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Acórdão 635/2015, de 16 de Fevereiro

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Sumário

Não julga inconstitucional a interpretação normativa do artigo 111.º, n.º 5, do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, no sentido de, em caso de condenação em sanção de permanência obrigatória no alojamento, não ser de efetivar, na concreta sanção a aplicar, o desconto (por analogia e à imagem do que sucede no artigo 80.º, n.º 1, do Código Penal) no tempo e na medida cautelar anteriormente cumprida em processo disciplinar diverso, no qual o recluso tenha vindo a ser absolvido, desde que a decisão final de tal processo seja posterior à prática dos factos alvo de condenação

Texto do documento

Acórdão 635/2015

Processo 347/2015

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

I - Relatório

1 - Nos presentes autos, vindos do Tribunal de Execução de Penas de Coimbra, em que é recorrente Vânio Silva Ramos e é recorrido o Ministério Público, foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei 28/82, de 15 de novembro [LTC]).

2 - No âmbito de processo disciplinar comum o Diretor do Estabelecimento Prisional de Coimbra determinou a aplicação ao recluso, aqui recorrente, da medida disciplinar de permanência obrigatória no alojamento, pelo período de 14 dias, nos termos do artigo 105.º do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade (CEPMPL), aprovado pela Lei 115/2009, de 12 de outubro, pela infração prevista na alínea i) do artigo 103.º do mesmo diploma legal.

Inconformado, o recluso impugnou junto do Tribunal de Execução de Penas de Coimbra, a medida disciplinar aplicada, designadamente quanto à concreta dosimetria da mesma.

Por sentença de 18 de fevereiro de 2015, o Tribunal de Execução de Penas de Coimbra decidiu alterar a decisão e diminuir a sanção de permanência obrigatória no alojamento para 12 dias, recusando embora o desconto - reivindicado pelo recluso - da medida cautelar por ele sofrida noutro processo disciplinar em que viria, a final, a ser absolvido.

É desta sentença que vem interposto o presente recurso.

3 - No seguimento do processo, o recorrente apresentou alegações, concluindo, do seguinte modo:

«[...]

B. A mera referência legislativa do n.º 5 do artigo 111.º CEP a uma ponderação sem qualquer critério específico que elucide tal prática, acaba por violar os princípios da legalidade e tipicidade bem como as garantias de defesa, mostrando-se assim, a própria redação legal omissa no tocante ao cumprimento de medida cautelar em processo distinto, por factos anteriores e relativamente aos quais acabou o recluso por ser absolvido, bem como a padecer de um vício de ausência de concretização, não sendo certa nem exata, assim se tendo por violado aquilo que é de esperar de uma norma legal, não salvaguardando os reclusos pois não oferece quaisquer garantias, sendo o bastante decidir-se, como se mostra in casu, que "foi ponderado" o tempo de cumprimento de tal medida cautelar;

C. Em razão de analogia para com o artigo 80.º CP não se justifica tratamento diverso pois são bem mais as semelhanças que as diferenças, não sendo estas deveras substanciais, razão pela qual, atenta a similitude entre o cumprimento da medida cautelar de confinamento e a execução da sanção disciplinar de obrigação de permanência no alojamento, haverá que efetivar o devido e efetivo desconto (um dia de medida cautelar de confinamento à razão de 1 dia de sanção disciplinar a aplicar!) pois a assim não suceder constatar-se-á que se poderá mostrar qualquer recluso punido com duas sanções, uma acrescendo de forma efetiva à outra, e que somadas poderão mesmo ultrapassar o limite máximo admissível;

D. O artigo 80.ºCP não limita o desconto ao mesmo processo fazendo expressa alusão à possibilidade de ser computado face a "processo diferente daquele em que vier a ser condenado", abrindo expressamente as portas a uma contabilização ao jeito de "banco de dias", dúvidas inexistindo que as razões que justificam tal desconto em sede penal são, mutatis mutandis, as mesmas que o imporão em sede disciplinar, adveniente de punição;

E. O recorrente sofreu 10 dias de medida cautelar no âmbito do processo 298-D, do qual veio a ser doutamente absolvido (apenso F dos autos de processo 6947/10.9TXLSB), pelo que tal confinamento se mostrou injusto, como bem acabou por ser determinado na douta decisão proferida pelo Tribunal, razão pela qual a não ser efetivado o desconto tal significará que o arguido cumprirá 12 dias de permanência no alojamento quando ilícita e injustificadamente já cumpriu 10 dias de confinamento cautelar, sendo um crédito que deterá;

F. Os factos em causa nos presentes autos mostram-se anteriores à douta decisão final de tal impugnação judicial do apenso F, pelo que, assim, por analogia, julga-se que terá de ser aplicado o vertido no artigo 80.º n.º 1 CP, atento o preenchimento integral de todos os requisitos e pressupostos, constituindo assim o instituto do desconto o fármaco que permitirá, ainda que em parte, reparar a injustiça de que o recorrente foi alvo na medida em que o tempo não volta para trás e não foi apagado tal cumprimento de medida cautelar, com o esforço e sacrifício a ele inerentes;

G. Tal prévio cumprimento imerecido de medida cautelar de confinamento funcionará assim como um banco de dias de sanção a favor do recluso, pois, inequivocamente revelaram-se injustificados e ilícitos, sendo que a Lei 59/2007 abriu expressamente a porta ao desconto de medidas detentivas aplicadas em outros processos, devendo o julgador na hora de aplicar o CEP, por este ser posterior a tal reforma do Código Penal, seguir tal orientação;

H. Tem-se por inconstitucional, por violação dos princípios da igualdade, culpa, proibição da dupla punição e proporcionalidade, com assento na Constituição da República Portuguesa [...], o entendimento e interpretação normativa da norma legal vertida no artigo 111.º n.º 5 do CEP no sentido de "Em caso de condenação em sanção de permanência obrigatória no alojamento não ser de efetivar, na concreta sanção a aplicar, o desconto (por analogia e à imagem do que sucede no artigo 80.º n.º 1 CP) do tempo da medida cautelar anteriormente cumprida em processo disciplinar diverso, no qual o recluso tenha vindo a ser absolvido, desde que a decisão final de tal processo seja posterior à prática dos factos alvo de condenação".

