Clínica Internacional de Campo de Ourique
Pub

Outros Sites

Visite os nossos laboratórios, onde desenvolvemos pequenas aplicações que podem ser úteis:


Simulador de Parlamento


Desvalorização da Moeda

Acórdão 177/2016, de 3 de Maio

Partilhar:

Sumário

Não conhece da questão de inconstitucionalidade relativa à alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março; julga inconstitucional a alínea c) do n.º 1 do artigo 28.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, na interpretação normativa de que o conceito de «pronúncia indevida» não abrange a impugnação da decisão arbitral com fundamento na incompetência material do tribunal arbitral

Texto do documento

Acórdão 177/2016

Processo 126/15

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I - Relatório

1 - O DiretorGeral da Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, “AT”) interpôs, ao abrigo do disposto no artigo 280.º, n.º 1, alínea b), da Constituição da República Portuguesa (doravante, “CRP”), e no artigo 70.º, n.º 1, alínea b) da Lei 28/82, de 15 de novembro - Lei Orgânica sobre Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (doravante, “LTC”), recurso para o Tribunal Constitucional da decisão Tribunal Central Administrativo Sul de 13 de novembro de 2014 (fls. 234/249), que julgou improcedente a impugnação da decisão arbitral de 28 de março de 2014, confirmando esta (fls. 650/710, I volume apenso).

O pedido de fiscalização da constitucionalidade apresenta como parâmetros a

«

violação do direito de acesso à justiça (artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa), do princípio da legalidade (artigos 3.º, n.º 2, 202.º e 203.º da CRP) e do artigo 266.º, n.º 2, do mesmo diploma, no seu corolário do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários ínsito no artigo 30.º, n.º 2, da LGT, que vinculam o legislador e toda a atividade da AT - a norma do artigo 28.º, n.º 1, alínea c), do Decreto Lei 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária), quando interpretada no sentido de o conceito “pronúncia indevida” excluir a impugnação da decisão arbitral com fundamento na incompetência material do tribunal arbitral nos termos previstos no RJAT e na Portaria 112-A/2011, de 22 de março.

»

(fls. 757/758). E explica:

«

3 - A aludida questão de inconstitucionalidade foi oportunamente problematizada pela ora Recorrente nas alegações que consubstanciaram a impugnação (de decisão arbitral) de cuja decisão ora se recorre, designadamente sob os artigos 44.º a 59.º, com especial enfoque nos artigos 51.º, 52.º, 53.º e 54.º e vertida nas alíneas q), r), s) e t) da respetiva síntese conclusiva.

4 - Com efeito e de acordo com o aí explanado, o conceito de “pronúncia indevida”, inserto na norma da alínea c) do n.º 1 do artigo 28.º do RJAT, como fundamento de impugnação da decisão arbitral, não pode deixar de contemplar a sindicância de questões relativas à (in)competência do tribunal arbitral.

5 - Nestes termos, importa pois que se declare que é inconstitucional o artigo 28.º, n.º 1, alínea c) do RJAT no qual se prevê que a decisão arbitral é impugnável com fundamento em pronúncia indevida, quando interpretado no sentido de não admitir a impugnação da decisão arbitral com fundamento na incompetência material do tribunal arbitral, por violação do direito de acesso à justiça (artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa), do princípio da legalidade (artigos 3.º, n.º 2, 202.º e 203.º da CRP) e do artigo 266.º, n.º 2, do mesmo diploma, no seu corolário do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários ínsito no artigo 30.º, n.º 2, da LGT, que vinculam o legislador e toda a atividade da AT.

6 - A outro passo, porque subjacente à questão anterior, importa que se proceda ainda à apreciação da inconstitucionalidade da alínea a) do artigo 2.º da Portaria 112-A/2011, de 22 de março, na interpretação normativa segundo a qual nas

«

Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidas de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 13.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário

» se inclui o pedido de revisão oficiosa, quando a letra e o espírito da lei o não contemplam.

6 - Dimensão interpretativa que se entende violadora dos princípios constitucionais do Estado de Direito e da separação de poderes (artigos 2.º e 111.º da CRP), bem assim como o direito de acesso à justiça (artigo 20.º da CRP), da legalidade (artigos 3.º, n.º 2, 202.º e 203.º da CRP) e, ainda, o artigo 266, n.º 2, da lei fundamental, no seu corolário do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários ínsito no artigo 30.º, n.º 2, da LGT.

7 - A problemática em causa foi oportunamente equacionada no articulado que consubstanciou a Resposta da AT ao pedido de pronúncia arbitral que deu origem aos autos, designadamente nos artigos 178.º a 189.º e reiterada em sede de impugnação da decisão arbitral nos artigos 55.º a 92.º, com especial enfoque nos artigos 59.º, 79.º, 82.º e 83.º e 9.º e 92.º e nas conclusões formuladas sob as alíneas w), y), z), aa), bb) cc), dd) e ee).

8 - Importa, pois, que se declare a inconstitucionalidade de tal sentido interpretativo ou seja, que se declare que a alínea a) do artigo 2.º da Portaria 112-A/2011, de 22 de março (conjugada do disposto no artigo 4.º, n.º 1, do RJAT) é inconstitucional na interpretação normativa segundo a qual o âmbito de vinculação da AT à jurisdição dos tribunais arbitrais em matéria tributária que funcionam sob a égide do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), no que respeita a

«

pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta, nos termos dos artigos 13.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário

» inclui o pedido de revisão oficiosa (nos termos do artigo 78.º da LGT), por violação dos princípios constitucionais do Estado de Direito e da separação de poderes (artigos 2.º e 111.º da CRP), bem assim como o direito de acesso à justiça (artigo 20.º da CRP), da legalidade (artigos 3.º, n.º 2, 202.º e 203.º da CRP) e, ainda, o artigo 266, n.º 2, da lei fundamental, no seu corolário do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários ínsito no artigo 30.º, n.º 2, da LGT.
»

2 - O relator notificou a recorrente (fl. 276) para se pronunciar quanto à possibilidade de(a) não ser conhecida a questão suscitada nos pontos 6. a 8. do requerimento de recurso e (b) para alegar, relativamente à questão colocada no ponto 5.

3 - A recorrente pronunciou-se quanto à primeira questão nos seguintes termos:

«

I - Da eventualidade de não conhecimento da questão suscitada nos pontos 6 a 8 do requerimento de recurso (por a decisão recorrida não ter aplicado, como razão de decidir, a interpretação normativa cuja constitucionalidade foi suscitada)

1 - No segmento do requerimento de recurso constante dos respetivos pontos 6 a 8, a Recorrente pede a apreciação da inconstitucionalidade da alínea a) do artigo 2.º da Portaria 112-A/2011, de 22 de março, na interpretação normativa segundo a qual nas

«

Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidas de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário

» se inclui o pedido de revisão oficiosa, quando a letra e o espírito da lei o não contemplam.

2 - Efetivamente, tal dimensão interpretativa viola os princípios constitucionais do Estado de Direito e da separação de poderes (arti-gos 2.º e 111.º da CRP), bem assim como o direito de acesso à justiça (artigo 20.º da CRP), da legalidade (artigos 3.º, n.º 2, 202.º e 203.º da CRP) e, ainda, o artigo 266.º, n.º 2, da lei fundamental, no seu corolário do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários, ínsito no artigo 30.º, n.º 2 da LGT.

3 - Sendo que, como referido no requerimento de recurso, a problemática em causa foi oportunamente equacionada no articulado que consubstanciou a Resposta da AT ao pedido de pronúncia arbitral que deu origem aos autos, designadamente, nos artigos 178.º a 189.º, e reiterada em sede de impugnação da decisão arbitral nos artigos 55.º a 92.º, com especial enfoque nos artigos 59.º,79.º, 82.º e 83, e 91, e 92.º e nas conclusões formuladas sob as alíneas w), y), z), aa), bb), cc), dd) e ee).

4 - Por despacho, melhor identificado no introito, notifica-se a Recorrente para pronúncia quanto à eventualidade de não conhecimento da questão supra identificada, por a decisão recorrida não ter aplicado, como razão de decidir, a interpretação normativa cuja constitucionalidade foi suscitada.

5 - Ora, entende a Recorrente que esta questão deve ser apreciada pelo presente Tribunal, por duas ordens de razão que se passam a enunciar e que de seguida se explicitam:

(i) A questão colocada foi devidamente evocada em sede de Resposta e Impugnação Arbitral (cf. ponto 3 supra), advindo o não conhecimento da questão na decisão recorrida (quando podia e devia fazê-lo) do facto de o Tribunal a quo ter rejeitado a apreciação do recurso por falta de competência material, atento o seu entendimento de que o vício invocado pela ora Recorrente não é passível de enquadramento na alínea c) do n.º 1 do artigo 28.º do RJAT; nessa medida, sendo assim aplicáveis as regras previstas nos n.os 2, 4 e 6 do artigo 70.º da Lei 28/82, de 15.11 (LTC), deve o presente Tribunal conhecer da questão apresentada nos pontos 6 a 8 do requerimento de recurso, por se entender que a Recorrente está em tempo e tem legitimidade, não se afigurando relevante a falta de aplicação expressa da questão na decisão proferida pelo Tribunal a quo (sendo certo que o Tribunal Arbitral a aplicou no acórdão proferido);

(ii) De resto, sempre se deveria entender que tal omissão corresponde a recusa implícita, suficiente para que a mesma possa ter cabimento no disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70. da LTC.

