Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I - Relatório. - 1 - Na presente acção emergente de acidente de trabalho, o Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 19 de Novembro de 2007, recusou a aplicação da norma do n.º 2 da base xxii da Lei 2127, de 3 de Agosto de 1965, com fundamento na sua inconstitucionalidade, no ponto em que determina que o pedido de revisão da pensão por modificação da capacidade de ganho da vítima apenas pode ser formulado dentro dos dez anos posteriores à data da fixação da pensão.
Interposto, pelo Ministério Público, recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea a), e 72.º, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional, a então relatora proferiu decisão sumária, por remissão para anterior jurisprudência, declarando a referida disposição inconstitucional por violação do direito do trabalhador à justa reparação consagrado no artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da
Constituição.
Contra essa decisão deduziu o Ministério Público reclamação para a conferência por entender que a questão a decidir, dada a especificidade do caso, não poderia ser qualificada como simples, para efeito de ser apreciada em decisão sumária.Tendo sido deferida a reclamação, no prosseguimento do processo, o Ministério Público veio a apresentar alegações em que conclui do seguinte modo:
1.ª A norma constante do n.º 2 da base xxii da Lei 2127, ao consagrar um prazo - absolutamente preclusivo - de 10 anos, contados da fixação da pensão, para a revisão da pensão devida ao sinistrado por acidente laboral, com fundamento em agravamento superveniente das lesões sofridas, é materialmente inconstitucional, por violação do artigo 59.º, n.º 1, alínea f) da Constituição.
2.ª Não deverá - salvo melhor opinião - condicionar decisivamente tal julgamento de inconstitucionalidade a circunstância "fáctica" de terem ou não ocorrido actualizações intercalares da pensão: na verdade, sendo evidente que estas indiciam a existência de um processo patológico evolutivo, tornando absolutamente injustificada a aplicação rígida do referido prazo de caducidade, não poderá excluir-se que - à semelhança do que ocorre no direito civil - seja relevante um recidiva ou recaída tardia, desde que naturalmente o sinistrado faça prova cabal do nexo causal existente entre o acidente e o
agravamento das lesões.
3.ª Termos em que deverá confirmar-se o juízo de inconstitucionalidade formulado noacórdão recorrido.
Não houve contra-alegações.
Cumpre apreciar e decidir.
II - Fundamentação. - 2 - Como resulta dos elementos dos autos, na presente acção emergente de acidente de trabalho, foi atribuída ao sinistrado uma incapacidade permanente parcial para o trabalho de 20 % por acidente de trabalho sofrido em 11 de Maio de 1993, com o consequente abono da correspondente pensão, que foi fixadaem 7 de Junho de 1996.
Um primeiro pedido de revisão, formulado ainda dentro do prazo cominado no n.º 2 da base xxii da Lei 2127, de 3 de Agosto de 1965, foi indeferido, por despacho de 10 de Março de 2003, por se considerar que se não tinha verificado um agravamento das lesões que justificasse a modificação da capacidade geral de ganho do sinistrado.Um segundo pedido de revisão foi indeferido, em primeira instância, por ter entretanto decorrido o prazo de dez anos a que se refere aquele preceito.
Em recurso, o Tribunal da Relação do Porto, através da decisão ora recorrida, ordenou a admissão e o prosseguimento do incidente de revisão, desaplicando a referida norma da base xxii, n.º 2, da Lei 2127, por inconstitucionalidade, no ponto em fixa um prazo preclusivo de dez anos para a formulação do pedido de revisão, baseando-se para tanto na fundamentação constante do acórdão do Tribunal
Constitucional n.º 147/2006.
3 - A base xxii da Lei de Acidentes de Trabalho de 1965, ao caso aplicável, sob a epígrafe «Revisão das pensões», dispunha o seguinte:1 - Quando se verifique modificação da capacidade de ganho da vítima, proveniente de agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão ou doença que deu origem à reparação, ou quando se verifique aplicação de prótese ou ortopedia, as prestações poderão ser revistas e aumentadas, reduzidas ou extintas, de harmonia com a alteração
verificada.
2 - A revisão só poderá ser requerida dentro dos dez anos posteriores à data da fixação da pensão e poderá ser requerida uma vez em cada semestre, nos dois primeiros anos, e uma vez por ano, nos anos imediatos.3 - Nos casos de doenças profissionais de carácter evolutivo, designadamente pneumoconioses, não é aplicável o disposto no número anterior, podendo requerer-se a revisão em qualquer tempo; mas, nos dois primeiros anos, só poderá ser requerida
uma vez no fim de cada ano.
