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Acórdão 101/2016, de 29 de Março

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Sumário

Não julga inconstitucional a norma segundo a qual a discordância do juiz de instrução em relação à determinação do Ministério Público, visando a suspensão provisória do processo, nos termos e para efeitos do n.º 1 do artigo 281.º do Código de Processo Penal, não é passível de recurso

Texto do documento

Acórdão 101/2016

Processo 585/2015

I - Relatório 1 - Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação do Porto, em que é recorrente o Ministério Público e é recorrido Delfim Fernando Teixeira Lopes Braga foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei 28/82, de 15 de novembro [LTC]).

2 - Findo o inquérito n.º 478/15.8T9MTS, que correu termos no DIAP de Matosinhos, o Ministério Público considerando indiciada a prática pelo arguido de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido no artigo 3.º, n.os 1 e 2, do Decreto Lei 2/98, de 3 de janeiro, entendendo estarem reunidos todos os pressupostos da aplicação da suspensão provisória do processo por 4 meses, mediante a prestação de 80 horas de serviço de interesse público e proibição de conduzir quaisquer veículos a motor pelo período de 3 meses, ordenou a remessa dos autos ao Juiz de Instrução Criminal, nos termos e para efeitos do disposto no artigo 281.º, n.º 1, do Código de Processo Penal (CPP).

O Juiz de Instrução Criminal exarou despacho de não concordância relativamente à suspensão provisória do processo por a mesma não realizar adequadamente as exigências de prevenção geral e especial.

Inconformado, o Ministério Público interpôs recurso daquele despacho para o Tribunal da Relação do Porto que,

«

nos termos do n.º 1 do artigo 281.º, do Código de Processo Penal

»

, não foi admitido.

O Ministério Público apresentou então reclamação daquele despacho para o Presidente do Tribunal da Relação do Porto que, por decisão de 20 de maio de 2015, refutando os argumentos do reclamante, socorrendo-se do disposto no artigo 281.º, n.º 6, do Código de Processo Penal e invocando o Acórdão de fixação de jurisprudência 16/2009, a indeferiu.

É desta decisão que interpõe agora recurso para o Tribunal Constitucional, pretendendo ver apreciada a constitucionalidade da norma resultante do

«

artigo 281.º, n.º 6, do Código de Processo Penal, conjugado com o Acórdão de Fixação de Jurisprudência 16/2009, de 8 de novembro de 2009, [...], interpretado no sentido de que a decisão judicial que discordar da suspensão provisória do processo por alegada insuficiência das injunções e regras de conduta acordadas entre o Ministério Púbico e o arguido, em violação do seu papel de juiz das liberdades e usurpação das funções processuais do Ministério Público é irrecorrível, não violando o direito ao recurso, constitucionalmente tutelado

»

.

3 - Prosseguindo o processo os seus trâmites o recorrente alegou, pronunciando-se no sentido de dever ser julgada inconstitucional a interpretação normativa aplicada pelo tribunal recorrido, para o que apresentou as seguintes conclusões:

«

VIII - Conclusões 1 - O Ministério Público interpôs recurso facultativo, para este Tribunal Constitucional, do teor da douta decisão de fls. 113 e 114, proferida pelo Exm.º Sr. Presidente do Tribunal da Relação do Porto, “de acordo com o disposto no artigo 70.º n.º 1 alínea b) da Lei 28/82, de 15 de novembro [...]”.

2 - Com a interposição deste recurso, pretende o Ministério Público ver apreciada a inconstitucionalidade da norma constante do “[...] artigo 281.º, n.º 6, do Código de Processo Penal, conjugado com o Acórdão de Fixação de Jurisprudência 16/2009, de 8 de novembro de 2009 (publicado no DR 1.ª série de 24 de dezembro de 2009), interpretado no sentido de que a decisão judicial que discordar da suspensão provisória do processo por alegada insuficiência das injunções e regras de conduta acordadas entre o Ministério Público e o arguido, em violação do seu papel de juiz das liberdades e usurpação das funções processuais do Ministério Público é irrecorrível, não violando o direito ao recurso, constitucionalmente tutelado”.

3 - Esta interpretação normativa, utilizada na douta decisão recorrida, viola, no entender do Ministério Público, e conforme se pode inferir do teor da reclamação junta aos autos, a fls. 3 a 14 o princípio do direito ao recurso, complementado pelo princípio do acesso ao direito e aos tribunais e da tutela jurisdicional efetiva; e o princípio da legalidade no exercício da ação penal, previstos, respetivamente, nos artigos 20.º, n.º 1;

32.º, n.º 1; e 219.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.

4 - Procedemos, antes da entrada na análise da matéria de constitucionalidade que alicerça as questões suscitadas, à restrição da interpretação normativa cuja constitucionalidade se pretende ver apreciada pelo Tribunal Constitucional, retirando da formulada no requerimento de interposição de recurso, e acima reproduzida, o segmento:

“[...] em violação do seu papel de juiz das liberdades e usurpação das funções processuais do Ministério Público [...]”.