Em primeiro lugar:

6 - Na presente situação, é certo que a questão de inconstitucionalidade foi oportunamente suscitada em momento prévio à decisão arbitral, sendo igualmente certo que tal interpretação normativa foi fundamento da decisão arbitral, tendo o Tribunal Arbitral decidido contra a posição assumidamente expressa e defendida pela AT (cf. página 19 da mesma);

7 - Consequentemente, a ora Recorrente impugnou tal decisão ao abrigo da do artigo 28.º, n.º 1, alínea c) do RJAT, com fundamento em ““pronúncia indevida””, atento o Tribunal Arbitral ter conhecido de litígio excluído da sua competência, nos termos artigo 2.º, alínea a) da Portaria 112-A/2011, aí renovando a questão de constitucionalidade suscitada;

8 - A pronúncia sobre esta questão não foi expressamente apreciada pelo Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS) dada a interpretação inconstitucional do artigo 28.º, n.º 1, alínea c) do RJAT (que se explicita na secção II do presente articulado), ou seja, o conhecimento daquela questão ficou prejudicada pela solução dada ao recurso, qual seja, a de inimpugnabilidade/irrecorribilidade da decisão arbitral com fundamento na alínea c) do n.º 1 do artigo 28.º do RJAT, com a consequente confirmação da decisão proferida pelo Tribunal Arbitral.

9 - Posto isto, para o que ora importa, tendo cabimento o recurso na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, quanto à legitimidade importa ainda atentar nos respetivos n.os 2, 4 e 6:

«

2 - Os recursos previstos nas alíneas b) e f) do número anterior apenas cabem de decisões que não admitam recurso ordinário, por a lei o não prever ou por já haverem sido esgotados todos os que no caso cabiam, salvo os destinados a uniformização de jurisprudência. 4 - Entende-se que se acham esgotados todos os recursos ordinários, nos termos do n.º 2, quando tenha havido renúncia, haja decorrido o respetivo prazo sem a sua interposição ou os recursos interpostos não possam ter seguimento por razões de ordem processual. 6 - Se a decisão admitir recurso ordinário, mesmo que para uniformização de jurisprudência, a não interposição de recurso para o Tribunal Constitucional não faz precludir o direito de interpôlo de ulterior decisão que confirme a primeira.

»

10 - Assim, como se explicita no Breviário de Direito Processual Constitucional de Guilherme da Fonseca e Inês Domingos, Coimbra Editora, 1997, pág. 32:

«

Nesta hipótese, em que a decisão admite os dois recursos, os prazos para interpor ambos correm em paralelo.

Se a decisão admitir recurso ordinário, a não interposição de recurso para o TC não faz precludir o direito a interpôlo de ulterior decisão que confirme a primeira (artigo 70.º, n.º 4, da LTC).

Quer isto dizer que, naqueles casos em que, não tendo sido interposto recurso para o TC da decisão a ele sujeita, mas da qual foi interposto recurso ordinário, e se vem a verificar que a decisão deste recurso ordinário confirma a anterior decisão, ainda é possível recorrer por via do recurso de constitucionalidade.

Não é, pois, de natureza confirmativa da decisão que impede a posterior interposição.

Mas, se for interposto recurso para o TC (2.ª opção), os prazos para a interposição de outros recursos que caibam da decisão, ficam interrompidos, desde que não extintos, nem caducados, sendo isto tanto válido para os que venham a ser interpostos posteriormente, como para os que já tenham sido antes (ac. 193/91).

Interposto recurso ordinário que não seja admitido com fundamento em irrecorribilidade da decisão, o prazo para recorrer para o TC conta-se do momento em que se torne definitiva a decisão que não admite recurso.

»

11 - Deste modo, a coberto do disposto no artigo 70.º, n.º 2, 4 e 6, da LTC, deve a questão de constitucionalidade suscitada nos pontos 6 a 8 ser conhecida, por se estar em tempo e se ter legitimidade.

12 - Com efeito, o não conhecimento da questão na decisão recorrida (quando podia e devia fazê-lo) advém do facto de o Tribunal a quo ter rejeitado a apreciação do recurso por falta de competência material, atento o seu entendimento de que o vício invocado pela ora Recorrente não é passível de enquadramento na alínea c) do n.º 1 do artigo 28.º do RJAT, não se afigurando, assim, relevante a falta de aplicação expressa da questão na decisão proferida pelo Tribunal a quo (sendo certo que o Tribunal Arbitral a aplicou no acórdão proferido).

13 - Ora, a impugnação arbitral deduzida não pode deixar de configurar um recurso ordinário para efeitos de tais disposições legais. 14 - Aliás, assim o entende Ilustre Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, no Comentário ao RJAT [...], no qual pugna o seguinte, a propósito do artigo 28.º, n.º 1 do RJAT:

«

Nos casos em que seja interposto recurso da decisão arbitral para o Tribunal Constitucional consideram-se interrompidos os prazos para interposição de outros recursos que caibam da decisão, que só podem ser interpostos depois de cessada a interrupção (artigo 75.º, n.º 2, da Lei 28/82, de 15 de novembro).

Adaptando esta norma à arbitragem tributária, interromper-se-ão tanto o prazo do recurso para o Supremo Tribunal Administrativo como o prazo para impugnação no Tribunal Central Administrativo, pois aquela norma da Lei 28/82, tem como pressuposto o regime dos tribunais judiciais, em que a impugnação das decisões com fundamento em nulidades se faz através de recursos.

Por isso, por interpretação declarativa, se conclui que aquela norma, ao referir a interrupção dos outros recursos, determina também a interrupção do meio processual destinado à invocação de nulidades de sentença ou processuais, que neste caso é a impugnação. De qualquer modo, a entender-se que aquela norma da Lei 28/82 não abrange diretamente as situações em que o meio processual adequado para anular a decisão é o pedido de impugnação, ela sempre seria aplicável, por analogia.

»

15 - No mesmo sentido, Carla Castelo Trindade, no Regime Jurídico da Arbitragem Tributária Anotado, Regime Jurídico da Arbitragem Tributária - Anotado, 1.ª Edição, Almedina, pág. 529:

«

É necessário fazer uma interpretação teleológica da palavra “recursos” utilizada, devendo ali incluir-se também as ações de impugnação de decisões arbitrais.

»

16 - Com efeito, determina o n.º 2 do artigo 75.º da LTC que, interposto recurso ordinário, mesmo que para uniformização de jurisprudência, que não seja admitido com fundamento em irrecorribilidade da decisão, o prazo para recorrer para o Tribunal Constitucional conta-se do momento em que se torna definitiva a decisão que não admite recurso.

17 - Deste modo, de igual modo e a coberto do entendimento da doutrina citada, então também o prazo para recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos dos referidos n.os2, 4 e 6, fica interrompido. 18 - Note-se ainda que para a Recorrente,

«

quando se pretende controlar a decisão arbitral em si, nos seus aspetos de competência, procedimentais e formais, o meio adequado será já a impugnação da decisão arbitral (cf. arts. 27 e 28 do RJAT)

»

(cf., o acórdão do TCAS recorrido), não existindo, assim, dúvidas quanto à possibilidade de impugnação arbitral com fundamento em “pronúncia indevida” (cf. artigo 28, n.º 1, alínea c) do RJAT) com vista a discutir, em segunda instância, a competência material do Tribunal Arbitral [...].

19 - Entendimento, de resto, já corroborado por aquele Tribunal - cf. acórdão do TCAS, de 2014-06-12, proferido no processo 06224/12:

«

ii) Os únicos fundamentos legalmente admissíveis como suporte de reação da decisão dos Tribunais arbitrais para os Tribunais Centrais, consistem na impugnação de tal decisão, consagrada no artigo 27.º do RJAT, com os fundamentos previstos no artigo 28.º, n.º 1, do mesmo diploma.

iii) No conceito de ““pronúncia indevida””, para além do “excesso de pronúncia”, incluem-se as situações em que o tribunal arbitral funcionou de modo irregular ou em que excedeu a sua competência.

»

20 - Pelo que, entendendo-se que existe a faculdade de discussão da questão atinente à competência material por via de recurso ordinário (in casu, designada pelo legislador como impugnação arbitral), devem ser aplicadas as regras previstas no artigo 70.º, n.os 2, 4 e 6 da LTC nos termos anteditos.

21 - Pois, se assim, não fosse, sempre se podia ter lançado, desde logo em alternativa, mão do recurso para o Tribunal Constitucional, previsto no artigo 25.º, n.º 1 do RJAT (nomeadamente face ao disposto no artigo 70.º, n.º 2 da LTC) ou suscitado intervenção do Ministério Público (cf. artigo 72.º, n.º 3 da LTC).

22 - Conclusivamente, atento todo o exposto - o quadro normativo indicado, a doutrina quanto à interpretação da interrupção do prazo e a natureza de recurso, para esse efeito, da impugnação arbitral - não pode senão entender-se que o presente recurso, por referência à questão colocada nos pontos 6 a 8, pode ser conhecida pelo presente Tribunal.

23 - Por fim, para que dúvidas não existam, explicite-se que a decisão arbitral se pronunciou sobre a questão de constitucionalidade que lhe foi colocada.

24 - Com efeito, no acórdão arbitral, pugnou-se, quanto a esta questão, em síntese, o seguinte:

«

não se justifica afastar a jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD nos casos em que é formulado um pedido de revisão oficiosa sem prévia reclamação graciosa, com o que se criaria, sem fundamento bastante, uma nova situação de reclamação graciosa necessária privativa da jurisdição arbitral.

Ao contrário do alegado pela Requerida, diga-se que contra este entendimento não assumem pertinência ou significado os princípios constitucionais do Estado de direito e da separação de poderes (arts. 2.º e 111.º da CRP) ou da legalidade (arts. 3.º n.º 2 e 266.º, n.º 2 da CRP].

»

25 - Resulta pois, que o Tribunal Arbitral aplicou a interpretação inconstitucional suscitada pela AT, isto é, decidiu exatamente com base no critério normativo cuja inconstitucionalidade havia sido invocada. 26 - Estando, assim, subjacente à decisão arbitral um juízo implícito sobre a conformidade à Constituição da interpretação da norma propugnada pela Requerente e reputada inconstitucional pela então Requerida.