I. Não está em causa a computação do desconto nos presentes autos mas sim em toda e qualquer outra situação similar, entendendo-se que a injustiça se mostrará sempre existente em razão da perduração de tal espartilho que se tem por ilícito e violador das mais elementares garantias de defesa e direitos constitucionalmente tutelados aos arguidos, os quais se não mostram assegurados com a visão defendida de o desconto de medida cautelar previamente cumprida em processo disciplinar não ser integral e apenas alvo de "ponderação", a qual nunca se sabe se existe pois não são determinadas as duas sanções, antes e após a dita ponderação;

J. A douta decisão judicial recorrida mostra-se violadora dos seguintes princípios jurídicos: máxime da proteção da confiança (art. 2.º CRP), da legalidade e tipicidades (idem e 203.º CRP), da igualdade (artigo 13.º CRP), da proporcionalidade e proibição do excesso (artigo 18.º CRP), ne bis in idem (artigo 29.º n.º 5 CRP), da maioria de razão e interpretação das leis, em nome da obediência pensante à teleologia da norma e em conformidade com a Lei Fundamental (arts. 202.º n.os 1 e 2, 203.º e 204.º CRP)».

4 - Por sua vez, o Ministério Público concluiu as contra-alegações de recurso que apresentou, afirmando que:

«[...] este Tribunal Constitucional deverá, agora:

concluir não ser inconstitucional a norma constante do art. 111.º, n.º 5, do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas de Liberdade, aprovado pela Lei 115/2009, de 12 de outubro, no sentido de "em caso de condenação em sanção de permanência obrigatória no alojamento não ser de efetivar, na concreta sanção a aplicar, o desconto (por analogia e à imagem do que sucede no artigo 80.º n.º 1 do CP) do tempo da medida cautelar anteriormente cumprida em processo disciplinar diverso, no qual o recluso tenha vindo a ser absolvido, desde que a decisão final de tal processo seja posterior à prática dos factos alvo de condenação;

negar, nessa medida, provimento ao recurso de constitucionalidade interposto pelo recluso, ora recorrente, Vânio Silva Ramos;

manter, em consequência, a sentença recorrida, de 18 de fevereiro de 2015, da digna magistrada judicial do Tribunal da Execução de Penas de Coimbra».

Cumpre apreciar e decidir.

II - Fundamentação

a) Precisão do objeto do recurso - Delimitação positiva e negativa

5 - O objeto do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, fixa-se no requerimento da sua interposição, não podendo o mesmo ser ampliado posteriormente. Admiti-lo poderia frustrar, além do mais, a apreciação da verificação dos pressupostos de admissão do recurso, desde logo, na verificação do ónus que recai sobre o recorrente de suscitar a questão de inconstitucionalidade perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida (artigos 70.º, n.º 1, alínea b), e 72.º, n.º 2, da LTC).

Apesar de a sentença do tribunal a quo ter recusado proceder tanto ao desconto integral e efetivo como a uma mera ponderação da medida cautelar sofrida à ordem de outro processo na definição da medida da sanção disciplinar, o recorrente invoca, no requerimento de interposição de recurso, a inconstitucionalidade por violação dos princípios da igualdade, culpa, proibição da dupla punição e proporcionalidade, apenas do «entendimento e interpretação normativa da norma legal vertida no artigo 111.º n.º 5 do CEP no sentido de "Em caso de condenação em sanção de permanência obrigatória no alojamento não ser de efetivar, na concreta sanção a aplicar, o desconto (por analogia e à imagem do que sucede no artigo 80.º n.º 1 do CP) no tempo e na medida cautelar anteriormente cumprida em processo disciplinar diverso, no qual o recluso tenha vindo a ser absolvido, desde que a decisão final de tal processo seja posterior à prática dos factos alvo de condenação» (cf. requerimento de interposição de recurso, fls. 94). Foi também essa a única questão normativa de constitucionalidade colocada durante o processo, designadamente perante o tribunal a quo, e foi também tendo em vista a apreciação da inconstitucionalidade do critério normativo de aplicação do artigo 111.º, n.º 5, do CEPMPL que recusa o desconto (que não a mera ponderação) que o recorrente produziu as suas alegações no âmbito do presente recurso. Em seu entender só o desconto de todo o tempo da medida cautelar de obrigação de permanência no alojamento, anteriormente cumprida à ordem de processo em que o recluso veio a ser absolvido, respeita os princípios constitucionais invocados, desde logo porque «[...] a "ponderação" nunca se sabe se existe pois não são determinadas as duas sanções, antes e após a dita ponderação» (cf. requerimento de interposição de recurso, fls. 95).

Assim, o objeto de recurso abrange apenas a conformidade constitucional da interpretação do artigo 111.º, n.º 5, do CEPMPL na dimensão normativa integrada pela recusa de efetivação na sanção de permanência obrigatória no alojamento de desconto integral da medida cautelar de obrigação de permanência no alojamento cumprida noutro processo disciplinar, nos casos em que a decisão final seja posterior à prática dos factos alvo da condenação. Desta forma - importa precisar -, a questão de constitucionalidade a apreciar no presente recurso não integra a interpretação do artigo 111.º, n.º 5, do CEPMPL que recusa a mera "ponderação" da medida cautelar sofrida noutro processo no cômputo da medida disciplinar a aplicar.

b) Enquadramento legal e colocação do problema

6 - A norma em apreciação foi aplicada no âmbito de uma ação de impugnação judicial de sanção disciplinar aplicada ao recluso, aqui recorrente, em que este invocava, entre outros fundamentos, o direito a ver descontado, na medida disciplinar de permanência no alojamento em que foi condenado por infração disciplinar cometida na prisão, todo o tempo de medida cautelar da mesma natureza sofrida noutro processo disciplinar, no âmbito do qual veio a ser absolvido. Pretendia, em suma, o impugnante ver analogicamente aplicado ao processo por infração disciplinar cometida na prisão o regime previsto no artigo 80.º do Código Penal (CP).

