Despacho ministerial
1. Constitui obrigação irrenunciável de qualquer Governo fazer cumprir as leis em vigor, adoptando as medidas e procedimentos adequados a esse objectivo. A falta de autoridade ou o seu não exercício negligente ou determinado são características de situações anárquicas ou anarquizantes, violadoras por si dos mais elementares princípios da liberdade.
Bastaria, pois, esta razão para determinar o Ministério da Administração Interna no sentido do respeito pela legalidade vigente, não fora a imposição adicional do compromisso que resulta da Plataforma política do VI Governo Provisório, onde avulta aquele como um dos seus principais objectivos.
2. As leis cumprem-se ou fazem-se cumprir, numa sociedade a caminho da democracia, através de adequados meios preventivos, cuja acção se deseja eficaz contra eventuais prevaricadores e, cumulativamente, através de dispositivos legais que assegurem a reparação de infracções, através dos competentes meios judiciais. A repressão pura e simples é típica de regimes autoritários e constitui forma normalmente arbitrária ou violenta, que todos desejamos ver banidos de uma vez para sempre.
3. Expressões como «saneamento» ou «repressão» têm vindo, lamentavelmente, como tantas outras, a ser objecto de um tratamento orquestrado, tendente a desvirtuar o seu correcto significado, pelo que se impõe por todos os meios reconduzi-las à sua legítima conceituação, sob pena de graves atentados à liberdade e à democracia.
O saneamento de pessoas constitui instrumento imprescindível, mas extremamente perigoso, desde que sujeito ao arbítrio dos seus executores. E, por esse motivo, o regime democratizador instaurado no 25 de Abril houve que regulamentá-lo de forma precisa, definindo claramente os seus limites e processo e sujeitando-o a regras que asseguram o procedimento justo para todos quantos, corrompidos pelo regime anterior, comprovadamente atentarem contra os valores fundamentais de uma vivência livre e democrática.
Fora daqueles limites, da rigidez processual indispensável ao apuramento de factos, e não de meras suposições ou presunções, e ainda, no domínio da decisão pelas instituições com capacidade, isenção e competência fixadas na lei, o saneamento constitui um delito extremamente grave, em tudo semelhante a processos idênticos, ainda que de sinal contrário, praticados durante o fascismo.
Quanto à repressão, ela não pode igualmente confundir-se nem com o uso de meios legais preventivos de atentados às liberdades e direitos de todos os cidadãos, nem igualmente com a prática da justiça, mesmo quando esta se traduz na aplicação de penalidades resultantes de processos de verificação idónea e responsável de actos contrários à lei.
4. Esclarecidos em linhas gerais estes conceitos fundamentais, cujo desvirtuamento pode ser fatal para o processo de democratização a caminho de uma sociedade socialista, importa reafirmar-se o firme propósito de fazer cumprir as leis, mormente as que se encontram legitimadas pela Revolução e, dentro destas, com especial atenção, as que dizem respeito a direitos inalienáveis dos trabalhadores enquanto cidadãos e as que visam prosseguir uma distribuição mais justa dos meios postos à disposição dos trabalhadores, como formas de remuneração directa ou indirecta do seu trabalho.
5. Não pode esquecer-se, finalmente, que é princípio fundamental do direito que o desconhecimento da lei a ninguém aproveita. Apesar disso, porém, haverá que distinguir-se claramente quem viole a lei de boa fé de quem a viole no perfeito conhecimento do que faz, mas, ainda no primeiro caso, importa exigir-se que as pessoas colocadas em lugares de responsabilidade na Administração sejam capazes de assegurar as novas funções com conhecimento adequado das leis que têm de observar e aplicar, e das vias a seguir, visando a sua interpretação legítima quando sujeito a dúvidas. Só estas dão adequadas garantias de uma administração correcta e sã.
6. É, pois, dentro deste espírito e no uso dos poderes que a lei me confere e das quais abdicar equivaleria a comprometimento ou negligência grave que, tendo em conta o conhecimento de graves violações na legislação reguladora dos regimes de prestação do trabalho dos trabalhadores da função pública nas autarquias locais, entendo por bem determinar:
1.º A suspensão imediata do pagamento de acréscimos de vencimentos fixados na administração local posteriormente à entrada em vigor do Decreto-Lei 362/75, de 10 de Julho, ficando as remunerações ao nível das fixadas no Decreto 506/75, de 18 de Fevereiro, conjugado com o Decreto-Lei 294/75, de 16 de Junho.
2.º A abertura imediata de inquérito às comissões administrativas das câmaras municipais e aos conselhos de administração dos serviços municipalizados e das federações de municípios que procederam a aumentos de remunerações em contravenção ao disposto nos diplomas referidos em 1, assim como aos funcionários que, pela sua actuação, se tenham tornado co-responsáveis com as deliberações ou sua execução.
3.º A exoneração das comissões administrativas relativamente às quais os inquéritos referidos no número anterior venham a demonstrar terem praticado actos com violação dos competentes preceitos legais e consequente responsabilização civil e criminal, a que haja lugar, dos seus membros.
Ministério da Administração Interna, 22 de Dezembro de 1975. - O Ministro da Administração Interna, Vasco Fernando Leote de Almeida e Costa.