Esta norma, entretanto revogada, foi praticamente reproduzida no artigo 25.º da referida Lei 100/97, de 13 de Setembro, que estabelece o novo regime jurídico dosacidentes de trabalho.
Estando em causa o prazo preclusivo mencionado naquele n.º 2, para efeito da admissibilidade da formulação de um pedido de revisão de pensões, deve começar por dizer-se que a situação versada no citado acórdão do Tribunal Constitucional n.º 147/2006, que serviu de fundamento à decisão recorrida, não é inteiramenteconvergente com o caso dos autos.
Naquele aresto estava em análise uma hipótese em que tinha ocorrido um anterior pedido de revisão de pensão, ainda dentro dos dez anos posteriores à fixação da pensão inicial, vindo a formular-se o seguinte juízo de inconstitucionalidade: «[j]ulgar inconstitucional, por violação do direito do trabalhador à justa reparação, consagrado no artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da Constituição, a norma do n.º 2 da base xxii da Lei 2127, de 3 de Agosto de 1965, interpretada no sentido de consagrar um prazo absolutamente preclusivo de dez anos, contados a partir da data da fixação inicial da pensão, para a revisão da pensão devida ao sinistrado por acidente de trabalho, com fundamento em agravamento superveniente das lesões sofridas, nos casos em que desde a fixação inicial da pensão e o termo desse prazo de dez anos tenham ocorrido actualizações da pensão, por se ter dado como provado o agravamento das lesõessofridas pelo sinistrado».
No caso vertente, porém, houve um primeiro pedido de revisão que foi indeferido por ausência do respectivo pressuposto legal - alteração da capacidade de ganho do sinistrado em resultado do agravamento da lesão -, pelo que tudo se passa como se não tivesse havido uma evolução desfavorável das sequelas da lesão naquele período de dez anos, de tal modo que o segundo pedido de actualização surge num momento em que se deveria ter por estabilizada a situação por referência àquele período detempo.
A situação dos autos é, nestes termos, similar à analisada no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 155/2003, em que se considerou que não é inconstitucional a norma 2 da base xxii da Lei 2127 quando aplicada a um caso em que não tinha sido formulado qualquer pedido de revisão de pensão dentro do prazo de dez anos desde afixação da pensão inicial.
Como observou um autor, os condicionamentos temporais estabelecidos na Lei 2127, e mantidos na Lei 100/97, surgiram da «verificação da experiência médica quotidiana de que os agravamentos como as melhorias têm uma maior incidência nos primeiros tempos (daí a fixação dos dois anos em que é possível requerer mais revisões), decaindo até decorrer um maior lapso de tempo (que o legislador fixou generosamente em dez anos)» (Carlos Alegre, Regime Jurídico dos Acidentes de Trabalho e das Doenças Profissionais, Coimbra, 2000, p. 128).É nesta perspectiva que se entendeu, no acórdão agora citado, que a impossibilidade de obter a revisão da pensão por parte de quem não sofreu qualquer agravamento ou recidiva no prazo de dez anos, como decorre do disposto no n.º 2 da base xxii da Lei 2127, não representa uma violação do princípio da igualdade, por comparação com os sinistrados que, tendo requerido e obtido uma primeira revisão da pensão dentro desse período de tempo, ficam depois habilitados a requerer sucessivas actualizações dessa pensão, mesmo que para além desse prazo.
E esse ponto de vista encontra-se fundamentado, no aresto em referência, nos seguintes
termos:
Neste contexto, não se reveste de flagrante desrazoabilidade o entendimento do legislador ordinário de que, dez anos decorridos sobre a data da fixação da pensão (que pressupõe a prévia determinação do grau de incapacidade permanente que afecta o sinistrado), sem que se tenha registado qualquer evolução justificadora de pedido de revisão, a situação se deva ter por consolidada. Diferente seria a situação de, nesse lapso de tempo, terem ocorrido pedidos de revisão, que determinaram o reconhecimento judicial da efectiva alteração da capacidade de ganho de vítima, com a consequente modificação da primitiva determinação do grau de incapacidade, o que indiciaria que a situação não se poderia ter por consolidada. Não ocorreria, assim, violação do princípio da igualdade na primeira perspectiva assinalada. Com efeito, mesmo a aceitar-se como correcto - questão sobre a qual não cumpre tomar posição - o entendimento jurisprudencial, invocado pelo recorrente, segundo o qual os sinistrados que requereram uma primeira revisão dentro dos primeiros dez anos podiam requerer sucessivas revisões, desde que formuladas, cada uma delas, antes de decorrido um decénio sobre a precedente revisão, ele respeitaria a situações diversas daquelas em que decorrera por completo o prazo de dez anos desde a data da fixação da pensão sem que tivesse sido requerida qualquer revisão. Existiria, no primeiro grupo de situações, um factor de instabilidade, que não ocorreria no segundo grupo, o que não permitiria considerar como constitucionalmente ilegítima a apontada diferenciação deregimes.