A sentença a quo recusou proceder àquele desconto, bem como a qualquer "ponderação" da medida cautelar cumprida na medida da sanção a aplicar, fazendo uma interpretação do artigo 111.º, n.º 5, do CEPMPL no sentido de considerar que «tal ponderação apenas se encontra prevista para a sanção aplicada relativamente a infração disciplinar que levou à adoção de uma concreta medida cautelar» (cf. fls. 76).

7 - Para melhor compreensão do problema transcrevem-se, de seguida, os preceitos legais pertinentes para a análise a empreender:

Artigo 111.º do CEPMPL

Medidas cautelares na pendência de processo disciplinar

1 - [...]

2 - [...]

3 - [...]

4 - [...]

5 - Se o recluso vier a ser sancionado com a medida de permanência obrigatória no alojamento ou internamento em cela disciplinar, o tempo da medida cautelar cumprida é ponderado, para efeitos de atenuação, na sanção que vier a ser aplicada.

Artigo 80.º do CP

Medidas processuais

1 - A detenção, a prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação sofridas pelo arguido são descontadas por inteiro no cumprimento da pena de prisão, ainda que tenham sido aplicadas em processo diferente daquele em que vier a ser condenado, quando o facto por que for condenado tenha sido praticado anteriormente à decisão final do processo no âmbito do qual as medidas foram aplicadas.

2 - Se for aplicada a pena de multa, a detenção, a prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação são descontadas à razão de 1 dia de privação da liberdade por, pelo menos, 1 dia de multa.

c) Análise dos parâmetros de constitucionalidade pertinentes

8 - O recorrente sustenta que o critério normativo impugnado viola os princípios da igualdade, da culpa, da proibição da dupla punição e da proporcionalidade.

O ponto central da motivação do recurso reside, todavia, na desigualdade do regime decorrente da norma em análise por confronto com o regime estabelecido no artigo 80.º do CP, verificando-se que os demais parâmetros foram invocados numa argumentação dispersa, nem sempre apreensível, mas invariavelmente conexionada com o respeito pelo princípio da igualdade.

Deste modo, começar-se-á por conhecer da norma impugnada por referência ao princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da Lei Fundamental.

i) O Princípio da igualdade

9 - No cerne de toda a argumentação expendida pelo recorrente está a sustentação da identidade da situação regulada pelo artigo 111.º, n.º 5, do CEPMPL com a prevista no artigo 80.º, n.º 1, do CP, de tal modo que se impunha a sua aplicação analógica. Em seu entendimento, as razões que justificam o desconto previsto no artigo 80.º do CP são «mutatis mutandis as mesmas que o impõem em sede disciplinar, adveniente de punição», em face do que «não se justifica tratamento diverso» (cf. conclusões C e D das alegações de recurso, fls. 132).

É sabido que, enquanto vínculo específico do poder legislativo (pois só essa sua "qualidade" agora nos interessa), o princípio da igualdade não tem uma dimensão única, antes se desdobra em várias vertentes. Para a apreciação da norma ora sindicada a vertente daquele princípio que releva é a que vincula a atuação do legislador na sua dimensão "mínima" de proibição do arbítrio (artigo 13.º, n.º 1, da Constituição), isto é, impondo a igualdade de tratamento para situações iguais e a interdição de tratamento igual para situações manifestamente desiguais, por não estar em causa qualquer das características pessoais que justificariam a aplicação do artigo 13.º, n.º 2, da Constituição.

Como tem sido reiteradamente salientado na jurisprudência do Tribunal Constitucional, «o princípio da igualdade, entendido como limite objetivo da discricionariedade legislativa, não veda à lei a realização de distinções. Proíbe-lhe, antes, a adoção de medidas que estabeleçam distinções discriminatórias, ou seja, desigualdades de tratamento materialmente infundadas, sem qualquer fundamento razoável (vernünftiger Grund) ou sem qualquer justificação objetiva e racional. Numa perspetiva sintética, o princípio da igualdade, enquanto princípio vinculativo da lei, traduz-se na ideia geral de proibição do arbítrio (Willkürverbot)» (cf. os Acórdãos n.º 186/90, n.º 5, 187/90, n.º 8, 188/90, n.º 7, 166/2010, n.º 10, disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/).

Não é, pois, qualquer incoerência ou desarmonia que justifica uma censura do ponto de vista da constitucionalidade.

10 - No Acórdão 177/2013, o Tribunal Constitucional debruçou-se sobre uma questão de algum modo paralela à presente. No âmbito de um processo em que se questionava a aplicação analógica ao processo tutelar educativo do desconto previsto no artigo 80.º do CP, o Tribunal foi chamado a julgar a conformidade constitucional da «norma de acordo com a qual não há lugar, em processo tutelar educativo, ao desconto do tempo de permanência do menor em centro educativo, quando, sujeito a tal medida cautelar, vem, posteriormente, a ser-lhe aplicada a medida tutelar de internamento». Em sede de apreciação da norma à luz do parâmetro do princípio da igualdade, o Tribunal, no n.º 5 do Acórdão, retomou o já anteriormente referido no Acórdão 546/2011, n.º 12, salientando que:

