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Acórdão 307/2009, de 21 de Julho

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Sumário

Decide não julgar inconstitucional a norma constante do n.º 3 do artigo 7.º da Lei n.º 34/04, de 29 de Julho, com a redacção introduzida pela Lei n.º 47/07, de 28 de Agosto (Regime de Acesso ao Direito e aos Tribunais), no segmento em que nega protecção jurídica às pessoas colectivas com fins lucrativos. (Proc. nº 958/08)

Texto do documento

Acórdão 307/2009

Processo 958/08

Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I - Relatório

1 - Garagem Principal de Vila Real, Lda., impugnou judicialmente a decisão dos serviços de segurança social que, com fundamento no disposto o artigo 7.º, n.º 3, da Lei 34/2004, de 29 de Julho, lhe indeferiu o pedido de apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos do processo, alegando, em síntese, que a referida norma, ao vedar o direito à protecção jurídica em relação a pessoas colectivas com fins lucrativos, é inconstitucional por violação dos artigos 13.º e 20.º da Constituição da República.

O Tribunal Judicial de Sabrosa, por sentença de 26 de Maio de 2008, julgou improcedente a impugnação, rejeitando o invocado argumento de inconstitucionalidade.

A recorrente interpôs então recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional, pretendendo que se aprecie a inconstitucionalidade da norma do n.º 3 do artigo 7.º da Lei 34/2004, de 29 de Julho, na redacção dada pela Lei 47/2007, de 28 de Agosto, apresentando as seguintes alegações:

A decisão sob recurso fundamentou-se no n.º 3 do artigo 7.º da mencionada Lei 34/2004, na redacção que a tal n.º 3 foi dada pela Lei 47/2007, de 28 de Agosto, disposição legal essa, segundo a qual as pessoas colectivas com fins lucrativos (entre as quais as sociedades comerciais, como a recorrente é, se incluem), não têm direito à

protecção jurídica.

4 - Só que tal nova redacção, dada ao mencionada n.º 3 do artigo 7.º da Lei 34/2004, impossibilitando, como impossibilita, as pessoas colectivas com fins lucrativos, e, portanto, as sociedades comerciais, de obterem protecção jurídica, nomeadamente apoio judiciário, designadamente nas modalidades da dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, e da nomeação e pagamento da compensação do patrono, se tem que ter por inconstitucional, por flagrante violação dos artigos 13.º e 20.º, ambos da Constituição da República Portuguesa (CRP) 5 - E isto, na medida em que tal redacção, se vigorasse na ordem jurídica Portuguesa, não só estabeleceria uma marcada diferença, entre, por um lado, as pessoas colectivas com fins lucrativos (incluindo as sociedades comerciais), e, por outro lado, as pessoas colectivas sem fins lucrativos e as pessoas singulares, contrariando assim o princípio da

igualdade, ínsito no artigo 13.º da CRP.

6 - Como também impossibilitaria às pessoas colectivas com fins lucrativos (incluindo as sociedades comerciais), mas com insuficiência de meios económicos, o acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva, consagrados no artigo 20.º da CRP, denegando

assim a justiça a tais entidades.

7 - Sendo ainda certo que a palavra "todos", várias vezes mencionada no citado artigo 20.º da CRP, não pode ter outro significado que não seja naturalmente o de todos aqueles que sejam susceptíveis de ser parte numa causa judicial, isto é, todos aqueles

que têm personalidade judiciária.

8 - Abrangendo, naturalmente por igual, pessoas singulares e pessoas colectivas, com ou sem fins lucrativos (incluindo sociedades comerciais).

9 - Inconstitucionalidade essa que aqui e agora se invoca, e que terá necessariamente que acarretar a repristinação da anterior redacção do mencionado n.º 3 do artigo 7.º da

Lei 34/2004.

