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Acórdão 129/2009, de 16 de Abril

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Sumário

Fixa a seguinte jurisprudência: Não julga inconstitucionais as normas das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 8.º do Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, na parte em que se refere à responsabilidade civil subsidiária dos administradores e gerentes por coimas aplicadas a pessoas colectivas em processo de contra-ordenação.(Processo n.º 649/08)

Texto do documento

Acórdão 129/2009

Processo 649/08

Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional I - Relatório. - 1 - José Ferreira de Carvalho, na qualidade de responsável subsidiário, recorreu do despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Vila Nova de Famalicão que aplicou à sociedade LUMIBOR - Componentes Têxteis, Lda., a coima de (euro) 2 054, 92 pela prática da infracção consistente na falta de apresentação da declaração periódica do Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) relativo ao período de Janeiro a Dezembro de 2001, pedindo que fosse considerado prescrito o processo de contra-ordenação ou, se assim não se entendesse, revogada a decisão, "por ausência de culpa do recorrente e inexistência de imposto a cobrar, por ausência de actividade da sociedade originária".

Por sentença de 15 de Maio de 2007, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, negou provimento ao recurso, pelo que o recorrente impugnou essa decisão perante a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.

Por acórdão de 28 de Maio de 2008, o Supremo Tribunal Administrativo concedeu provimento ao recurso e revogou a decisão recorrida, com base na seguinte fundamentação:

[...]

3 - Conforme resulta dos autos, está em causa uma dívida proveniente de coima fiscal, relativa ao ano de 2001, aplicada à originária devedora, a sociedade Lumibor, Componentes Têxteis, Lda., e para cujo pagamento foi citado, por reversão, o ora recorrente, na sua qualidade de responsável subsidiário.

A questão que, previamente, se coloca consiste em saber se o recorrente é ou não responsável pelo exigido pagamento.

Essa questão prende-se com uma outra, aliás, de conhecimento oficioso, que tem a ver com a (in)constitucionalidade da responsabilidade subsidiária dos administradores, gerentes ou outras pessoas que tenham exercido a administração das pessoas colectivas originariamente devedoras, nos termos do disposto no artigo 8.º do RGIT. A este propósito, escrevem Jorge Sousa e Simas Santos, in RGIT anotado, 2ª ed., pág. 94, que, "mesmo alicerçando na responsabilidade civil por factos ilícitos a responsabilização dos responsáveis subsidiários e solidários aqui prevista e mesmo sendo ela dependente de actos próprios destes ou omissão de deveres de controle ou vigilância, é uma realidade incontornável que quem faz o pagamento de uma sanção pecuniária é que a está a cumprir, pelo que esta responsabilização se reconduz a uma transmissão do dever de cumprimento da sanção do responsável pela infracção para outras pessoas.

Na verdade, a aplicação de uma pena de multa ou coima consubstancia-se na criação de uma relação de crédito de que é titular o Estado e devedor o condenado e a imposição da obrigação de pagamento da multa ou coima é precisamente a forma de cumprimento da sanção respectiva e, por isso, usem-se os eufemismos que se usarem, quem paga a multa ou a coima coactivamente está a cumprir a sanção.

Nestas condições, é duvidosa a constitucionalidade material destas responsabilidades por não assentar (ou não depender, na situação prevista no n.º 6) na verificação em relação ao responsável dos pressupostos legais de que depende a aplicação da respectiva sanção. Com efeito, no n.º 3 do artigo 30.º da C.R.P., enuncia-se o princípio da intransmissibilidade das penas, que, embora previsto apenas para estas, deverá aplicar-se a qualquer outro tipo de sanções, por ser essa a única solução que se harmoniza com os fins específicos que justificam a aplicação de sanções, que são de repressão e prevenção e não de obtenção de receitas. Os fins das sanções aplicáveis por infracções tributárias são exclusivamente de prevenção especial e geral, pelo efeito ressocializador ou a ameaça da sanção levar o infractor a alterar o seu comportamento futuro e conseguir que outras pessoas, constando a aplicação àquele da sanção, se abstenham de praticar factos idênticos aos por ele praticados...

Por isso, a aplicação de sanção a pessoa a quem não pode ser imputada responsabilidade pela sua prática não é necessária para satisfação dos fins que a previsão de sanções tem em vista e, por isso, é constitucionalmente proibida a sua aplicação, por força do preceituado no artigo 18.º, n.º 2, da C.R.P. que estabelece o princípio nuclear da necessidade de qualquer restrição de direitos fundamentais".