5 - Seguidamente, num momento ainda propedêutico, procurámos sublinhar e sanear o equívoco resultante da aplicação, por parte do venerando decisor “a quo”, como “ratio decidendi” do douto despacho impugnado, da norma constante do n.º 6 do artigo 281.º do Código de Processo Penal, inaplicável, “per se”, à situação fáctica solucionanda.

6 - Em resultado deste saneamento, optámos por nos pronunciarmos sobre a interpretação normativa substantivamente aplicada à resolução do presente pleito, emergente da conjugação entre o artigo 281.º, n.º 6, do Código de Processo Penal e o teor do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência 16/2009, mas coincidente, no essencial, com o con-teúdo material deste aresto.

7 - Entrando na substância da questão, apurámos que, por força do disposto no n.º 1 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa, se encontra previsto, em sede de processo criminal, o direito de recorrer de decisões que restrinjam direitos fundamentais, consagrando o duplo grau de jurisdição.

8 - Concretizando, inferimos que a desnecessária sujeição de um cidadão arguido a julgamento em processo criminal, imposta pela dis-cordância judicial, importa, para aquele cidadão, desde logo, a restrição e potencial lesão dos seus direitos ao bom nome e reputação, consagrados no artigo 26.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, e, ainda à restrição do direito à reserva da intimidade da vida privada, com assento constitucional no mesmo normativo.

9 - Efetivamente, a sujeição de um cidadão a julgamento em processo criminal, pese embora a consagração constitucional do princípio da presunção de inocência concretizado no n.º 2 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa, não deixa de acarretar, por um lado uma desvalorização social e reputacional que, inevitavelmente, é associada a tal sujeição e, por outro, de vincular o arguido a, em sede instrutória e de produção de prova, sofrer a potencial devassa da sua intimidade, quer na vertente do acesso a informação sobre a sua vida privada, quer na da divulgação pública dessa mesma informação.

10 - Ou seja, encontrando-se reunidos todos os restantes pressupostos processuais que habilitam o Ministério Público a determinar a suspensão provisória do processo, e verificando-se que a decisão judicial - reconhecendo, ainda que tacitamente, a coleção daqueles pressupostos - discorda de tal determinação apenas por considerar insuficientes as injunções a impor ao arguido, em manifesto prejuízo deste, e cerceando, desnecessária e imprevisivelmente, os seus direitos fundamentais ao bom nome e reputação, e à reserva da intimidade da vida privada, comprova-se a ocorrência da violação do direito fundamental do arguido ao recurso, nos termos concebidos pelo legislador constitucional no n.º 1, do artigo 32.º, da Constituição da República Portuguesa.

11 - Mais constatámos, que também com fundamento na violação do princípio fundamental da presunção de inocência consagrado no n.º 2 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa, a decisão judicial discordante da suspensão provisória do processo, fundada em alegada insuficiência das injunções e regras de conduta acordadas entre o Ministério Público e o arguido, viola o direito fundamental ao recurso em processo criminal, plasmado no n.º 1 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa.

12 - Sintetizando o explanado, nesta parte da nossa argumentação, concluímos que, quer em razão da violação dos direitos fundamentais ao bom nome, reputação, e reserva da intimidade da vida privada, previstos no n.º 1, do artigo 26.º, da Constituição da República Portuguesa; quer em razão da violação do princípio fundamental da presunção de inocência consagrado no n.º 2 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa - e contrariando a tese sustentada pelo Acórdão Uniformizador de Jurisprudência 16/2009-, a decisão judicial discordante da suspensão provisória do processo, fundada em alegada insuficiência das injunções e regras de conduta acordadas entre o Ministério Público e o arguido, viola o direito fundamental ao recurso em processo criminal, prescrito no n.º 1 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa, enquanto afloramento do mais abrangente direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, consagrado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.

13 - Paralelamente, considerámos que a grelha infraconstitucional, a que recorreram os decisores do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência 16/2009, é, no presente caso, insuficiente para a cabal aferição da constitucionalidade ou inconstitucionalidade da interpretação normativa impugnada, a qual determina a irrecorribilidade da decisão judicial de discordância da determinação de suspensão provisória do processo, mesmo quando aquela é suscetível de restringir direitos fundamentais do arguido, razão pela qual não a adotamos, considerando-a inaplicável no caso vertente.

14 - Mais opinámos, que o juiz de instrução não pode, legitimamente, em sede de inquérito criminal, restringindo os direitos do arguido que lhe cumpre garantir, discordar da suspensão provisória do processo, com fundamento na insuficiência das injunções ou das regras de conduta impostas.

15 - Por fim, conjugando as premissas já apuradas com o polimorfismo estatutário do Ministério Público, constatámos que é o próprio Tribunal Constitucional que reconhece - quando o Ministério Público, em sede de recurso processual penal e para defesa da legalidade, intervém no exclusivo interesse da defesa do arguido, como acontece no caso que nos preocupa - a invocabilidade do direito fundamental ao recurso previsto no n.º 1 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa.