10 - Redacção anterior essa que permite, também às pessoas colectivas com fins lucrativos (incluindo as sociedades comerciais), beneficiar da protecção jurídica, obtendo, nomeadamente, a dispensa de taxa de justiça e demais encargos como o processo e a nomeação e pagamento da compensação de patrono, naturalmente caso se verifiquem os restantes pressupostos, para isso, para todos (pessoas singulares e pessoas colectivas, com e sem fins lucrativos) sem distinção, fixados na Lei n.º

34/2004.

1.1 - Temos em que se tiram pois as seguintes

III - Conclusões:

12 - O n.º 3 do artigo 7.º da Lei 34/2004, na redacção que a tal n.º 3 foi dada pela Lei 47/2007, padece do vício da inconstitucionalidade, por violação dos artigos 13.º e 20.º, ambos da CRP, vício este que aqui se invoca.

13 - Devendo pois tal norma legal ser julgada inconstitucional, baixando os autos ao Tribunal a quo, para aí ser reformulada a sentença, a que se alude no n.º 1 anterior, de harmonia com o juízo de inconstitucionalidade atrás referido.

Não houve contra-alegações.

Cumpre apreciar e decidir.

II - Fundamentação

2 - Coloca-se, no presente processo, a questão da constitucionalidade da norma do artigo 7.º, n.º 3, da Lei 34/2004, de 29 de Julho, na redacção dada pela Lei 47/2007, de 28 de Agosto, pela qual «[a]s pessoas colectivas com fins lucrativos e os estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada não têm direito a protecção jurídica», mas confinada, por ser a situação concreta, à sua aplicação a uma pessoa

colectiva com fins lucrativos.

Sublinhe-se que este preceito resulta de uma evolução legislativa que tem contemplado diversas variantes, quanto à determinação do âmbito pessoal do direito à protecção jurídica, que interessará começar por recordar.

Na sua redacção originária, o artigo 7.º do Decreto-Lei 387-B/87, de 29 de Dezembro, atribuía, no n.º 1, o direito à protecção jurídica às pessoas singulares que demonstrassem não dispor de meios económicos bastantes para suportar os honorários dos profissionais forenses, devidos por efeito da prestação dos seus serviços, e para custear, total ou parcialmente, os encargos normais de uma causa judicial, e, no n.º 4, estendia esse mesmo direito às pessoas colectivas e sociedades «quando [fizessem] a prova a que alude o n.º 1», isto é, quando demonstrassem, nos mesmos termos, a sua

insuficiência económica.

A alteração introduzida pela Lei 46/96, de 3 de Setembro, nessa mesma disposição, veio, porém, restringir o conteúdo do direito à protecção jurídica, em relação às sociedades e comerciantes em nome individual, através do aditamento de um n.º 5, que

passou a dispor do seguinte modo:

As sociedades, os comerciantes em nome individual nas causas relativas ao exercício do comércio e os estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada têm direito à dispensa, total ou parcial, de preparos e do pagamento de custas ou ao seu diferimento, quando o respectivo montante seja consideravelmente superior às possibilidades económicas daqueles, aferidas designadamente em função do volume de negócios, do valor do capital ou do património e do número de trabalhadores ao seu

serviço.

A Lei 30-E/2000, de 20 de Dezembro, que reformulou o regime de acesso ao direito e aos tribunais e atribuiu aos serviços da segurança social a apreciação dos pedidos de concessão de apoio judiciário, estabeleceu como princípio a possibilidade de concessão de apoio judiciário às pessoas colectivas e sociedades que demonstrassem a situação de insuficiência económica (artigo 7.º, n.º 4), mas manteve a limitação a esse direito em termos idênticos ao que já constava daquele antigo n.º 5

(artigo 7.º, n.º 5).

E a Lei 34/2004, de 29 de Julho, que fixou o novo regime legal nesta matéria, revogando aquele outro diploma legal, retomou o critério da atribuição genérica de protecção jurídica às pessoas colectivas, ainda que apenas no estrito âmbito do patrocínio judiciário, determinando, no artigo 7.º, n.º 3, que «[a]s pessoas colectivas têm apenas direito à protecção jurídica na modalidade de apoio judiciário, devendo para tal fazer a prova a que alude o n.º 1» (isto é, a prova da insuficiência económica).

