seu julgamento.
Verificada a falta de aplicação da referida interpretação normativa, importa concluir que não estão preenchidos todos os requisitos de admissibilidade do recurso de constitucionalidade previsto no artigo 70.º, n.º 1, b), da LTC, estando, assim, vedado o
respectivo conhecimento nesta parte.
1.2 - Do não conhecimento do recurso de constitucionalidade na parte respeitante à interpretação normativa do artigo 333.º, n.º 3, do Código de Processo Penal No requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade, oportunamente aperfeiçoado, o recorrente suscitou também a inconstitucionalidade material do artigo 333.º, n.º 3, do CPP, na interpretação segundo a qual o arguido não tem de ser notificado por contacto pessoal para comparecer em juízo.A referida disposição legal prescreve que, caso a audiência tenha começado sem a presença do arguido, nas situações previstas no n.º 2, do artigo 333.º, "o arguido mantém o direito de prestar declarações até ao encerramento da audiência, e se ocorrer na primeira data marcada, o advogado constituído ou o defensor nomeado ao arguido pode requerer que este seja ouvido na segunda data designada pelo juiz ao
abrigo do artigo 312.º, n.º 2".
Em sede de recurso perante o tribunal a quo, o arguido tinha alegado que teria havido violação do disposto nos artigos 333.º e 334.º, n.º 3, do CPP, em virtude de ter sido dispensada a sua presença em julgamento e, por essa via, não ter tido a oportunidadede prestar declarações em audiência.
O tribunal a quo apreciou esta matéria nos seguintes termos:
«[...]
Conforme já acima mencionámos, o arguido havia sido notificado da data designada para julgamento através de carta simples, nos termos do disposto nos artigos 113.º n.os 1 c) e 3 e 283.º n.º 6 - 2.ª parte, uma vez que o mesmo indicou nos autos a suaresidência (vd. fls. 45).
Por outro lado, é também de salientar que, conforme decorre das obrigações do T.I.R., a mudança de residência do arguido sem a respectiva comunicação aos autos, legitima a realização da audiência na sua ausência, nos termos do disposto no artigo 333.º do C.P.Penal, como aconteceu nos presentes autos, isto depois de a Mma. Juíza se ter pronunciado pela dispensabilidade da presença do arguido em cumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 333.º CPP e tal como se demonstra de fls. 259 dos autos.Na sequência desse despacho, nenhum requerimento foi feito por parte da defesa do arguido no sentido de impugnar os termos daquele despacho judicial interpondo o competente recurso ou requerer, ao abrigo do artigo 333.º n.º 3 CPP, nesse momento ou em fase posterior da audiência que o arguido fosse ouvido na segunda data
designada para julgamento.
De resto, a sua dispensabilidade de presença mostra-se declarada no despacho em questão sem que do mesmo tivesse sido interposto recurso atempadamente, pelo que o mesmo transitou em julgado, o que se verificava já quando o recorrente compareceu àleitura da sentença no dia 16.10.2008.
Assim sendo, nenhuma violação dos artigos 333.º e 334.º CPP se mostra feita com taldecisão.
[...]».
Efectivamente, o tribunal a quo aplicou o artigo 333.º, n.º 3, do CPP, na interpretação segundo a qual o arguido não tem de ser notificado por contacto pessoal para comparecer em juízo, nomeadamente para efeito de prestação de declarações até o encerramento da audiência que se iniciou na sua ausência.Todavia, não obstante o arguido se ter insurgido, perante o tribunal recorrido, contra a circunstância de não ter intervindo até ao final da audiência de julgamento, a verdade é que o arguido não suscitou, podendo e devendo, qualquer questão de inconstitucionalidade, por referência à referida disposição legal, em termos do tribunal a quo estar obrigado a dela conhecer, conforme exige o n.º 2, do artigo 72.º da LTC.
Verificada a falta de suscitação adequada da referida questão de inconstitucionalidade, importa concluir que o recorrente carece de legitimidade para interpor o presente recurso de constitucionalidade, estando, assim, vedado o respectivo conhecimento
nesta parte.