Por outro lado, a própria presunção legal de que a falta de pagamento consubstanciadora da infracção fiscal é imputável aos gerentes parece igualmente inconstitucional por inconciliável com a presunção de inocência vigente em matéria sancionatória - artigo 32.º, n.º 2, da Constituição.

Aliás, o n.º 10 deste último preceito dispõe expressamente que são assegurados ao arguido, em quaisquer processos sancionatórios, contra-ordenações incluídas, os direitos de audiência e de defesa, os quais... não estão assegurados ao revertido pois que têm que concretizar, desde logo, a possibilidade de recurso ou impugnação judicial do acto sancionatório e a possibilidade efectiva de contraditar eficazmente os elementos trazidos pela acusação.

Cf., por todos, o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 220/89, in Boletim do Ministério da Justiça 384, p. 326.

Em comentário àquele inciso normativo, os constitucionalistas Gomes Canotilho e Vital Moreira, in CRP anotada - 4ª edição, p. 526, nota XVII, referem tratar-se, aí, "de uma simples irradiação, para esse domínio sancionatório, de requisitos constitutivos do estado de direito democrático", assacando a tais processos sancionatórios, "carácter para-penal", consequentemente de natureza pública.

E o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 265/01, de 19 de Junho, assinala que "não só se aplicam, ao ilícito contra-ordenacional, garantias constitucionalmente atribuídas ao direito penal (v.g. princípios da legalidade e da aplicação da lei penal mais favorável), como também existe um evidente paralelismo entre o processo penal e o processo contra-ordenacional que é conformado por princípios básicos daquele, tendo em atenção os interesses subjacentes"

(Acórdão desta Secção do STA de 12/3/08, in rec. n.º 1.053/07).No mesmo sentido, pode ver-se o Acórdão desta Secção do STA de 27/2/08, in rec. n.º 1.057/07.

É, assim, de concluir que, também no domínio do ilícito contra-ordenacional, se deve aplicar os princípios da intransmissibilidade das coimas e da presunção de inocência, pelo que estas não podem ser exigidas ao revertido, ainda que em termos de responsabilidade subsidiária, nos termos do artigo 8.º do RGIT.

E tanto basta para o presente recurso proceder, ficando, assim, prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas nas conclusões da respectiva motivação.

[...]

Tendo havido lugar, nesse aresto, à recusa de aplicação, por inconstitucionalidade, da norma do artigo 8.º do Regime Geral das Infracções Tributárias, o Ministério Público interpôs recurso obrigatório para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional, e, no seguimento do processo, apresentou alegações em que concluiu do seguinte modo:

1 - Não são inconstitucionais as normas das alíneas a) e b) do artigo 8.º do RGIT (Lei 15/2001, de 5 de Junho) quando interpretadas no sentido de admitir a responsabilidade subsidiária de administradores, gerentes ou outras pessoas, que exerçam funções de administração, pelo pagamento de coimas aplicadas à sociedade, porquanto se não viola o princípio da intransmissibilidade das penas (artigo 30.º, n.º 3, da CRP) nem o princípio da presunção da inocência (artigo 29.º, n.º 2 da CRP).

2 - Termos em que deve indeferir-se o recurso e ordenar se conheça a questão em conformidade com o decidido por este Tribunal.

Cumpre apreciar e decidir.

II - Fundamentação. - Delimitação do objecto do recurso 2 - Como resulta da factualidade tida como assente, foi instaurado processo contra-ordenacional contra a sociedade LUMIBOR, Componentes Têxteis, Lda., pela infracção resultante da falta de entrega da declaração periódica do Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) relativo ao ano de 2001 e que culminou com a aplicação de coima no valor de (euro) 2 054, 92.

Posteriormente foi instaurado processo de execução fiscal para cobrança coerciva da coima, o qual reverteu contra José Ferreira de Carvalho, enquanto responsável subsidiário.

Não se alcança, no entanto, do contexto da decisão recorrida a que título foi imputada ao interessado a responsabilidade subsidiária, sendo que a declaração de inconstitucionalidade emitida pelo tribunal recorrido é reportada genericamente à norma do artigo 8.º do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT).

O recurso encontra-se, em todo o caso, circunscrito às alíneas a) e b) do n.º 1 desse artigo, em resultado da restrição tacitamente efectuada nas conclusões da alegação do recorrente, pelo que é nesses termos que deve considerar-se delimitado o seu objecto.