16 - Consequentemente, qualquer restrição ao exercício do poder-dever de defesa da legalidade democrática que, constitucionalmente, incumbe ao Ministério Público, constitui uma violação do seu estatuto constitucional, e, mais especificamente, uma violação do seu poderdever de defesa da legalidade no exercício da ação penal, com assento no n.º 1 do artigo 219.º da Constituição da República Portuguesa.

17 - Assim, conjugando as conclusões parcelares obtidas, depreendemos que a não recorribilidade do despacho judicial de discordância da determinação do Ministério Público de suspensão provisória do processo, com fundamento na insuficiência das injunções ou das regras de conduta impostas, porque suscetível de restringir direitos fundamentais do arguido, viola o direito constitucional ao recurso em processo criminal, consagrado no n.º 1 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa (e, complementarmente, o direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, plasmada no artigo 20.º, n.º 1, do mesmo Texto Constitucional);

18 - E ainda, dando resposta ao caso concreto, que a lesão constitucional ocorre, igualmente, quando ao Ministério Público, intervindo no exclusivo interesse do arguido, e na prossecução dos seus poderes-deveres constitucionais, é, igualmente, negado tal direito ao recurso, por violação do disposto no já referido artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, conjugado com o plasmado no n.º 1, do artigo 219.º, do mesmo Texto Fundamental.

19 - Resulta, pois, em face do exposto, que a interpretação normativa resultante da conjugação do disposto no artigo 281.º, n.º 6, do Código de Processo Penal, com o teor do Acórdão de Fixação de Jurisprudência 16/2009, de 8 de novembro de 2009, que constituiu ratio decidendi da decisão recorrida, no sentido de que a decisão judicial que discordar da suspensão provisória do processo por alegada insuficiência das injunções e regras de conduta acordadas entre o Ministério Público e o arguido é irrecorrível, se revela violadora do princípio constitucional do direito ao recurso em processo criminal, previsto no n.º 1, do artigo 32. º, da Constituição da República Portuguesa (e complementarmente do direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, prescrito no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa), conjugado com o princípio de defesa da legalidade democrática, constante do estatuto constitucional do Ministério Público, com assento no artigo 219.º, n.º 1, do Texto Fundamental.

»

4 - Alegou também o arguido, pronunciando-se no mesmo sentido do recorrente.

Cumpre apreciar e decidir.

II - Fundamentação a) Delimitação do objeto do recurso 5 - Importa em primeiro lugar começar por delimitar o objeto do recurso.

No requerimento de recurso o recorrente pede a apreciação da constitucionalidade da norma resultante da interpretação do

«

artigo 281.º, n.º 6, do Código de Processo Penal, conjugado com o Acórdão de Fixação de Jurisprudência 16/2009, de 8 de novembro de 2009, [...], interpretado no sentido de que a decisão judicial que discordar da suspensão provisória do processo por alegada insuficiência das injunções e regras de conduta acordadas entre o Ministério Púbico e o arguido, em violação do seu papel de juiz das liberdades e usurpação das funções processuais do Ministério Público é irrecorrível, não violando o direito ao recurso, constitucionalmente tutelado

»

.

Importa, no entanto, proceder à restrição daquela formulação em ordem a fazela coincidir com o estrito conteúdo normativo que foi aplicado na decisão recorrida.

Este desiderato implica expurgar do seu teor as passagens que traduzem as afirmações conclusivas - e de resto, não normativas - de se verificar violação do

«

papel de juiz das liberdades

» e
«

usurpação das funções processuais do Ministério Público

»

, por um lado, ou a não violação do

«

direito ao recurso constitucionalmente tutelado

»

, por outro. De facto, estas passagens excedem os limites do objeto de pedido admissível sem que a sua supressão implique a perda de idoneidade do recurso para ser conhecido.

Para além disso, deve eliminar-se do enunciado da norma a sindicar no presente recurso a referência à fundamentação da decisão de não concordância com a suspensão do processo [

«

por alegada insuficiência das injunções e regras de conduta acordadas entre o Ministério Púbico e o arguido

»

], e isto porque a norma que fundou a decisão de não admissão do recurso - e que constitui a decisão aqui recorrida - é independente daquelas razões. Isto é, esta decisão é irrecorrível independentemente das razões que efetivamente tenham sido invocadas pelo juiz de instrução para a não concordância com a suspensão provisória do processo.

Nesta conformidade, o objeto do presente recurso cinge-se à norma resultante do

«

artigo 281.º, n.º 6, do Código de Processo Penal, conjugado com o Acórdão de Fixação de Jurisprudência 16/2009, de 8 de novembro de 2009, [...], interpretado no sentido de que a decisão judicial que discordar da suspensão provisória do processo é irrecorrível

»

.

Assim delimitado o objeto do recurso, facilmente se verifica que, apesar de alicerçada no preceito legal do n.º 6 do artigo 281.º do CPP - aplicação do direito assumida no tribunal a quo eque não cabe ao Tribunal Constitucional sindicar - a norma aqui em apreciação coincide, afinal, com interpretação dada ao artigo 281.º, n.º 1, do CPP pelo referido Acórdão 16/2009, segundo o qual

«

a discordância do juiz de instrução em relação à determinação do Ministério Público, visando a suspensão provisória do processo, nos termos e para efeitos do n.º 1 do artigo 281.º do Código de Processo Penal, não é passível de recurso

»

.