«[É] ponto assente que o n.º 1 do artigo 13.º da CRP, ao submeter os atos do poder legislativo à observância do princípio da igualdade, pode implicar a proibição de sistemas legais internamente incongruentes, porque integrantes de soluções normativas entre si desarmónicas ou incoerentes. Ponto é, no entanto - e veja-se, por exemplo, o Acórdão 232/2003, disponível em www.tribunalconstitucional.pt - que o caráter incongruente das escolhas do legislador se repercuta na conformação desigual de certas situações jurídico-subjetivas, sem que para a medida de desigualdade seja achada uma certa e determinada razão. É que não cabe ao juiz constitucional garantir que as leis se mostrem, pelo seu conteúdo, "racionais". O que lhe cabe é apenas impedir que elas estabeleçam regimes desrazoáveis, isto é, disciplinas jurídicas que diferenciem pessoas e situações que mereçam tratamento igual ou, inversamente, que igualizem pessoas e situações que mereçam tratamento diferente. Só quando for negativo o teste do "merecimento" - isto é, só quando se concluir que a diferença, ou a igualização, entre pessoas e situações que o regime legal estabeleceu não é justificada por um qualquer motivo que se afigure compreensível face a ratio que o referido regime, em conformidade com os valores constitucionais, pretendeu prosseguir - é que pode o juiz constitucional censurar, por desrazoabilidade, as escolhas do legislador. Fora destas circunstâncias, e, nomeadamente, sempre que estiver em causa a simples verificação de uma menor "racionalidade" ou congruência interna de um sistema legal, que contudo se não repercuta no trato diverso - e desrazoavelmente diverso, no sentido acima exposto - de posições jurídico-subjetivas, não pode o Tribunal Constitucional emitir juízos de inconstitucionalidade. Nem através do princípio da igualdade (artigo 13.º) nem através do princípio mais vasto do Estado de direito, do qual em última análise decorre a ideia de igualdade perante a lei e através da lei (artigo 2.º), pode a Constituição garantir que sejam sempre "racionais" ou "congruentes" as escolhas do legislador. No entanto, o que os dois princípios claramente proíbem é que subsistam na ordem jurídica regimes legais que impliquem, para as pessoas, diversidades de tratamento não fundados em motivos razoáveis».

Nesta conformidade, o Tribunal concluiu que existiam motivos razoáveis que justificavam materialmente aquela opção do legislador.

É também a conclusão a extrair no caso presente.

Com efeito, também a opção do legislador de não prever para as medidas disciplinares aplicadas no âmbito da execução de penas (matéria regulada no CEPMPL) a regra do desconto prevista no artigo 80.º, n.º 1, do CP, se sustenta de motivos razoáveis.

É o que passaremos a demonstrar.

Para o efeito será relevante começar por recordar o regime do "desconto" previsto no Código Penal e a sua evolução.

11 - O instituto do desconto está regulado na secção IV do capítulo IV do título III do volume II do CP, dedicado à "Escolha e medida da pena", ocupando os artigos 80.º e 81.º daquele Código. O primeiro versa sobre o desconto de "medidas processuais" e o segundo sobre o desconto de "pena anterior". Para o caso interessa apenas o regime previsto no artigo 80.º, onde se legisla sobre o desconto das medidas de detenção, prisão preventiva e obrigação de permanência na habitação, na prisão ou multa em que o arguido vier a ser condenado.

Com o regime estabelecido, o legislador pretendeu «diminuir a injustiça a que pode dar lugar toda a prisão preventiva, usando-se esta expressão no sentido mais amplo» (Manuel Simas Santos e Manuel Leal-Henriques, Código Penal Anotado, 4.ª ed., p. 289).

Todavia, nem sempre o desconto contemplou a prisão preventiva sofrida à ordem de outro processo. Na sua versão original, e na redação depois introduzida pelo Decreto-Lei 48/95, de 15 de março (que acrescentou a referência à detenção e à obrigação de permanência na habitação), o artigo 80.º, n.º 1, do CP era omisso quanto a esta particularidade. Aí se dispunha simplesmente que «A detenção, a prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação, sofridas pelo arguido no processo em que vier a ser condenado, são descontadas por inteiro no cumprimento da pena de prisão que lhe for aplicada».

Foi apenas com a Lei 59/2007, de 4 de setembro, que se passou a prever expressamente o desconto de medidas processuais aplicadas em outro processo, ao eliminar-se da primitiva redação do preceito a expressão «no processo em que vier a ser condenado» e aditar-se todo o segmento final do n.º 1 a partir de «ainda que».

Abandonava-se, assim, o critério da unidade do processo como requisito exclusivo do desconto, passando a admitir-se irrestritivamente a aplicação dessa medida processual, apenas com um limite temporal, reportado à anterioridade do facto pelo qual o arguido foi condenado em relação à decisão final do processo no âmbito do qual a prisão preventiva foi aplicada (cf. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário ao Código Penal, Universidade Católica Editora, 2008, p. 250). Sobre a conformidade com o princípio constitucional da igualdade deste último segmento da norma, traduzido no referido limite temporal, pronunciou-se já o Tribunal Constitucional decidindo, no Acórdão 218/2012 «não julgar inconstitucional a norma do artigo 80.º, n.º 1, do Código Penal interpretada no sentido de que o desconto de pena aí previsto só opera em relação a penas de prisão em que o arguido seja condenado, quando o facto que originou a condenação tenha sido praticado anteriormente à decisão final do processo no qual a medida de prisão preventiva foi aplicada».