Quanto ao mérito do recurso

3 - O tribunal recorrido considerou, na linha de anterior jurisprudência, que a atribuição de responsabilidade subsidiária a administradores, gerentes e outras pessoas com funções de administração em sociedades, por dívida resultante de não pagamento de coima fiscal em que a pessoa colectiva tenha sido condenada, com a consequente reversão da respectiva execução fiscal, em consequência do que dispõe, nessa matéria o artigo 8.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RGIT, é susceptível de violar o princípio da intransmissibilidade das penas, consagrado no artigo 30.º, n.º 3, da Constituição da República, e, bem assim, o princípio da presunção de inocência do arguido, que decorre do artigo 32.º, n.º 2, princípios que, nesses termos, entende serem aplicáveis mesmo no domínio do ilícito contra-ordenacional.

O preceito análise, inserido nas disposições comuns do Regime Geral das Infracções Tributárias, sob a epígrafe "Responsabilidade civil pelas multas e coimas", dispõe o seguinte:

1 - Os administradores, gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração em pessoas colectivas, sociedades, ainda que irregularmente constituídas, e outras entidades fiscalmente equiparadas são subsidiariamente responsáveis:

a) Pelas multas ou coimas aplicadas a infracções por factos praticados no período do exercício do seu cargo ou por factos anteriores quando tiver sido por culpa sua que o património da sociedade ou pessoa colectiva se tornou insuficiente para o seu pagamento;

b) Pelas multas ou coimas devidas por factos anteriores quando a decisão definitiva que as aplicar for notificada durante o período do exercício do seu cargo e lhes seja imputável a falta de pagamento.

[...]"

O que a norma, por conseguinte, prevê é uma forma de responsabilidade civil, que recai sobre administradores e gerentes, relativamente a multas ou coimas em que tenha sido condenada a sociedade ou pessoa colectiva, cujo não pagamento lhes seja imputável ou resulte de insuficiência de património da devedora que lhes seja atribuída a título de culpa.

Note-se, a este propósito, que o Tribunal Constitucional teve já oportunidade de emitir um juízo de não inconstitucionalidade em relação a um idêntico efeito de responsabilidade subsidiária que resulta da norma do artigo 112.º, alínea a), do Código das Sociedades Comerciais, que igualmente prevê que os direitos e obrigações das sociedades extintas por incorporação ou por fusão se transmitam para a sociedade incorporante ou a nova sociedade.

Esse juízo assentou, no entanto, essencialmente, no entendimento de que, nesses casos, só formalmente se verifica uma transmissão, visto que não há lugar à liquidação ou dissolução das sociedades incorporadas, antes se regista o aproveitamento, no seio da sociedade incorporante, dos elementos pessoais, patrimoniais e imateriais da sociedade extinta, o que conduz à inaplicabilidade, nessa situação, da proibição da transmissibilidade das penas constante do artigo 30.º, n.º 3, ainda que estejam em causa obrigações decorrentes de responsabilidade contra-ordenacional (cf. os acórdãos n.os 153/04, de 16 de Março, 160/04, de 17 de Março, 161/04, de 17 de Março, 200/04, de 24 de Março, e 588/05, de 2 de Novembro).

Alguns desses arestos não deixaram, todavia, de enquadrar a questão da intransmissibilidade das penas, em termos que mantêm plena validade para o caso dos autos.

No acórdão 160/04, por exemplo, considerou-se o seguinte:

A evolução do texto constitucional - que anteriormente previa a insusceptibilidade de transmissão de "penas" [e agora prevê que "A responsabilidade penal é insusceptível de transmissão"] - não se ficou, porém, a dever a qualquer intenção de transcender o domínio do direito penal (como, aliás, resulta claramente também da nova redacção), mas sim evitar que o princípio da intransmissibilidade se confinasse às situações em que a decisão de aplicação da lei penal transitara em julgado, sobrevindo apenas na fase da aplicação da pena.

Ora, não obstante a doutrina e a jurisprudência constitucionais irem no sentido da aplicação, no domínio contra-ordenacional, do essencial dos princípios e normas constitucionais em matéria penal, não deixa de se admitir, como se escreveu no citado acórdão 50/03, a "diferença dos princípios jurídico-constitucionais que regem a legislação penal, por um lado, e aqueles a que se submetem as contra-ordenações". Diferença, esta, que cobra expressão, designadamente, na natureza administrativa (e não jurisdicional) da entidade que aplica as sanções contra-ordenacionais (como se decidiu no acórdão 158/92, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 2 de Setembro de 1992) e na diferente natureza e regime de um e outro ordenamento sancionatório (cf. v. g. acórdãos n.os 245/00 e 547/01, publicados, respectivamente, no Diário da República, 2.ª série, de 3 de Novembro de 2000 e de 9 de Novembro de 2001).

