Acordam em plenário do Tribunal Constitucional:
A - Relatório. - 1 - A CDU - Coligação Democrática Unitária recorre para o Tribunal Constitucional, a coberto da invocação do disposto na alínea d) do artigo 8.º da Lei 28/82 (por lapso manifesto identifica a lei como n.º 27/82, de 22 de Novembro), de 15 de Novembro, na sua actual versão (LTC), do despacho proferido no processo 1589/09.4TJLSB, 1.ª Secção do Tribunal Cível de Lisboa, que indeferiu a emissão, de forma gratuita, de certidões comprovativas da condição de candidato nas eleições autárquicas, para dispensa das respectivas funções.
2 - A recorrente sintetiza, nas seguintes proposições, as razões do seu inconformismo
com o decidido:
«Os candidatos aos órgãos das autarquias locais estão isentos do pagamento de certidão para comprovação da sua condição de candidato para consequente exercício do direito de dispensa das suas funções laborais, ou de outras conforme alude o artigo8.º da LEOAL;
A interpretação que os candidatos aos órgãos das autarquias locais não estão isentos do pagamento da certidão que comprova essa condição viola o disposto no artigo 227.º da LEOAL; Os princípios da igualdade e de participação política estabelecidos nos artigos 13.º, 48.º e 50.º da Constituição da República Portuguesa;Pelo exposto deverá o despacho do Tribunal a quo ser revogado e determinada a isenção de pagamento das certidões dos candidatos e a devolução das quantias pecuniárias que se mostrarem cobradas por tal emissão» No sentido defendido, juntou aos autos uma nota informativa do Gabinete Jurídico da Comissão Nacional de Eleições sobre a questão objecto do recurso na qual se conclui que a emissão das certidões de candidato é gratuita.
B - Fundamentação. - Emerge dos autos o seguinte quadro processual e de facto:
3.1 - Alegando ter conhecimento de que «aos seus candidatos no processo acima referenciado tem vindo a ser solicitado o pagamento das certidões comprovativas desta condição e destinadas à dispensa de funções laborais», a ora recorrente apresentou reclamação para o Juiz do tribunal a quo contra o acto da Secretaria de exigência de taxa pela emissão de certidões comprovativas da condição de candidato pedidas por estes com destino à dispensa do exercício das respectivas funções.
3.2 - Essa reclamação contra o acto da Secretaria foi indeferida pelo despacho agora
recorrido, do seguinte teor:
«Veio a CDU reclamar do acto da Secretaria, nos termos do disposto no artigo 161.º, n.º 5, do Cód. Proc. Civil, aplicável ex vi artigo 231.º da Lei Eleitoral, referente à cobrança de taxa pela emissão de certidões comprovativas da condição de candidato pedidas por estes com destino à dispensa do exercício das respectivas funções.Nos termos do Regulamento das Custas Processuais, pela emissão de qualquer certidão, translado, cópia ou extracto é devida uma taxa - cf. artigo 9.º do referido
Regulamento.
Estão isentos de custas processuais os partidos políticos, cujos benefícios não estejam suspensos [cf. artigo 4º, n.º 1, al. e), do Regulamento das Custas Processuais].Não gozam de igual isenção subjectiva os respectivos candidatos (por si).
No entanto, a Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais, Lei Orgânica 1/2001, de 14/08, estabelece no seu artigo 227.º que 'São isentos de quaisquer taxas
[...]:
a) As certidões a que se refere o artigo anterior; [...]'.Por sua vez, dispõe o artigo 226.º do referido diploma legal, sob a epígrafe 'Certidões', que: 'São obrigatoriamente passadas, a requerimento de qualquer interessado, no prazo
de três dias:
a) As certidões necessárias para instrução do processo de apresentação decandidaturas;
b) As certidões de apuramento geral.'
Estabelece ainda o artigo 8.º da referida lei, no Capítulo referente ao 'Estatuto dos candidatos', que: 'Nos 30 dias anteriores à data das eleições, os candidatos têm direito à dispensa do exercício das respectivas funções, sejam públicas ou privadas, contando esse tempo para todos os efeitos, incluindo o direito à retribuição, como tempo deserviço efectivo.'
Nesta conformidade, e de acordo com o texto legal, a passagem de qualquer certidão que não caiba no âmbito do citado artigo 226º da Lei Eleitoral, não está isenta dopagamento de taxa.
Assim, não gozando os candidatos, individualmente, de isenção subjectiva quanto ao pagamento de custas, apenas lhes poderá aproveitar a isenção objectiva das mesmas, a qual está limitada, no que diz respeito à emissão de certidões, aos casos expressamenteprevistos na Lei Eleitoral.
Não se vê que se possa confundir, nem a lei o faz, 'certidões' com 'quaisquer requerimentos'. As primeiras são emitidas oficiosamente pela Secretaria e destinam-se a fazer prova de algo. Os segundos, quando judiciais, são dirigidos ao Juiz e por este apreciados, com um determinado fim, que pode ou não merecerprovimento/deferimento.
A entender-se que tudo constitui 'documento com fim eleitoral' não teria o legislador a necessidade de distinguir os conceitos, como o fez, no referido artigo 227.º Por outras palavras, se a intenção tivesse sido a de isentar do pagamento de taxa quaisquer certidões relativas ao processo eleitoral, poderia e deveria o legislador tê-lo feito nesses termos. Ao invés, limitou tal isenção à emissão das certidões referidas noartigo 226.º da Lei Eleitoral.
