Decreto 43418
A criação de bovinos constitui uma parcela muito valiosa do rendimento agrícola da ilha da Madeira; e, dentro desta actividade, a produção de leite toma, por sua vez, uma posição de relevo.
O volume desta produção anda hoje pelos 22 milhões de litros anuais, dos quais cerca de 7 milhões se destinam ao consumo directo e 15 milhões à indústria de lacticínios.
Está, porém, a produção leiteira ameaçada de grave crise pela incapacidade do sector industrial de manter a sua posição nos mercados externos; os apelos à intervenção do Estado fazem-se ouvir há algum tempo. Limitada quase exclusivamente à produção de manteiga, que atinge cerca de 800 t anuais, estabilizado o consumo interno da ilha à volta de 400 t e perdido o mercado metropolitano, a indústria madeirense dos lacticínios, ainda que não considere o possível aumento das disponibilidades de matéria-prima, necessita de manter, como condição vital, uma exportação mínima da ordem de 400 t. É essa exportação assegurada hoje pelo comércio com as províncias do ultramar, mas a posição apresenta-se difícil de manter, porque os consumidores ultramarinos começam a ter exigências de qualidade que a manteiga madeirense lhes não pode oferecer.
Na realidade, tem sido característica permanente desta indústria a falta de evolução e o estado de dispersão das unidades. Em 1936, ano em que se criou a Junta dos Lacticínios da Madeira, existiam 64 fábricas e mais de 1000 postos de desnatação; a selecção natural tem feito desaparecer os mais fracos, mas a situação é ainda hoje inaceitável, com 30 fábricas e 235 postos. A média de laboração diária por fábrica anda, assim, pelos 1500 l, o que é incompatível com uma exploração eficiente; uma fábrica mediana nos principais países leiteiros europeus labora diàriamente uns 50000 l.
A esta pulverização das fábricas corresponde invariàvelmente a deficiência e desactualização do equipamento; a maioria, se não a totalidade, não dispõe de frigoríficos nem de pasteurizadores, o que confere à manteiga más condições de conservação e lhe tira características de boa aceitação em todos os mercados.
Este panorama impõe que se tomem a tempo as providências previstas na Lei 2005, de 14 de Março de 1945, levando as indústrias à concentração, para que substituam o actual conjunto industrial por uma nova unidade, cujo tamanho não passará de modesto na escala mundial; unidade cujo equipamento responda a todas as exigências actuais e permita diversificar um pouco o actual regime de monoprodução de manteiga. Esta diversificação pode vir a ser um factor de segurança, porque a exportação de manteiga oferece dificuldades devidas à baixa cotação do produto, a qual é mantida, segundo um relatório da O. E. C. E., pelos subsídios de alguns Estados.
Nenhuma voz se levantou a negar a vantagem técnica desta concentração, antes foi quase unânime o acordo expresso dos interessados; algumas divergências que se manifestaram tiveram origem em razões alheias aos princípios de economia industrial.
A reorganização abrange simultâneamente as unidades industriais pertencentes a cooperativas agrícolas e a empresas independentes da lavoura; as regras de bem produzir e as tendências da economia moderna incidem na mesma medida sobre umas e outras, sem distinguir a natureza dos empresários.
É evidente - e os interessados não podem esquecê-lo - que esta reorganização, estimulada pelo Estado, não se destina a criar um sistema estático na indústria ou no comércio dos lacticínios madeirenses. Conduz à criação de uma unidade fabril moderna, para quebrar a rotina em que se tem vivido; mas é a iniciativa privada que tem de a explorar e fazer dela um instrumento de progresso da ilha. Espera-se que os interessados escolham para a dirigir os gerentes mais aptos e que estes, com a visão que deve ter o industrial moderno, não se percam em polémicas caseiras, mas se devotem a estudar a adaptação da sua indústria a novas técnicas de produção e a novas exigências de mercados.
Dentro dessa perspectiva dinâmica, tem o Estado de publicar as regras de condicionamento técnico da indústria dos lacticínios que hão-de vigorar após o exclusivo de dez anos agora concedido para consolidação da nova orgânica; porque nem é aceitável o exclusivo perpétuo nem o regresso à improvisação e ao amadorismo que se pretendem eliminar.