Esse diploma foi entretanto alterado pela Lei 47/2007, de 28 de Agosto, actualmente em vigor, que passou a distinguir entre pessoas colectivas com fins lucrativos e pessoas colectivas sem fins lucrativos, excluindo quanto àquelas qualquer forma de concessão de protecção jurídica, nos termos da redacção dada ao artigo 7.º,

n.º s 3 e 4:

3 - As pessoas colectivas com fins lucrativos e os establecimentos individuais de responsabilidade limitada não têm direito a protecção jurídica.

4 - As pessoas colectivas sem fins lucrativos, têm apenas direito à protecção jurídica na modalidade de apoio judiciário devendo, para tal, fazer a prova a que alude o n.º 1.

Como se pode constatar, o direito à protecção jurídica como componente do regime de acesso ao direito e aos tribunais, integrando quer o direito à consulta jurídica, quer o direito ao patrocínio judiciário, sofreu um significativa contracção no que se refere às pessoas colectivas com fins lucrativos. De uma total equiparação com as pessoas singulares, que constava da primitiva redacção do Decreto-Lei 387-B/87, de 29 de Dezembro, passou-se, por via da alteração introduzida pela Lei 46/96, a um regime duplamente restritivo, que implicava não apenas a supressão do direito à protecção jurídica na modalidade de consulta jurídica, mas também a limitação do direito ao apoio judiciário mediante a exigência da demonstração de que o montante de preparos e custas era «consideravelmente superior às possibilidades económicas» (não bastando, por isso, a simples prova da insuficiência económica), princípio este que se manteve na vigência da Lei 30-E/2000. A redacção originária da Lei 34/2004 eliminou aquela condicionante, mantendo embora a restrição da protecção jurídica à modalidade de apoio judiciário, mas, por via da alteração resultante da Lei 47/2007, chegou-se à situação actual de exclusão absoluta do direito à protecção jurídica.

A singularidade do regime actual assenta na já apontada distinção entre pessoas colectivas com fins lucrativos e pessoas colectivas sem fins lucrativos, sendo que é apenas quanto a estas que se mantém o direito ao patrocínio judiciário com base na prova da insuficiência económica, o que significa que o critério legal de concessão de protecção jurídica (ao menos naquela modalidade) não se centra na conformação da personalidade jurídica colectiva por confronto com a personalidade jurídica individual, mas antes na finalidade estatutária da pessoa colectiva, visando excluir da protecção jurídica as pessoas colectivas de direito privado e utilidade particular, isto é, aquelas que tenham por objecto a realização de uma actividade económica destinada à

consecução de lucro.

Na prática, a lei mantém o direito ao apoio judiciário em relação às associações e fundações, que, por natureza, prosseguem fins desinteressados ou altruísticos ou têm uma finalidade económica não lucrativa, ou seja, uma finalidade que, podendo consistir em vantagens patrimoniais, não vise propriamente a repartição de lucros entre os associados; a exclusão da protecção jurídica opera quanto à sociedades comerciais ou constituídas em forma comercial que tenham por função caracterizadora a obtenção de lucros económicos a distribuir pelos seus sócios (quanto a esta classificação, Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3.ª ed., Coimbra, 1996, pp. 287 e segs.) O Tribunal Constitucional teve já oportunidade se se pronunciar, ainda que não em sentido totalmente convergente, quanto à constitucionalidade da solução normativa que decorria do artigo 7.º, n.º 5, do Decreto-Lei 387-B/87, na redacção introduzida pela Lei 46/96, bem como sobre a norma que lhe sucedeu (artigo 7.º, n.º 5, da Lei 30-E/2000), que, em relação às sociedades e comerciantes em nome individual, vieram restringir o âmbito objectivo da protecção jurídica à modalidade de apoio judiciário, com o requisito adicional da necessidade de demonstração de que o montante de preparos e custas seria consideravelmente superior às possibilidades

económicas dos requerentes.

