I - Relatório 1 - Luís Aguiar Ferreira, mandatário do Partido Socialista às eleições autárquicas de 2009 no Município de Tabuaço, impugnou a 19 de Agosto, junto do Juiz da Secção única do Tribunal Judicial de Tabuaço, a elegibilidade de José Joaquim Monteiro Ferreira, candidato às eleições para a Câmara Municipal pela lista apresentada pelo CDS - Partido Popular (CDS-PP).
Foi a impugnação fundamentada nos termos da alínea g) do n.º 1 do artigo 6.º da lei Eleitoral para os Órgãos das Autarquias Locais (aprovada pela Lei Orgânica 1/2001, de 14 de Agosto), doravante designada por LEOAL, por ser o candidato José Joaquim Monteiro Ferreira agente da Polícia Judiciária, exercendo funções na Directoria do Norte da mesma Polícia, e por se entender que, nos termos da lei de Segurança Interna, integraria a Polícia Judiciária as Forças e Serviços de Segurança.
2 - Por despacho datado de 20 de Agosto, determinou o Juiz da Secção única do Tribunal Judicial de Tabuaço, quanto à impugnação apresentada pelo Partido Socialista:
Tratando-se de impugnação de elegibilidade, estribada no n.º 3 do artigo 25.º, cuja se tem já por tempestiva, ouça-se o respectivo mandatário em 3 dias [...] ao abrigo do estatuído no artigo 26.º, n.º 2, 2.ª parte.
3 - Na sequência deste despacho, veio Faustino Fernando Lopes, mandatário eleitoral do CDS-PP, "contestar", a 21 de Agosto, a impugnação de elegibilidade, aduzindo, no essencial, a seguinte argumentação:
[...] Nos termos da lei Eleitoral para os Órgãos das Autarquias Locais, a inelegibilidade do candidato apenas poderia fundar-se na identificação de agente da polícia judiciária com a hipótese normativa de «agentes dos serviços e forças de segurança, enquanto prestarem serviço activo» (Alínea g) In fine do n.º 1 do Artigo 6.º da Lei Orgânica 1/2001, de 14 de Agosto).
Os fundamentos da impugnação invocam o disposto n.º 2 do artigo 25.º da lei de Segurança Interna - Lei 53/2008, de 9 de Agosto, que inclui, de forma genérica, a Polícia Judiciária no exercício de funções de segurança interna.
Mas não teve em conta os termos dos artigos 1.º e 2.º da lei da Polícia Judiciária - Lei 37/2008 de 6 de Agosto, que definem estatutariamente a Polícia Judiciária como «corpo superior de polícia criminal», que tem por missão «coadjuvar as autoridades judiciárias na investigação».
Assim, se é verdade que a lei de Segurança Interna no artigo 25.º abre a possibilidade de o exercício de funções de segurança interna ser cometido também à Polícia Judiciária, essa não é a sua função essencial ou típica, que é definida na sua Lei Orgânica como um «corpo superior de polícia criminal», que tem por missão «coadjuvar as autoridades judiciárias na investigação», e não como força de segurança.
Pelo que o fundamento da impugnação não conduz à melhor interpretação da caracterização do facto (da missão, natureza e atribuições da Polícia Judiciária) Nem, consequentemente, da capacidade eleitoral passiva e activa do referido agente, desprezando ainda outro tópico essencial: o de que a natureza fundamental do direito de participação política - o direito de ser eleito - exige níveis intensos de justificação para os seus limites.
[...] 4 - A 25 de Agosto, o Juiz do Tribunal de Tabuaço, concluindo pela elegibilidade do candidato José Joaquim Monteiro Ferreira - por entender que a Polícia Judiciária seria, essencialmente, um órgão de polícia criminal auxiliar na administração da justiça e não uma força de segurança -, indeferiu a impugnação apresentada pelo mandatário do Partido Socialista, ordenando a sua notificação.