É, portanto, sobre essa dimensão normativa que incidirá o presente julgamento de constitucionalidade.

b) Do mérito do recurso i) Contextualização da questão de constitucionalidade

6 - A norma em análise incide sobre um aspeto particular do regime da suspensão provisória do processo em processo penal, concretamente a não admissão de recurso da não concordância do juiz exigida para a sua determinação pelo Ministério Público.

O regime legal da suspensão provisória do processo foi introduzido no ordenamento jurídico português pelo Código de Processo Penal de 1987. No seu formato atual, pode caracterizar-se pelos seguintes traços essenciais:

− Na fase de inquérito, o processo suspende-se por decisão do Ministério Público, com o consenso do arguido e do assistente e a concordância do juiz de instrução, por um período determinado que pode ir até 2 anos (artigo 282.º, n.º 1), e mediante a sujeição do arguido a injunções e regras de conduta;

− Se o arguido cumprir as injunções ou as regras de conduta a que a suspensão tenha ficado condicionada, o processo é arquivado (n.º 3 do artigo 282.º), não chegando a ser deduzida acusação;

− Na fase de instrução pode também optar-se pela suspensão provisória do processo por decisão primária do juiz de instrução, desta feita, obtida a concordância do Ministério Público (n.º 2 do artigo 307.º).

7 - Ainda que nunca tenha apreciado a dimensão normativa do regime legal da suspensão provisória do processo penal agora impugnada, o Tribunal Constitucional teve já, no entanto, ocasião de se pronunciar sobre outras normas daquele regime.

Como então salientou, designadamente no Acórdãos n.º 67/2006, n.º 4 (v. também o Acórdão 116/2006, que para este remete, reiterando-o), o instituto da suspensão provisória do processo:

«

constitui uma limitação ao dever de o Ministério Público deduzir acusação sempre que tenha indícios suficientes de que certa pessoa foi o autor de um crime (artigo 283.º, n.º 1, do Código de Processo Penal), deixando o princípio da legalidade na promoção do processo penal de ser comandado por uma ideia de igualdade formal, para ser norteado pelas intenções políticocriminais básicas do sistema penal, assentes na ideia de que, visando toda a intervenção penal a proteção de bens jurídicos e, sempre que possível, a ressocialização do delinquente, é adequado que a intervenção formal de controlo tenda para observar as máximas da mais lata diversão e da menor intervenção socialmente suportáveis (Discutindo-se se esta realidade melhor se exprime pelo conceito de oportunidade regulada ou de legalidade atenuada. No sentido de que as hipóteses de cessação do dever de acusar positivadas no direito português não significam necessariamente uma mudança de paradigma na perseguição penal, Pedro Caeiro, “Legalidade e oportunidade:

a perseguição penal entre o mito da ‘justiça absoluta’ e o fetiche da ‘gestão eficiente’ do sistema”, in Revista do Ministério Público, n.º 84, outubro/dezembro 2000, págs. 31 e segs.). Do ponto de vista substantivo, é um dos casos de introdução de medidas de diversão (diversão com intervenção; cf. sobre a tipologia das formas de diversão, socorrendo-se da lição de Faria Costa em “Diversão (Desjudiciarização) e Mediação:

Que Rumos”, BFDLXI, p. 91 e sgs, Pinto Torrão, A Relevância PolíticoCriminal da Suspensão Provisória do Processo, p. 121) e consenso na solução do conflito penal relativamente a situações de pequena e média criminalidade, para cuja consagração concorrem tanto razões de funcionalidade do sistema de justiça penal (desobstrução da máquina judicial e promoção da economia e celeridade processuais, com isso se fortalecendo globalmente a crença na efetividade dos mecanismos de reação penal, com o que simultaneamente se realiza o objetivo de prevenção), como de prossecução imediata de objetivos do programa políticocriminal substantivo (evitar a estigmatização e o efeito dissocializador, ligados à submissão formal a julgamento, relativamente a delinquentes ocasionais com prognóstico favorável, o que se insere no princípio de redução da aplicação das sanções criminais ao mínimo indispensável).

Além do consenso dos demais sujeitos processuais (Ministério Pú-blico, arguido e assistente), a lei exige a concordância do juiz de instrução. Esta intervenção de um juiz na suspensão provisória do processo em fase de inquérito não estava inicialmente prevista (também não estava previsto que a suspensão pudesse ser decretada na fase de instrução, o que veio a ser permitido pela Lei 59/98, de 25 de agosto). Resultou de o Tribunal Constitucional se ter pronunciado, no Acórdão 7/87, [...], pela inconstitucionalidade dos n.os 1 e 2 do artigo 281.º do Código de Processo Penal, então ainda só aprovado em Conselho de Ministros pelo decreto registado sob o n.º 754/86, que foi submetido a fiscalização preventiva de constitucionalidade. De notar que o Tribunal não viu obstáculos de constitucionalidade ao instituto da suspensão provisória do processo, em si mesmo. O que não aceitou foi “a atribuição ao MP da competência para a suspensão do processo e imposição das injunções e regras de conduta previstas na lei, sem a intervenção de um juiz, naturalmente o juiz de instrução, e daí a inconstitucionalidade, nessa medida, dos n.os 1 e 2 do artigo 281.º, por violação dos artigos 206.º e 32.º n.º 4 da CRP”. E, posteriormente à entrada em vigor do Código, o Tribunal reiterou o mesmo juízo de que a admissibilidade da suspensão não levanta, em geral, qualquer obstáculo constitucional, no Acórdão 244/99, [...].

