Acórdão
Autos de recurso para tribunal pleno, em que são recorrente a Câmara Municipal de Tavira e recorrido Luís Fernando Falcão Trindade de Carvalho Cerqueira.
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
Num processo de reclamação conteciosa instaurada por Luís Fernando Falcão Trindade de Carvalho Cerqueira na Câmara Municipal de Tavira contra a liquidação e cobrança de taxa de licença de certa obra, a referida Câmara recorreu da sentença do respectivo juiz de direito para a Relação de Lisboa. Recebido o processo neste Tribunal, foi fixada à recorrente prazo para alegar, mas a Relação, por Acórdão de 24 de Outubro de 1973, mandou desentranhar a alegação apresentada por entender que, sendo aplicáveis à hipótese dos autos o artigo 29.º e seus parágrafos do Decreto 16733, de 13 de Abril de 1929, e não o Código de Processo Civil, tal peça tinha sido oferecida fora do prazo. Porém, em Acórdão de 12 desse mês, em processo de igual natureza, discutido entre as mesmas partes, com idêntico objecto, a dita Relação admitiu a recorrente a alegar no prazo estabelecido pelo relator por sustentar, então, que a questão se regulava pelas disposições sobre recursos contidas no Código de Processo Civil.
A secção julgou verificada a oposição sobre a mesma questão fundamental de direito, que consiste em saber se, em reclamação contenciosa requerida contra uma liquidação efectuada numa Câmara Municipal, ao interpor-se o competente recurso da sentença do juiz de direito para o tribunal superior, as alegações devem ser apresentadas neste tribunal dentro do prazo a fixar ou se, antes, na ausência de requerimento em contrário, devem as mesmas ser juntas no tribunal recorrido. Seguiu-se a alegação da recorrente, que pede a procedência do recurso; o digno procurador da República pronuncia-se no sentido de ser tirado assento com confirmação do aresto recorrido.
Em ambos os processos foram adoptadas soluções diferentes sobre a mesma questão fundamental de direito, sendo manifesta a oposição entre os dois julgados. É, deste modo, de manter o decidido pela secção, quanto ao seguimento do recurso, tanto mais que se verificam as condições enunciadas no artigo 764.º do Código de Processo Civil.
Quanto ao fundo:
Da decisão em que o chefe da secretaria de uma Câmara Municipal aprecia a reclamação contenciosa contra a liquidação e cobrança da taxa de licença para obras cabe recurso para o juiz de direito e da sentença deste para o Tribunal da Relação (artigo 741.º do Código Administrativo). Neste diploma nada se diz quanto à espécie e processamento do recurso, ao modo de alegar e à respectiva sequência processual. Existe, pois, nessa matéria omissão por falta de regulamentação adequada e, assim, deve observar-se o disposto nas leis reguladoras do contencioso das contribuições e impostos do Estado por força do estatuído no artigo 749.º do mencionado Código. O diploma regulador dessa matéria é o Código das Contribuições e Impostos, aprovado pelo Decreto-Lei 45005, de 27 de Abril de 1963, mas as reclamações contenciosas continuam a regular-se pela legislação anterior, como prescreve o artigo 1.º do Decreto-Lei 45224, de 4 de Setembro do mesmo ano. Essa legislação anterior é constituída, fundamentalmente, pelos artigos 29.º e seguintes do Decreto 16733, de 13 de Abril de 1929. Da análise desse artigo e seus parágrafos e do artigo 741.º do Código Administrativo resulta que a alegação dos fundamentos do recurso, quer o recorrente seja contribuinte, quer seja a Câmara Municipal, deve ser apresentada no prazo de oito dias, a contar da notificação da sentença recorrida no próprio requerimento de interposição, salvo se a recorrente aí declarar que pretende alegar no tribunal ad quem, caso em que o prazo para apresentar a alegação é de oito dias, a contar da notificação do despacho do relator, como se conclui do estabelecido no § 1.º do artigo 35.º do citado decreto.
Não sendo feita tal declaração, mas apenas apresentado o requerimento de interposição, esse procedimento não caracteriza uma nulidade secundária que deva considerar-se sanada por falta de arguição em tempo oportuno e envolve, antes, infracção ao comando prescrito no artigo 690.º do Código de Processo Civil, na medida em que representa ausência de alegações, independentemente de qualificação jurídica do recurso. A hipótese dos autos é subsumível à previsão do artigo 29.º do Decreto 16793 e está sujeita a uma ritologia própria, com processamento adequado e prazos específicos sem sujeição ao que se consigna na lei orgânica do tribunal superior. Esta orientação, perfilhada em várias decisões das Relações, é a que melhor se coaduna com os princípios jurídicos emergentes das citadas disposições legais. Em face do exposto, acordam os juízes do Supremo Tribunal de Justiça, reunidos em tribunal pleno, em confirmar o acórdão recorrido, decidindo o conflito de jurisprudência mediante a formulação do seguinte assento:
Por força do disposto no artigo 29.º e seus parágrafos do Decreto 16733, de 13 de Abril de 1929, a alegação de recurso para a Relação, por parte da Câmara Municipal, nas reclamações contenciosas reguladas nos artigos 732.º e seguintes do Código Administrativo deve ser apresentada como requerimento de interposição do recurso, e só pode ser apreciada posteriormente se a recorrente tiver declarado no requerimento de interposição que pretende alegar no tribunal superior.
Sem custas.
Lisboa, 20 de Maio de 1975. - António Acácio de Oliveira Carvalho - Adriano Vera Jardim - Eduardo Correia Guedes - José António Fernandes - João Moura - Eduardo Arala Chaves - Bruto da Costa - Rodrigues Bastos - Daniel Ferreira - José Montenegro - José Amadeu de Carvalho - Américo Botelho de Sousa - Eduardo Botelho de Sousa.
Está conforme.
Supremo Tribunal de Justiça, 12 de Junho de 1975. - O Secretário, António Abrantes Mendes.