Havendo ainda que apreciar impugnação apresentada quanto a outra candidatura, mais se disse, no despacho de 25 de Agosto, que "a regularidade do processo eleitoral [seria] apreciada oportunamente", o que veio a suceder a 26 de Agosto, data em que (uma vez verificada a regularidade do processo) Se ordenou a afixação das listas de candidaturas à porta do edifício do tribunal nos termos do artigo 28.º da LEOAL.
5 - Não se conformando com a decisão de 25 de Agosto, que considerara elegível o candidato do CDS-PP, Luís Aguiar Ferreira, mandatário do partido Socialista, interpôs dela recurso para o Tribunal Constitucional, alegando uma vez mais que, "no quadro legislativo em vigor", a Polícia Judiciária exerceria efectivamente funções de segurança interna, devendo por isso os seus agentes ser considerados como agentes de segurança enquanto prestassem serviço activo.
Com fundamento no artigo 77.º da lei do Tribunal Constitucional e, a contrario, no n.º 1 do artigo 31.º da LEOAL, não foi o recurso admitido pelo juiz a quo, que entendeu ser irrecorrível a decisão de 25 de Agosto. É o que se depreende, claramente, do seguinte excerto:
Na situação concreta, o Ilustre Mandatário do PS não reclamou da decisão que admitiu a candidatura apesar de notificado para tal, limitando-se a recorrer da mesma.
Acontece que a decisão objecto de recurso, na medida em que admitia reclamação, não pode ser considerada como sendo uma decisão final, pelo que não pode ser objecto de recurso.
Pelo exposto, nos termos dos artigos 77.º da lei do Tribunal Constitucional e 31.º, a contrario, da lei Eleitoral para os órgãos das Autarquias Locais, não se admite o recurso interposto. (fls. 282) 6 - Na sequência deste despacho, veio o mandatário do Partido Socialista dirigir-se de novo ao Tribunal Constitucional, pedindo a revogação da decisão recorrida na parte respeitante à elegibilidade do candidato José Joaquim Monteiro Ferreira (e, em consequência, a determinação da sua inelegibilidade) E concluindo do seguinte modo as suas alegações:
1 - A decisão de 20 de Agosto de 2009 devia ter decidido a elegibilidade ou inelegibilidade do candidato impugnado pelo PS, José Joaquim Monteiro Ferreiro, tal como o fez relativamente à existência de irregularidades processuais, por ser esse o sentido e propósito do artigo 26.º da LEOAL.
2 - A notificação do mandatário do CDS, ordenada na decisão de 20 de Agosto, nos termos do artigo 26.º/2 da LEOAL - errada na nossa opinião -, induziu em erro desculpável o recorrente/mandatário do PS que, em vez de ter reclamado, recorreu da decisão de 25 de Agosto, convicto de se tratar de decisão final.
3 - O mandatário do PS apresentou as alegações de recurso para o Tribunal Constitucional, dentro do prazo estipulado para a reclamação (2 de Agosto de 2009), o qual expirava a 31 de Agosto de 2009 (artigo 29.º/1 da LEOAL), tendo apresentado o respectivo recurso no tribunal recorrido e notificado pessoalmente o mandatário do candidato impugnado, vindo este a exercer o seu direito de resposta.
4 - A afixação das listas a que se reporta o artigo 29.º/5 da LEOAL ocorreu no dia 03 de Setembro de 2009.
5 - Tendo o ora recorrente interposto recurso, no dia 27 de Agosto de 2009, dentro do prazo em que devia ter reclamado, pelas razões já invocadas nestas alegações, a matéria de facto e de direito naquele referidas sempre seria a mesma, visto que os fundamentos que sustentaram a decisão datada de 25 de Agosto de 2009, que considerou o candidato impugnado elegível, se mantêm inalterados na decisão de 02 de Setembro, objecto deste recurso.
6 - Do que consta na decisão de 25 de Agosto, não se vislumbra qualquer referência, mesmo que implícita, ao artigo 29.º/1 da LEOAL.