Também a comercialização dos produtos deverá ser objecto de reforma, se a experiência a mostrar necessária; não poderá aceitar-se que o instrumento agora criado perca independência e poder de expansão, preso a uma rede comercial demasiadamente densa e exigente.
Mas a qualidade dos lacticínios e o seu poder de penetração nos mercados não dependem apenas do equipamento das fábricas e da técnica dos industriais; dependem ainda, em grande escala, da pureza e estado bacteriológico do leite de que se parte. É necessário que os produtores o não esqueçam e se preparem para mais severa fiscalização da matéria-prima que entregam.
Pelo exposto:
Aprovada a reorganização desta indústria pelo Conselho de Ministros, em obediência à base IX da Lei 2005, de 14 de Março de 1945;
Usando da faculdade conferida pelo n.º 3.º do artigo 109.º da Constituição, o Governo decreta e eu promulgo o seguinte:
Reorganização da indústria de lacticínios da ilha da Madeira
Artigo 1.º É reorganizada a indústria de lacticínios da ilha da Madeira nos termos constantes do presente diploma.
Art. 2.º A reorganização da indústria de lacticínios da ilha da Madeira será feita pela concentração das actuais empresas de produção de lacticínios existentes naquela ilha numa só empresa, que instalará e explorará uma nova unidade fabril, a construir especialmente para este efeito.
Art. 3.º A unidade fabril acima referida deverá obedecer às seguintes condições:
a) Ser construída e apetrechada segundo projecto aprovado pela Direcção-Geral dos Serviços Pecuários, nos termos do n.º 5.º do artigo 9.º do Decreto-Lei 41380, de 20 de Novembro de 1957;
b) Ter capacidade de laboração não inferior a 15 milhões de litros de leite por ano;
c) Possuir equipamento para a produção de manteiga pasteurizada, queijo e outros lacticínios;
d) Possuir equipamento para higienização de leite.
Art. 4.º A empresa resultante da concentração das actualmente existentes deverá ser constituída pela União das Cooperativas Agrícolas de Lacticínios e Produtoras de Leite da Ilha da Madeira, como representante das empresas cooperativas agrícolas de lacticínios existentes ou que venham a criar-se, pelo agrupamento dos proprietários das empresas industriais, agrupados como acordarem, e pela Junta Geral do Distrito Autónomo do Funchal.
Art. 5.º A empresa acima referida constituir-se-á sob a forma de uma sociedade por quotas, com o capital mínimo de 8000 contos, distribuindo-se nas seguintes proporções:
49 por cento pela União das Cooperativas Agrícolas de Lacticínios e Produtoras de Leite da Ilha da Madeira.
49 por cento pelo agrupamento dos industriais.
2 por cento pela Junta Geral do Distrito Autónomo do Funchal.
§ 1.º O capital social poderá ser realizado em prestações, cujos montantes e prazos serão fixados pela gerência da sociedade, sem prejuízo da realização efectiva de 10 por cento no acto da constituição.
§ 2.º O capital correspondente à quota da União das Cooperativas Agrícolas de Lacticínios e Produtoras de Leite da Ilha da Madeira e à quota do agrupamento dos industriais poderá ser realizado:
1.º Pelo valor dos terrenos, máquinas, edifícios e equipamento dos estabelecimentos do respectivo agrupamento que venham a ser utilizados na nova unidade fabril;
2.º Pelo valor de rendimento de cada estabelecimento do respectivo agrupamento, calculado por litro de leite da sua laboração média anual. O valor de rendimento global de todos os estabelecimentos actualmente existentes não poderá exceder 2400 contos, isto é, 20 por cento do valor estimado do novo empreendimento, e a cada um caberá a parte proporcional que for calculada em função do leite laborado no ano de 1959;
3.º Pelo valor em dinheiro: ou produtos dos respectivos agrupamentos.
Art. 6.º O objecto da nova sociedade será o fabrico e comércio de todos os produtos que tenham o leite como matéria-prima, tomando em conta as exigências higiénicas e tecnológicas que lhe foram impostas. Compete-lhe ainda explorar os postos de recolha ou desnatação existentes ou a criar.
Art. 7.º A gerência da nova sociedade será exercida por três membros, escolhidos um por cada sócio, entre os seus legais representantes, indicados por simples carta registada enviada com aviso de recepção.