No Acórdão 97/99 afirmou-se, a esse propósito, o seguinte:

7 - Tendo em conta a delimitação do objecto do recurso precedentemente efectuada, será uma violação do direito de igual acesso aos tribunais, consagrado pelo artigo 20.º da Constituição, a já mencionada restrição do apoio judiciário? A esta pergunta responde o Tribunal Constitucional negativamente, em virtude das

seguintes considerações:

a) Em primeiro lugar, não decorre da Constituição que as entidades com fins lucrativos sejam equiparáveis às pessoas singulares e pessoas colectivas de fim não lucrativo para efeitos de promoção pelo Estado de acesso à justiça;

b) Em segundo lugar, as normas sub judicio não esvaziam o direito de acesso à justiça da sua substância, ao não concederem patrocínio judiciário em caso algum às pessoas

colectivas de fim lucrativo;

c) Por último, as normas sub judicio não constituem uma restrição desproporcional e injustificada do direito à efectivação do acesso à Justiça.

8 - Assim, desde logo, não decorre dos artigos 20.º, n.os 1 e 2, e 13.º da Constituição que as pessoas colectivas de fins lucrativos devam ser equiparadas às pessoas singulares quanto ao conteúdo do direito ao patrocínio judiciário. Aliás, é na consagração do próprio princípio da universalidade que o legislador constitucional introduz, desde logo, uma ressalva quanto às pessoas colectivas em geral, determinando que estas gozam dos direitos e estão sujeitas aos deveres "compatíveis com a sua natureza" (artigo 12.º, n.º 2).

Sendo o patrocínio judiciário um instrumento de acesso à justiça, a sua gratuitidade, como forma de protecção jurídica do efectivo exercício daquele direito, corresponde à promoção das condições necessárias para o acesso à Justiça. Ora, a promoção destas condições positivas nos casos de insuficiência económica não tem, necessariamente, a mesma expressão nas pessoas jurídicas com e sem fim lucrativo. Estas últimas, pela sua natureza lucrativa, têm condições para integrar na sua normal actividade económica os custos com profissionais do foro próprios da litigância que nelas é frequente. Assim, tal integração é própria do exercício normal da respectiva actividade económica.

Não há, deste modo, uma necessidade lógica e valorativa de equiparar as pessoas singulares, e até mesmo as pessoas colectivas sem fim lucrativo, às pessoas colectivas com fim lucrativo, no que se refere ao direito de que sejam criadas ou promovidas condições de acesso à Justiça através da gratuitidade do patrocínio judiciário, em casos de insuficiência económica. As pessoas colectivas com fim lucrativo integram, pela sua natureza, na estruturação da sua actividade económica esses custos, dispondo, por isso mesmo, de condições para a compensação dos mesmos.

E a possibilidade de integração daqueles custos na actividade económica das pessoas colectivas de fim lucrativo não é só uma normalidade, mas é mesmo um pressuposto normativo da própria existência jurídica de tais entidades. A impossibilidade de suportar os custos normais do exercício da actividade económica retira viabilidade a pessoas jurídicas, cuja constituição se justifica apenas para o exercício dessa mesma actividade económica, determinando, porventura, situações de falência e o congelamento da própria actividade económica de tais entidades, como forma de protecção dos interesses patrimoniais de outros e do próprio interesse geral no

desenvolvimento saudável da economia.

Por outro lado, a protecção jurídica pelo Estado das pessoas colectivas com fim lucrativo através do patrocínio judiciário gratuito corresponderia a uma opção de proteger a litigância de sociedades comerciais e empresas sem condições para assegurar a sua actividade económica, o que não é certamente uma imposição constitucional nem uma prática indiscutível à luz da livre concorrência e do interesse

público na protecção da economia.