7 - Os Acórdãos do Tribunal Constitucional n.os 528/89 e 624/93 referem expressamente que não obsta ao conhecimento do recurso a prematuridade da sua interposição, designadamente em momento em que as listas ainda não estavam afixadas.
8 - Com efeito, inexiste na lei processual qualquer norma que estabeleça sanção para o caso de prática de acto, dentro do prazo legal, mas por lapso erradamente individualizado, o que jamais pode implicar a perda de um direito.
9 - O recurso em causa deveria ser considerado apresentado como reclamação, tal como foi decidido no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 624/93.
10 - A inelegibilidade visa assegurar garantias de dignidade e genuidade do acto e evitar que a eleição de quem se entenda que não deve ou não pode representar um órgão autárquico. Visa-se, assim, proteger a independência das funções, manter na actuação administrativa a transparência e a objectividade que lhe devem imprimir o seu indiscutível cariz de interesse geral.
11 - O candidato em questão, José Joaquim Monteiro Ferreiro, é agente da Polícia Judiciária (PJ) E exerce funções na Directoria do Norte (Porto) Da Polícia Judiciária, em cuja área de jurisdição se inclui a comarca de Tabuaço.
12 - A Polícia Judiciária exerce, efectivamente, no quadro legislativo em vigor (Lei 37/2008, de 6 de Agosto, e Decreto-Lei 275-A/2005, de 9 de Novembro - Lei Orgânica da Polícia Judiciária, e Lei 53/2008, de 29 de Agosto - Lei da Segurança Interna), funções de segurança interna e os seus agentes são considerados forças de segurança enquanto prestarem serviço activo.
13 - A lei de Organização da Investigação Criminal (Lei 49/2008, de 27 de Agosto), no seu artigo 3.º/1/al. a), refere expressamente a Polícia Judiciária como um órgão de polícia criminal de competência genérica, tal como a Guarda Nacional Republicana e a Polícia de Segurança Pública.
14 - A Lei 37/2008, de 6 de Agosto (Lei Orgânica da Polícia Judiciária) É anterior à Lei 53/2008, de 29 de Agosto (Lei de Segurança Interna) E não contém nada que infirme a PJ como força de segurança.
15 - O artigo 272.º/2, da CRP, ao determinar que "as medidos de polícia são as previstas na lei", enuncia um princípio de tipicidade legal dos actos de polícia susceptíveis de serem praticados por uma força de segurança, como a PJ.
16 - Competindo à PJ, além do mais, uma actividade de prevenção e detecção criminal, não pode, esta polícia, deixar de estar incluída no conceito constitucional de "forças de segurança".
17 - A inelegibilidade prevista no artigo 6.º/1, alínea g) da Lei Orgânica 1/2001, de 14 de Agosto, abarca igualmente as forças de segurança que vêm enumeradas taxativamente no artigo 25.º/2 da Lei 53/2008, de 29 de Agosto (Lei de Segurança Interna), onde se inclui a Polícia Judiciária.
Entendeu então o Senhor Juiz do Tribunal Judicial de Tabuaço, "por mera cautela" (fls.
320), que este último "recurso" consubstanciaria uma reclamação do despacho que não admitira o recurso anterior, interposto a 27 de Agosto, ordenando por isso a remessa do processo para o Tribunal Constitucional ao abrigo do disposto nos artigos 76.º e 77.º da Lei 28/82.
II - Fundamentos
7 - As normas de processo aplicáveis aos recursos eleitorais são apenas aquelas que decorrem da disciplina conjugada das normas das leis eleitorais pertinentes e das normas constantes do Subcapítulo II do Capítulo III da Lei 28/82. Como sempre tem dito o Tribunal em jurisprudência constante, é a natureza célere dos processos eleitorais que imprime à disciplina da sua tramitação especiais exigências de rigor (veja-se, entre muitos outros, o Acórdão 432/05, disponível em www.tribunalconstitucional.pt).
