de 14 de Junho
Independentemente da revisão em curso do direito processual civil português, que alterará significativamente o regime jurídico vigente, justifica-se que se caminhe no sentido de criar um sistema alternativo que, sem diminuição de garantias, com aquele co-exista, inspirando-se em princípios idênticos, mas definido no pressuposto da compatibilização destes com outras exigências de uma cultura judiciária moderna. Assim, ter-se-á em conta o papel mais activo e dinâmico que deve reconhecer-se hoje ao advogado como efectivo colaborador da justiça que é, reconhecendo-lhe o direito a uma intervenção processual e pré-processual mais substantiva, do mesmo modo que importa assegurar, no processo civil, a previsão de mecanismos que apelem à adopção do princípio da cooperação.Por outro lado, razões de eficácia do sistema, quando conformadas com a real afirmação do princípio da liberdade das partes, permitem conceber o recurso a mecanismos processuais de utilização facultativa, entendidos como alternativos ao sistema regra consagrado no Código que, assim, assume natureza supletiva.
Em certos aspectos, foi já esta perspectiva que conduziu à previsão do processo simplificado, introduzido pelo artigo 464.º-A do Código de Processo Civil e posteriormente regulamentado, em alguns pontos, pelos artigos 3.º e 4.º do Decreto-Lei 212/89, de 30 de Junho, mas que não tem sido de utilização frequente nos nossos tribunais.
Visa agora o presente diploma condensar e desenvolver, em substituição dos normativos acima referidos, aquele esquema processual alternativo, facultando às partes delimitar, logo à partida, o verdadeiro objecto do litígio, permitindo ultrapassar as fases dos articulados e do saneamento e condensação, com evidentes benefícios em termos de celeridade, desburocratização e economia processual.
Trata-se, aliás, de solução que não é inédita em termos de direito comparado, bastando referir, em sistemas muito próximos do nosso, a figura da requête conjointe, vigente no direito processual civil francês.
Apresentando as partes petição conjunta, necessariamente subscrita, sendo o patrocínio obrigatório, pelos respectivos mandatários judiciais - e poderão fazê-lo sempre que a relação jurídica seja disponível -, a intervenção do tribunal limita-se à instrução, discussão e julgamento da causa, ou apenas ao julgamento, designadamente em termos de equidade, quando o dissídio seja apenas de direito.
Vale ainda o presente diploma para flexibilizar a indicação da prova testemunhal, permitindo a alteração do rol de testemunhas com muito maior largueza, relativamente ao rígido sistema vigente no actual processo civil.
Consagra-se também para os casos de maior complexidade a possibilidade da realização de uma audiência preliminar, destinada a delimitar, com mais precisão, o objecto em litígio e os factos que constituirão base instrutória da causa. Tal conferência, destinada a propiciar uma verdadeira cooperação entre os diversos intervenientes no processo, poderá ainda servir para a realização prévia de tentativa de conciliação.
Acentuam-se os benefícios para as partes em matéria de custas, estabelecendo-se que a taxa de justiça não poderá ultrapassar metade do montante correspondente a uma acção comum de igual valor. E, como contrapartida para a circunstância de as fases dos articulados e da condensação do processo decorrerem, de algum modo, entre os advogados, sem intervenção judiciária, estabeleceu-se destino especial para metade das importâncias que venham a ser cobradas a título de taxa de justiça.
Assim:
Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 201.º da Constituição, o Governo decreta o seguinte:
Artigo 1.º
Requisitos
Quando, em processo civil, a acção não tenha por objecto direitos indisponíveis, podem as partes iniciar a instância com a apresentação de petição conjunta, subscrita, sendo o patrocínio obrigatório, pelos respectivos mandatários judiciais, à qual se aplicam, com as adaptações necessárias, os requisitos previstos no Código de Processo Civil para a petição inicial.
Artigo 2.º
Objecto da petição conjunta
1 - Na petição a que se refere o artigo anterior, submetem as partes à apreciação judicial as respectivas pretensões, indicando os factos que admitem por acordo, sem prejuízo do disposto nas alíneas c) e d) do artigo 485.º do Código de Processo Civil, e os factos controvertidos, requerendo logo as respectivas provas e tomando posição sobre as questões de direito relevantes.2 - As testemunhas serão apresentadas pela parte que as ofereceu, salvo se for logo requerida a respectiva notificação para comparência.
