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Decisão , de 3 de Abril

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Sumário

Tomada no processo n.º 32749, nos autos de recurso extraordinário para tribunal pleno, nos termos do artigo 765.º do Código de Processo Civil

Texto do documento

Decisão de 12 de Março de 1969

Processo 32749. - Autos de recurso extraordinário para tribunal pleno, nos termos do artigo 765.º do Código de Processo Civil. Recorrente, Ministério Público.

O Exmo. Procurador da República junto do Tribunal da Relação de Lisboa recorre, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 765.º do Código de Processo Civil, aplicável por força do § único do artigo 669.º do Código de Processo Penal, para o tribunal pleno do Acórdão daquela Relação de 20 de Março de 1968, fundado em que o mesmo se encontra em flagrante oposição doutrinária sobre a mesma questão jurídica com o Acórdão do mesmo tribunal de 3 de Junho de 1955, pois enquanto o primeiro decidiu que são inconvertíveis em prisão as multas de quantia inferior a 20$00, o segundo decidiu o contrário.

Alega ainda que ambos os acórdãos foram proferidos no domínio da mesma legislação (Código Penal, artigo 122.º, com as alterações dos Decretos-Leis 35978, de 13 de Novembro de 1946 e 39688, de 5 de Junho de 1954), e em processo de transgressões, não admitindo, assim, recurso ordinário para o Supremo Tribunal de Justiça - verificando-se, pois, todos os requisitos de que a lei faz depender a admissibilidade do referido recurso.

Decidida pela secção a existência da oposição e dos demais pressupostos formais para seguimento do recurso, apresentou o Exmo. Representante do Ministério Público a sua alegação, na qual termina por concluir que deve ser lavrado assento no sentido de que não são convertíveis em prisão as multas de quantia inferior à referida no § 2.º do artigo 122.º do Código Penal, a menos que norma especial preceitue tal conversão.

Não estando, porém, o tribunal pleno vinculado à decisão sobre a existência da oposição, interessa, preliminarmente, a pronúncia sobre esta, pois da existência, ou verificação, dos pressupostos depende o conhecimento do fundo, ou seja, sobre a posição a tomar em face das duas correntes em conflito.

Ora, como alega o recorrente e já foi decidido pela secção, a oposição é flagrante - o que resulta da simples leitura dos acórdãos mencionados, pois enquanto o primeiro decidiu negativamente a questão da conversão em prisão das multas de quantitativo inferior a 20$00, o segundo decidiu precisamente o contrário, ou seja, pronunciou-se no sentido da conversão.

Assim, e pois que se verificam os demais pressupostos legais, deve o tribunal pleno pronunciar-se sobre a questão de direito que lhe é posta.

Esta questão, como se diz na alegação do Exmo. Representante do Ministério Público, não é nova, sendo certo que tem, de há anos, obtido a solução preconizada na referida alegação, parecendo até que, além do acórdão invocado em oposição, poucas decisões existem que tenham tomado posição diferente - o que, só por si, já significa uma certa unidade de orientação na jurisprudência.

Isto, porém, não tira legitimidade - e interesse - à interposição do recurso, pois, havendo, como há, decisões contraditórias, importa evitar as oscilações, o que se traduz em melhor certeza na aplicação das normas legais. E nem por a questão parecer, em princípio, de pouco alcance, dada a sua medida, é isso suficiente para se lhe recusar aquele interesse, mesmo no aspecto prático, pois não é indiferente que, por virtude daquelas oscilações, a norma legal seja aplicada diferentemente, muito especialmente, como é o caso, se se trata de saber se uma pena de multa é ou não convertível em prisão.

Na nossa lei - artigo 56.º do Código Penal - a pena de multa é uma pena correccional, apresentando duas modalidades: ou se traduz pela condenação em certo número de dias a uma certa taxa, ou consiste na aplicação de uma certa quantia fixada na lei - artigo 63.º do Código Penal. Em qualquer caso, a sua execução faz-se, em princípio, como, aliás, resulta da sua própria natureza, pelo pagamento.

Quando, porém, o condenado não efectue o pagamento e não tiver bens suficientes e desembaraçados, será a pena de multa substituída pela de prisão, segundo os moldes indicados no artigo 122.º, § 2.º, do Código Penal, respeitando-se os limites fixados na lei.

Trata-se, pois, de um sistema de substituição, ou de conversão, que, naturalmente, se funda, ou tem por base, a consideração de que se o condenado não tem possibilidade de efectuar, voluntária ou coercivamente, o pagamento, nem por isso deve deixar de sofrer os efeitos da condenação, pois o contrário traduziria uma desigualdade relativamente àqueles que possuem bens suficientes e desembaraçados e que, portanto, estão sempre sujeitos ao pagamento.