Assim, a aplicação do regime previsto nos artigos 76.º e 77.º da Lei 28/82 a este tipo de processos não só se mostraria um instrumento adjectivo radicalmente inadequado para a resolução das questões substantivas em causa, como contrariaria as exigências de disciplina célere a que devem estar submetidos, pela sua própria natureza, os processos eleitorais.
8 - Determina a Constituição que o Tribunal só julga a validade e regularidade dos actos de processo eleitoral em última instância.
Assim, e em matéria de contencioso de apresentação de candidaturas, um dos elementos centrais da disciplina processual aplicável, resultante da Lei 28/82 e das leis eleitorais pertinentes, é o de que só são recorríveis para o Tribunal as decisões finais que venham a ser proferidas pelos tribunais a quo sobre as questões materiais controvertidas. Concretizando este elemento, vem a LEOAL - à semelhança do que ocorre com outra leis eleitorais - determinar, no artigo 31.º, que das "decisões finais relativas à apresentação de candidaturas cabe recurso para o Tribunal Constitucional, com excepção das decisões proferidas sobre denominações, siglas e símbolos de grupos de cidadãos que são irrecorríveis." Por isso, prevê-se, no artigo 29.º, n.º 1 da mesma lei, a reclamação, para o mesmo juiz que as proferiu, das decisões relativas à apresentação de candidaturas, reclamação essa que, visando a obtenção de decisão final sobre a questão, deve portanto anteceder a interposição do recurso para o Tribunal Constitucional.
Em longa e firme jurisprudência, tem sempre o Tribunal reiterado a exigência desta reclamação prévia. Como sempre se disse (e veja-se, quanto a este ponto, e a título de exemplo, o acórdão n.os 240/85, publicado no Diário da República, 2.º série, de 4 de Março de 1986, e depois dele os acórdãos n.os 696/93, 697/93, 390/2000, 288/92, e, mais recentemente, o 496/09, todos eles disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt) "o contencioso de apresentação de candidaturas, tendo por destinatário o Tribunal Constitucional, passa pela obrigatoriedade de reclamar no tribunal de comarca", pelo que "onde não haja reclamação, não há recurso para o Tribunal Constitucional." Esta exigência constante só tem sido pelo Tribunal excepcionada naqueles casos em que, apesar de não ter havido - por motivos não imputáveis ao recorrente - reclamação prévia da decisão judicial, esta última se configura, substancialmente, como uma decisão final (neste sentido, acórdãos n.os 528/89, 287/92, e 438/09).
Não pertence a situação presente a nenhum desses casos. Na verdade (veja-se supra, ponto 4), quando notificado da decisão de 25 de Agosto - de que imediatamente interpôs recurso para o Tribunal -, o Partido Socialista tinha ao seus dispor todos os elementos que permitiam identificá-la como decisão não final. Como se viu, do texto do despacho notificado constava a intenção do juiz de, uma vez resolvida a impugnação apresentada pelo Partido Socialista, apreciar "em momento oportuno a regularidade do processo eleitoral", só então se ordenando a afixação das listas de candidaturas a que se refere o artigo 28.º da LEOAL. Sendo por isso manifesto que a decisão de que se interpôs recurso se apresentava como anterior àquela a que se reporta o artigo 29.º da mesma lei, improcede a alegação do recorrente, segundo a qual seria "desculpável" o erro em que teria sido induzido, ao ficar convicto de que a decisão de que recorria se configurava como decisão final.
Assim sendo - e não havendo razões para que se não cumprisse, no caso, a exigência da reclamação prévia à interposição do recurso - não pode o Tribunal conhecer deste último.
III - Decisão Nestes termos, decide-se não conhecer do objecto do recurso interposto.
Lisboa, 14 de Setembro de 2009. - Maria Lúcia Amaral - José Borges Soeiro - Benjamim Rodrigues - Carlos Fernandes Cadilha - Carlos Pamplona de Oliveira - Joaquim de Sousa Ribeiro - Gil Galvão.
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