1.3 - Do conhecimento do recurso de constitucionalidade na parte respeitante à interpretação normativa dos artigo 113.º, n.º 9, e 313.º, n.º 3, do Código de ProcessoPenal
No requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade, oportunamente aperfeiçoado, o recorrente suscitou também a inconstitucionalidade material da norma constante do artigo 113.º, n.º 9, do CPP, em conjugação com o disposto no artigo 373.º, n.º 3, do CPP, na interpretação segundo a qual o arguido não tem de ser notificado pessoalmente da data da audiência de julgamento.Verifica-se que a alusão feita pelo recorrente ao artigo 373.º, n.º 3, do CPP, respeitante aos efeitos da leitura da sentença perante o defensor e na ausência do arguido, se deve a mero lapso de escrita, pretendendo o recorrente referir-se ao artigo 313.º, n.º 3, do mesmo diploma, uma vez que é este preceito que estabelece a forma de notificação ao arguido do despacho que designa dia para a audiência, cuja
constitucionalidade é aqui impugnada.
Conforme resulta do primeiro excerto da decisão recorrida acima transcrita entendeu-se que a notificação ao arguido do despacho que designou a data para julgamento não tinha que ser efectuada mediante contacto pessoal com o arguido, tendo-se julgado processualmente válida a notificação realizada por via postal simples por referência à morada constante do termo de identidade e residência. Para esse efeito, o tribunal recorrido não enunciou expressamente a aplicação dos artigos 113.º, n.º 9, e 313.º, n.º 3, do CPP, mas implicitamente foram essas as disposições legais aplicadas, dado que são elas que estabelecem essa forma de notificação ao arguido dodespacho em causa.
Assim sendo, o objecto do presente recurso de constitucionalidade restringir-se-á ao conhecimento da constitucionalidade das normas constantes do artigo 113.º, n.º 9, e 313.º, n.º 3, do CPP, na interpretação segundo a qual o arguido não tem de ser notificado por contacto pessoal do despacho que designa data para a audiência de julgamento, podendo essa notificação ser efectuada por via postal simples para a morada indicada pelo arguido no termo de identidade e residência.
2 - Do mérito do recurso
2.1 - O caso dos autos
A tramitação do presente procedimento penal revela que o arguido prestou termo de identidade e residência (T.I.R.) no início do inquérito, tendo declarado residir na R. das Flores, n.º 5, Perolivas, 7200-000, Reguengos de Monsaraz, e sido informado de que as posteriores notificações seriam feitas por via postal simples para essa morada, excepto se comunicasse a sua alteração (fls. 45).O arguido nunca comunicou qualquer alteração de morada ou sequer qualquer ausência
desta por período superior a 5 dias.
O arguido foi notificado pessoalmente pela GNR naquela morada da dedução da acusação em 18 de Dezembro de 2006 (fls. 193/194).O despacho que designou dia para a audiência de julgamento em 17-9-2008 foi objecto de notificação ao arguido em 9-4-2008 por via postal simples para a mesma morada indicada pelo arguido aquando da sua sujeição à referida medida de coacção
(fls. 232, 233, 241, 242).
A carta enviada para esse efeito foi devolvida aos correios e ao tribunal com a menção"mudou-se"(fls. 241).
No dia designado para a realização da audiência de julgamento o arguido não se encontrava presente, tendo-se iniciado a audiência, por se considerar que a sua presença não era indispensável (fls. 258-260).Foi marcado o dia 16-10-2008 para a leitura da sentença, tendo o arguido sido notificado desta marcação em 2-10-2008 por via postal simples para a mesma morada indicada pelo arguido aquando da sua sujeição à referida medida de coacção (fls. 287
e 298)
O arguido esteve presente no dia designado para a leitura da sentença, tendo assistido pessoalmente à respectiva leitura (fls. 313).Por último, o arguido foi representado por defensor desde a dedução da acusação, nomeadamente durante a audiência de julgamento, e só veio a constituir mandatário judicial após a leitura da sentença condenatória, para efeito de interposição de recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa (fls. 164, 203, 258, 313 e 319).