27 - Veja-se o Breviário de Direito Processual Constitucional de Guilherme da Fonseca e Inês Domingos, Coimbra Editora, 1997, pág. 40:

«

a aplicação da norma tanto pode ser expressa como implícita (acórdãos 88/86, 47/90, 235/93) e a questão de inconstitucionalidade tanto pode reportar-se a certa dimensão ou trecho da norma, como a uma certa interpretação da mesma (acórdãos 114/89, 612/94, 126/95, 178/95, 243/95, 305/90, 238/94, 176/88, 764/93, 51/92,)

»

.

28 - Mais referindo a obra citada que

«

o não conhecimento por parte de um tribunal da inconstitucionalidade de uma norma, quando podia e devia fazêlo, equivale à aplicação implícita da mesma (ac. 318/90).

»

29 - Veja-se ainda a Constituição da República Portuguesa Anotada de J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Coimbra Editora, 2010, pág. 944, em anotação ao artigo 280.º:

«

Quanto ao recurso das decisões negativas de inconstitucionalidade (n.º 1/b), é necessário que a questão da constitucionalidade tenha sido suscitada pela parte que pretenda recorrer para o TC; mas não é preciso que o tribunal se tenha debruçado expressamente sobre a questão suscitada; basta que tenha aplicado a norma, assim rejeitando a arguição de inconstitucionalidade.

»

30 - E mais referem

«

Não há lugar a recurso quando a arguição de inconstitucionalidade tenha sido feita em relação a uma norma irrelevante para a causa, que não era aplicável nem foi aplicada (cf. Ac TC n.º 12/87)

» o que se invoca também a favor da admissão do recurso, a contrario sensu.

31 - Considera a Recorrente que a decisão arbitral aplicou um critério normativo contrário à Constituição, isto é, aplicou, como razão de decidir, a interpretação normativa cuja constitucionalidade foi questionada em sede de Resposta [cf. designadamente nos artigos 178.º a 189.º e reiterada em sede de impugnação da decisão arbitral nos artigos 55.º a 92.º, com especial enfoque nos artigos 59.º, 79.º, 82.º e 83.º e 91.º e 92.º e nas conclusões formuladas sob as alíneas w), y), z), aa), bb) cc), dd) e ee)], e acima explicitado nos pontos 1 e 2.

32 - Pelo que, ressalvado o devido respeito, têm-se por verificados os requisitos exigidos para apreciação da questão suscitada pelo presente Tribunal;

33 - Pois que, caso fosse entendido de modo diferente, então as partes, ainda que objetivamente prejudicadas pela utilização de um critério normativo que reputam inconstitucional, como tempestivamente invocaram no processo, nunca poderiam chamar o Tribunal Constitucional à resolução do litígio.

34 - O que resultaria para a parte - vencida na questão da constitucionalidade - numa restrição ao direito de recurso, em violação ao princípio da tutela jurisdicional efetiva, inerente à ideia de Estado de Direito, e isto apenas em função da mera construção frásica utilizada pelo legislador.

35 - Restrição que resultaria infundada, ilegítima e discriminatória, e que, a proceder, consubstanciaria violação do princípio da igualdade, constitucionalmente consagrado, pois - sem qualquer justificação material para a distinção - seria coartada a via do recurso de inconstitucionalidade, caso o litígio dissesse respeito à verificação - ou não - dos pressupostos da norma.

36 - Assim, numa situação como a sub judice, o juízo sobre a verificação ou não dos pressupostos da norma consubstancia uma verdadeira situação de

«

aplicação da norma

»

, pelo menos, para efeitos de resolução da questão da inconstitucionalidade do critério normativo.

37 - Sendo certo que, como anteriormente referido, a questão da inconstitucionalidade do critério foi expressamente invocada pela parte nos seus articulados, e que tal questão foi decidida pelo Tribunal Arbitral, contra a posição assumidamente expressa e defendida pela AT.

38 - Em consonância, refira-se ainda que tal entendimento, a vingar, resultaria, em termos de sistema, numa inadmissível restrição ao exercício das competências próprias do Tribunal Constitucional enquanto guardião da conformidade das normas infraconstitucionais com as normas e princípios da Lei Fundamental.

39 - Sendo este, com o devido respeito, o entendimento perfilhado no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 184/2015:

«

Ora, entendendo a recorrente AT que a sua interpretação era boa e que o era por força do necessário respeito por um princípio constitucional, a interpretação adotada, de que resultou a aplicação da norma consubstanciou o fundamento da decisão recorrida.

»

40 - Pelo que, face a todo o exposto se conclui que a decisão arbitral, aplicou, como razão de decidir, a interpretação normativa cuja constitucionalidade foi questionada nos termos que subjazem nos pontos 6 a 8 do requerimento de recurso.

41 - Devendo, nos termos acima já explicitados, face ao disposto no artigo 70.º, n.os 2, 4 e 6 da LTC, a questão formulada nos pontos 6 a 8 do requerimento de recurso ser admitida pelo presente Tribunal e determinada a produção das respetivas alegações, o que desde já se peticiona.

Em segundo lugar:

42 - Sempre se deveria entender que a omissão no acórdão recorrido corresponde a recusa implícita, suficiente para que a mesma possa ter cabimento no disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.

43 - Como já mencionado, resulta do explicitado por Guilherme da Fonseca e Inês Domingos (cf. Breviário de Direito Processual Constitucional de, Coimbra Editora, 1997, pág. 40) que, a aplicação da norma tanto pode ser expressa como implícita e a questão de inconstitucionalidade tanto pode reportar-se a certa dimensão ou trecho da norma, como a uma certa interpretação da mesma, pelo que o não conhecimento por parte de um tribunal da inconstitucionalidade de uma norma, quando podia e devia fazêlo, equivale à aplicação implícita da mesma.

44 - Assim, e recordando que a Recorrente formulou em sede de Resposta e em sede de Impugnação Arbitral a questão cuja constitucionalidade pretende ver apreciada (cf. ponto 3 supra), entende-se que a configuração dada ao litígio pelo TCAS, a coberto, de resto, de uma interpretação inconstitucional do artigo 28.º, n.º 1, alínea c) do RJAT (o que melhor se explicita na secção II do presente articulado), não pode prejudicar a Recorrente, máxime por ser esta uma recusa de apreciação do recurso por razões de ordem processual.

45 - Deste modo, tendo presente o postulado de que o objeto de recurso para o Tribunal Constitucional é sempre a constitucionalidade de uma norma, não a constitucionalidade ou legalidade de uma decisão judicial, sob pena de restrição excessiva, entende-se, assim, ser puramente formalista e artificial a rejeição do recurso, porquanto a questão foi previamente formulada e objeto de pronúncia por parte do Tribunal Arbitral, não sendo conhecida pelo tribunal de recurso por o mesmo considerar que não tinha competência para do mesmo conhecer.

46 - Como se explicita no Breviário de Direito Processual Constitucional, pág. 10:

«

Para surgir o processo constitucional, torna-se indispensável que um juízo em curso não possa ser determinado sem o prévio acerto da questão de inconstitucionalidade de uma ou mais normas a aplicar na lide e sobre a(s) qual(ais) esta se alicerça.

Por isso, o processo incidental deve ser precedido do principal, constituindo este o pressuposto e o antecedente necessário daquele. Dada a natureza instrumental do processo constitucional, o TC só deve conhecer dos recursos de constitucionalidade quando os mesmos sejam suscetíveis de se repercutir utilmente sobre a decisão da questão de fundo, não servindo, pois, para discutir e dilucidar questões meramente académicas (acs. 324/94, 463/94, 366/96).

Por outro lado, deve essa repercussão verificar-se no julgamento do caso de onde emerge o recurso, e não já quando essa decisão apenas for útil para prevenir futuros litígios ou servir para os decidir, no caso de eles virem a eclodir (acs. 272/94, 324/94, 590/94)

»

47 - Ressalvado o devido respeito, têm-se, assim, por verificados os requisitos exigidos na LTC para admissão do recurso (cf., entre outros, o acórdão do Tribunal Constitucional proferido no processo 584/2014):

a inconstitucionalidade da interpretação normativa foi suscitada no processo arbitral previamente à sua decisão, que dela conheceu, sendo fundamento da decisão; constituindo, também este processo arbitral, processo principal de que depende o presente processo incidental cujo objeto de recurso tem a mesma questão de constitucionalidade, sendo, na verdade, naquele processo que se repercutirão os efeitos da decisão do presente Tribunal sobre a questão sub judice, nos termos do artigo 80.º da LTC.

48 - Só se admitindo aqui, por cautela, que o presente Tribunal reserve o conhecimento da presente questão para momento posterior ao conhecimento da questão identificada no ponto 5 do requerimento de recurso, por se afigurar prejudicial face a esta, atento os efeitos úteis que se pretendam assegurar nos termos do referido artigo 80.º da LTC.

49 - Pelo que, também com este fundamento, deve a questão formulada nos pontos 6 a 8 do requerimento de recurso ser admitida e determinada a produção das respetivas alegações, o que desde já se peticiona.