9 - Sendo claro que há uma diferença de posicionamento das pessoas colectivas com fim lucrativo e das outras pessoas jurídicas quanto à necessidade de protecção jurídica condicionante do acesso à Justiça, resta saber se esse diferente posicionamento deixa de existir, em caso de insuficiência económica, quando as pessoas colectivas de fim lucrativo devam litigar em acções não relacionadas com a sua actividade económica normal, como poderia acontecer em casos de danos provocados por acidentes e outras

situações inusitadas.

Mas também quanto a estas situações há mecanismos de seguro e prevenção que não podem deixar de ser integrados nos custos das sociedades comerciais e na gestão do seu risco, não estando estas, mesmo em tais casos, nas mesmas condições das pessoas singulares ou das pessoas colectivas com fim não lucrativo.

Não se pode dizer, por conseguinte, que dos artigos 20.º, n.os 1 e 2, e 13.º da Constituição resulte a necessidade de equiparação, quanto à protecção jurídica por patrocínio judiciário gratuito, das pessoas colectivas de fim lucrativo ou a estas equiparadas às restantes pessoas jurídicas.

10 - Por outro lado, as normas sub judicio também não esvaziam o direito de acesso à justiça da sua substância ao não concederem patrocínio judiciário gratuito, em caso algum, às pessoas colectivas com fim lucrativo.

Com efeito, tais normas prevêem a dispensa das custas e preparos em casos em que o respectivo montante seja comprovada e consideravelmente superior às possibilidades económicas daquelas entidades, "aferidas designadamente em função do volume de negócios, do valor do capital ou do património e do número de trabalhadores ao seu serviço". Assim, nos casos em que o "preço da justiça" seja insuportável para aquelas entidades, impede-se que o acesso à justiça seja impossibilitado por insuficiência

económica.

Os custos com o patrocínio judiciário são, por outro lado, custos negociáveis e mais previsíveis e controláveis para as sociedades comerciais. Deste modo, e independentemente de saber se é por exigência constitucional que o direito de acesso à justiça implica a dispensa das custas e preparos nos casos previstos no artigo 7.º, n.º 5, da Lei 46/96, através dos modos nele previstos, o certo é que, mesmo na perspectiva de um critério exigente de promoção pelo Estado do acesso à Justiça, existe uma resposta suficiente naquela norma.

11 - Em face das considerações anteriores, conclui-se que a igualdade de tratamento entre pessoas colectivas de fim lucrativo e as outras pessoas jurídicas e entidades não lucrativas, em matéria de patrocínio judiciário gratuito, não é imposta pela Constituição.

Mas mesmo que se entenda que a diferenciação não pode ser total ou que será necessário respeitar, nas restrições previstas pelas normas sub judicio, uma certa proporcionalidade relativamente às demais situações, dever-se-á, ainda assim, reconhecer que tal diferenciação não só é justificada pela diversidade de condições referida - não sendo, por isso, uma restrição excessiva nem uma diferenciação desproporcionada - como também está sustentada por razões de interesse público.

Com efeito, tal restrição do direito ao patrocínio judiciário é justificável por critérios racionais de gestão do interesse colectivo e de repartição dos encargos públicos, ao dar prioridade e especial protecção no acesso à Justiça às pessoas e entidades sem fim lucrativo e ao exigir que as entidades com fim lucrativo suportem - ou criem mecanismos para isso adequados - os custos da actividade económica de que são

beneficiários.

Esta doutrina foi depois seguida pelos Acórdãos n.os 98/99, 167/99, 368/99, 90/2000, 234/2001, 399/04 e 191/05 (estes dois últimos incidindo já sobre a correspondente norma do artigo 7.º, n.º 5, da Lei 30-E/2000), constituindo uma corrente fortemente maioritária no sentido da não inconstitucionalidade das referidas disposições legais, na parte em que suprimiram a atribuição generalizada do direito ao apoio judiciário às pessoas colectivas de fins lucrativos e condicionaram a concessão desse benefício à demonstração não só da insuficiência económica, mas da verificação de que o montante das custas e preparos é «consideravelmente superior às possibilidades económicas»

daquelas entidades.