Neste recurso o arguido invocou a nulidade da falta da sua notificação pessoal da data designada para a realização da audiência de julgamento, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa considerado que o arguido foi correctamente notificado, por via postal simples enviado para a morada indicada pelo arguido aquando da prestação do termo
de identidade e residência no processo.
2.2 - A interpretação normativa questionada O presente recurso de constitucionalidade versa a temática das garantias de defesa do arguido em processo penal, mais concretamente a forma pela qual se deve processar a convocação do arguido para efeito de intervenção na audiência de julgamento.O tribunal recorrido aplicou as normas dos artigos 113.º, n.º 9, e 313.º, n.º 3, do CPP, na interpretação segundo a qual o arguido não tem de ser notificado por contacto pessoal do despacho que designa data para a audiência de julgamento, podendo essa notificação ser efectuada por via postal simples para a morada indicada pelo arguido no
termo de identidade e residência.
E é precisamente sobre o acto processual de notificação do despacho que designa data para a audiência que incide todo o interesse do presente recurso de constitucionalidade.A lei ordinária prescreve que o arguido e seu defensor sejam notificados do despacho que designa dia para a audiência de julgamento, pelo menos, 30 dias antes da data fixada para essa audiência (artigos 113.º, n.º 9, e 313.º, n.º 2, do CPP, este último na redacção do Decreto-Lei 320-C/2000, de 15 de Dezembro).
Esta notificação do arguido é feita mediante via postal simples quando o arguido tiver indicado a sua residência ou domicílio profissional à autoridade policial ou judiciária que elaborar o auto de notícia ou que os ouvir no inquérito ou na instrução e nunca tiver comunicado a alteração da mesma através de carta registada, conforme dispõe o artigo 313.º, n.º 3, do CPP, na redacção do Decreto-Lei 320-C/2000.
Quando o arguido é sujeito a termo de identidade e residência indica a sua residência, local de trabalho ou outro local à escolha para efeito de ser notificado mediante via postal simples, e fica, desde então, obrigado a não mudar de residência nem dela se ausentar por mais de 5 dias sem comunicar a nova morada ou o lugar onde possa ser encontrado (artigo 196.º, n.os 1, 2 e 3, alínea b), do CPP, na redacção do Decreto-Lei
n.º 320-C/2000).
O arguido é ainda avisado nesse acto de que as posteriores notificações serão feitas por via postal simples para a morada por ele indicada, excepto se ele vier a comunicar outra, através de requerimento entregue ou remetido por via postal registada à secretaria onde os autos se encontrarem a correr termo (artigo 196.º, n.º 3, c), do CPP, na redacção do Decreto-Lei 320-C/2000).E sempre que a notificação do arguido é efectuada por via postal simples, o funcionário judicial lavra uma cota no processo com a indicação da data da expedição da carta e do domicílio para o qual foi enviado e o distribuidor do serviço postal deposita a carta na caixa de correio do notificando, lavra uma declaração indicando a data e confirmando o local exacto do depósito e envia-a de imediato ao serviço ou ao tribunal remetente, considerando-se a notificação efectuada no 5.º dia posterior à data indicada na declaração lavrada pelo distribuidor do serviço postal, cominação esta que deverá constar do acto de notificação (artigo 113.º, n.º 3, do CPP, na redacção do
A introdução desta forma de notificação do arguido pelo Decreto-Lei 320-C/2000, em detrimento da notificação por contacto pessoal, foi assim explicada pelo legislador,no preâmbulo daquele diploma:
"Pretende ajustar-se o Código de Processo Penal... a uma das prioridades da política de justiça, a saber, o combate à morosidade processual.A aplicação das normas do Código de Processo Penal revela que ainda persistem algumas causas de morosidade processual que comprometem a eficácia do direito penal e o direito do arguido «ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa», nos termos do n.º 2 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa, tornando-se assim imperioso efectuar algumas alterações no processo
penal de forma a alcançar tais objectivos.
Para a consecução de tais desígnios, introduz-se uma nova modalidade de notificação do arguido, do assistente e das partes civis, permitindo-se que estes sejam notificados mediante via postal simples sempre que indicarem, à autoridade policial ou judiciária que elaborar o auto de notícia ou que os ouvir no inquérito ou na instrução, a sua residência, local de trabalho ou outro domicílio à sua escolha e não tenham comunicado a mudança da morada indicada através da entrega de requerimento ou da sua remessa por via postal registada à secretaria onde os autos se encontram a correr nessemomento.