4 - A questão suscitada pode, no entanto, merecer um outro desenvolvimento, mormente quando se pretenda cotejar o regime decorrente do referido n.º 2, para os sinistrados de acidente de trabalho, com o estabelecido no subsequente n.º 3, relativamente aos beneficiários de pensão por doença profissional, ou ainda com o previsto no artigo 567.º, n.º 2, do Código Civil, no tocante à modificação, por alteração de circunstâncias, da indemnização cível que deva ser fixada sob a forma de renda.O n.º 3 da base xxii da Lei 2127, já há pouco transcrito, determina, na parte que agora mais interessa considerar, que «[n]os casos de doenças profissionais de carácter evolutivo, designadamente pneumoconioses, não é aplicável o disposto no número anterior, podendo requerer-se a revisão em qualquer tempo (...)». O que poderia sugerir a existência de uma diferenciação de tratamento legislativo entre os sinistrados de acidente de trabalho, que não poderiam obter actualizações da respectiva pensão quando se não tivesse verificado qualquer evolução da lesão no período de dez anos, e os beneficiários de pensão por doença profissional, que já estariam dispensados desse
requisito temporal.
Não sofre nenhuma contestação que o direito à justa reparação por danos derivados do risco profissional, consagrado constitucionalmente (artigo 59.º, n.º 1, alínea f)), e entendido como um direito análogo aos direitos, liberdades e garantias (Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4ª edição, Coimbra, p. 770), abrange com o mesmo grau de intensidade quer as vítimas de acidente de trabalho quer as de doença profissional.O ponto é que, revertendo ao caso em apreço, não se detecta qualquer diferenciação relevante entre o regime definido para os sinistrados de acidente de trabalho, segundo o entendimento jurisprudencial firmado quer no acórdão 147/2006 quer no acórdão 155/2003, e aquele que resulta do n.º 3 da base xxii para a revisão de pensões por doença profissional. A possibilidade de a revisão de pensão ser requerida a todo o tempo, nesta última hipótese, circunscreve-se aos casos de doenças profissionais de carácter evolutivo, de que são exemplo as pneumoconioses aí referenciadas, e, por conseguinte, a doenças que, segundo um critério médico, são susceptíveis, por sua natureza, de implicarem um agravamento do quadro clínico com o decurso do tempo, que é, por si, justificativo da actualização da pensão por diminuição da capacidade de ganho; por outro lado, o n.º 2 dessa mesma base limita a revisão de pensões por acidente de trabalho aos primeiros dez anos a partir da fixação da pensão inicial, mas não exclui que a actualização possa ser requerida mesmo para além desse prazo, quando se tenha verificado um agravamento ou recidiva da lesão no primeiro decénio, caso em que, de igual modo, se admite que a revisão possa ser efectuada para além desse prazo sempre que se verifique a modificação da capacidade de ganho.
É justamente esse o entendimento em que se baseiam os citados acórdãos n.os 155/2003 e 147/2006, que só aparentemente são contraditórios. No primeiro deles, julgou-se não inconstitucional a norma do n.º 2 da base xxii quando aplicada num caso em que, no decurso do período de dez anos após a fixação da pensão, não tenha sido requerida qualquer actualização, assentando tal entendimento no pressuposto de que houve, nessa circunstância, uma estabilização das sequelas da lesão; no segundo, julgou-se inconstitucional a mesma norma quando interpretada no sentido de impossibilitar a revisão da pensão, nos casos em que tenham ocorrido actualizações da pensão, nesse mesmo período de dez anos, por então se poder dar-se como provado o agravamento das lesões sofridas pelo sinistrado.
O critério jurisprudencial radica, portanto, em qualquer dos casos, no carácter evolutivo ou não evolutivo da lesão, que é indiciado, no que diz respeito às pensões por acidente de trabalho, pela verificação do agravamento da lesão (e da correspondente actualização da pensão) no primeiro decénio, sendo que é essa ocorrência que torna justificável, na perspectiva do legislador, a admissão de ulteriores pedidos de revisão.