Será interessante lembrar que a referida alteração legislativa introduzida em 2007 surge na sequência de uma recomendação do Provedor de Justiça. À luz da versão original do preceito, era entendimento pacífico da jurisprudência que o desconto da medida de coação sofrida só valia para o mesmo processo em que o arguido viesse a ser condenado, considerando os tribunais que a prisão preventiva sofrida pelo arguido num processo no qual mais tarde viesse a ser absolvido não podia ser descontada na pena que ao mesmo fosse aplicada noutro processo em que, por sua vez, viesse a ser condenado, e no âmbito do qual não lhe foi aplicada tal medida de coação. Nesse sentido, «era, portanto, a unidade do processo, e não a do facto ou do crime que contava para o efeito» (Maia Gonçalves, Código Penal Português Anotado e Comentado, Almedina, 2007). A doutrina alertava, no entanto, para a injustiça que poderia derivar de um tal regime: «Com efeito, se o arguido for acusado num mesmo processo por dois ou mais crimes e sofrer prisão preventiva nesse processo em razão de um deles (v.g. porque só relativamente a esse a lei admite a prisão preventiva), mesmo que venha a ser absolvido desse crime o tempo de prisão preventiva será descontado na pena aplicada aos restantes. Mas se forem instaurados processos autónomos e for aplicada a prisão preventiva num dos processos e o arguido vier a ser absolvido nesse processo, o tempo da prisão preventiva não será descontado na pena em que vier a ser condenado noutro ou noutros. Ora, se ele viesse a ser condenado no processo em que sofreu a prisão preventiva, em função do cúmulo jurídico, o desconto iria ter influência sobre a pena única aplicada a final, mas se for absolvido já não o será» (Germano Marques da Silva, Direito Penal Português, III, Verbo, 1999, p. 178).

Socorrendo-se do exemplo do Direito italiano e visando dar «resposta mais completa ao teor do n.º 17 da Recomendação do Conselho da Europa», surge então a Recomendação 3/B/2004, de 2 de maio de 2004, do Provedor de Justiça no sentido de a legislação penal passar «a explicitar, na situação do concurso de infrações em que os crimes foram julgados em processos autónomos, e tendo o arguido sido absolvido em um ou em vários desses processos em que lhe tenha sido imposta a prisão preventiva, que possa esta vir a ser-lhe descontada na pena única aplicada no âmbito do cúmulo jurídico que se venha a efetivar relativamente aos crimes pelos quais, nas condições referidas, o arguido veio afinal a ser condenado» (cf. alínea B) da Recomendação). Idêntica solução legal se recomendava, «por razões de coerência da legislação que enquadra a matéria (v. artigo 80.º do Código Penal), para as medidas processuais correspondentes à detenção e à obrigação de permanência na habitação» (cf. alínea C) da Recomendação).

12 - Aqui chegados é tempo de avaliar se existem motivos razoáveis que justifiquem a opção do legislador de não estabelecer no âmbito do CEPMPL um regime de desconto da medida de coação na pena idêntico ao previsto no artigo 80.º, n.º 1, do CP.

Antes do mais, cabe sublinhar que o controlo da atuação do legislador na construção de um determinado regime jurídico não se compagina com o isolamento de aspetos específicos desse regime. Aceitá-lo, seria ignorar que esses aspetos se inserem num regime jurídico globalmente delineado, refletindo uma harmonia de conjunto e uma teleologia específica, pelo que desligá-los do conjunto significa privá-los da sua identidade jurídica. Para além de se afigurar evidente que a comparação de regras de diferentes ramos do Direito não pode, sem mais, impor uma obrigação de reprodução de um regime que, à partida, se quis diferenciado, a verdade é que no caso existem várias ordens de razões a justificar a diferença.

Vejamos.

Em primeiro lugar, aos olhos da Constituição, não é confundível o domínio dos ilícitos e sanções criminais com outros tipos de ilícito, designadamente o disciplinar. A Lei Fundamental distingue-os, desde logo, ao nível do âmbito da competência exclusiva reservada à Assembleia da República. Esta reserva abrange a definição dos crimes, penas e respetivos pressupostos, bem como o respetivo processo, no primeiro caso (artigo 165.º, n.º 1, alínea c), da Constituição), limitando-se a abranger o regime geral de punição das infrações disciplinares (artigo 165.º, n.º 1, alínea d), da Constituição).

Esta diferenciação reflete-se também na densidade constitucional dedicada a cada um dos regimes sancionatórios, sendo que apenas o ilícito criminal e as sanções de natureza criminal se encontram extensamente regulados na Constituição ao condensar, no artigo 29.º, o essencial do regime constitucional da lei criminal. Não se ignora que os princípios ali definidos para o direito criminal propriamente dito (crimes) têm sido estendidos, na parte pertinente, aos demais domínios sancionatórios, como o do ilícito disciplinar - é o caso do princípio da legalidade, da não retroatividade, da aplicação retroativa da lei mais favorável e da necessidade e proporcionalidade das sanções. Mas esta extensão não nega a diferenciação dos domínios, antes a confirma e, nessa medida, sufraga a ausência de identidade normativa entre medidas penais e medidas disciplinares.

No mesmo sentido, também o Tribunal Constitucional assinalou de há muito, designadamente no Acórdão 263/94, n.º 7, tirado ainda na vigência de anterior Lei Penitenciária, não merecer qualquer tipo de controvérsia a afirmação das diferenças que separam o Direito e Processo Disciplinar do Direito e Processo Penal, pois ambos visam a tutela de interesses ou bens jurídicos distintos. De acordo com esse aresto, enquanto o Direito Penal tutela interesses gerais e fundamentais da comunidade, o Direito Disciplinar está ligado às específicas necessidades e ao interesse do serviço público, tutelando o vínculo específico de lealdade, diligência e eficácia no desempenho de funções no âmbito de um serviço administrativo. Nesse sentido, as sanções previstas nos dois ramos têm âmbito e natureza diversas. Refere ainda o Acórdão que:

«Eduardo Correia acentua igualmente que o ilícito disciplinar é «eticamente fundado, na medida em que protege valores de obediência e disciplina, em face de certas pessoas que estão ligadas a um especial dever perante outras, no quadro de um serviço público», afirmando que o serviço público "pode, antes de tudo, integrar-se no quadro geral de valores que ao Estado cumpre defender, caso em que a lesão ou o pôr em perigo desses valores, pelo mau funcionamento do serviço, constituirá um ilícito criminal (v. g. os crimes de concussão, peculato, etc.)". Mas, a par desta reação criminal face a atos ilícitos tipificados como crimes, "o serviço público pode também - considerados os especiais fins que visa realizar - ver-se em si próprio, como unidade funcional que exige uma certa disciplina para o seu perfeito funcionamento. A violação desta disciplina constituirá então o ilícito disciplinar e as penas que dele derivam serão penas disciplinares." (Direito Criminal, vol. I, Coimbra, 1968, reimpressão, com a colaboração de Figueiredo Dias, págs. 35-36).