No caso de notificação postal simples, o funcionário toma cota no processo com indicação da data da expedição e do domicílio para a qual foi enviada e o distribuidor do serviço postal depositará o expediente na caixa de correio do notificando, lavrará uma declaração indicando a data e confirmando o local exacto desse depósito, e envia-la-á de imediato ao serviço ou ao tribunal remetente, considerando-se a notificação efectuada no 5.º dia posterior à data indicada na declaração lavrada pelo distribuidor do serviço postal, cominação esta que deverá constar do acto denotificação.
Se for impossível proceder ao depósito da carta na caixa de correio, o distribuidor do serviço postal lavra nota do incidente, apõe-lhe a data e envia-a de imediato ao serviçoou ao tribunal remetente.
Nestas situações não se justifica a notificação do arguido mediante contacto pessoal ou via postal registada, já que, por um lado, todo aquele que for constituído arguido é sujeito a termo de identidade e residência (artigo 196.º, n.º 1), devendo indicar a sua residência, local de trabalho ou outro domicílio à sua escolha. Assim sendo, como a constituição de arguido implica a sujeição a esta medida de coacção, justifica-se que as posteriores notificações sejam feitas de forma menos solene, já que qualquer mudança relativa a essa informação deve ser comunicada aos autos, através de requerimento entregue ou remetido por via postal registada à secretaria onde os autos se encontrarema correr nesse momento.
Deste modo, assegura-se a veracidade das informações prestadas à autoridade judiciária ou policial pelo arguido, regime que deve ser aplicável ao assistente e às partes civis, porque estes têm todo o interesse em desburocratizar as suas própriasnotificações."
Na verdade, a solução legal da exigência da notificação do arguido por contacto pessoal, que caracterizava desde há muito tempo o nosso sistema processual penal, sobretudo quando aplicada aos despachos que designam data para o julgamento, havia sido num passado recente, uma das causas identificadas para os adiamentos sucessivos das audiências de julgamento e para as situações de envelhecimento e perecimento da prova e de prescrição de procedimentos criminais que tanto comprometem a imagem social e a celeridade da administração da justiça.Daí que o legislador tenha resolvido encarar esse grave problema, optando por consagrar um meio de notificação mais célere e de maior facilidade de execução, mas com menores garantias de certeza quanto ao real conhecimento pelo arguido do
conteúdo do despacho notificado.
2.3 - O direito de defesa do arguido e o direito a um processo equitativo O recorrente entende que a interpretação normativa sob fiscalização viola as garantias de defesa do arguido em processo criminal e o direito fundamental a um processo equitativo consagrados na Constituição, porque possibilita a realização de julgamentos sem o conhecimento do arguido, ficando este, assim, impedido de intervir nojulgamento e de se defender.
Essa situação apenas pode ser prevenida, no entender do recorrente, através da exigência da notificação ao arguido do despacho que designa data para a audiência dejulgamento por contacto pessoal.
Nos termos do n.º 4, do artigo 20.º, da Constituição, na redacção da lei Constitucional 1/97, "todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão [...] mediante processo equitativo".Por outro lado, o n.º 1, do artigo 32.º, da CRP, prescreve que "o processo criminal
assegura todas as garantias de defesa".
Segundo GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, a relação existente entre estas duas normas constitucionais é evidente (em "Constituição da República Portuguesa Anotada", vol. I, pág. 415, da 4.ª edição, da Coimbra Editora):«[...] O significado básico da exigência de um processo equitativo é o da conformação do processo de forma materialmente adequada a uma tutela judicial efectiva. Uma densificação do processo justo ou equitativo é feita pela própria Constituição em sede de processo penal (cf. artigo 32.º) - garantias de defesa, presunção de inocência, julgamento em prazo curto compatível com as garantias de defesa, direito à escolha de defensor e à assistência de advogado, reserva de juiz quanto à instrução do processo, observância do princípio do contraditório, direito de intervenção no processo, etc.