A situação não é, no entanto, diversa da prevista para as pensões por doença profissional, mudando apenas o critério normativo com base no qual é possível qualificar a doença como evolutiva: no caso dos acidentes de trabalho, a possibilidade de revisão da pensão sem limite de prazo depende de uma incidência factual - a verificação de um agravamento da lesão no decurso do primeiro decénio; no caso das doenças profissionais, na falta de concretização legal quanto ao que se entende por doença profissional de carácter evolutivo, é a avaliação clínica atinente à própria natureza da doença que poderá determinar se opera ou não o limite temporal relativo à
actualização de pensões.
Seja como for, em qualquer das hipóteses consideradas e em última análise, terá sempre de ser feita a demonstração processual, pelo interessado, de que a lesão ou a doença é susceptível de agravamento que implique uma modificação da capacidade de ganho e torne justificável a revisão da pensão independentemente de qualquer limitetemporal.
O que leva a concluir que não há, no essencial, mesmo do ponto de vista da posição processual do beneficiário da pensão, uma diferenciação relevante entre os regimes do n.º 2 e do n.º 3 da base xxii que permita considerar verificada a violação do princípioda igualdade.
5 - A mesma consideração é aplicável quando se estabeleça como termo comparativo, em relação ao disposto na base xxii, n.º 2, da Lei 2127, o que estatui, em geral, o artigo 567.º do Código Civil, no que concerne à indemnização cível sob a forma derenda.
Essa é uma norma atinente à obrigação de indemnizar, aplicável, designadamente, nos casos de responsabilidade civil por facto ilícito, que permite ao tribunal, atendendo à natureza continuada dos danos, e a requerimento do lesado, dar à indemnização, no todo ou em parte, a forma de renda vitalícia ou temporária (n.º 1), e que faculta a qualquer das partes a possibilidade de exigir a modificação da sentença quando sofram alteração sensível as circunstâncias em que assentou, quer o estabelecimento da renda,quer o seu montante ou duração (n.º 2).
Trata-se de uma modalidade de que pode revestir-se a indemnização, quando não seja possível assegurar a reconstituição natural, e que surge como contraposição à indemnização em montante fixo. Tem lugar quando, em face das circunstâncias concretas do caso, o tribunal considere preferível, havendo também interesse do lesado, em fixar a indemnização em renda por virtude de a lesão ter provocado uma diminuição permanente das possibilidades de trabalho do lesado ou um aumento continuado das suas necessidades. E, no uso dessa faculdade, o julgador não pode deixar de ter em conta a previsão do n.º 2 do artigo 567.º, que abre a possibilidade de o montante da renda ser corrigido em função de modificação superveniente dascircunstâncias relacionadas com a lesão.
Deste modo, a possibilidade de modificação do montante indemnizatório em que se traduz a renda vitalícia, em resultado do agravamento das sequelas da lesão, como prevê esse n.º 2, está, desde logo, condicionado a um juízo de prognose do julgador, que tem por base a natureza continuada dos danos e a sua futura evolução. E, neste ponto, não há essencialmente distinção entre o regime do artigo 567.º, n.º 2, do Código Civil e o da base xxii, n.º 2, da Lei 2127.O ponto de dissídio reside no estabelecimento de um prazo para o pedido de revisão de pensões por acidente de trabalho (que pode justificar-se por simples razões de segurança jurídica) e que não tem correspondência na norma de direito civil.
Note-se, em todo o caso, que, considerado globalmente, o regime de efectivação dos direitos resultantes de acidente de trabalho não se apresenta objectivamente mais desfavorável que o de responsabilidade civil por facto ilícito.
Desde logo, o direito de indemnização cível está sujeito a um prazo prescricional curto, nos termos do artigo 498.º do Código Civil, e segue as regras processuais comuns, ao passo que o direito à reparação por acidente de trabalho segue o processo especial regulado nos artigos 99.º e seguintes do Código de Processo de Trabalho, com patrocínio oficioso do Ministério Público e sem sujeição a prazo de caducidade, com diversos outros mecanismos de garantia de efectivação dos direitos, como seja a existência de uma fase conciliatória preliminar.