»

.

No Acórdão 235/2010, proferido já na sequência da revisão introduzida no Código de Processo Penal em 2007, o Tribunal apreciou questão referente à irrecorribilidade da decisão de denegação da aplicação do instituto da suspensão provisória do processo. Apesar de a denegação em causa se inserir na decisão instrutória de pronúncia, pelos factos constantes da acusação do Ministério Público, o que constitui dimensão diferente da ora em análise, retomam-se aqui, por se considerarem pertinentes, algumas passagens daquele aresto (n.º 9):

«

Aquando da revisão do Código de Processo Penal, o argumento literal resultante da alteração da redação dos artigos 281.º do Código de Processo Penal e os trabalhos preparatórios (Ata n.º 22 da Unidade de Missão para a Reforma Penal), fazem concluir que as alterações a introduzir em sede de processos especiais têm o objetivo de reforçar a aplicabilidade deste tipo de processos para promover uma realização célere da justiça e uma rápida reposição da paz jurídica. “[...] No âmbito da suspensão provisória do processo são introduzidas diversas alterações com vista ao aumento da aplicação deste regime, destacando-se a eliminação do caráter facultativo da sua utilização pelo Ministério Público, ao qual é determinado que aplique a suspensão, com a concordância dos restantes sujeitos processuais e do juiz, desde que estejam preenchidos os respetivos requisitos.

Assim, nem as injunções e regras de conduta são penas, nem a suspensão provisória do processo é um despacho condenatório ou assente num desígnio de censura éticojurídica, mas através do qual o arguido aceita respeitar determinadas injunções, e regras de conduta, e o Ministério Público se compromete a, caso elas sejam cumpridas, desistir da pretensão punitiva e a arquivar o processo.

A decisão de suspensão, no âmbito do inquérito, é da responsabilidade do Ministério Público, condicionada à concordância do juiz de instrução criminal e, no âmbito da instrução, da responsabilidade do juiz de instrução criminal, condicionada à concordância do Ministério Público. Entende-se, por isso, a razão que conduziu o legislador a impor que essa decisão não seja suscetível de impugnação

»

.

E acrescenta-se no mesmo aresto que no caso de a decisão ser de negação da suspensão

«

as razões da irrecorribilidade mantêm-se escoradas em iguais considerações. [...] não havendo recurso da decisão de não concordância do Ministério Público acerca da aplicação do instituto da suspensão provisória do processo, não faria sentido possibilitar o recurso da decisão de não aplicação do mesmo pelo juiz de instrução criminal e fazer depender da concordância do Ministério Público a aplicação da medida

»

(n.º 9).

8 - A verdade é que a questão atinente à (im)possibilidade de impugnação da discordância judicial relativamente à suspensão provisória do processo suscitou durante muito tempo controvérsia na doutrina e na jurisprudência, opondo duas posições inconciliáveis sobre a natureza daquele ato judicial. Enquanto para uma posição i) a “concordân-cia/discordância” relativamente à proposta do Ministério Público não consubstancia uma verdadeira decisão, antes um mero ato dependente de livre resolução proferido no âmbito de poderes discricionários, pelo que não admite recurso, para outra posição ii) o despacho judicial que a corporiza não pode deixar de ser sindicável, e por isso recorrível, uma vez que decide sobre a legalidade da suspensão do processo no caso concreto, decisão essa que está vinculada a parâmetros definidos na lei e que, como tal, tem de ser fundamentada.

Pelo Acórdão de uniformização de jurisprudência 16/2009, de 18 de novembro, o Supremo Tribunal de Justiça, optou pela tese da inadmissibilidade do recurso. Na base desta decisão está o afastamento do excurso sobre a perspetiva do perfil da concordância do juiz de instrução na suspensão provisória do processo (ou mais concretamente ainda, o excurso sobre os parâmetros que regem tal intervenção) como sendo o relevante para elucidar sobre a questão que ali era proposta

«

e que, singelamente, se cing[gia] a saber se o despacho de concordância é, ou não, impugnável através de recurso

»

, entendendo o Supremo Tribunal de Justiça que a resposta devia ser procurada noutra sede:

a definição da natureza da “concordância” judicial, “eixo essencial” da questão concernente à sua recorribilidade.