[...]».
E os mesmos Autores acrescentam mais à frente (ob. cit., fls. 516):«[...] Em "todas as garantias de defesa" engloba-se indubitavelmente todos os direitos e instrumentos necessários e adequados para o arguido defender a sua posição e
contrariar a acusação [...]».
A questão da forma pela qual é realizada a notificação ao arguido do despacho que designa a data para a audiência de julgamento não é nada despicienda à luz daConstituição.
A Constituição preocupa-se expressamente com a estrutura da audiência de julgamento em sede de processo penal e prescreve que a mesma está subordinada ao princípio do contraditório (artigo 32.º, n.º 4, da CRP).O direito de defesa e o direito ao contraditório traduzem-se fundamentalmente na possibilidade do arguido intervir no processo, invocar as razões de facto e de direito, oferecer provas, controlar e contraditar todas as provas e argumentos jurídicos trazidos
ao processo.
O legislador ordinário deu corpo a esta garantia constitucional através da aprovação de várias normas do Código de Processo Penal atinentes à estrutura contraditória da audiência de julgamento, entre as quais avultam:a) A possibilidade do arguido apresentar uma contestação e requerer a produção de prova relativamente à matéria da acusação ou da pronúncia (artigo 315.º);
b) A regra geral da obrigatoriedade da presença do arguido na audiência (artigo 332.º,
n.º 1).
c) A regra geral da proibição de valoração de provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiências (artigo 355.º, n.º 1);d) A regra geral da submissão de todos os meios de prova apresentados ou produzidos no decurso da audiência ao princípio do contraditório (artigo 327.º, n.º 2):
e) O direito do arguido prestar declarações em qualquer momento da audiência, em especial, no início e no final da audiência de julgamento (artigos 341.º, alínea a) e
361.º).
Obviamente, todos estes direitos de defesa apenas poderão ser exercidos pelo arguido se o mesmo for previamente notificado pelo tribunal para comparecer e intervir na audiência de julgamento, dando-se-lhe conhecimento da data em que a mesma serealiza.
Esta é uma exigência de um processo penal equitativo (artigo 20.º, n.º 4, da CRP), que obrigatoriamente deve assegurar todas as garantias de defesa ao arguido, nomeadamente o direito ao contraditório (artigo 32.º, n.º 1 e 5, da CRP).Resta saber se o meio utilizado neste processo para notificação do arguido da data da realização da audiência de julgamento e considerado como o adequado pela decisão recorrida - a notificação por via postal simples para a morada indicada no termo de identidade e residência prestado pelo arguido - satisfaz aquela exigência constitucional.
2.4 - A jurisprudência constitucional
O Tribunal Constitucional já se pronunciou sobre a forma da notificação da acusação ao arguido, julgando inconstitucional a solução normativa traduzida na possibilidade de notificação edital da acusação ao arguido (Acórdãos n.º 388/99 e 54/2000, publicados no DR, 2.ª série, de 8 de Novembro de 1999 e de 23 de Outubro de 2000,respectivamente).
E foi então considerado que aquela forma de notificação não era compatível com as garantias de defesa ao inviabilizar o exercício do direito de requerer a abertura da instrução, uma vez que só excepcionalmente tal forma de notificação levaria ao conhecimento efectivo do seu destinatário o teor do despacho de acusação.O Tribunal Constitucional ainda não se pronunciou sobre a solução normativa que constitui o objecto do presente recurso de constitucionalidade, mas já teve oportunidade de apreciar a constitucionalidade da utilização da notificação postal simples noutros momentos do procedimento penal igualmente relevantes no plano das garantias de defesa, nomeadamente para efeito de comunicação ao arguido da sentença condenatória e da decisão revogatória da suspensão da execução da pena de prisão.
Assim, o Tribunal Constitucional não julgou inconstitucional a interpretação normativa que se traduz na notificação da sentença condenatória ao arguido por via postal simples para a morada indicada no termo de identidade e residência, na sequência de julgamento realizado na sua ausência, a seu pedido, por residir no estrangeiro, tendo sido assegurada a sua representação por defensor durante a audiência de julgamento (Acórdão 111/2007, publicado no DR, 2.ª série, de 20 de Março de 2007).