»

4 - E concluiu as suas alegações quanto à segunda questão:

«

A. Tendo o Tribunal Arbitral julgado improcedente exceção relativa à sua incompetência material, face ao exigido no artigo 2.º, alínea a) da Portaria 112-A/2011, a Recorrente, não se conformando com o acórdão arbitral neste segmento, interpôs Impugnação Arbitral junto do TCAS, nos termos e para os efeitos dos artigos 27.º e 28.º, n.º 1, alínea c) do RJAT, por entender que, estando em causa o controlo da decisão arbitral nos seus aspetos procedimentais, in casu no que à sua competência concerne, a impugnação arbitral tem cabimento na nulidade tipificada naquela alínea como “pronúncia indevida”

;

B. Tendo aí, à cautela, desde logo suscitado, a par da ilegalidade da interpretação que reconduz o vício de “pronúncia indevida” ao vício “excesso de pronúncia” previsto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC (na redação da Lei 41/2013, de 26.06), por violar as regras gerais de interpretação de normas (conforme entende o Ilustre Conselheiro Jorge Lopes de Sousa), a inconstitucionalidade do artigo 28.º, n.º 1, alínea c) do RJAT no qual se prevê que a decisão arbitral é impugnável com fundamento em “pronúncia indevida”, quando interpretado no sentido de não admitir a impugnação da decisão arbitral com fundamento na incompetência material do Tribunal Arbitral, por violação do direito de acesso à justiça (artigo 20.º da CRP), do princípio da legalidade (artigos 3.º, n.º 2, 202.º e 203.º e do artigo 266.º, n.º 2, da CRP), no seu corolário do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários ínsito no artigo 30.º, n.º 2, da LGT, que vinculam o legislador e toda a atividade da AT;

C. Esta questão de inconstitucionalidade foi devidamente problematizada pela ora Recorrente nas alegações que consubstanciaram a Impugnação (do acórdão arbitral) de cuja decisão ora se recorre, designadamente, sob o artigos 44.º a 59.º, com especial enfoque nos artigos 51.º, 52.º, 53.º e 54.º e vertida nas alíneas q), r), s) e t), da respetiva síntese conclusiva (cf. ponto 2 a 5 do requerimento de recurso);

D. No acórdão proferido pelo Tribunal a quo foi recusado atribuir à norma controvertida o sentido e o alcance pretendido pela ora Recorrente, ou seja, optou aquele Tribunal pela interpretação inconstitucional suscitada pela Recorrente na impugnação arbitral apresentada, pelo que, do exposto e em conformidade com o requerimento de recurso apresentado, decorre que o objeto do presente recurso é, pois, a questão da inconstitucionalidade do artigo 28.º, n.º 1, alínea c) do RJAT no qual se prevê que a decisão arbitral é impugnável com fundamento em “pronúncia indevida”, quando interpretado no sentido de não admitir a impugnação da decisão arbitral com fundamento na incompetência material do Tribunal Arbitral (cf. ponto 5 do requerimento de recurso);

E. Considera-se, desde logo, que tal interpretação do artigo 28.º, n.º 1, alínea c) do RJAT viola o princípio constitucional de acesso à justiça, consagrado no artigo 20.º da CRP;

F. Cabendo ao legislador ordinário concretizar, com maior ou menor amplitude, o âmbito de aplicação e conteúdo do direito genérico de recorrer das decisões jurisdicionais, estálhe vedado abolir o sistema de recursos in toto ou afetálo substancialmente através da consagração de soluções que restrinjam de tal modo o direito de recorrer que, na prática, se traduzam na supressão tendencial dos recursos;

G. O que sucede na situação sub judice, pois a interpretação que se reputa de inconstitucional traduz-se na subtração total de recurso para a instância jurisdicional estatal de decisões que definem a delimitação da vinculação do Estado Português ao regime da arbitragem tributária voluntária, fixado pelo Decreto Lei 10/2011, 20.01 e pela Portaria 112-A/2001, impedindo-se, assim, o conhecimento, por instância superior, do vício grave de incompetência material;

H. Com efeito, sendo tal questão insindicável por via de recurso por oposição de acórdãos (cf. artigo 25.º, n.º 2 do RJAT), a denegação da possibilidade de apreciação da incompetência material do tribunal arbitral com fundamento na alínea c) do n.º 1 do artigo 28.º do RJAT remetenos, então, para uma absurda situação em que o recurso para o Tribunal Constitucional, excecional por natureza, passaria a constituir via privilegiada (e única) para discussão jurisdicional destes graves vícios, o que não se pode aceitar, desde logo, por contrário ao escopo deste Tribunal;

I. Ou seja, mesmo admitindo-se, por um lado, que nem sempre se impõe a consagração do direito de recurso e, por outro lado, a constitucionalidade da regra de irrecorribilidade consagrada nos artigos 25.º a 28.º do RJAT, há que atentar que, na presente situação, por força da definição do âmbito da competência material do tribunal arbitral, se discute a amplitude da consagração legislativa da arbitragem tributária voluntária e respetiva vinculação (necessária) da AT;

J. Pelo que, na interpretação das opções adotadas pelo legislador quanto à possibilidade de impugnação/recurso da decisão arbitral - in casu, quanto ao vício de “pronúncia indevida” subjacente à alínea c) do n.º 1 do artigo 28. do RJAT - importa aportar a dimensão constitucional do direito do acesso à justiça e da tutela jurisdicional efetiva (cf. o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 311/2008), como garante de que cabe a Tribunal diferente do próprio validar a competência daquele, entendimento que sai reforçado pelas vinculações constitucionais que a própria proteção do interesse público impõe, aqui no corolário da indisponibilidade dos créditos tributários;

K. Ou seja, por força de tais princípios constitucionais, deve entender-se que o legislador quis reservar, nestes casos, um garante último de realização de justiça mediante consagração de uma via de recurso (designada por impugnação arbitral), pois estão em causa vícios particularmente graves, como a competência do Tribunal arbitral, cuja apreciação judicial implica, como se referiu, a determinação, pelo intérprete julgador, das fronteiras da opção da vinculação à tutela arbitral em detrimento da jurisdicional para discussão de créditos tributários;

L. Constituindo a opção pela consagração no RJAT de conceito (“pronúncia indevida”) distinto do utilizado no direito processual civil (entendido pela jurisprudência como “excesso de pronúncia”) indício forte nesse sentido;

M. Efetivamente, estamos perante norma plurissignificativa, pelo que a interpretação restritiva de tal conceito, sempre tem de ceder perante o princípio de interpretação da lei conforme à Constituição, ou seja, entre as interpretações possíveis deve-se optar pela que melhor realize os princípios estruturantes do Estado de Direito que estão consagrados, expressa ou implicitamente, na Constituição;

N. Entendendo-se que uma interpretação orientada para a CRP, máxime para uma tutela jurisdicional efetiva, leva a que seja inconstitucional a interpretação do artigo 28.º, n.º 1, alínea c) do RJAT, no qual se prevê que a decisão arbitral é impugnável com fundamento em “pronúncia indevida”, no sentido de não admitir a impugnação da decisão arbitral com fundamento na incompetência material do Tribunal Arbitral, pois, como se disse, está em causa a delimitação dos próprios limites da instância arbitral em detrimento da jurisdição judicial, ou seja, das fronteiras traçadas pelo legislador ordinário neste âmbito quanto à possibilidade da existência de tribunais arbitrais em matéria tributária, o que, com o devido respeito, não pode caber, em primeiro e último grau, ao próprio Tribunal Arbitral;

O. O que é particularmente mais grave se considerarmos que, a partir do momento em que o sujeito passivo escolha recorrer à via arbitral, a AT encontra-se necessariamente vinculada à mesma, por força da Portaria 112-A/2011, instância na qual, contrariamente ao que sucede na judicial, vigora o princípio da irrecorribilidade das decisões;

P. É de concluir que, na interpretação aqui sindicada (restritiva do conceito de “pronúncia indevida”), sai beliscado o direito constitucionalmente consagrado de acesso à justiça, previsto no artigo 20.º da CRP, pois, cabendo ao próprio tribunal arbitral a apreciação em primeira e última instância da sua própria competência, a exigência de recurso para um tribunal estadual torna-se mais premente, máxime atendendo às circunstância de (i) a vinculação da AT estar definida a priori na Portaria 112-A/2011, (ii) esta nunca poder tomar a iniciativa de constituir ou repudiar a constituição do tribunal arbitral por sua vontade e iii) estar em causa uma relação jurídica de direito público;

Q. Sendo tal conclusão ainda mais premente face à existência de decisões arbitrais contraditórias quanto à delimitação da sua competência material, mormente no que em concreto respeita à questão levantada pela AT no litígio arbitral em apreço, que, face ao regime restrito de recurso fixado no artigo 25.º, n.º 2 do RJAT, são de impossível uniformização;

R. Como já reconhecido, na interpretação da norma jurídica conforme à Constituição, há necessidade de se procurar soluções jurídicas que conduzam à unicidade da ordem jurídica pois apenas assim é possível salvaguardar os valores de justiça e, cumulativamente, da certeza, da segurança jurídica e da proteção da confiança, ínsitos nos princípios do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva;

S. Pelo que, a interpretação do artigo 28.º, n.º 1, alínea c) do RJAT deve ser no sentido de permitir o controlo de decisões arbitrais para além do vício de “excesso de pronúncia”, com vista a que questões atinentes, mormente, à competência da jurisdição arbitral, tenham um entendimento uniforme no que respeita aos limites da vinculação da AT à jurisdição arbitral;

T. Neste paradigma, a interpretação mais restrita da norma - a que se encontra aqui em causa - será inconstitucional, exatamente por, na medida inversa, colocar em cheque os referidos princípios constitucionais, uma vez que permite que, na ordem jurídica, coexistam interpretações distintas, insindicáveis, quanto à competência de determinado tribunal, solução que se afigura pouco razoável, injustificada e desproporcional, em especial, por ser contrária ao direito de acesso aos tribunais;

U. Com efeito, o direito ao processo, conjugado com o direito à tutela jurisdicional efetiva, impõe, por conseguinte, a prevalência da justiça material sobre a justiça formal;

V. Num Estado de Direito, a plenitude do acesso à jurisdição e os princípios da jurisdicidade e da igualdade postulam um sistema que assegure a proteção dos interessados contra os próprios atos jurisdicionais, a favor de uma unicidade do ordenamento jurídico e do respeito pelos valores de justiça e, cumulativamente, da certeza, da segurança jurídica e da proteção da confiança, razão pela qual, atento o exposto, se deve concluir que a interpretação restrita do artigo 28.º, n.º 1, alínea c) do RJAT, acima melhor identificada, é inconstitucional;