[...]

Na situação de cumprimento da pena privativa de liberdade, o recluso é o sujeito da execução da pena, decorrendo dessa ideia a "consideração dos princípios de necessidade, de participação, responsabilidade e coresponsabilidade". Tal ideia-base ilumina, no dizer de Eduardo Correia, "todas as fases do processo de tratamento até ao momento da libertação". (Direito Criminal - III (1), lições em colaboração com Anabela Miranda Rodrigues e António M. de Almeida Costa, Coimbra, 1980, pág. 127). Ora, a comunidade prisional pressupõe um regime disciplinar próprio, com finalidades específicas, visando, relativamente a cada um dos reclusos, assegurar o preenchimento de uma finalidade recuperadora, prévia à plena reinserção social do recluso, recuperação que se alcança fundamentalmente pela prestação de trabalho e integral inserção na vida comunitária prisional.»

Especificamente no que diz respeito ao Direito Disciplinar, o Tribunal Constitucional, no mesmo Acórdão, também referiu que «A Constituição estabelece, em matéria de processo disciplinar a propósito do regime da função pública, a garantia de audiência e defesa ao arguido (artigo 269.º, n.º 3). Esta norma constitucional é um afloramento de um princípio geral do direito disciplinar público, aplicável aos sujeitos que se encontrem em outras relações especiais com os entes públicos (cf. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição cit., págs. 947-948)» (cf. Acórdão 263/94, n.º 9).

Também o Direito Penitenciário - domínio em que se integra o direito sancionatório que rege a execução da sanção criminal traduzida numa pena ou numa medida de segurança privativa de liberdade - é autónomo em relação ao Direito Penal e ao Direito Processual Penal. Na imagem de Anabela Rodrigues, «Do que se trata, se quisermos, é de "províncias" de um mesmo ordenamento jurídico - o ordenamento jurídico-penal. Mas de províncias diferenciadas [...]» (Anabela Miranda Rodrigues, Novo Olhar Sobre a Questão Penitenciária, Coimbra Editora, 2002, p. 22). A este respeito, a autora fala-nos de uma «"autonomia integradora" que faz ressaltar a "unidade" em que converge o direito penitenciário, enquanto instrumento de política criminal, com o direito penal e o direito processual penal» o que significa «vincular o direito penitenciário aos princípios gerais do direito e processo penal, designadamente ao princípio da legalidade. Mas, simultaneamente, desenvolver e densificar princípios que lhe são próprios, como é o caso do princípio da socialização» (ob cit., p. 23).

13 - Existe, com efeito, uma especificidade, desde logo qualitativa, da teleologia que preside à pena criminal, orientada que é para a proteção de bens jurídicos de relevância comunitária e em defesa da sociedade, sendo distintos os fins prosseguidos pelas sanções disciplinares em geral, e em especial, pela medida disciplinar aplicada ao recluso vocacionada para preservar a ordem e a disciplina do estabelecimento e os fins da execução da medida privativa de liberdade. Relevante será recordar que as medidas sancionatórias de natureza disciplinar vão desde a repreensão escrita ao internamento em cela disciplinar até 21 dias (artigo 105.º do CEPMPL) e são aplicadas pelo diretor do estabelecimento. No caso de se tratar de medida de confinamento ao alojamento ou internamento em cela disciplinar, existe sempre possibilidade de impugnação perante o tribunal de execução de penas (artigo 114.º do CEPMPL). Esta impugnação tem efeito suspensivo.

Marcantes são também as diferenças que separam o processo penal de qualquer outro regime sancionatório, em geral, e em especial, do processo disciplinar aplicado a reclusos, ainda que em cumprimento de pena aplicada num processo daquele primeiro tipo. Também neste campo - o processual - a Constituição distingue o domínio penal dos demais, especificando, no artigo 32.º, as garantias que deve assegurar o processo criminal e sendo a partir desta identificação especificada para o processo criminal que têm sido irradiadas algumas daquelas garantias também para outros domínios sancionatórios. Encontramos exemplo claro dessa irradiação no n.º 10 daquele artigo 32.º, acrescentado pela revisão constitucional de 1989, numa explicitação da solução já antes sufragada em boa parte da doutrina e jurisprudência.

Por último, não é possível estabelecer nenhuma identidade entre as restrições ao direito à liberdade previstas no artigo 27.º e 28.º da Constituição e a sujeição a medidas cautelares na pendência de processo disciplinar instaurado a recluso. Desde logo, porque estas últimas incidem sobre sujeitos que se encontram já em situação de privação da liberdade concretizadora de uma das exceções ao princípio da liberdade constitucionalmente previstas. É que a situação de recluso se caracteriza precisamente pela detenção de todos os direitos inerentes à sua condição de cidadão, exceto - evidentemente - a liberdade.

São, portanto, diferentes os fins prosseguidos pelas medidas de coação aplicadas no processo penal e as medidas cautelares aplicáveis no âmbito de um processo disciplinar, designadamente instaurado contra recluso por infração disciplinar em meio prisional. Enquanto as primeiras visam prevenir perigo de fuga, de perturbação do processo ou de continuação da atividade criminosa ou perturbação da ordem e tranquilidade públicas (artigo 204.º do Código de Processo Penal), estas últimas visam sobretudo acautelar a convivência ordenada e segura dentro do estabelecimento prisional, para além de garantir a proteção de pessoa ou de meios de prova (artigo 111.º, n.º 1, do CEPMPL), objetivos a que não são alheios fins de socialização dos reclusos a convocar o seu sentido de responsabilização.