Diversamente, o Tribunal Constitucional julgou inconstitucional a interpretação normativa que se traduz na notificação da decisão de revogação da suspensão da execução da pena de prisão ao arguido por via postal simples para a morada indicada no termo de identidade e residência (Acórdão 422/2005, publicado no DR, 2.ª
série, de 22 de Setembro de 2005).
Em ambas as situações, o Tribunal Constitucional não colocou em causa a eficácia da notificação por via postal simples em si mesma para assegurar a cognoscibilidade do acto notificando. Porém, no último aresto, o Tribunal Constitucional não pôde ser indiferente à circunstância do termo de identidade e residência se ter extinguido com o trânsito em julgado da sentença condenatória, com a consequente caducidade das obrigações assumidas pelo arguido relativamente à morada aí indicada para efeito de ulteriores notificações por via postal simples.A utilização da notificação por via postal simples iniciou-se no âmbito do processo civil, área onde também se faz sentir, ainda que com diferentes consequências, o peso do direito fundamental a um processo equitativo e da proibição da indefesa, que acabam por ser transversais a todos os ramos de direito adjectivo.
Efectivamente, basta ter presente que numa acção cível declarativa, a mera revelia do demandado pode gerar consequências bastantes desfavoráveis, nomeadamente o efeito cominatório semipleno (confissão dos factos articulados pelo autor) que pode levar à rápida condenação do demandado no pagamento de quantias de valores muito
elevados.
Em particular, e com pontos de contacto evidentes com a situação sob análise, importa relembrar que, com a entrada em vigor do Decreto-Lei 183/2000, de 10 de Agosto, nas acções para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato reduzido a escrito, a citação passou a ser efectuada mediante o envio de carta simples, com prova de depósito, dirigida ao citando e endereçada para o domicílio ou sede que tenha sido inscrito naquele contrato para identificação da parte, excepto se esta tiver expressamente convencionado outro local onde se deve considerar domiciliada ou sediada para efeitos de realização da citação em caso de litígio, tudo acompanhado da concessão da dilação de 30 dias para o início do prazo de contestação (artigos 236.º-A, n.os 1, 5 e 6, e 252.º-A, n.º 3, do CPC).Ora, o Tribunal Constitucional foi também chamado a apreciar a conformidade constitucional desta nova solução legal e não a reputou inconstitucional à luz das exigências inerentes ao direito a um processo equitativo (Acórdão 182/2006, publicado no DR, 2.ª série, de 8 de Março de 2006).
Segundo o Tribunal Constitucional, as exigentes formalidades e as especiais cautelas adoptadas no sistema de notificação por via postal simples ofereciam garantias suficientes de que o acto de comunicação seria colocado na área de cognoscibilidade do seu destinatário em termos de ele poder exercer os seus direitos de defesa.
Foi também então entendido que não surgia excessivamente oneroso para os particulares destinatários das comunicações judiciais, no âmbito do dever de colaboração com a justiça, enquanto manifestação de uma cidadania responsável, a manutenção, em condições de segurança, dos receptáculos existentes para a correspondência postal que lhes seja dirigida e a consulta regular dos mesmos.
2.5 - A Jurisprudência do TEDH
Também com relevância para o caso em apreço, importa ter presente que o artigo 6.º, n.º 3, alíneas c) e d), da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, dispõe que o acusado tem inter alia o direito de defender-se a si próprio e de interrogar ou fazerinterrogar as testemunhas de acusação.
Segundo a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, os referidos direitos só podem ser exercidos plenamente na própria audiência de julgamento, para a qual o acusado tem de ser adequadamente notificado, sem prejuízo da possibilidade de ulterior renúncia ao direito de intervir na audiência (Decisão do caso Colozza v. Italy, de 12 de Fevereiro de 1985, Decisão do caso T. v. Italy, de 12 de Outubro de 1992, Decisão do caso Somogyi. v. Italy, de 18 de Maio de 2004, Decisão do caso Sejdovic. v. Italy, de 10 de Novembro de 2004, Decisão do caso R. R. v. Italy, de 9 de Junho de 2006, disponíveis em www.echr.coe.int).Nestes arestos, o TEHD, quanto à forma adoptada para efectuar a notificação do acusado para a audiência de julgamento, entendeu que os Estados Contratantes gozam de uma ampla discricionariedade na escolha dos meios utilizados para realizar a referida notificação, desde que seja garantida a efectividade do conhecimento pelo acusado através dos procedimentos legalmente previstos, não relevando, assim, um
conhecimento presumido, vago ou informal.