Por outro lado, mesmo no domínio da Lei 2127, a que pertence a norma arguida de inconstitucional, a disciplina relativa à obrigação de indemnizar está fortemente orientada para assegurar o efectivo ressarcimento do trabalhador, quer por via de prestações em espécie que se destinam a restaurar a capacidade de trabalho, quer através de prestações em dinheiro que visam a compensação pecuniária por perda ou redução da capacidade de ganho da vítima (bases ix a xixi), e que incluem, como garantia do pagamento das indemnizações devidas, um sistema de obrigatoriedade de seguro (base xliii), bem como uma forma de responsabilidade subsidiária através do Fundo de Acidentes de Trabalho (base xlv). Acresce que o dever de indemnizar assenta numa responsabilidade civil objectiva, mas que não obsta ao agravamento da indemnização e à ressarciblidade de danos não patrimoniais quando se conclua pela existência de culpa por parte do empregador (base xvii). Sendo que, em todo o caso, verificando-se os pressupostos da responsabilidade civil subjectiva, não está vedado ao trabalhador optar pelo ressarcimento segundo o regime de direito civil, e fazer funcionar os mecanismos de responsabilidade aquiliana que pudessem reputar-se, em concreto, como mais favoráveis aos interesses do trabalhador, e, designadamente, o mencionado regime de fixação da indemnização em renda, com possibilidade de revisão a todo o tempo do montante indemnizatório em função da alteração de circunstâncias (Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho, II vol., 2.º tomo, 3.ª ed., Lisboa, p. 190).
Em todo o caso, também neste plano de consideração, não é evidente que o regime definido no n.º 2 da base xxii da Lei 2127, represente uma violação do princípio da
igualdade.
6 - Certo é que, conforme observa o Exmo. Procurador-Geral-Adjunto nas suas alegações, um sistema jurídico de revisão de pensões está sempre dependente da demonstração do nexo causal entre o acidente e o agravamento da lesão, pelo que a possibilidade de invocação de danos futuros adicionais resultantes do acidente, independentemente de qualquer prazo de caducidade, apenas agravaria o ónus processual do lesado que teria mais dificuldade em estabelecer a correlação do dano superveniente com o acidente. Poderia assim não haver nenhum motivo para o estabelecimento de um prazo limite, quando o lesado tem sempre o ónus de provar que o agravamento posterior do dano está ainda relacionado com o acidente.O ponto é que o legislador dispõe de alguma margem de livre conformação na concretização do direito à justa reparação por acidentes de trabalho e doenças profissionais constitucionalmente consagrado. Pelo que a questão que poderá colocar-se, para além das já analisadas, é a de saber se a fixação de um prazo de dez anos para a admissibilidade da revisão - que, como se viu, tanto é aplicável aos pensões por acidente de trabalho como às pensões por doença profissional não evolutiva -, é susceptível de violar o próprio direito constitucional previsto no artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da Lei Fundamental.
Assentando na ideia, que já antes se aflorou, de que o direito à justa reparação por acidentes de trabalho apresenta natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, a fixação de um prazo para a revisão da pensão, nos termos previstos na n.º 2 da base xxii da Lei 2127, configura um mero requisito relativo ao modo de exercício do
direito.
E como tem sido sublinhado pelo Tribunal Constitucional, «[s]ó as normas restritivas dos direitos fundamentais (normas que encurtam o seu conteúdo e alcance) e não meramente condicionadoras (as que se limitam a definir pressupostos ou condições do seu exercício) têm que responder ao conjunto de exigências e cautelas consignado no artigo 18.º, n.os 2 e 3, da Lei Fundamental». Para que um condicionamento ao exercício de um direito possa redundar efectivamente numa restrição torna-se necessário que ele possa dificultar gravemente o exercício concreto do direito em causa (Acórdão 413/89, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 15 de Setembro de 1989, cuja doutrina foi refirmada, designadamente, no acórdão 247/02).Ora, no caso concreto, a lei fixa um prazo suficientemente dilatado, que, segundo a normalidade das coisas, permitirá considerar como consolidado o juízo sobre o grau de desvalorização funcional do sinistrado, e que, além do mais, se mostra justificado por razões de segurança jurídica, tendo em conta que estamos na presença de um processo especial de efectivação de responsabilidade civil dotado de especiais exigências na
protecção dos trabalhadores sinistrados.
E, nesse condicionalismo, é de entender que essa exigência se não mostra excessiva ou intolerável em termos de poder considerar-se que afronta o princípio daproporcionalidade.
Não há, pois, motivo para manter o julgado que, como se viu, assenta num entendimento do Tribunal Constitucional que não é inteiramente transponível para ocaso dos autos.
III - Decisão. - Termos em que se decide conceder provimento ao recurso e revogar a decisão recorrida para que seja reformada em conformidade com o juízo agora formulado quanto à questão de constitucionalidade.
Lisboa, 10 de Dezembro de 2008. - Carlos Fernandes Cadilha - Maria Lúcia Amaral - Vítor Gomes - Ana Maria Guerra Martins (tendo partido de uma interpretação literal da norma, considerei-a inconstitucional) - Gil Galvão.