Salvaguardada a diferença de critério legal, visto que a disposição do artigo 7.º, n.º 3, da Lei 34/2004 (na redacção da Lei 47/2007), agora em causa, é ainda mais restritiva, no ponto em que exclui, sem qualquer ressalva, a possibilidade de concessão de apoio judiciário a pessoas colectivas com fins lucrativos, as considerações expendidas naquele aresto são transponíveis para a situação dos autos.

Na verdade, como se deixou esclarecido, o novo regime legal veio acentuar a distinção entre pessoas colectivas com fins lucrativos e pessoas colectivas sem fins lucrativos, tomando como assente a ideia de que as pessoas colectivas que tenham sido instituídas por particulares para a realização de uma actividade económica destinada à obtenção de lucros, deve, pela natureza das coisas, encontrar-se dotada de uma estrutura organizativa e financeira capaz de fazer face aos custos previsíveis da sua actividade, incluindo os que resultem da litigiosidade normal que a gestão comercial frequentemente

implica.

Por outro lado, embora a Lei Fundamental torne extensiva às pessoas colectivas os direitos constitucionais que sejam compatíveis com a sua natureza, tem de reconhecer-se que mesmo quando certo direito fundamental preenche esse grau de compatibilidade e é, portanto, susceptível de titularidade colectiva, daí não se segue que a sua aplicabilidade nesse domínio se vá operar exactamente nos memos termos e com a mesma amplitude com que decorre relativamente às pessoas singulares (Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, i tomo, Coimbra, 2005, p.

113).

E, no caso vertente, como se anotou, há um fundamento material bastante para que o legislador estabeleça uma diferenciação de regime, em matéria de acesso ao direito e aos tribunais, em relação a pessoas colectivas com fins lucrativos.

Não vindo invocado que o litígio exorbite da actividade normal da pessoa colectiva em causa, considera-se não haver motivo para considerar verificada a alegada violação do disposto no artigo 20.º da Constituição, nem se justifica a alteração do julgado.

III - Decisão

Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, decide-se negar provimento ao recurso.

Sem custas.

Lisboa, 22 de Junho de 2009. - Carlos Fernandes Cadilha - Ana Maria Guerra Martins - Maria Lúcia Amaral - Vítor Gomes - Gil Galvão.

202045114

Anexos

  • Texto integral do documento: https://dre.tretas.org/pdfs/2009/07/21/plain-257517.pdf ;
  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/257517.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1987-12-29 - Decreto-Lei 387-B/87 - Ministério da Justiça

    Estabelece o regime de acesso ao direito e aos tribunais.

  • Tem documento Em vigor 1996-09-03 - Lei 46/96 - Assembleia da República

    Altera o Decreto-Lei n.º 387-B/87, de 29 de Dezembro, e o Decreto-Lei n.º 391/88, de 26 de Outubro (acesso ao direito e aos tribunais).

  • Tem documento Em vigor 2000-12-20 - Lei 30-E/2000 - Assembleia da República

    Altera o regime de acesso ao direito e aos tribunais, atribuindo aos serviços da segurança social a apreciação dos pedidos de concessão de apoio judiciário.

  • Tem documento Em vigor 2004-07-29 - Lei 34/2004 - Assembleia da República

    Estabelece um novo regime de acesso ao direito e aos tribunais e transpõe parcialmente para a ordem jurídica nacional a Directiva n.º 2003/8/CE (EUR-Lex), do Conselho, de 27 de Janeiro, relativa à melhoria do acesso à justiça nos litígios transfronteiriços através do estabelecimento de regras mínimas comuns relativas ao apoio judiciário no âmbito desses litígios.

  • Tem documento Em vigor 2007-08-28 - Lei 47/2007 - Assembleia da República

    Altera (primeira alteração) a Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, que altera o regime de acesso ao direito e aos tribunais.

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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