2.6 - Da constitucionalidade da interpretação normativa questionada No essencial, o recorrente entende que a notificação por aviso postal simples do despacho que designa dia para a audiência de julgamento não assegura acognoscibilidade do acto notificando.
Atenta a importância da presença e da intervenção do arguido na audiência de julgamento, acima colocada em evidência, é manifesto que a respectiva notificação deve assumir uma forma que permita assegurar, com alguma segurança, que o arguido teve efectivo conhecimento do acto notificando.Também ninguém questiona que a notificação por contacto pessoal é a forma mais
segura de comunicação dos actos.
Todavia, a solução legal da exigência da notificação do arguido por contacto pessoal, levanta sérios problemas, pois, quando pensada em termos sistemáticos para garantir o princípio do contraditório em todos os momentos processualmente mais relevantes, conduz necessariamente ao bloqueamento da administração da justiça penal.Para alcançar essa conclusão, basta recordar que no âmbito do processo penal comum, em termos de normalidade, o arguido precisa de ser contactado e ou convocado, pelo menos, em três momentos processuais relevantes para efeito de exercício do contraditório até ser proferida sentença em primeira instância: 1) notificação do arguido para efeito de prestação de declarações durante o inquérito; 2) notificação da acusação ao arguido; 3) notificação do despacho que designa data para
a audiência de julgamento ao arguido.
É por demais evidente que a exigência da notificação do arguido por contacto pessoal em todas as referidas situações conduz a bloqueios óbvios e inaceitáveis ao longo de todo o procedimento criminal, sobretudo a partir do encerramento do inquérito e dadedução da acusação.
Foi, aliás, a constatação dessa situação que motivou o legislador a substituir a notificação pessoal pela notificação através de envio de aviso postal para morada previamente indicada pelo arguido para esse fim, procurando assim consagrar uma solução que conciliasse a celeridade processual com a necessidade do arguido ter um efectivo conhecimento da data da realização da audiência de julgamento para nelapoder exercer os seus direitos de defesa.
Não se esqueça que a celeridade processual em matéria penal também tem dignidade constitucional - já que todo o arguido deve ser julgado no mais curto prazo e até pode ser julgado na ausência -, estando o legislador ordinário apenas obrigado a que as soluções adoptadas nesse sentido não comprometam as garantias de defesa do arguido (artigo 32.º, n.º 2, 2.ª parte, e n.º 6, da CRP).Daí que seja obrigação do legislador conciliar estes diferentes interesses do processo
penal.
Ora, a solução normativa da notificação por via postal simples, se não é capaz de assegurar, com uma certeza absoluta, que o arguido teve conhecimento da data designada para a realização do julgamento, oferece garantias suficientes de que o respectivo despacho é colocado na área de cognoscibilidade do arguido em termos de ele poder exercer os seus direitos de defesa.Na verdade, não se pode dizer a respeito desta forma de notificação que a mesma não é idónea a transmitir o acto notificando ao conhecimento do destinatário.
E muito menos se pode dizer que a notificação em questão seja realizada relativamente a arguidos que nem sequer conhecem formalmente a pendência de um procedimento criminal contra si - como, aliás, sucedeu na maioria dos casos acima referidos que
foram submetidos ao crivo do TEDH.
Pelo contrário, tenha-se presente que a solução legal da notificação por via postal simples pressupõe sempre o prévio contacto pessoal do arguido com o processo, consubstanciado, pelo menos, na respectiva constituição como arguido e na respectiva sujeição a termo de identidade e residência.Por outro lado, o receptáculo postal para o qual é remetida a notificação pelo funcionário judicial e no qual é realizado o depósito pelo distribuidor postal é exclusivamente escolhido e indicado pelo próprio arguido.
