2. A delimitação dos fundamentos e efeitos da revisão é de principal importância para uma disciplina equilibrada desse instituto. Medida excepcional, não se compadece nem com excessivos entraves, nem tão-pouco com demasiadas facilidades. Ambos estes defeitos defraudariam o seu fim, não harmonizando a um tempo, numa mesma aspiração de justiça, os interesses individuais do condenado e os interesses colectivos da Administração. Com excepção de pequenos desvios, as soluções adoptadas não se afastam, todavia, da legislação vigente na disciplina civil.
3. Finalmente, cumpre advertir que a matéria agora legislada deveria ser exarada num diploma que disciplinasse toda a legislação de índole disciplinar aplicável aos membros das forças armadas, ainda dispersa por vários diplomas. Porém, a falta de acabamento dos trabalhos respectivos e a premência da adopção legal expressa e de regulamentação adequada do instituto da revisão aconselham a publicação imediata deste diploma, até a título de experiência que sugira as correcções indispensáveis, a integrar depois em futuro regulamento de disciplina militar.
Aproveita-se a oportunidade para inserir uma disposição transitória que evite quaisquer dúvidas sobre a aplicabilidade imediata da doutrina deste diploma aos processos disciplinares anteriores à sua vigência.
Nestes termos:
Usando da faculdade conferida pela 1.ª parte do n.º 2.º do artigo 109.º da Constituição, o Governo decreta e eu promulgo, para valer como lei, o seguinte:
Artigo 1.º Os processos de disciplina militar poderão ser revistos quando se verifiquem circunstâncias ou meios de prova susceptíveis de demonstrar a inocência do condenado e que não puderam ser utilizados pelo arguido no processo disciplinar.
§ 1.º A revisão deverá ser pedida no prazo de 180 dias, contados da data em que o interessado obteve a possibilidade de invocar as circunstâncias ou os meios de prova alegados como fundamento da revisão.
§ 2.º A simples alegação de ilegalidade, de forma ou de fundo, do processo e decisão disciplinar não constitui fundamento para a revisão.
§ 3.º Impossibilitando-se ou falecendo o punido, a revisão poderá ser pedida pelos seus ascendentes, descendentes, irmãos, cônjuge ou herdeiros.
§ 4.º A revisão não pode ser pedida mais que uma vez pelos mesmos fundamentos de facto.
Art. 2.º O interessado na revisão de um processo disciplinar apresentará requerimento nesse sentido ao Conselho Superior de Disciplina do Exército ou da Armada ou à Comissão Técnica da Força Aérea, conforme os casos.
§ único. O requerimento indicará as circunstâncias e todos os meios de prova não considerados no processo a rever que ao requerente pareçam justificar a revisão e deverá ser instruído com os documentos indispensáveis.
Art. 3.º Recebido o requerimento, o competente conselho superior de disciplina, ou a Comissão Técnica da Força Aérea, resolverá sobre se deve ou não ser concedida a revisão do processo.
§ único. É definitiva e inatacável a decisão que não conceder a revisão.
Art. 4.º Concedida a revisão, será o respectivo processo apenso ao processo a rever, seguindo-se na instrução e julgamento os trâmites estabelecidos nos artigos 171.º a 185.º do Regulamento de Disciplina Militar que forem aplicáveis.
§ único. Serão recusados os documentos e as diligências desnecessários à descoberta da verdade, podendo ser mandados retirar os documentos que estiverem nessas condições.
Art. 5.º Se o punido estiver impossibilitado de organizar a sua defesa, em virtude de anomalia mental ou física, por motivo de doença, o conselho superior de disciplina respectivo, ou a Comissão Técnica da Força Aérea, nomeará um curador, preferindo no entanto a pessoa a quem competiria a tutela no caso de interdição, segundo a ordem estabelecida nos n.os 1.º, 2.º e 3.º do artigo 320.º do Código Civil.
§ único. Esta nomeação é restrita à revisão dos processos disciplinares, podendo o curador usar de todos os meios de defesa facultados aos infractores.
Art. 6.º No julgamento, o conselho superior de disciplina respectivo, ou a Comissão Técnica da Força Aérea, pode concluir pela inocência do condenado, ou pela sua menor culpabilidade, ou ainda pela procedência da acusação.
Art. 7.º Julgando-se procedente a revisão, será revogada, total ou parcialmente, a decisão proferida no processo revisto, consoante se concluir pela inocência do arguido ou tão-sòmente pela sua menor culpabilidade.
§ único. A revogação a que se refere este artigo produzirá os seguintes efeitos:
1.º Cancelamento do registo da pena nos documentos de matrícula do reabilitado;
2.º Anulação dos efeitos da pena, observando-se, porém, as seguintes excepções:
a) Serão respeitadas as situações criadas pelo provimento nas vagas abertas em consequência do castigo imposto, mas sempre sem prejuízo da antiguidade do reabilitado à data da aplicação da pena;
b) Se, entretanto, lhe tiver competido a promoção, o reabilitado reocupará o seu lugar depois de satisfeitas todas as condições legais de promoção. Se não houver vacatura no quadro, passará a supranumerário o militar que esteja colocado no final da escala, sem diminuição dos vencimentos que esteja percebendo.
c) O reabilitado terá direito a uma indemnização, se a pedir, nos termos e condições a estabelecer.
Art. 8.º A simples substituição de pena sòmente produz efeitos a partir da data do respectivo cumprimento, mas em nenhum caso serão pagos os vencimentos ou pensões deixados de receber.
Art. 9.º A revisão do processo não suspende, em regra, o cumprimento da pena. Se, porém, esta for privativa de liberdade, a entidade que concedeu a revisão poderá autorizar a suspensão.
Art. 10.º O presente diploma é aplicável, nos mesmos termos, aos processos anteriores à sua vigência e a partir desta se contará o prazo referido no § 1.º do artigo 1.º, se a possibilidade de invocação das circunstâncias ou meios de prova tiver surgido antes.
Publique-se e cumpra-se como nele se contém.
Paços do Governo da República, 14 de Novembro de 1960. - AMÉRICO DEUS RODRIGUES THOMAZ - António de Oliveira Salazar - Júlio Carlos Alves Dias Botelho Moniz - Arnaldo Schulz - João de Matos Antunes Varela - António Manuel Pinto Barbosa - Afonso Magalhães de Almeida Fernandes - Fernando Quintanilha Mendonça Dias - Marcello Gonçalves Nunes Duarte Mathias - Eduardo de Arantes e Oliveira - Vasco Lopes Alves - Francisco de Paula Leite Pinto - José do Nascimento Ferreira Dias Júnior - Carlos Gomes da Silva Ribeiro - Henrique Veiga de Macedo.