W. Considera-se ainda que há violação do princípio da legalidade (artigos 3.º, n.º 2, 202.º e 203.º e do artigo 266.º, n.º 2, da CRP), no seu corolário do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários, ínsito no artigo 30.º, n.º 2, da LGT, que vinculam o legislador e toda a atividade da AT;

X. Com efeito, todo o concluído é mais premente face ao referido princípio constitucional, por, na arbitragem tributária, estarem em causa créditos tributários indisponíveis e relações de interesse público (tendo a sua consagração levantado dúvidas quanto à sua constitucionalidade);

Y. Assim, defende-se que, apenas o entendimento que possibilite a impugnação da decisão arbitral junto dos tribunais estaduais com fundamento num conceito de “pronúncia indevida” que não se restrinja somente ao vício de “excesso de pronúncia”, como configurado na lei processual civil, salvaguarda a compatibilidade constitucional dos tribunais arbitrais previstos no RJAT na medida em que, apenas deste modo, se salvaguarda a tutela judicial efetiva enquanto garantia da correção de erros graves das suas decisões;

Z. Com efeito, tal princípio, na vertente da garantia da correção de erros das decisões dos tribunais arbitrais (exigida igualmente pelos princípios da igualdade e da legalidade), deve evitar que uma questão fundamental, como a da competência material da jurisdição arbitral, permaneça sob a incerteza adveniente de decisões contraditórias;

AA. Justificando-se tal entendimento, especialmente, por se estar perante uma relação jurídica que decorre do exercício de poderes de autoridade, devendo, nestes casos, reservar-se ao juiz estadual a possibilidade de uma última palavra (cf. acórdão do TC n.º 230/2013);

BB. Face ao exposto, crê-se que o princípio da legalidade, no seu corolário da indisponibilidade dos créditos tributários, constitui coordenada adicional no sentido de se interpretar o conceito de “pronúncia indevida” na perspetiva de um maior alcance da recorribilidade das decisões arbitrais, mitigando o princípio da celeridade a favor da tutela jurisdicional efetiva, da segurança jurídica e da proteção da confiança;

CC. Pelo que, consequentemente, nesta medida, a interpretação contrária, aqui sob apreciação, excluindo os vícios de competência ao controlo de qualquer tribunal estadual (cabendo em exclusivo ao Tribunal Arbitral apreciar da sua competência) é violadora dos princípios constitucionais referidos e, por isso, inconstitucional;

DD. Em suma, face ao exposto, o conceito de “pronúncia indevida”, inserto na norma da alínea c) do n.º 1 do artigo 28.º do RJAT, como fundamento de impugnação da decisão arbitral, não pode deixar de contemplar a sindicância de questões relativas à (in)competência do tribunal arbitral;

EE. Pelo que, deve ser declarado inconstitucional o artigo 28. º, n.º 1, alínea c) do RJAT, no qual se prevê que a decisão arbitral é impugnável com fundamento em “pronúncia indevida”, quando interpretado no sentido de não admitir a impugnação da decisão arbitral com fundamento na incompetência material do tribunal arbitral, por violação do direito de acesso à justiça (artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa) e do princípio da legalidade (artigos 3.º,n.º 2, 202.º e 203.º e do artigo 266.º, n.º 2, da CRP), no seu corolário do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários ínsito no artigo 30.º, n.º 2, da LGT, que vinculam o legislador e toda a atividade da AT.

»

5 - A recorrida - CMPH - DomusSocial - Empresa de Habitação e Manutenção do Município do Porto, E. M. - contraalegou, concluindo:

i) A inconstitucionalidade do artigo 28.º, n.º 1 alínea c) do Regime Jurídico da Arbitragem em matéria Tributária [...], “quando interpretado no sentido de o conceito

«

pronúncia indevida

» exclui, a impugnação da decisão arbitral com fundamento na incompetência material do tribunal arbitral nos termos previstos no RJAT e na Portaria 1 12-A/2011, de 22 de março”

; e, bem assim, ii) A inconstitucionalidade da alínea a) do artigo 2.º da Portaria 112-A/2011, de 22 de março, “na interpretação normativa segundo a qual nas

«

Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidas de recurso à via administrativos termos dos artigos 131.º a 133.ºdo Código de Procedimento e de Processo Tributários

» se inclui o pedido de revisão oficiosa, quando a letra e o espírito da lei o não contemplam”.

B. No que diretamente concerne à segunda questão de constitucionalidade suscitada pela Recorrente e acima evidenciada observa-se que não se encontram preenchidos os pressupostos exigíveis para a interposição do presente Recurso.

C. De facto, para que o cenário equacionado pela Recorrente merecesse provimento, indispensável seria que a interpretação avançada pelo Ilustre Tribunal a quo, no âmbito daquele preceito conformasse a violação de direitos, liberdades e garantias dos cidadãos. Mais, necessário seria que o Tribunal a quo tivesse aplicado, como razão de decidir, a interpretação normativa cuja constitucionalidade foi questionada. O que, com o devido respeito, não se observa.

E. Nesta medida, sublinhe-se que o Tribunal Central Administrativo Sul não chegou sequer a pronunciar-se sobre a questão suscitada, centrando-se, diversamente, na análise dos fundamentos legalmente admissíveis para o recurso (retius, impugnação) da decisão dos Tribunais Arbitrais para os Tribunais Centrais Administrativos, nos termos em que se encontram taxativamente previstos no n.º 1 do artigo 28.º do RJAT.

F. Pelo exposto, não assiste razão à Recorrente quando discorre num conjunto de argumentos com vista a pugnar pela admissibilidade do presente recurso, não configurando tampouco essa pretensa omissão, contrariamente ao equacionado pela Recorrente, um caso subsumível ao conceito de recusa implícita.

H. Ora, tendo em consideração a referida tramitação processual, dificilmente se descortinam - atenta a decisão manifestamente desfavorável, também nessa matéria, à Autoridade Tributária e Aduaneira - os motivos pelos quais a ora Recorrente não se socorreu em tempo do recurso para o Tribunal Constitucional tal como configurado no artigo 25.º, n.º 1 do RJAT, configurando esse o mecanismo adequado à apreciação da questão que a Recorrente suscita agora através do presente recurso.

I. Termos em que se deixa expressamente excecionado que não se encontram preenchidos os pressupostos exigíveis para a interposição do presente Recurso, designadamente o requisito patenteado no artigo 70.º, n.º 1 alínea b) da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional, o que, a proceder, sempre determinará a impossibilidade de conhecimento, por esse Venerando Tribunal, do objeto de recurso (neste sentido, e em caso inteiramente análogo ao presente, vd. o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 12/06, proferido no âmbito do processo 844/2005).

J. Em todo o caso, e na mera hipótese de raciocínio, o que não se concede nem se admite, de o recurso ser admitido nesses termos requer-se expressamente prazo para a ora Recorrida apresentar as competentes contraalegações. K. No que diretamente concerne à questão suscitada peia Recorrente quanto à desconformidade do preceituado no artigo 28.º, n.º 1, alínea c) do RJAT - no sentido e alcance atribuídos pelo Acórdão do TCA Norte ora em destaque -, com o bloco normativo constitucional consagrado nos artigos 20.º, 3.º, n.º 2, 202.º, e 203.º, e 266.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa (“CRP”), cumpre concluir que, da sua aplicabilidade plena, não decorre qualquer limitação, desproporcionalidade ou denegação do direito de acesso à justiça, da legalidade e de tutela dos interesses, legitimamente protegidos, da Recorrente.

L. É consabido que os fundamentos legalmente admissíveis para efeitos de impugnação das decisões arbitrais, nos termos do artigo 27.º do RJAT, configuram-se como taxativos atento o respetivo elenco restrito consagrado no artigo 28.º, n.º 1 do mesmo diploma.

M. Esta posição tem sido, aliás, reiteradamente veiculada pela Jurisprudência e Doutrina pátrias, que são unânimes ao consignar que os fundamentos de impugnação se subsumem a vícios de forma, de construção ou formação da decisão e, nessa medida, não incluem os eventuais erros de julgamento.

N. Ora, com base nestas premissas, considerou o Tribunal Central Administrativo Sul, no Acórdão aqui trazido à demanda, que a matéria suscitada pela ora Recorrente em sede impugnatória

«

não é passível de enquadramento nas diversas alíneas, do n.º 1, do artigo 28.º, do RJA T, pelo que não constitui fundamento legal de impugnação junto deste T C.A. Sul assim não sendo de conhecer por este Tribunal

»

.

O. Alicerçando esta tese e na esteira da mais uniforme jurisprudência emanada pelos Tribunais Centrais Administrativos, deixou-se asseverado no sobredito aresto que

«

[...] os únicos fundamentos legalmente admissíveis como suporte de reação da decisão dos Tribunais arbitrais para os T. C. Administrativos, consistem na impugnação de tal decisão, consagrada no artº. 27, com os fundamentos que se ancorem nos vícios deforma expressamente tipificados no artº. 28, n.º 1, e atrás elencados, correspondendo os três primeiros aos vícios das sentenças dos Tribunais tributários, nos termos do plasmado no art.º 125, n.º 1, do C.P.P. T., com correspondência ao estatuído nas alíneas b,), c,) e d), do art.º 615, n.º 1, do CPCivil.

»

P. Ora, a suscitada incompetência foi, no caso que subjaz, expressamente analisada pelo Tribunal Arbitral, que interpretou e aplicou o direito em conformidade com o entendimento perfilhado em matéria de incompetência.

Q. Resulta, assim, incontornável que a pretensão dirigida pela então Impugnante ao TCA Sul carecia, desde logo, de fundamento, na medida em que se encontra dentro das atribuições cometidas aos Tribunais Arbitrais a apreciação do seu âmbito de intervenção/com-petência, termos em que não se logrou in casu qualquer excesso de pronúncia.