Pode ler-se na fundamentação do acórdão em referência (ponto V.):

«

Na verdade, lei processual penal salienta a necessidade de “concor-dância” do juiz, mas não oferece qualquer critério interpretativo sobre o significado jurídico a atribuir a tal intervenção, antes a parificando, numa perspetiva literal, com a intervenção dos restantes sujeitos processuais, nomeadamente arguido e assistente. Aliás, uma análise mais fina da lei adjetiva inculca a ideia, já referida, de que estamos perante uma figura exógena aos princípios que informam aquela lei, e uma excrescência em termos dogmáticos, só explicável pela necessidade imperativa, sentida pelo legislador, de fazer face ao juízo de inconstitucionalidade sufragado pelo citado Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 7/87

»

. E conclui constituir a “concordância” do juiz de instrução, no contexto da suspensão provisória do processo,

«

em paralelo com a concordância do arguido e do assistente, o pressuposto material de determinação do Ministério Público na suspensão provisória

»

, não configurando a forma de ato decisório o que a exclui do âmbito dos atos passíveis de recurso face ao artigo 399.º do Código de Processo Penal.

Em consequência, o Acórdão 16/2009 do Supremo Tribunal de Justiça fixou a seguinte jurisprudência obrigatória:

«

A discordância do juiz de instrução em relação à determinação do Ministério Público, visando a suspensão provisória do processo, nos termos e para os efeitos do n.º 1 do artigo 281.º do Código de Processo Penal, não é passível de recurso

»

.

Um tal conteúdo normativo coincide com o que agora é trazido à apreciação do Tribunal Constitucional no presente recurso.

ii) Dos fundamentos do recurso

9 - Recordado o contexto em que surge a questão de constitucionalidade objeto do presente recurso, importa agora entrar na apreciação do seu mérito.

Na tese do recorrente, a norma em apreciação viola o princípio constitucional do direito ao recurso em processo criminal, previsto no n.º 1 do artigo 32.º, da Constituição (e complementarmente do direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, prescrito no n.º 20.º, n.º 1, da Constituição), conjugado com o princípio da defesa da legalidade democrática constante do estatuto constitucional do Ministério Público, com assento no artigo 219.º, n.º 1, do Texto Fundamental. ii.1) O direito ao recurso em processo criminal (artigo 32.º, n.º 1, da Constituição)

10 - A Constituição garante a todos os cidadãos

«

o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legítimos

»

(artigo 20.º, n.º 1) afirmando ainda que

«

o processo criminal assegurará todas as garantias de defesa, incluindo, o recurso

»

(artigo 32.º, n.º 1).

É muito vasta a jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre o direito ao recurso em processo penal, o qual constitui uma das mais relevantes garantias de defesa expressamente consagrada no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição.

Destas normas, porém, não retira a jurisprudência do Tribunal Constitucional a regra da garantia do recurso quanto a todas as decisões proferidas em processo penal, mas apenas no que respeita às decisões penais condenatórias e às decisões penais de privação ou restrição da liberdade ou de quaisquer outros direitos fundamentais.

Como tem sido jurisprudência constante do Tribunal, mesmo antes da revisão constitucional de 1997 - na sequência da qual o artigo 32.º, n.º 1, passou a identificar expressamente o direito ao recurso entre as garantias de defesa - o núcleo essencial desta garantia constitucional coincide com o direito de recorrer de decisões condenatórias e de atos judiciais que, durante o processo, tenham como efeito a privação ou a restrição da liberdade ou de outros direitos fundamentais do arguido (cf. entre outros, Acórdãos n.os 8/87 [n.º 8], 31/87 [n.º 7], 178/88 [n.º 6], 259/88 [n.º 2.2], 401/91 [n.º II, 2], 132/92 [n.º 3 e 4], 322/93 [n.º 5 e 6], 265/94 [n.º 7], 610/96 [n.º 11], 30/2001 [n.º 7], 189/2001 [n.º 6]).

Em suma, o “direito de recurso”, como imperativo constitucional, consagrado no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, deve entender-se no quadro das “garantias de defesa” - só e quando estas garantias o exijam (Acórdão 235/2010 [n.º 9]).

11 - Nesta conformidade, constituindo, a faculdade de recorrer em processo penal uma expressão das garantias constitucionais de defesa que impõe o recurso de sentenças condenatórias ou de atos judiciais que durante o processo tenham como efeito a privação ou a restrição da liberdade ou de outros direitos fundamentais, logo se verifica que a norma em apreciação não pode violar aquela garantia, na medida em que ela não envolve nenhuma condenação nem nenhum ato judicial de provação ou restrição de qualquer direito fundamental.

Se a prossecução do processo para julgamento pode ser prejudicial aos interesses do arguido, a decisão de não concordância com a suspensão do processo não pode ser qualificada como uma violação de um direito fundamental constitucionalmente garantido, cuja proteção exija a necessária recorribilidade das decisões que o afetem negativamente.

O despacho de que se pretende recorrer apenas se limitou à não concordância com a decisão do Ministério Público, não podendo essa não concordância ser, ela própria, considerada diretamente ofensiva de qualquer direito fundamental do arguido.