Art. 8.º Durante o período fixado no artigo 12.º as deliberações referentes a alterações do pacto social que digam respeito a aumento de capital ou à dissolução da sociedade carecem de ser aprovadas pelo Secretário de Estado da Indústria.
Art. 9.º As actuais empresas de produção de lacticínios da ilha da Madeira têm, perante a nova sociedade, os seguintes direitos:
a) As empresas industriais: participar na quota do respectivo agrupamento, na proporção do leite laborado durante o ano de 1959;
b) As cooperativas agrícolas: participar na quota da União das Cooperativas Agrícolas e Produtoras de Leite da Ilha da Madeira, na proporção do leite entregue em cada ano para laboração;
c) As empresas que possuam marcas de fabrico que a nova sociedade venha a utilizar: receber 0,5 por cento sobre o preço de venda da manteiga exportada sob a respectiva marca durante os dez anos seguintes ao início da laboração da nova unidade fabril;
d) As empresas que exercem a exportação de lacticínios: preferência, durante o período a que se refere o artigo 12.º, em tudo o que respeitar à exportação, desde que concorram em igualdade de condições, pelo menos, em volume equivalente à quota verificada para cada uma no ano de 1959;
e) As empresas industriais que não quiserem fazer parte da nova sociedade e até à data da constituição desta: receber uma indemnização por litro de leite correspondente à quota de rateio da sua produção, indemnização que será paga pelo agrupamento das empresas industriais proporcionalmente à quota do rateio de cada uma delas, quotas estas que serão acrescidas de igual quantitativo. A atribuição daquela indemnização será feita pelo agrupamento e deverá ser homologada pelo Secretário de Estado da Indústria.
§ único. Sem prejuízo do disposto na alínea d), as actuais empresas exportadoras não industriais gozarão de preferência semelhante à prevista naquela alínea perante quaisquer novas empresas exportadoras não industriais.
Art. 10.º Após o início da laboração da nova unidade fabril todos os restantes estabelecimentos de produção de lacticínios da ilha da Madeira cessarão a laboração, nos termos da primeira parte da base XI da Lei 2005 e da última parte da base VIII da Lei 2052.
Art. 11.º O Ministério da Economia, pela Secretaria de Estado da Indústria, adoptará as providências previstas no segundo parágrafo da base IX da Lei 2005 se, nos prazos fixados, não for dada execução à presente concentração.
Art. 12.º Durante o período de dez anos, a contar da data da constituição da nova sociedade, não será autorizada a instalação de qualquer outra unidade fabril de lacticínios na ilha da Madeira.
Art. 13.º A nova sociedade poderá gozar, nos termos das alíneas a), b), c) e d) da base XVI da Lei 2005, de concessão de créditos e de isenção do pagamento de direitos de importação sobre os maquinismos, utensílios, materiais e equipamento necessários à instalação da nova unidade fabril, bem como do pagamento de sisa, selo de traspasse e contribuição industrial, durante o período de organização e montagem.
Art. 14.º A nova sociedade ficará com a obrigação do construir e equipar, pelo menos, dez novos postos de recepção ou de desnatação por ano, de acordo com um plano a aprovar pelo Ministro da Economia e com as possibilidades que se vierem a verificar para o fabrico de outros lacticínios além de manteiga, bem como de substituir ou remodelar os existentes de forma a melhorar as respectivas condições higieno-técnicas de funcionamento.
Art. 15.º A nova unidade industrial disporá de instalações Laboratoriais adequadas para exercerem rigorosa fiscalização na qualidade da matéria-prima e dos produtos fabricados, ficando o Governo, por portaria do Ministro da Economia, com a faculdade de oficializar o serviço desse laboratório, mediante as condições a estabelecer, para o efeito de colaborar na campanha de higienização do leite.
Art. 16.º O preço do leite será fixado pelo Governo, por períodos não inferiores a um mês, tendo em atenção os preços de venda dos produtos e os justos interesses da indústria e dos produtores de leite. Esse preço poderá ser variável com o teor butiroso e o teor microbiano.
Art. 17.º Nos 90 dias seguintes à entrada em vigor do presente diploma as entidades referidas no artigo. 5.º deverão apresentar na Direcção-Geral dos Serviços Industriais um projecto de escritura de constituição da nova sociedade, a qual, uma vez aprovado aquele projecto pelo Ministro da Economia, deverá ser celebrada nos 60 dias seguintes.