Refira-se ainda que a emissão de uma certidão com a relação de todos os candidatos que compõem a Lista de um determinado partido não é equivalente à emissão de tantascertidões quantos os candidatos.
A Lei Eleitoral veio, é certo, garantir o direito individual de cada candidato à dispensa do exercício das respectivas funções mas não veio isentar do pagamento de taxa as certidões pedidas para esse efeito, sendo certo que o poderia ter feito da mesma forma que o fez em relação às certidões previstas no artigo 226º.A questão poder-se-ia colocar também no caso de um candidato vir pedir a emissão de uma certidão, certificando essa sua qualidade, já após a realização das eleições.
Parece-me que a leitura da lei terá que ser sempre a mesma.
Pelo exposto, entendo ser de indeferir a reclamação apresentada.» 4 - A recorrente recorreu da decisão do juiz do tribunal a quo, alegando fazê-lo ao abrigo do disposto na alínea d) do artigo 8.º da Lei 27/82, de 22 de Novembro (quis dizer Lei 28/82, de 15 de Novembro).
Certo é, porém, que o Tribunal Constitucional não pode conhecer deste recurso de
legalidade, por falta de competência.
Dispõe, na verdade, a alínea d) do artigo 8.º da Lei 28/82, de 15 de Novembro, que compete ao Tribunal Constitucional «Julgar os recursos em matéria de contencioso de apresentação de candidaturas e de contencioso eleitoral relativamente às eleições para o Presidente da República, Assembleia da República, assembleias regionais e Seguramente que o presente recurso não tem como objecto qualquer questão em matéria de contencioso de apresentação de candidaturas e de contencioso eleitoral relativo às eleições para o poder local, expressões estas que, no quadro legislativo actualmente em vigor, devem ser entendidas como reportando-se às situações enquadradas nos artigos 31.º e segs. e 156.º e segs. da lei eleitoral dos órgãos das autarquias locais (LEOAL), aprovada pela Lei Orgânica 1/2001, de 14 de Agosto.Não está em causa qualquer contencioso relativo à apresentação de candidaturas às eleições nem qualquer contencioso relativo a essas mesmas eleições.
Em questão está um acto de cobrança de uma taxa por uma actividade exercida pelos serviços do tribunal: a emissão, por esses serviços, de um documento certificativo do conteúdo de certos documentos que integram processos que o tribunal conheceu.
5 - Poderá, porém, questionar-se se a questão não caberá no âmbito da alínea f) do mesmo artigo, 8.º da Lei 28/82, nos termos do qual cabe ao Tribunal Constitucional «Julgar os recursos contenciosos interpostos de actos administrativos e executórios praticados pela Comissão Nacional de Eleições ou por outros órgãos da administração eleitoral», e cujo processo se encontra regulado no artigo 102.º-B da mesma Lei n.º
28/82.
A resposta positiva a tal cogitação demandaria que o acto dos serviços do tribunal, de exigência da taxa como contrapartida da prestação do serviço de emissão de certidão comprovativa de que certas pessoas foram candidatos às eleições para os órgãos das autarquias locais, nas listas apresentadas no tribunal, de acordo com o disposto no artigo 20.º da LEOAL, pudesse ser qualificado como integrante do tipo «decisões de outros órgãos [para além da Comissão Nacional de Eleições] da administração eleitoral», a que se reporta o n.º 7 daquele artigo 102.º-B.Ora, nem substancial nem funcionalmente se pode ver, nessa decisão, um acto dos serviços de secretaria do tribunal judicial, de exigência de uma taxa como contrapartida da certificação de dados constantes de determinado processo, mesmo que eleitoral, pendente ou arquivado no tribunal, como um acto de órgão da administração eleitoral respeitante a processo eleitoral, mesmo para quem siga qualquer das posições afirmadas pelo Tribunal Constitucional nos seus Acórdãos 200/85, 106/90, 1/99, 312/08 e 471/08, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt, pois a única conexão que existe com o processo eleitoral é uma conexão física, traduzida no facto de o documento a certificar constar de um processo eleitoral que existirá para todo o
sempre.
Deste modo, o Tribunal Constitucional não pode conhecer do recurso neste processo.C - Decisão. - 6 - Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional decide
não conhecer do recurso.
Lisboa, 19 de Outubro de 2009. - Benjamim Rodrigues - Carlos Fernandes Cadilha - Ana Maria Guerra Martins - Carlos Pamplona de Oliveira - Gil Galvão - Joaquim de Sousa Ribeiro - Maria Lúcia Amaral - José Borges Soeiro - Vítor Gomes - Maria João Antunes - João Cura Mariano (vencido porque entendo que o presente recurso tem por objecto um acto de administração eleitoral, pelo que o Tribunal Constitucional era a instância competente para o conhecer. E, conhecendo, concederia provimento ao recurso, uma vez que, destinando-se as certidões em causa a comprovar a existência de um direito eleitoral dos candidatos, estamos perante uma situação equivalente às descritas no artigo 227.º, da LEOAL, o que justifica que a emissão dessas certidões não esteja condicionada ao pagamento de qualquer taxa.) -
Rui Manuel Moura Ramos.
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