Nestes termos, a intransmissibilidade de um juízo hipotético ou definitivo de censura ética, consubstanciado numa acusação ou condenação penal, não tem de implicar, por analogia ou identidade de razão - que não existe - a intransmissibilidade de uma acusação ou condenação por desrespeito de normas sem ressonância ética, de ordenação administrativa.

Nem sequer se pode, pois, a partir da referida norma, obter um padrão constitucional previsto a partir do qual se pudesse censurar o referido entendimento do artigo 112.º, alínea a), do Código das Sociedades Comerciais.

Não o impõe, também, o artigo 30.º da Constituição, referido aos "Limites das penas e medidas de segurança"; não o impõe o artigo 32.º, n.º 10, da Constituição, que estende apenas os direitos de audiência e defesa do arguido aos processos de contra-ordenação e a quaisquer outros processos sancionatórios; e não o impõe a lógica de tutela do arguido que justificou a jurisprudência constitucional em matérias como o princípio da legalidade, ou a aplicação da lei mais favorável (v.g., acórdãos n.os 227/92 e 547/01, publicados, respectivamente, no Diário da República, 2.ª série, de 12 de Setembro de 1992 e de 15 de Julho de 2001).

Mais do que verificar a desconformidade de um certo sentido da norma impugnada em relação ao parâmetro invocado, conclui-se, pois, pela inexistência do pretendido parâmetro, aplicável para o efeito pretendido".

O referido aresto, embora centrado ainda na sobredita questão da transmissão de responsabilidade por incorporação ou fusão de sociedades, não deixa de fornecer elementos decisivos para a interpretação da norma do artigo 30.º, n.º 3, da Constituição, salientando que ela não pode servir de parâmetro uniforme para a responsabilidade penal e a responsabilidade contra-ordenacional.

Procurando decifrar o sentido e alcance da norma, também Gomes Canotilho e Vital Moreira salientam que a insusceptibilidade da transmissão da responsabilidade penal está associada ao princípio da pessoalidade, daí resultando como principais efeitos: (a) a extinção da pena (qualquer que ela seja) e do procedimento criminal com a morte do agente; (b) a proibição da transmissão da pena para familiares, parentes ou terceiros; (c) a impossibilidade de subrogação no cumprimento das penas. O que, em todo o caso, não obsta - como acrescentam os mesmos autores - à transmissibilidade de certos efeitos patrimoniais conexos das penas, como, por exemplo, a indemnização de perdas e danos emergentes de um crime, nos termos da lei civil (Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 4.ª edição, Coimbra, 2007, pág. 504).

No caso vertente, importa ter em consideração, antes de mais, que não estamos perante uma qualquer forma de transmissão de responsabilidade penal ou tão pouco de transmissão de responsabilidade contra-ordenacional.

O que o artigo 8.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RGIT prevê é uma forma de responsabilidade civil subsidiária dos administradores e gerentes, que resulta do facto culposo que lhes é imputável de terem gerado uma situação de insuficiência patrimonial da empresa, que tenha sido causadora do não pagamento da multa ou da coima que era devida, ou de não terem procedido a esse pagamento quando a sociedade ou pessoa colectiva foi notificada para esse efeito ainda durante o período de exercício do seu cargo.

O que está em causa não é, por conseguinte, a mera transmissão de uma responsabilidade contra-ordenacional que era originariamente imputável à sociedade ou pessoa colectiva; mas antes a imposição de um dever indemnizatório que deriva do facto ilícito e culposo que é praticado pelo administrador ou gerente, e que constitui causa adequada do dano que resulta, para a Administração Fiscal, da não obtenção da receita em que se traduzia o pagamento da multa ou coima que eram devidas.

A simples circunstância de o montante indemnizatório corresponder ao valor da multa ou coima não paga apenas significa que é essa, de acordo com os critérios da responsabilidade civil, a expressão pecuniária do dano que ao lesante cabe reparar, que é necessariamente coincidente com a receita que deixa de ter dado entrada nos cofres da Fazenda Nacional; e de nenhum modo permite concluir que tenha havido a própria transmissão para o administrador ou gerente da responsabilidade contra-ordenacional.

Por outro lado, o facto de a execução fiscal poder prosseguir contra o administrador ou gerente é uma mera consequência processual da existência de uma responsabilidade subsidiária, e não constitui, em si, qualquer indício de que ocorre, no caso, a transmissão para terceiro da sanção aplicada no processo de contra-ordenação (cf. artigo 160.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário).