É certo que não ficam cobertas as situações em que o arguido, por qualquer motivo (v.g. por ter mudado de residência, por se ter ausentado temporariamente, por desleixo) deixa de aceder ao referido receptáculo postal, sem que previamente
comunique essa situação ao tribunal.
Mas o não conhecimento pelo arguido do acto notificado nestas situações é imputável ao próprio arguido, uma vez que, a partir da prestação do termo de identidade e residência, passou a recair sobre ele o dever de verificar assiduamente a correspondência colocada no receptáculo por si indicado e de comunicar ao tribunal qualquer situação de impossibilidade de acesso a esse local.Se o Estado está obrigado a diligenciar pela notificação dos arguidos, nesta modalidade, estes também têm de tomar as providências adequadas a que se torne
efectivo esse conhecimento.
Este é um dever compatível com o seu estatuto de sujeito processual, não podendo esta solução ser acusada de estabelecer um ónus excessivo ou desproporcionado que seja imposto aos cidadãos suspeitos da prática de crimes, atenta a facilidade do seu cumprimento, perante a importância dos fins que visa atingir.Além disso, faz-se notar que o depósito da carta pelo distribuidor postal não gera nenhuma presunção inilidível de notificação em caso de erro do distribuidor postal e é
rodeada de algumas cautelas processuais.
De facto, importa ter presente que o despacho que designa data para a audiência de julgamento deve ser notificado ao arguido, pelo menos, 30 dias antes da referida data - para permitir a organização da defesa e para prevenir também eventuais ausências superiores a 5 dias -, e que essa notificação é também realizada na pessoa do defensor, o qual, em regra, na observância dos seus deveres profissionais, não deixará de tentar entrar em contacto com o arguido para efeito de preparação da defesa. Caso o arguido esteja efectiva e genuinamente contactável para efeito de intervenção no procedimento criminal, raramente se frustrará a comunicação entre o defensor e o arguido durante o referido prazo de 30 dias que antecede o início da audiência de julgamento.Finalmente, e ainda que as garantias previstas para uma dada fase processual não possam ser completamente postergadas com base na invocação de garantias previstas para a fase processual subsequente, não se pode deixar de relembrar que a defesa do arguido ausente é sempre assumida pelo defensor e, que nesse caso, a lei exige a notificação da sentença ao arguido por contacto pessoal, estando assim minimamente acauteladas as garantias de defesa, incluindo o direito ao recurso (artigos 333.º, n.os 5
e 6, e 334.º, n.º 4, do CPP).
Ponderados todos estes dados, conclui-se que a modalidade de notificação aqui em análise não deixa de satisfazer a exigência de que deve ser proporcionado ao arguido um efectivo conhecimento da data da realização da audiência de julgamento, de modo a que este possa exercer os seus direitos de defesa.Deve, assim, este recurso ser julgado improcedente porque não se vislumbra que a interpretação normativa aqui fiscalizada viole qualquer parâmetro constitucional, maxime as garantias de defesa do arguido em processo criminal e o direito fundamental
a um processo equitativo.
Decisão
Nestes termos, decide-se
a) Não conhecer do recurso quanto às questões de constitucionalidade das interpretações normativas dos artigos 63.º, n.º 1, e 333.º, n.º 3, do Código deProcesso Penal;
b) Não julgar inconstitucional as normas constantes dos artigo 113.º, n.º 9, e 313.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual o arguido não tem de ser notificado por contacto pessoal do despacho que designa data para a audiência de julgamento, podendo essa notificação ser efectuada por via postal simples para a morada indicada pelo arguido no termo de identidade e residência;c) E, consequentemente, negar provimento ao recurso interposto para o Tribunal Constitucional por Filipe José Lopes Ramalho, do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido nestes autos em 23 de Abril de 2009.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 unidades de conta, ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei 303/98, de 4 de Outubro (artigo 6.º, n.º 1, do mesmo diploma).
Lisboa, 12 de Janeiro de 2010. - João Cura Mariano - Joaquim de Sousa Ribeiro - Benjamim Rodrigues - Rui Manuel Moura Ramos.
202911978