Mesmo admitindo que, verificados os respetivos pressupostos legais, o Ministério Público está hoje vinculado à aplicação da suspensão provisória do processo (tese que, de acordo com João Conde Correia e Rui do Carmo, “Recorribilidade do despacho de não concordância com a suspensão provisória do processo”, in Revista do Ministério Público, 142, abriljunho 2015, p. 29, encontra apoio na substituição, no texto da norma do artigo 281.º do CPP, da expressão

«

pode decidir-se

» por
«

determina a suspensão provisória

»

- operada pela revisão do CPP introduzida pela Lei 48/2007, de 29 de agosto), o correspondente direito subjetivo do arguido à referida suspensão provisória do processo não convoca a proteção que a Constituição reserva aos direitos fundamentais.

12 - De todo o modo, o recorrente não alicerça a tese da violação do direito ao recurso na restrição do direito à suspensão provisória do processo, em si mesmo considerado. O que, na tese do recorrente, sustenta a conclusão da violação daquele direito constitucionalmente garantido é,

«

a restrição e potencial lesão dos seus direitos ao bom nome e reputação

» bem como
«

à reserva da intimidade da vida pri-vada

»

, consagrados no artigo 26.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, que a

«

desnecessária sujeição de um cidadão arguido a julgamento em processo criminal, imposta pela discordância judicial

» importa para aquele.

A este respeito caberá começar por notar que para além de se alicerçar na invocação de uma consequência da irrecorribilidade da decisão de discordância da suspensão do processo que dela não decorre diretamente, a construção argumentativa do recorrente parte de uma premissa indemonstrada:

a desnecessidade de realização do julgamento. É por ao Ministério Público se afigurar desnecessária a sua realização, que a sujeição a julgamento atenta contra o bom nome e reputação do arguido, bem como a reserva da sua intimidade privada. Desta forma, é a desnecessidade de julgamento, pressuposta na alegação do recorrente, que particulariza a situação visada pela norma sindicada, distinguindo-a da sujeição de qualquer outro arguido a julgamento.

Ora, uma tal premissa está longe de poder dar-se por demonstrada. De acordo com o regime legal previsto para a suspensão provisória do processo, não é por o Ministério Público entender que no caso se não justifica o julgamento que se impõe a conclusão da sua desnecessidade. Ainda que uma tal decisão do detentor da ação penal tenha pressuposta a adesão do arguido (e mesmo do assistente), a sua determinação não dispensa a obtenção da concordância judicial, em face do regime legal instituído. Na falta da concordância do juiz, ficará, pois, necessariamente indemonstrada a desnecessidade do julgamento (pelo menos de acordo com o regime legal assumido pelo legislador) e não podendo afirmar-se que a sujeição do arguido a julgamento é desnecessária comprometida fica, desde logo e definitivamente, a potencialidade de lesão dos direitos fundamentais do arguido, designadamente os direitos ao bom nome, reputação, e reserva da intimidade privada invocada pelo recorrente como fundamento da violação do direito ao recurso, quer enquanto garantia de defesa em processo criminal, consagrado no n.º 1, do artigo 32.º da Constituição, quer também enquanto afloramento do mais abrangente direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, consagrado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição. ii.2) O princípio da presunção de inocência (artigo 32.º, n.º 2, da Constituição)

13 - Invoca, ainda, o recorrente como fundamento para a imposição constitucional do recurso da decisão de não concordância do juiz a violação do princípio da presunção de inocência, consagrado no n.º 2 do artigo 32.º da Constituição.

Partindo da exigência legal da concordância do arguido para que o Ministério Público possa determinar a suspensão provisória do processo - o que pressupõe igualmente a sua aceitação das injunções e regras de conduta que condicionam a referida suspensão-, entende o recorrente que depois de, na fase do inquérito, aceitar submeter-se ao cumprimento de injunções e regras de conduta com o intuito de evitar o julgamento, assumindo a responsabilidade nos atos imputados, o arguido dificilmente poderá invocar, posteriormente, ao comparecer perante o tribunal que o vier a julgar, com total credibilidade, a sua inocência.

Ora, como o próprio recorrente não deixa de reconhecer, e constitui entendimento pacífico, também afirmado pelo Tribunal Constitucional, nem as injunções e regras de conduta são penas, apesar de se consubstanciarem em medidas funcionalmente equivalentes, nem a suspensão provisória do processo é um despacho condenatório ou assente num desígnio de censura éticojurídica da pena nem a correspondente comprovação da culpa (cf. Acórdãos n.os 67/2006 [n.º 7], 116/2006 [que remete para e reitera o Acórdão 67/2006], 144/2006 [n.º 4] e 235/2010 [n.º 9]). Trata-se, antes, de um despacho através do qual o arguido aceita respeitar determinadas injunções, e regras de conduta, e o Ministério Público se compromete a, caso elas sejam cumpridas, desistir da pretensão punitiva e a arquivar o processo.