Art. 18.º Nos 180 dias seguintes à celebração da escritura deverá a nova sociedade apresentar na Direcção-Geral dos Serviços Pecuários o projecto da nova unidade fabril, cuja instalação deverá ficar concluída nos 18 meses seguintes à sua aprovação.
Art. 19.º No prazo de doze meses, a contar da publicação deste diploma, a nova sociedade apresentará à aprovação dos Ministros da Economia e das Corporações e Previdência Social um projecto das condições de admissão de novo pessoal e despedimento do que for dispensado, conforme a lei geral e o previsto na base XV da Lei 2005.
Art. 20.º Se a Cooperativa Agrícola dos Produtores de Leite do Funchal transferir para a União das Cooperativas Agrícolas de Lacticínios e Produtoras de Leite da Ilha da Madeira, com os inerentes direitos, a concessão para o tratamento do leite a fornecer em regime de exclusivo, no concelho do Funchal, conforme se prevê no artigo 5.º do contrato de concessão aprovado em reunião de 21 de Agosto de 1958 da Câmara Municipal do Funchal, aquela terá direito a participar da quota da União das Cooperativas Agrícolas de Lacticínios e Produtoras de Leite da Ilha da Madeira na nova sociedade, em percentagem a acordar entre as duas e aprovada pelo Secretário de Estado da Indústria.
Art. 21.º Dos lucros da sociedade, apurados após o pagamento das despesas de exploração e a reintegração do equipamentos e edificações, será retirada uma verba correspondente a 20 por cento, que se destina ao fomento da bovinicultura e ao melhoramento das condições higiénicas da produção do leite da ilha da Madeira. A orientação e execução do plano mais adequado à realização destes objectivos competirão à Junta Geral do Distrito Autónomo do Funchal, através da Intendência de Pecuária, após prévia aprovação da Direcção-Geral dos Serviços Pecuários.
Art. 22.º No prazo de dois anos, a contar da publicação do presente decreto, o Governo procederá à revisão da orgânica, atribuições e competência da Junta dos Lacticínios da Madeira, de forma a adaptar as suas funções de coordenação económica ao novo condicionalismo criado pela presente reorganização e ainda a estender a sua acção coordenadora a todos os produtos de origem animal.
Art. 23.º As quotas das empresas industriais previstas na alínea a) do artigo 9.º são fixadas na seguinte proporção:
... Rateio
... Percentagem
Martins & Rebelo ... 24,874
Empresa A. C. Burnay, Lda. ... 22,597
Empresa de Lacticínios Vencedora, Lda. ... 10,068
Fábrica de Lacticínios Águia, Lda. ... 9,157
Manuel Vieira da Luz (Herdeiros) ... 3,645
Santa Casa da Misericórdia do Funchal ... 3,599
António Fernandes da Silva (Herdeiros) ... 3,189
Luís de França Pita (Herdeiros) ... 3,143
José Fernandes da Silva ... 2,460
Mendes & Rodrigues, Lda. ... 2,460
Joaquim Francisco de Freitas ... 2,324
Luís Nunes Vieira ... 2,141
Manuel Fernandes da Silva ... 1,549
José Teodoro Teixeira Brasão ... 1,367
Leonel I. C. Silva ... 1,276
Freitas e Mata, Lda. ... 1,276
António de Sousa Freitas (Herdeiros) ... 1,140
Abel Augusto Lopes ... 0,912
Alfredo Ferreira de Nóbrega ... 0,820
Dr. João Albino Rodrigues de Sousa (Herdeiros) ... 0,638
Sociedade Manteiga Leandro, Lda. ... 0,410
Francisco Ascensão (Herdeiros) ... 0,364
António Vieira Cardoso ... 0,273
Martinho de Gouveia ... 0,182
António Vieira Prioste ... 0,136
Art. 24.º As dúvidas ou casos omissos que surjam na execução deste diploma serão resolvidos por despacho do Ministro da Economia.
Publique-se e cumpra-se como nele se contém.
Paços do Governo da República, 21 de Dezembro de 1960. - AMÉRICO DEUS RODRIGUES THOMAZ - António de Oliveira Salazar - José do Nascimento Ferreira Dias Júnior.