Em conformidade com estes fins, e em evidente distanciação para o regime do concurso de crimes que dá lugar a cúmulo jurídico de penas (artigos 79.º e ss. do CP), quando o recluso tiver efetivamente praticado mais de uma infração disciplinar, são-lhe aplicáveis as medidas disciplinares correspondentes a cada uma das infrações, ainda que com um limite temporal intransponível (artigos 100.º e 105.º, n.º 4, do CEPMPL).

Se a medida cautelar está relativamente à medida disciplinar numa relação paralela à que se estabelece entre a medida de coação e a pena, certo é que não pode ser comparada a situação da pessoa que é condenada a pena privativa de liberdade com a do recluso que é condenado a medida disciplinar de permanência obrigatória no alojamento, ou mesmo internamento em cela disciplinar. Tal como não é comparável a sujeição do arguido a prisão preventiva com a sujeição do recluso a medida cautelar de confinamento ao alojamento. Não existe nenhuma identidade qualitativa ou quantitativa entre aqueles grupos de situações.

14 - Não se ignora que na tensão imanente entre a Segurança e a Liberdade ou entre os fins da execução da pena e a posição do recluso (enquanto sujeito - e não objeto - da execução) tem sido progressiva a conquista da jurisdicionalização, com o inerente reforço das garantias dos presos na sua relação com a administração penitenciária. O reconhecimento de um estatuto ao recluso assente na sua dimensão de ser humano marcou a evolução do Direito Penitenciário. Neste contexto, constitui exigência do Estado de Direito a definição legal dos direitos e deveres que se estabelecem entre o recluso e a administração penitenciária. Um claro exemplo desta "humanização" do Direito Penitenciário é também o alargamento das decisões que o recluso pode impugnar perante o Tribunal de Execução das Penas, estendendo-se designadamente, à aplicação das medidas disciplinares de permanência obrigatória no alojamento e de internamento em cela disciplinar.

Esta progressão não elimina, todavia, as diferenças que separam a pena criminal da medida disciplinar. Existem razões de harmonização e de concordância prática a impor que a conformação concreta do estatuto jurídico do recluso - «porque se trata de garantir a existência de uma relação de vida especial - se obtenha por intermédio de uma regulação elástica. Pode - e deve - admitir-se que a "ordenação de certos setores de relações (especiais) entre os indivíduos e o poder possa fundar (dar motivo) a restrições (também especiais) de alguns direitos. O bem-estar da comunidade, a existência do Estado, a segurança nacional, a prevenção e repressão criminal, entre outros, são valores comunitários com assento ou reconhecimento constitucional que não podem ser sacrificados a uma conceção puramente individualista dos direitos fundamentais"» (cf. Anabela Miranda Rodrigues, ob. cit., p. 89, com referência a Vieira de Andrade [Os direitos fundamentais] e Gomes Canotilho [Direito Constitucional].

Em suma, a não repetição do regime do desconto previsto no artigo 80.º, n.º 1, do CP no domínio da aplicação de medidas disciplinares em ambiente prisional encontra justificação razoável na diferença de situações presente e elencada entre Direito Penal e Direito Disciplinar (mesmo Direito Penitenciário Disciplinar) que impede a censura constitucional à luz do princípio da igualdade.

ii) Os restantes parâmetros de constitucionalidade invocados

15 - Afastada a violação do princípio da igualdade, importa referir ainda que a norma impugnada tão-pouco fere qualquer dos demais parâmetros constitucionais invocados pelo recorrente.

Desde logo, nela não se configura nenhuma dupla punição violadora do princípio da culpa penal, antes se invoca nos seus elementos uma única condenação numa só medida disciplinar pela prática de uma infração, baseada, em procedimento especificamente regulado na lei.

O desconto reclamado pelo recorrente de todo o tempo de medida cautelar sofrida à ordem de outro processo em que veio a ser absolvido na medida disciplinar aplicada não se apresenta como elemento indispensável para assegurar a proporcionalidade da solução normativa encontrada pelo legislador. Desde logo, e diferentemente do que subjaz ao entendimento do recorrente, nem mesmo no domínio penal é possível afirmar o estabelecimento de uma relação entre o tempo sofrido como medida cautelar e o tempo de sanção a cumprir que deva ser contabilizada à semelhança de uma conta-corrente.

Como o Tribunal Constitucional já teve ocasião de deixar explicitado, «o segmento final da norma do n.º 1 do artigo 80.º, ao estabelecer um limite temporal para o desconto de medidas processuais privativas de liberdade em processo diferente daquele em que essas medidas foram aplicadas - correspondendo esse limite à data da decisão final proferida no processo no âmbito do qual essas medidas foram aplicadas - tem uma finalidade precisa. Visa obstar a que o arguido que foi sujeito a medidas processuais privativas de liberdade num processo, no âmbito do qual não pôde proceder-se ao desconto das medidas processuais sofridas ou não pôde proceder-se ao desconto, por inteiro, das medidas processuais sofridas, "mantenha, a seu favor um tempo de privação de liberdade, que lhe possa vir a aproveitar, por via do desconto, na eventual condenação por crime futuro, ou seja, por crime praticado posteriormente à decisão final do processo em que sofreu tais medidas". A ausência desse limite temporal poderia redundar, na prática, num incentivo à atividade delituosa, na medida em que o tempo de privação de liberdade que o arguido tivesse sofrido em processo que culminasse com a absolvição ou a não pronúncia seria descontado na pena de prisão em que viesse a ser condenado por qualquer outro ilícito penal em que incorresse em momento posterior» (Acórdão 218/2012, n.º 3, - destacado nosso). Neste acórdão o Tribunal decidiu «não julgar inconstitucional a norma do artigo 80.º, n.º 1, do Código Penal interpretada no sentido de que o desconto de pena aí previsto só opera em relação a penas de prisão em que o arguido seja condenado, quando o facto que originou a condenação tenha sido praticado anteriormente à decisão final do processo no qual a medida de prisão preventiva foi aplicada».

