Acórdão
Autos de recurso para tribunal pleno, em que são recorrente o Ministério Público e recorrido António da Fonseca, o Cirineu.
Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça:
O Exmo. Procurador da República junto do Tribunal da Relação de Lisboa, invocando oposição sobre a mesma questão fundamental de direito entre os Acórdãos da Relação de Lisboa de 26 de Junho de 1972 e de 18 de Outubro do mesmo ano, recorreu para o tribunal pleno, ao abrigo do disposto no artigo 669.º do Código de Processo Penal, a fim de ser fixada jurisprudência sobre a controvertida forma de contar o tempo de prisão.
Foi já reconhecido pelo acórdão de fl. 144 a existência de oposição entre as referidas decisões, pois enquanto pelo Acórdão de 28 de Junho a Relação considerou aplicáveis ao caso as disposições dos artigos 279.º e 298.º do Código Civil vigente, decidindo que o cumprimento da prisão fixada em meses termina às 24 horas do dia do último mês correspondente ao do início do cumprimento da pena, o acórdão posteriormente proferido, em 18 de Outubro, julgou que os preceitos do actual Código Civil não são aplicáveis à hipótese em causa e que a contagem deve antes fazer-se, momento a momento, segundo o número de dias de cada mês, computando-se sempre os meses em trinta dias.
O Exmo. Ajudante do Procurador-Geral da República junto da Secção Criminal deste Supremo Tribunal de Justiça defende, na sua douta alegação, o critério seguido pelo primeiro das decisões em confronto, desenvolvendo lúcida argumentação no sentido de que o assento a proferir seja concebido nos seguintes termos:
A contagem do tempo de cumprimento da pena de prisão é feita nos termos da alínea c) do artigo 279.º do Código Civil.
Após os vistos legais, cumpre decidir:
Preliminarmente, deverá reconhecer-se que nenhuma dúvida se levanta quanto à verificação do condicionalismo legal exigido pelo artigo 669.º do Código de Processo Penal, havendo, consequentemente, perfeita razão para a admissibilidade do recurso.
Já se disse qual o objecto deste: eliminação do conflito jurisprudencial que tem feito surgir critérios divergentes quanto à contagem do tempo de prisão.
Ambas as teses em presença partem do pressuposto de que a lei penal, substantiva, adjectiva ou complementar, não fixou, por forma expressa, qualquer critério determinador da forma de efectuar tal contagem. Na verdade, o Código Penal limita-se a indicar o momento inicial do cumprimento das penas (artigo 116.º), os descontos admissíveis quanto à sua duração (artigo 117.º) e a regra da continuidade no tocante à sua execução (artigo 118.º), e o Código de Processo Penal e a Reforma Prisional (Decreto-Lei 26643) apenas aludem ao termo do cumprimento da pena, prescrevendo a forma de efectivar a libertação dos condenados (artigos 636.º do primeiro diploma legal e 380.º e 381.º do segundo), e, para além destes prodrómicos elementos, nada nos dizem os diplomas legais reguladores do nosso sistema punitivo sobre a forma de contagem do prazo em que se traduz a duração das penas privativas da liberdade, de modo a possibilitar a fixação do preciso momento do seu termo.
A omissão notada vem de longe. Verificava-se já no Código Penal de 1852, mas sempre se colmatou entendendo-se que os princípios a adoptar para proceder à contagem das penas temporárias são os da computação civil do tempo segundo os princípios considerados básicos e estatuídos na legislação que mais directamente lhe era própria: normas do Código Civil e do Código de Processo Civil.
Como a duração das penas criminais se reporta sempre a anos, meses e dias, tudo se cifra em determinar como deverão ser definidas estas medidas temporais.
O Código Civil de 1867, a propósito da prescrição, continha o preceito do artigo 560.º (norma a generalizar para o cômputo civil do tempo - cf. Prof. Manuel de Andrade, Teoria Geral, p. 442), e daí resultava que o ano se regulava pelo calendário gregoriano; o mês era sempre computado em trinta dias e os dias em vinte e quatro horas. Complementarmente, regulava o artigo 78.º do Código de Processo Civil de 1876, depois substituído pelo artigo 148.º do Código de Processo Civil de 1939, e, salvas algumas hesitações e divergências que os registos jurisprudenciais dão conta, da adopção de tais princípios tinha resultado um critério uniforme, atinente a determinar a contagem das penas de prisão e momento final desta.
O actual Código Civil chamou a si a completa estatuição dos princípios genéricos do cômputo do tempo, por isso que pelo Decreto-Lei 47690, de 11 de Maio de 1967, foram suprimidos os n.os 1 e 3 do citado artigo 143.º do Código de Processo Civil e no artigo 296.º afirmou, a propósito da contagem dos prazos, que «as regras constantes do artigo 279.º são aplicáveis, na falta de disposição especial em contrário, aos prazos e termos fixados por lei, pelos tribunais ou por qualquer outra autoridade».
Portanto, no pendor da orientação seguida, agora confirmada por esta regra generalizadora, terminada a vigência do Código Civil de 1867 e desaparecidas da lei processual civil as adjuvantes normas da contagem dos prazos, não podemos deixar de recorrer aos princípios do artigo 279.º para computar a prisão imposta por certo prazo.
Não há, como razão obstativa, a existência de qualquer disposição especial em contrário nem princípio que se extraia de uma impossível revivescência da norma do § 2.º do artigo 148.º do Código de Processo Civil de 1939, por força do § único do artigo 1.º do Código de Processo Penal ou de quaisquer outros preceitos, sendo ainda ininvocáveis os preceitos dos artigos 9.º do Decreto-Lei 35042 e 22.º do Decreto 35007 (cf. Revista de Direito e de Estudos Sociais, ano XVII, pp. 239 e segs.), por terem sido revogados pelos artigos 337.º e 308.º do Código de Processo Penal, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei 185/72, de 31 de Maio.
Não há, pois, razões válidas para abandonar a tradicional orientação integradora da lacuna que o legislador, propositadamente ou não propositadamente, deixou por preencher, com socorro aos princípios da lei civil, e neste sentido se pronunciaram já os Acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Dezembro de 1969 e de 10 de Março de 1971, publicados no Boletim do Ministério da Justiça, nos n.os 192, p. 162, e 205, p. 147, respectivamente.
Assim, e pelas razões expostas, acordam os juízes do Supremo Tribunal de Justiça, reunidos em tribunal pleno, em decidir o conflito de jurisprudência versado nos autos mediante a formulação do seguinte assento:
A contagem do tempo de cumprimento da pena de prisão fixado em meses é feita nos termos da alínea c) do artigo 279.º do Código Civil.
Sem imposto de justiça.
Lisboa, 5 de Dezembro de 1973. - Daniel Ferreira - Ludovico da Costa - Oliveira Carvalho - Adriano Vera Jardim - Eduardo Correia Guedes - Adriano de Campos de Carvalho - Manuel José Fernandes Costa - José António Fernandes - João Moura - Falcão Garcia - Eduardo Arala Chaves - Bruto da Costa - Jacinto Rodrigues Bastos - Manuel Arelo Ferreira Manso - Azevedo Soares.
Está conforme.
Supremo Tribunal de Justiça, 18 de Dezembro de 1973. - O Secretário, Joaquim Múrias de Freitas.