R. É que, em bom rigor, urge não perder de vista que o Tribunal Arbitrai se limitou a julgar as exceções sobre a competência do tribunal arbitral, que foram suscitadas pela Recorrente na sua resposta ao pedido de pronúncia arbitral, considerando as mesmas improcedentes, pelo que não se verifica qualquer situação de “conhecimento de questões que não pudesse e devesse conhecer”.

S. É neste sentido que deve ser aquilatada a bondade da conclusão aposta no Acórdão em destaque ao referir que

«

Tal matéria foi alegada junto do Tribunal arbitral pelo ora impugnante, enquanto exceção, mais sendo julgada improcedente pelo mesmo Tribunal [...],assim não sofrendo a decisão arbitral de qualquer excesso de pronúncia.

»

T. Pelo exposto, e desde logo admitindo a impossibilidade de o Tribunal Constitucional sindicar as decisões dos outros tribunais, apenas lhe competindo avaliar a conformidade constitucional de normas jurídicas, dúvidas não persistem quanto à adequação do artigo 28.º, n.º 1 alínea c) do RJAT com a Lei Fundamental, atento o sentido e alcance que lhe foi conferido pelo referido aresto.

U. A admissibilidade da especialidade decorrente do RJAT, em matéria de defesa contra as decisões arbitrais, nomeadamente, por força da limitação do recurso/impugnação, não permite, assim, configurar qualquer violação dos princípios de acesso à justiça e da legalidade na sua aceção de princípio da indisponibilidade dos créditos tributários, na medida em que estes princípios não devem ser equacionados como absolutos.

V. Por conseguinte, a interpretação normativa patenteada no Acórdão proferido pelo tribunal a quo, aqui colocada em crise, afigura-se corretamente estribada e inatacável, demonstrando uma aplicação exímia das normas jurídicas em vigor, em total adequação com os princípios jurídicofundamentais aplicáveis in casu.

NESTES TERMOS, julgando-se o presente recurso não provado e improcedente, com as legais consequências, far-se-á a Costumeira e Sã JUSTIÇA.

»

Cumpre apreciar e decidir.

II - Fundamentação

6 - O recorrente coloca ao Tribunal Constitucional duas questões de constitucionalidade:

a) A primeira - que se desdobra em duas, por força dos parâmetros constitucionais invocados-, relativa a uma suposta inconstitucionalidade da alínea c) do n.º 1 do artigo 28.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (doravante, “RJAT”), disposição que determina que a decisão arbitral é impugnável com fundamento em

«

pronúncia indevida

»

, quando este conceito seja interpretado no sentido de não admitir a impugnação da decisão arbitral assente na incompetência material do tribunal arbitral;

b) A segunda, incidindo sobre a alegada inconstitucionalidade da interpretação normativa da alínea a) do artigo 2.º da Portaria 112-A/2011, de 22 de março, conjugada do disposto no artigo 4.º, n.º 1, do RJAT, segundo a qual o âmbito de vinculação da AT à jurisdição dos tribunais arbitrais em matéria tributária inclui o pedido de revisão oficiosa de

«

pre-tensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta, nos termos dos artigos 13.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário

»

.

Foi relativamente a esta segunda questão que o recorrente foi notificado da possibilidade de ela não vir a ser conhecida. Tratando-se de uma questão de conhecimento, por ela se começará a análise do recurso.

7 - Segundo o recorrente, aquela disposição é inconstitucional

«

na interpretação normativa segundo a qual o âmbito de vinculação da AT à jurisdição dos tribunais arbitrais em matéria tributária que funcionam sob a égide do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), no que respeita a

«

pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta, nos termos dos artigos 13.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário

» inclui o pedido de revisão oficiosa (nos termos do artigo 78.º da LGT)
»

.

Invoca o recorrente

«

violação dos princípios constitucionais do Estado de Direito e da separação de poderes (artigos 2.º e 111.º da CRP), bem assim como o direito de acesso à justiça (artigo 20.º da CRP), da legalidade (artigos 3.º, n.º 2, 202.º e 203.º da CRP) e, ainda, o artigo 266, n.º 2, da lei fundamental, no seu corolário do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários ínsito no artigo 30.º, n.º 2, da LGT.

»

O fundamento apontado pelo Tribunal para uma possível decisão de não conhecimento foi a circunstância de não se poder dar como verificado o requisito do recurso de constitucionalidade que exige a aplicação pelo tribunal recorrido, como ratio decidendi, da norma cuja apreciação fora requerida pelo recorrente.

Para alicerçar a sua pretensão, o recorrente começa por referir que a questão de constitucionalidade

«

foi devidamente evocada em sede de Resposta e Impugnação Arbitral

»

, o que respeita a um outro requisito do recurso - a suscitação prévia e de forma processualmente adequada da questão de constitucionalidade-, relativamente ao qual nada foi dito por este Tribunal. De qualquer forma, o preenchimento de tal requisito nunca seria suficiente, por si só, para contrariar o decidido. Com efeito, os requisitos de admissibilidade do recurso constantes da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC são de exigência cumulativa, bastando que um deles não esteja verificado - in casu, a ausência de aplicação da norma pela decisão recorrida-, para que o recurso não possa ser admitido. Tal corresponde, de resto, a jurisprudência consolidada do Tribunal quanto aos pressupostos de admissibilidade do recurso.

O recorrente vem ainda argumentar que

«

tal omissão

»

- entenda-se, o não conhecimento da questão - se deve entender como recusa implícita. No acórdão em crise não houve qualquer recusa de aplicação da norma da alínea a) do artigo 2.º da Portaria 112-A/2011, de 22 de março (conjugada com o disposto no artigo 4.º, n.º 1, do RJAT), nos termos referidos pelo recorrente. O que sucedeu foi que, em face do decidido quanto à primeira questão, o tribunal nem sequer chegou a ponderar qualquer interpretação da norma, por entender que ela se referia a matéria que não podia conhecer, que se encontrava fora dos seus poderes de cognição.

Não tendo a decisão recorrida aplicado a norma questionada, é indesmentível que a intervenção do Tribunal Constitucional na apreciação da sua conformidade constitucional não se refletiria utilmente no processo:

a decisão recorrida permaneceria a mesma, ainda que a norma questionada fosse julgada inconstitucional.

Ora, constitui jurisprudência reiterada e uniforme deste Tribunal que esta impossibilidade de repercussão processual obsta à apreciação do recurso de constitucionalidade interposto contra a norma cuja apreciação é solicitada (cf. Acórdãos n.os 164/2015, 152/2015, 888/2014 e 750/2014, todos disponíveis no sítio do Tribunal).

Resta, pois, decidir o não conhecimento da questão relativa à alegada desconformidade constitucional da alínea a) do artigo 2.º da Portaria 112-A/2011, de 22 de março.

8 - No que respeita à primeira questão, o primeiro passo a dar incide sobre a clarificação dos meios de reação previstos no RJAT relativamente às decisões dos tribunais arbitrais tributários.

O RJAT prevê dois meios de reação possível contra a decisão arbitral:

os recursos e as impugnações.

Os primeiros, previstos no artigo 25.º, são de duas espécies:

- o recurso para o Tribunal Constitucional, quando a decisão recuse a aplicação de norma com fundamento na sua inconstitucionalidade ou aplique norma cuja inconstitucionalidade tenha sido suscitada (n.º 1);

- o recurso por oposição de julgados para o Supremo Tribunal Administrativo, quando a decisão arbitral esteja em oposição, relativamente à mesma questão fundamental de direito, com acórdão do Supremo Tribunal Administrativo ou de um tribunal central administrativo (n.º 2).

A impugnação da decisão arbitral junto de um tribunal central administrativo é possível nos (poucos) casos taxativamente enumerados nas alíneas do n.º 1 do artigo 28.º, sendo que a pronúncia indevida se encontra prevista, bem como a omissão de pronúncia, na alínea c).

É com base nestas disposições que a jurisprudência administrativa tributária sublinha as escassas possibilidades de reação contra a decisão arbitral tributária (cf.,entre outros, o Acórdão de 19 de fevereiro de 2013 do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no âmbito do processo 05203/11, disponível na base de dados do IGFEJ).

O reconhecimento desta limitação encontra-se na origem da controvérsia quanto à extensão do conceito de pronúncia indevida, conduzindo alguma doutrina fiscalista a procurar alargar este, de forma a aumentar as possibilidades de reação contra a decisão arbitral [neste sentido, cf. NUNO DE VIEIRA VILLALOBOS (coord.), Guia de Arbitragem Tributária, Almedina, Coimbra, 2013, pp. 234-235;

CARLA CASTELO TRINDADE, Regime Jurídico da Arbitragem Tributária Anotado, Almedina, Coimbra, 2016, pp. 534-537].

Para se compreender o que está em causa neste alargamento concetual, é indispensável clarificar o sentido da pronúncia indevida. Recorde-se que, na tese do recorrente, o conceito de pronúncia indevida, constante da alínea c) do n.º 1 do artigo 28.º do RJAT, deve ser interpretado por forma a permitir a impugnação da decisão arbitral com fundamento na incompetência material do tribunal arbitral (neste sentido pode citar-se o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 12 de junho de 2014, proferido no âmbito do processo 06224/12, em cujo sumário se pode ler:

«

No conceito de “pronúncia indevida”, para além do excesso de pronúncia, incluem-se as situações em que o tribunal arbitral funcionou de modo irregular ou em que excedeu a sua competência

»

(texto igualmente disponível na base de dados do IGFEJ). A não ser assim, sustenta o recorrente, seriam ofendidos diversos comandos constitucionais, a saber os que consagram o direito de acesso à justiça (artigo 20.º) e o princípio da legalidade (artigos 3.º, n.º 2, 202.º e 203.º e 266.º, n.º 2).

Naturalmente que aquilo que aqui interessa, consideradas a natureza da jurisdição constitucional e as competências deste Tribunal, não é apurar o maior ou menor acerto da interpretação atribuída àquele conceito na decisão recorrida, mas determinar se tal interpretação contende com os parâmetros constitucionais invocados (ou com outros). Seja como for, é útil para a compreensão do problema esclarecer o entendimento jurídico comum da expressão.