Por conseguinte, não representando a aceitação, por parte do arguido, da decisão do detentor da ação penal de suspender o processo e concomitantes injunções e regras de conduta, a assunção formal da prática dos atos delituosos que lhe são imputados, não pode um tal ato ser visto como condicionante da sua futura defesa, designadamente no caso de vir a ser sujeito a julgamento, situação em que continuará a beneficiar, em plenitude, da garantia da presunção da sua inocência.

Eis quanto basta para afastar a conclusão de que a interpretação normativa em análise viola o direito ao recurso, consagrado no n.º 1 do artigo 32.º da Constituição, por frustração do princípio fundamental da presunção de inocência previsto no n.º 2 daquele artigo. ii.3) O estatuto constitucional do Ministério Público (artigo 219.º, n.º 1, da Constituição)

14 - Resta analisar o último fundamento do recurso, assente na violação do estatuto constitucional do Ministério Público com assento no n.º 1 do artigo 219.º da Constituição.

Na base desta invocação está a sustentação de que a norma impugnada implica uma restrição ao exercício do poderdever de defesa da legalidade democrática que constitucionalmente incumbe ao Ministério Público, designadamente no exercício da ação penal.

Esta alegação pressupõe, todavia, a “conclusão parcial” (cf. pontos 80 e 81 das alegações de recurso) de que a irrecorribilidade da discordância do juiz quanto à suspensão provisória do processo, porque suscetível de restringir direitos fundamentais do arguido, viola o direito constitucional ao recurso. Só a verificação desse pressuposto permitiria concluir que a mesma “lesão constitucional” poderia ocorrer, igualmente, quando intervindo no exclusivo interesse do arguido, e na prossecução dos seus poderesdeveres constitucionais, fosse negado ao Ministério Público o direito ao recurso, por violação do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, conjugado com o seu artigo 219.º, n.º 1.

A refutação, acima consignada, da tese da violação do direito ao recurso, torna desprovida de sentido a apreciação deste fundamento.

É percetível que na origem deste recurso está a discordância relativamente ao papel do juiz de instrução criminal na suspensão provisória do processo em fase de inquérito (o que não integra o objeto do presente recurso), bem como uma perceção crítica da jurisprudência uniformizada pelo Supremo Tribunal de Justiça quanto à irrecorribilidade da não concordância do juiz. Importa reter, todavia, que o recurso de constitucionalidade apenas contempla a apreciação da validade de normas à luz da Constituição, não cabendo a este Tribunal indicar qual a melhor interpretação de preceitos infraconstitucionais (no caso o artigo 281.º, n.º 1 do CPP), ou sequer tomar posição sobre a melhor solução legislativa para o problema

iii) Conclusão

15 - Pelo que fica exposto, conclui-se que a interpretação normativa acima analisada não viola o direito ao recurso, consagrado no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, nem se vislumbra que infrinja outro parâmetro constitucional.

Resta, assim, concluir, em conformidade.

III - Decisão Em face do exposto, decide-se:

a) Não julgar inconstitucional a norma segundo a qual a discordância do juiz de instrução em relação à determinação do Ministério Público, visando a suspensão provisória do processo, nos termos e para efeitos do n.º 1 do artigo 281.º do Código de Processo Penal, não é passível de recurso.

b) Consequentemente, negar provimento ao recurso.

Sem custas, por não serem devidas pelo recorrente Lisboa, 23 de fevereiro de 2016. - Maria de Fátima Mata-Mouros - João Pedro Caupers - Maria Lúcia Amaral - Teles Pereira - Joaquim de Sousa Ribeiro.

209456008

TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL DE AVEIRO

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/2548691.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1987-02-09 - Acórdão 7/87 - Tribunal Constitucional

    Declara não se pronunciar pela inconstitucionalidade dos artigos 108.º, n.º 2, alínea b); 135.º, n.os 2 e 3; 174.º, n.os 3 e 4; 177.º, n.º 2, com referência ao artigo 174.º, n.º 4, alíneas a) e b); 178.º, n.º 3; 187.º, n.º 1; 190.º; 200.º; 250.º, n.º 3; 251.º, n.º 1; 252.º, n.º 3; 263.º; 270.º, n.º 1; 281.º, n.os 3 e 5, salvo, quanto a este último número, consequencialmente, na parte em que ele remete para o n.º 4; 286.º, e 337.º n.os 1, alínea a), e 3, e pronunciar-se pela inconstitucionalidade dos artigos (...)

  • Tem documento Em vigor 1998-01-03 - Decreto-Lei 2/98 - Ministério da Administração Interna

    Altera o Código da Estrada, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 114/94, de 3 de Maio. Republicado em anexo com as alterações ora introduzidas.

  • Tem documento Em vigor 1998-08-25 - Lei 59/98 - Assembleia da República

    Altera o Código do Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei 78/87 de 17 de Fevereiro, na redacção introduzida pelos Decretos-Leis 387-E/87, de 29 de Dezembro, 212/89, de 30 de Junho e 317/95, de 28 de Novembro. Republicado na integra, o referido código, com as alterações resultantes deste diploma.

  • Tem documento Em vigor 2007-08-29 - Lei 48/2007 - Assembleia da República

    Altera (15.º alteração) e republica o Código de Processo Penal.

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