Não existindo no CEPMPL norma inteiramente coincidente com a prevista no artigo 80.º, n.º 1, do CP, certo é que nem por isso o legislador desvalorizou no domínio sancionatório penitenciário as medidas cautelares sofridas durante o processo. Antes impôs a sua consideração na determinação da sanção a aplicar. Além de exigir a proporcionalidade de qualquer medida cautelar à gravidade da infração e adequação aos efeitos cautelares a atingir (artigo 111.º, n.º 2, do CEPMPL) e de impor limites máximos à sua duração (artigo 111.º, n.º 3, do CEPMPL), sujeitos a limitação adicional em caso de concurso de infrações (artigo 105.º, n.º 4, do CEPMPL), o legislador impôs, no n.º 5 do artigo 111.º do CEPMPL, que «Se o recluso vier a ser sancionado com a medida de permanência obrigatória no alojamento ou internamento em cela disciplinar, o tempo da medida cautelar cumprida é ponderado, para efeitos de atenuação, na sanção que vier a ser aplicada».

Saber se - tal como foi também afirmado no tribunal recorrido - nos termos do artigo 111.º, n.º 5, do CEPMPL, não é de ponderar na medida disciplinar a aplicar por determinada infração a medida cautelar sofrida à ordem de outro processo disciplinar que terminou em absolvição, é matéria que não cabe a este Tribunal Constitucional decidir no âmbito do presente processo. Não sendo essa a norma impugnada pelo recorrente - como acima se deixou explanado - não cabe aqui tomar posição sobre a sua conformidade constitucional.

d) Conclusão

16 - Nestes termos, resta concluir no sentido de que não assiste fundamento ao presente recurso, na medida em que não pode ser considerada inconstitucional a norma que determina que em caso de condenação em sanção de permanência obrigatória no alojamento não ser de efetivar, na concreta sanção a aplicar, o desconto (por analogia e à imagem do que sucede no artigo 80.º n.º 1, do Código Penal) no tempo e na medida cautelar anteriormente cumprida em processo disciplinar diverso, no qual o recluso tenha vindo a ser absolvido, desde que a decisão final de tal processo seja posterior à prática dos factos alvo de condenação, resultante da interpretação do artigo 111.º n.º 5, do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade.

III - Decisão

Em face do exposto, decide-se:

a) Não julgar inconstitucional a interpretação normativa do artigo 111.º n.º 5, do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, no sentido de, em caso de condenação em sanção de permanência obrigatória no alojamento, não ser de efetivar, na concreta sanção a aplicar, o desconto (por analogia e à imagem do que sucede no artigo 80.º n.º 1, do Código Penal) no tempo e na medida cautelar anteriormente cumprida em processo disciplinar diverso, no qual o recluso tenha vindo a ser absolvido, desde que a decisão final de tal processo seja posterior à prática dos factos alvo de condenação.

b) Consequentemente, negar provimento ao recurso.

Custas a cargo do recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 unidades de conta.

Lisboa, 9 de dezembro de 2015. - Maria de Fátima Mata-Mouros -João Pedro Caupers - Maria Lúcia Amaral (com declaração) - Teles Pereira - Joaquim de Sousa Ribeiro.

Declaração de voto

Subscrevi o acórdão. Mas creio que a fundamentação que leva ao juízo de não inconstitucionalidade é basicamente e mais uma vez, em medida excessiva, uma fundamentação estrita de direito infraconstitucional.

Em meu entender, o que se esperaria do Tribunal - pois que é esse o caminho que melhor corresponde à sua função própria - era que fundamentasse por que motivo a verificação de uma mera «incongruência» ou «desarmonia» no sistema definido pelo legislador ordinário não justifica, por si só, uma censura «do ponto de vista da constitucionalidade»; e por que motivo este «estado de coisas» se altera, quando a «incongruência» ou «desarmonia» se traduz em afetação de posições jurídicas subjetivas. Não obstante a situação sub judice ser semelhante à resolvida pelo Acórdão 177/2013, que por sua vez se refere ao Acórdão 546/2011, era esta a ocasião - em meu entender - para que se pudesse desenvolver um pouco mais «o ponto de vista da constitucionalidade», naqueles acórdãos apenas ensaiados. - Maria Lúcia Amaral.

209324042

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/2506195.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1995-03-15 - Decreto-Lei 48/95 - Ministério da Justiça

    Revê o Código Penal aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de Setembro, e procede à sua republicação.

  • Tem documento Em vigor 2003-06-17 - Acórdão 232/2003 - Tribunal Constitucional

    Pronuncia-se pela inconstitucionalidade do segmento normativo que contém o critério respeitante aos candidatos que tenham acedido ao ensino superior integrados no contingente da Região Autónoma dos Açores, constante da parte final da alínea a) do n.º 7 do artigo 25.º do Regulamento do Concurso do Pessoal Docente da Educação Pré-Escolar e Ensinos Básico e Secundário.(Pocesso nº 306/2003)

  • Tem documento Em vigor 2007-09-04 - Lei 59/2007 - Assembleia da República

    Altera (vigésima terceira alteração) o Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de Setembro, e procede à sua republicação. Introduz ainda alterações à Lei n.º 31/2004, de 22 de Julho(adapta a legislação penal portuguesa ao Estatuto do Tribunal Penal Internacional), ao Decreto-Lei n.º 19/86, de 19 de Julho (Sanções em caso de incêndios florestais), ao Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Julho (revê a legislação de combate à droga), à Lei n.º 32/2006, de 26 de Julho (Procriação medicamente assist (...)

  • Tem documento Em vigor 2009-10-12 - Lei 115/2009 - Assembleia da República

    Aprova e publica em anexo o Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade.

Ligações para este documento

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