3 - Excepcionalmente, quando as testemunhas residam fora da área do círculo judicial e a sua deslocação represente sacrifício incomportável, poderá requerer-se a expedição de carta precatória para a respectiva inquirição, nos termos previstos na lei processual.
4 - Para além dos casos em que o Código de Processo Civil admite a substituição das testemunhas, podem as partes alterar ou adicionar o respectivo rol, ocorrendo qualquer motivo justificado, desde que a parte contrária possa ser notificada da alteração até sete dias antes da data em que deva ter lugar o depoimento.
Artigo 3.º
Intervenção do tribunal
1 - Havendo matéria de facto controvertida, a intervenção do tribunal fica limitada à instrução, discussão e julgamento da causa, nos termos previstos na lei processual.2 - Apresentada em juízo a petição conjunta, o juiz aprecia liminarmente da admissibilidade do uso da forma do processo e da existência de quaisquer excepções dilatórias de conhecimento oficioso.
3 - Se o processo houver de prosseguir, é logo designado dia para a audiência final, que deverá realizar-se, não havendo diligências de produção antecipada da prova, no prazo máximo de dois meses a contar da apresentação em juízo da petição conjunta.
4 - A fim de prevenir o risco de adiamento forçoso da diligência, deve o juiz marcar o dia e hora da sua realização mediante prévio acordo com os mandatários judiciais interessados.
Artigo 4.º
Audiência preliminar
1 - Quando a complexidade do processo o aconselhe, poderá o juiz fazer preceder a audiência final de uma conferência com os mandatários judiciais das partes, destinada a obter os esclarecimentos pertinentes para a correcta selecção de factos essenciais controvertidos, a averiguar em audiência, e a realizar, sendo caso disso, tentativa de conciliação das partes.2 - A indicação dos factos a que se refere o número anterior pode ser feita sob a forma de quesitos a que o tribunal deverá responder, sendo, sempre que possível, logo ditada para a acta.
Artigo 5.º
Divergência limitada à solução jurídica do pleito
1 - Se a divergência das partes se limitar à solução jurídica do pleito, a intervenção do tribunal será restrita ao julgamento da causa, precedido de debate oral dos advogados relativamente à qualificação e efeitos jurídicos dos factos admitidos por acordo das partes.
2 - Nos casos previstos no artigo 4.º do Código Civil, podem as partes acordar em que o litígio seja resolvido segundo a equidade.
Artigo 6.º
Regime subsidiário
Em tudo aquilo que não estiver especialmente previsto neste diploma, é aplicável, a título subsidiário, o regime do Código de Processo Civil.
Artigo 7.º
Redução especial da taxa de justiça e seu destino
1 - Nas acções que sigam a forma processual prevista nos artigos anteriores, o juiz determinará a redução da taxa de justiça, tendo em conta a complexidade da causa, entre o mínimo de um quarto e o máximo de metade da que seria devida a final.
2 - No caso previsto no artigo 5.º, a taxa de justiça será reduzida ao mínimo de um oitavo e ao máximo de um quarto da que seria devida a final.
3 - Das importâncias recebidas a título de taxa de justiça é feita dedução de 50% que terá o seguinte destino:
a) 15% para o Conselho Geral da Ordem dos Advogados;
b) 2% para o Conselho Geral da Câmara dos Solicitadores;
c) 33% para a Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores.
Artigo 8.º
Revogação
São revogados o artigo 464.º-A do Código de Processo Civil e os artigos 3.º e 4.º do Decreto-Lei 212/89, de 30 de Junho.
Artigo 9.º
Entrada em vigor
O presente diploma entra em vigor 30 dias após a sua publicação.Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 2 de Maio de 1991. - Aníbal António Cavaco Silva - Álvaro José Brilhante Laborinho Lúcio.
Promulgado em 27 de Maio de 1991.
Publique-se.O Presidente da República, MÁRIO SOARES.
Referendado em 29 de Maio de 1991.
O Primeiro-Ministro, Aníbal António Cavaco Silva.