9 - Tradicionalmente, a doutrina processualista civil utiliza o termo pronúncia para designar a decisão de um tribunal, no âmbito da sua competência, sobre uma questão que lhe foi submetida pelas partes. A conformação de tal pronúncia varia entre um limite mínimo e um limite máximo.

O limite mínimo emerge do princípio inscrito no artigo 2.º, n.º 2, do Código de Processo Civil (doravante, “CPC”), que, como corolário dos princípios do Estado de direito democrático e da heterotutela dos direitos, determina que

«

a todo o direito [...] corresponde a ação adequada a fazêlo reconhecer em juízo

»

[...]. Se alguém é titular de um direito, haverá, em princípio, um tribunal competente para as pronúncias relativas à respetiva defesa. Se esta for pedida ao tribunal competente para a assegurar e este nada decidir, ou decidir insuficientemente, ocorre então omissão de pronúncia.

O limite máximo, em processos cujo objeto está, por via de regra, na disponibilidade das partes - como sucede na maioria dos processos civis-, extrai-se do pedido do autor, naquilo que é a mais evidente manifestação do princípio do dispositivo. Se o credor apenas reclama do tribunal uma parte do seu crédito, não pode este condenar o devedor na sua totalidade, pois incorreria naquilo que aquela mesma doutrina designa por excesso de pronúncia.

O primeiro destes conceitos - a omissão de pronúncia - encontra-se inscrito na alínea c) do n.º 1 do artigo 28.º do RJAT e constitui, diz-se neste comando, fundamento para a impugnação da decisão arbitral perante um tribunal central administrativo, que a pode, com base nele, anular.

Já o excesso de pronúncia foi substituído, naquele mesmo preceito, pela expressão pronúncia indevida. À clarificação deste conceito convém que se apure se ele é sinónimo daquele outro e, caso o não seja, quais as diferenças de

«

sentido e alcance

» entre ambos.

A simples ponderação da ideia de excesso sugere quantidade. Trata-se de pronúncia “a mais”. Não admira, por isso, que o exemplo clássico seja aquele que se forneceu:

a condenação do devedor em quantia superior à pedida pelo credor (abstraindo, evidentemente, dos juros que forem devidos). Não obstante, também existirá excesso de pronúncia se o tribunal condenar o réu em

«

objeto diverso do pedido

» pelo autor [artigo 615.º, n.º 1, alínea e), do CPC].

A autora citada noutro ponto, admitindo embora que a alegada incompetência do tribunal arbitral não constituiria vício de excesso de pronúncia, sustenta que a expressão pronúncia indevida teria um sentido mais amplo do que aquele outro conceito, explicando que os casos de incompetência do tribunal arbitral integrariam a pronúncia indevida (cf. CARLA CASTELO TRINDADE, op. cit., pp. 545-548). No mesmo sentido se manifesta o outro autor citado, coincidindo na defesa da maior extensão do conceito de pronúncia indevida, sustentando que esta se verificará, não só quando o tribunal arbitral se ocupou de questões que não poderia conhecer, mas

«

também quando conheceu de questões de que podia conhecer, mas ultrapassando quaisquer limites legais a nível decisório

»

. E acrescenta, louvando-se no n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil, que constituem situações de pronúncia indevida

«

aquelas em que o tribunal arbitral excedeu a sua competência

»

(cf. NUNO DE VIEIRA VILLALOBOS, op. cit., pp. 235-236).

Não é preciso ir mais longe para clarificar a questão. Não se trata, repete-se, de escolher a melhor interpretação possível para a expressão pronúncia indevida. Trata-se, sim, de, considerando que existem duas possibilidades interpretativas - uma, suscetível de abranger naquela expressão a questão da alegada incompetência do tribunal arbitral, outra, deixando de fora tal questão-, apurar se, tendo sido esta última a adotada na decisão recorrida, resultou daí ofensa de parâmetro constitucional relevante.

Por outras palavras:

a impossibilidade de utilizar a suposta incompetência do tribunal arbitral como fundamento da impugnação da decisão arbitral na jurisdição administrativa ofende algum comando ou princípio da Lei Fundamental, como sustenta o recorrente?

10 - Vamos então confrontar a interpretação normativa adotada na decisão recorrida, coincidente com a da decisão arbitral, com os parâ-metros constitucionais apontados pelo recorrente.

Comecemos pela alegada ofensa do direito de acesso à justiça, garantido pelo artigo 20.º da CRP - que é, de resto, o problema a que o recorrente atribui maior relevo.

Segundo o recorrente, a ofensa de tal parâmetro residiria na circuns-tância de, ao recusar a impugnação da decisão arbitral com fundamento na incompetência material do tribunal arbitral, se estar a impedir o controlo, por um tribunal do Estado, do respeito pelos limites traçados pela lei relativamente à competência dos tribunais arbitrais tributários, deixando ao próprio tribunal arbitral a primeira e última palavra sobre a sua própria competência.

Este Tribunal já se pronunciou, múltiplas vezes, sobre o direito de acesso à justiça, interessando aqui considerar somente as decisões que tiveram por objeto um suposto direito ao duplo grau de jurisdição, ou seja, o direito a obter uma segunda decisão judicial sobre certo litígio. E, excluindo o domínio do processo penal - no âmbito do qual existe preceito constitucional específico, inscrito no n.º 1 do artigo 32.º -, tem julgado não consagrar a Lei Fundamental um direito genérico ao duplo grau de jurisdição. Assim, e por todos, no Acórdão 280/2015:

«

Contrariamente ao que sucede no processo criminal, domínio em que a Constituição, desde a revisão constitucional de 1997, consagra expressamente, como garantia de defesa do arguido, o direito ao recurso ou a um duplo grau de jurisdição (artigo 32.º, n.º 1) - direito que já antes vinha sendo reconhecido pela jurisprudência constitucional em relação à decisão final condenatória e todos os atos judiciais que tenham por efeito a privação ou restrição da liberdade ou outros direitos fundamentais do arguido -, não existe na Lei Fundamental qualquer previsão expressa atributiva do correspondente direito às partes em processo civil.

Com base nesse dado jurídicoconstitucional, tem o Tribunal Constitucional concluído, em jurisprudência consolidada, pela inexistência, em processo civil (e, bem assim, em processo laboral e administrativo) de um direito geral a um duplo grau de jurisdição, considerando que

«

o direito à tutela jurisdicional não é [...] imperativamente referenciado a sucessivos graus de jurisdição. Ali se assegura apenas em termos absolutos, e num campo de estrita horizontalidade, o acesso aos tribunais para obter a decisão definitiva de um litígio

»

(Acórdão 65/88) ou o “direito a ver solucionados os conflitos, segundo a lei aplicável, por um órgão que ofereça garantias de imparcialidade e independência, e face ao qual as partes se encontrem em condições de plena igualdade no que diz respeito à defesa dos respetivos pontos de vista [...]” (Acórdão 638/98).

»

11 - A doutrina constitucionalista mais citada não tem posição uniforme nesta matéria.

GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA pronunciam-se claramente no sentido da inexistência de um direito subjetivo ao duplo grau de jurisdição (Constituição da República Portuguesa Anotada, 4.ª edição revista, Coimbra, 2007, p. 418).

Já JORGE MIRANDA e RUI MEDEIROS revelam dúvidas:

muito embora reconhecendo que, fora dos domínios específicos do processo penal e das decisões judiciais que restrinjam direitos, liberdades e garantias e direitos fundamentais de natureza análoga,

«

o legislador dispõe de uma ampla margem de liberdade de conformação do direito ao recurso

»

, não deixam de referir que, sendo constitucionalmente exigível um sistema que garanta os interessados contra os próprios atos jurisdicionais, é possível

«

fundar constitucionalmente um genérico direito de recorrer das decisões jurisdicionais.

»

(Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2.ª edição, Coimbra, 2010, pp. 451-452). No mesmo sentido, MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA encontra no texto constitucional uma

«

consagração implícita

» do direito ao recurso (Estudos sobre o Novo Processo Civil, 2.ª edição, Lisboa, Lex, 1997, p. 377).

Seja como for, considerada a jurisprudência deste Tribunal, é de dar como assente que não se encontra constitucionalmente garantido, com base no artigo 20.º da CRP e em termos gerais, um direito ao duplo grau de jurisdição.

12 - Mas a argumentação do recorrente inclui um ponto que pode levar a considerar como imposição constitucional, no caso sub judice, um duplo grau de jurisdição. Trata-se da referência a que, a não ser admitida a impugnação da decisão arbitral junto de um tribunal administrativo, então o tribunal arbitral teria a única e decisiva palavra na determinação da sua própria competência, já que nenhum tribunal do Estado a poderia reapreciar.

Poder-se-ia, sem demasiado esforço, encontrar neste argumento a emersão de um preconceito atávico relativo aos tribunais arbitrais:

afinal, o Estado nunca manifestou grande entusiasmo em submeter a arbitragem os pleitos em que se encontra envolvido. Somente o fez em matérias em que os seus tribunais vinham demonstrando evidentes dificuldades em assegurar uma justiça célere. De resto, durante muito tempo, pairaram dúvidas sobre a verdadeira natureza dos tribunais arbitrais, dúvidas que apenas foram esclarecidas na atual redação do texto constitucional, quando se incluíram expressamente os tribunais arbitrais entre as

«

categorias de tribunais

»

(artigo 209.º, n.º 2).

Nenhuma dúvida subsiste hoje sobre a natureza dos tribunais arbitrais:

são verdadeiros tribunais, muito embora não tribunais do Estado. São a consequência da perda por este do monopólio da justiça.

E, por fim, dispor de competência para decidir da sua própria competência constitui prerrogativa de qualquer tribunal arbitral.