Acresce que a responsabilidade subsidiária dos administradores e gerentes assenta, não no próprio facto típico que é caracterizado como infracção contra-ordenacional, mas num facto autónomo, inteiramente diverso desse, que se traduz num comportamento pessoal determinante da produção de um dano para a Administração Fiscal.

É esse facto, de carácter ilícito, imputável ao agente a título de culpa, que fundamenta o dever de indemnizar, e que, como tal, origina a responsabilidade civil.

Tudo leva, por conseguinte, a considerar que não existe, na previsão da norma do artigo 8.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RGIT, um qualquer mecanismo de transmissibilidade da responsabilidade contra-ordenacional, nem ocorre qualquer violação do disposto no artigo 30.º, n.º 3, da Constituição, mesmo que se pudesse entender - o que não é liquido - que a proibição aí contida se torna aplicável no domínio das contra-ordenações.

4 - Concluindo-se, como se concluiu, que a norma do artigo 8.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RGIT não pode entender-se como consagrando uma modalidade de transmissão para gerentes ou administradores da coima aplicada à pessoa colectiva, facilmente se compreende que esse dispositivo não pode também pôr em causa o princípio da presunção da inocência do arguido, a que o tribunal recorrido também fez apelo para declarar a inconstitucionalidade do preceito.

Na verdade, o artigo 32.º, n.º 2, da Constituição, ao estipular no seu primeiro segmento que "[t]odo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação", estabelece um princípio da constituição processual criminal que assenta essencialmente na ideia de que o processo deve assegurar ao arguido todas as garantias práticas de defesa até vir a ser julgado publicamente culpado por sentença definitiva (Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, t. I, Coimbra, 2005, pág. 355).

Ainda que se aceite que este princípio tem também aplicação no âmbito dos processos de contra-ordenação, como refracção da garantia dos direitos de audiência e de defesa do arguido, que é tornada extensiva a essa forma de processo pelo artigo 32.º, n.º 10, da Constituição, o certo é que, no caso, conforme já se esclareceu, não estamos perante uma imputação a terceiro de uma infracção contra-ordenacional relativamente à qual este não tenha tido oportunidade de se defender, mas perante uma mera responsabilidade civil subsidiária que resulta de um facto ilícito e culposo que se não confunde com o facto típico a que corresponde a aplicação da coima.

Não há, por isso, razões para manter o entendimento sufragado pelo tribunal recorrido quanto à questão de constitucionalidade.

III - Decisão. - Termos em se decide:

a) não julgar inconstitucionais as normas das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 8.º do Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei 15/2001, de 5 de Junho, na parte em que se refere à responsabilidade civil subsidiária dos administradores e gerentes por coimas aplicadas a pessoas colectivas em processo de contra-ordenação;

b) Consequentemente, conceder provimento ao recurso e ordenar a reforma do acórdão recorrido em conformidade com o juízo de constitucionalidade formulado.

Sem custas.

Lisboa, 12 de Março de 2009. - Carlos Fernandes Cadilha - Ana Maria Guerra Martins - Maria Lúcia Amaral - Vítor Gomes - Gil Galvão.

201668782

Anexos

  • Texto integral do documento: https://dre.tretas.org/pdfs/2009/04/16/plain-250233.pdf ;
  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/250233.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga ao seguinte documento (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 2001-06-05 - Lei 15/2001 - Assembleia da República

    Reforça as garantias do contribuinte e a simplificação processual, reformula a organização judiciária tributária e estabelece um novo Regime Geral para as Infracções Tributárias (RGIT), publicado em anexo. Republicados em anexo a Lei Geral Tributária, aprovada pelo Decreto-Lei nº 398/98 de 17 de Dezembro, e o Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), aprovado pelo Decreto-Lei nº 433/99 de 26 de Outubro.

Ligações para este documento

Este documento é referido nos seguintes documentos (apenas ligações a partir de documentos da Série I do DR):

  • Tem documento Em vigor 2014-07-01 - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 11/2014 - Supremo Tribunal de Justiça

    Reformula a jurisprudência fixada, que passa a ter a seguinte formulação: "É inconstitucional, por violação do art. 30º, nº 3, da Constituição, a norma do art. 8º, nº 7, do Regime Geral das Infrações Tributárias, na parte em que se refere à responsabilidade solidária dos gerentes e administradores de uma sociedade que hajam colaborado dolosamente na prática de infração pelas multas aplicadas à sociedade.". (Proc. nº 331/04.0TAFIG-B.C1-A.S1 - 3ª Secção)

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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