Nos casos, já referidos, em que a condenação se traduz na fixação de um certo lapso de tempo a que corresponde, diàriamente, uma certa importância, nenhuma dificuldade pode surgir quanto à conversão na hipótese de não pagamento. O mesmo sucederá, em regra, nos casos em que a multa seja de certa quantia, taxada pela lei, pois o citado § 2.º do artigo 122.º do Código Penal prescreve a forma de substituição.

Como, porém, esta se faz a 20$00 por dia, pode, na verdade, pôr-se o problema de saber - e é esse que está em causa - se, sendo o quantitativo da multa inferior àquela quantia, ainda nesse caso a pena de multa deve, uma vez não efectuado o pagamento, substituir-se por prisão.

Desde logo, como decorre do disposto no artigo 98.º do Código Penal, a equivalência entre a pena de multa e, a de prisão faz-se, quando aquela não corresponda a certo tempo de duração tendo em atenção o critério estabelecido no § 2.º do artigo 122.º para conversão da multa em prisão, donde resulta que a cada fracção da multa daquela quantia corresponde um dia de prisão, não podendo, pois, substituir-se a multa relativamente a quantia inferior àquela, no caso de existência de múltiplas fracções, ou seja; quando a multa for superior a 20$00.

Se é assim para esse caso, isto é, se tem de desprezar-se qualquer fracção inferior a 20$00, parece nada justificar a conversão quando se trate de multa de quantia menor do que aquela.

Efectivamente, se pelos termos da lei se chega à conclusão de que a equivalência e, portanto, a substituição se faz naqueles termos, ou seja, desprezando a fracção de importância inferior a 20$00, parece que, sendo a multa inferior a esta importância, não pode haver substituição.

Contra isto pode, no entanto, dizer-se, o que é, aliás, o argumento do Acórdão da Relação de Lisboa de 3 de Junho de 1955, invocado em oposição com o acórdão recorrido, que a não fazer-se a substituição, no caso de não pagamento, se é conduzido directamente à impunidade do infractor - o que ofende o espírito da lei e o sentimento de justiça dos indivíduos.

Não cremos, porém, que tal argumentação seja procedente. Em primeiro lugar, não se vê que possa falar-se em impunidade, pois, na verdade, ainda que não se dê a substituição, sempre a condenação subsiste, acarretando para o condenado, pelo menos, a possibilidade de, no futuro, e pela prática de nova infracção da mesma natureza, vir a ser considerado reincidente.

Em segundo lugar, não se alcança em que é que a não conversão possa ofender o espírito da lei e o sentimento de justiça dos indivíduos no caso de a multa ser inferior a 20$00 e já não seja de considerar a mesma situação na hipótese de não conversão de fracção de multa superior àquela quantia, que o mesmo acórdão admite.

E não se alcança por, precisamente, nos parecer que tais situações são idênticas; se a lei não exige a conversão da fracção inferior a 20$00 no caso de se tratar de multa superior àquela importância, traduz-se isso num benefício para o condenado, como, de resto, reconhece o dito acórdão, benefício que também existe para o condenado em multa de montante inferior a 20$00, e que não pode ser excluído por nenhuma consideração, sendo, aliás, certo que para este, se não há conversão em prisão, fica sempre salvo, e, respeitados os prazos indicados na lei, a cobrança coerciva - o que se não dá com o primeiro, pois a execução da pena termina com o cumprimento da prisão em que a multa foi substituída - e desprezada a fracção referida.

Se se despreza tal fracção, é porque ela não tem equivalência relativamente à pena de prisão. E se não tem, não pode ser substituída, quer num caso, quer no outro.

Pelo que vem de ser exposto, acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça, nos termos e para os efeitos do n.º 3 do artigo 768.º do Código de Processo Civil, em decidir que:

Não são convertíveis em prisão as multas de quantia inferior à referida no § 2.º do artigo 122.º do Código Penal, salvo se norma especial preceituar tal conversão.

Não é devido imposto de justiça.

Lisboa, 19 de Março de 1969. - Adriano Vera Jardim - J. Santos Carvalho Júnior - Eduardo Correia Guedes - Adriano de Campos de Carvalho - José Manuel de Cunha Ferreira - Lopes Cardoso - Albuquerque Rocha - Torres Paulo - Ludovico da Costa - Joaquim de Melo - H. Dias Freire - Fernando Bernardes de Miranda - Oliveira Carvalho - Rui Guimarães.

Está conforme.

Secretaria do Supremo Tribunal de Justiça, 26 de Março de 1969. - O Secretário, Joaquim Múrias de Freitas.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/2470684.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1946-11-23 - Decreto-Lei 35978 - Ministério da Justiça - Gabinete do Ministro

    Insere disposições relativas ao julgamento de processos sobre matéria cível e comercial pelas Relações e pelos tribunais de comarca.

  • Tem documento Em vigor 1954-06-05 - Decreto-Lei 39688 - Ministério da Justiça - Gabinete do Ministro

    Altera várias disposições do Código Penal.

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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