13 - Nestas condições, o argumento do recorrente seria improcedente, pois nenhuma razão existiria, no plano da respetiva natureza, para distinguir os tribunais arbitrais dos tribunais do Estado - sobretudo quando, como é o caso, aqueles julgam de acordo com o direito constituído, estando-lhes interdito o julgamento segundo a equidade (artigo 2.º, n.º 2, do RJAT).

Todavia, subsiste um aspeto a esclarecer, que não releva propriamente da natureza dos tribunais arbitrais, mas antes da sua singularidade.

Na verdade, cada tribunal arbitral é um tribunal único, no duplo sentido de tribunal ad hoc, constituído para decidir um determinado litígio e apenas este, e um tribunal desinserido de qualquer hierarquia judicial, constituindo como que uma primeira, última e única instância. Para além disso, é um tribunal desprovido de competência própria, julgando um litígio que, se ele não existisse, encontraria entre os tribunais do Estado o tribunal competente para o dirimir.

Quando é proposta uma ação num tribunal de 1.ª instância da jurisdição comum ou da jurisdição administrativa, a decisão desse tribunal relativamente à sua competência material nunca é definitiva, dela cabendo sempre recurso - independentemente do valor da causa -, conducente à prolação de uma segunda decisão judicial [cf. artigo 629.º, n.º 2, alínea a), do CPC].

Não pode deixar de impressionar, comparativamente, que a decisão de um tribunal arbitral sobre a sua competência - que, repete-se, não é própria, antes subtraída a um tribunal do Estado, e se extingue no termo do processo arbitral - seja insuscetível de reapreciação por um outro tribunal.

14 - Relativamente aos tribunais arbitrais tributários, a comparação não apenas impressiona, como as suas consequências são inaceitáveis. É que se de qualquer tribunal arbitral se pode dizer que retira a sua competência (da competência) de um tribunal do Estado, quando esta inclui matéria tributária haverá de reconhecer-se que as decisões de um tribunal arbitral tributário sobre a própria competência não podem deixar de estar submetidas a reapreciação por um tribunal do Estado, sob pena de serem as próprias atribuições deste em matéria tributária a ficar em risco.

Na verdade, a matéria tributária situa-se no âmago das atribuições do Estado, nela se evidenciando a necessária prossecução de interesses públicos absolutamente essenciais a uma comunidade politicamente organizada, razão que levou a CRP, no n.º 1 do artigo 103.º, a estatuir que

«

o sistema fiscal visa a satisfação das necessidades financeiras do Estado

»

. Se não for possível sindicar judicialmente a decisão de um tribunal arbitral tributário que, à revelia do quadro regulamentar estabelecido, se considere competente numa certa matéria, então tal significará que não existe nenhuma forma de assegurar que funções tributárias que o Estado deve exercer não lhe serão “confiscadas”, sem controlo por um tribunal do Estado.

Decorrente desta circunstância, a arbitrabilidade dos litígios de natureza tributária apresenta particularidades que justificam um tratamento diferenciado relativamente à arbitragem em geral.

Por um lado, a competência dos tribunais arbitrais tributários depende de um ato administrativo, praticado sob forma de portaria, pelos membros do Governo indicados no n.º 1 do artigo 4.º do RJAT. Quer isto dizer que o legislador se absteve de regular a competência dos tribunais arbitrais em matéria tributária, remetendo tal regulamentação para o Governo, que a exercerá dentro do quadro legal, norteado, seguramente, por razões de oportunidade e conveniência.

Por outro lado, acentuando as implicações jurídico-públicas da arbitragem tributária, note-se que a LAT, no seu artigo 29.º, exclui do direito subsidiário aplicável as normas Lei da Arbitragem Voluntária (Lei 63/2011, de 14 de dezembro), preferindolhes, significativa-mente, para além do Código de Processo Civil, normas de diplomas claramente ligados à atividade administrativa e tributária.

Julga-se acertado considerar que a interpretação normativa contestada pelo recorrente, tornando judicialmente irrefutável uma decisão do tribunal arbitral sobre a sua competência, constitui limitação injustificada da reapreciação da decisão arbitral.

Por outras palavras:

a alegada incompetência do tribunal arbitral não pode deixar de se considerar coberta pela expressão

«

pronúncia inde-vida

»; na interpretação normativa oposta, adotada na decisão recorrida, terá ocorrido ofensa daqueles preceitos da Constituição.

15 - Mas a recorrente invoca ainda outra ofensa constitucional, originada pela interpretação normativa supraapreciada, indicando como parâmetros

«

o princípio da legalidade (artigos 3.º, n.º 2, 202.º e 203.º da CRP) e o artigo 266.º, n.º 2, do mesmo diploma, no seu corolário do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários ínsito no artigo 30.º, n.º 2, da LGT, que vinculam o legislador e toda a atividade da AT.

»

Não é fácil desvendar o sentido desta argumentação do recorrente:

estando em causa uma decisão do Tribunal Central Administrativo Sul assente na interpretação de uma proposição normativa de que resulta a impossibilidade de refutar a decisão arbitral junto de um tribunal do Estado, em que medida poderá tal decisão ter ofendido o princípio da legalidade tributária, que assenta naqueles comandos constitucionais? Note-se que não se encontra qualquer explicitação de tal ofensa no recurso de constitucionalidade, que se concentra na questão da omissão de pronúncia e na concomitante alegada violação do artigo 20.º da CRP, mas nada explicita sobre a hipotética violação do princípio da legalidade tributária (fls. 257-258). De resto, também a decisão recorrida é omissa quanto a tal violação, concentrando-se na suposta omissão de pronúncia e na violação, assim corporizada, do direito de acesso à justiça (fls. 244 a 249).

Podemos apenas supor uma explicação (pouco) plausível:

na medida em que recusou apreciar a impugnação, o tribunal recorrido teria dado implicitamente cobertura a uma atuação do tribunal arbitral violadora daquele princípio. Certo é, porém, que, se assim fosse, a ofensa estaria na decisão arbitral e não na decisão recorrida, o que inviabilizaria a sua apreciação no âmbito do presente processo.

Mas o ponto decisivo, no que respeita à invocação do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários, é que este princípio, proibindo a redução ou extinção de créditos tributários que desrespeitem

«

o princípio da igualdade e da legalidade tributária

»

, se dirige à administração tributária e não aos tribunais. Nenhuma dúvida encontrámos na doutrina fiscalista sobre este ponto (cf. MANUEL PIRES e RITA CALÇADA PIRES, Direito Fiscal, 4.ª edição, Coimbra, 201, pp. 108-109;

CARLA CASTELO TRINDADE, op. cit., pp. 47-48;

SARA LUÍS DA SILVA VEIGA DIAS, O Crédito Tributário e as Obrigações Fiscais no Processo de Insolvência, 2012, Repositorium da UM, pp. 70-71);

(https:

//repositorium.sdum.uminho. pt/bitstream/1822/21395/4/Sara%20Lu%C3 %ADs%20da%20Silva%2 0Veiga%20Dias.pdf);

SUZANA TAVARES DA SILVA e MARTA COSTA SANTOS, Os créditos fiscais nos processos de insolvência:

reflexões críticas e revisão da jurisprudência, 2012, pp. 4-5)

(https:

//estudogeral.sib.uc.pt/bitstream/10316/24784/1/STS_

MCS%20insolvencia.pdf.

A questão ainda se poderia, porventura, equacionar, relativamente aos tribunais arbitrais tributários, se estes pudessem julgar segundo a equidade. Mas já vimos noutro ponto que a lei não os autoriza a tal. Em suma, improcede a alegada ofensa do princípio da legalidade, no seu corolário do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários (artigos 3.º, n.º 2, 202.º, 203.º e 266.º, n.º 2, da CRP),consubstanciada na interpretação normativa supra apreciada.

III - Decisão Tudo visto e considerado, o Tribunal Constitucional decide:

a) Não conhecer da questão relativa à alegada desconformidade constitucional da alínea a) do artigo 2.º da Portaria 112-A/2011, de 22 de março;

b) Julgar inconstitucional a alínea c) do n.º 1 do artigo 28.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei 10/2011, de 20 de janeiro, na interpretação normativa de que o conceito de

«

pronúncia indevida

» não abrange a impugnação da decisão arbitral com fundamento na incompetência material do tribunal arbitral, por violação concomitante dos artigos 20.º e 209.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa;

c) Determinar a reforma da decisão recorrida em conformidade com o juízo de inconstitucionalidade.

Sem custas. Lisboa, 29 de março de 2016. - João Pedro Caupers - Maria Lúcia Amaral - Teles Pereira - Maria de Fátima MataMouros - Joaquim de Sousa Ribeiro.

209534124

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/2584740.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1914-02-21 - Portaria 112 - Ministério de Instrução Pública - Repartição de Instrução Secundária

    Portaria n.º 112, mandando que aos alunos dos liceus, que por circunstâncias especiais não possam ser classificados, seja aplicada a doutrina relativa às faltas justificadas que os alunos tenham dado

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 2011-01-20 - Decreto-Lei 10/2011 - Ministério das Finanças e da Administração Pública

    Regula, no uso da autorização legislativa concedida pelo artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, o regime jurídico da arbitragem em matéria tributária,

  • Tem documento Em vigor 2011-03-22 - Portaria 112-A/2011 - Ministérios das Finanças e da Administração Pública e da Justiça

    Vincula a Direcção Geral dos Impostos (DGCI) e a Direcção Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo (DGAIEC) à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD — Centro de Arbitragem Administrativa.

  • Tem documento Em vigor 2011-12-14 - Lei 63/2011 - Assembleia da República

    Aprova a Lei da Arbitragem Voluntária, que se publica em anexo à presente lei e altera o Código de Processo Civil.

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

O URL desta página é:

Clínica Internacional de Campo de Ourique
Pub

Outros Sites

Visite os nossos laboratórios, onde desenvolvemos pequenas aplicações que podem ser úteis:


Simulador de Parlamento


Desvalorização da Moeda