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Acórdão Doutrinário , de 12 de Dezembro

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Sumário

Proferido no processo n.º 59468

Texto do documento

Acórdão doutrinário

Processo 59468. - Autos de recurso para tribunal pleno vindos do Tribunal da Relação do Porto. Recorrente, Ministério Público. Recorrida, Sociedade Anónima Concessionária da Refinação de Petróleos em Portugal (Sacor).

Acordam, em conferência, os juízes do Supremo Tribunal de Justiça, em tribunal pleno:

O procurador da República junto da Relação do Porto recorre do Acórdão da mesma Relação de 25 de Abril de 1962 por estar em oposição com o da Relação de Coimbra de 17 de Março de 1959.

Estão juntas aos autos as cópias dos citados acórdãos, e da sua leitura verifica-se que existe a oposição exigida pelo artigo 764.º do Código de Processo Civil.

O problema que se pretende resolver pode resumir-se nestes termos:

O artigo 748.º do Código Administrativo dispõe que, nos processos de transgressão do contencioso aos impostos e outros rendimentos municipais, da decisão proferida pelo chefe de secretaria cabe recurso para o juiz de direito da comarca e da decisão deste para o tribunal da Relação, interpostos, um e outro, dentro do prazo de oito dias, a contar da notificação da sentença recorrida.

E no artigo 749.º preceitua-se que nos casos omissos se observará o disposto nas leis reguladoras do contencioso das contribuições e impostos do Estado.

Quanto a este, dispõe o artigo 1.º do Decreto-Lei 39393, de 20 de Outubro de 1953, que é fixado em 2000$00 do valor de multa para os processos de transgressão e em 5000$00 do valor da causa para todos os restantes a alçada do Tribunal de 2.ª Instância do Contencioso das Contribuições e Impostos.

Na interpretação e aplicação destes preceitos surgiram duas correntes jurisprudenciais.

A primeira, seguida no Acórdão da Relação de Coimbra de 17 de Março de 1959, sustenta que o citado artigo 748.º do Código Administrativo encerra uma norma clara e completa, facultando o direito de interposição de recurso a todos os casos de transgressões fiscais a que se refere, independentemente de quaisquer alçadas.

A segunda corrente, adoptada pela Relação do Porto no Acórdão de 25 de Abril de 1962, defende que, visando apenas indicar para quem recorre, constitui preceito omisso em matéria de alçada, devendo tal omissão ser integrada pelo referido artigo 1.º do Decreto 39393, por força do mencionado artigo 749.º do Código Administrativo.

Estabelecido o contraste nas aludidas decisões e porque, segundo jurisprudência corrente, não é admissível do acórdão da Relação recurso de revista ou de agravo por motivo estranho à alçada do tribunal, verifica-se a existência de um conflito de jurisprudência que cumpre resolver.

A infracção fiscal tem, predominantemente, a natureza de ilícito administrativo, desde que não esteja tipificada no Código Penal (Mouteira Guerreiro, «Em torno da infracção fiscal», no Boletim da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, série A, Janeiro-Fevereiro, 1962, p. 129).

O artigo 748.º do Código Administrativo está incluído na secção V da parte III do mesmo código, decalcada sobre o regime geral das contribuições e impostos regulada no Decreto 16733, de 13 de Abril de 1929, que não se refere a alçadas no sentido processual do termo.

A matéria da transgressão fiscal está subordinada ao direito penal fiscal.

O artigo 1.º do Código de Processo Penal determina que a todo o crime ou contravenção corresponde uma acção penal exercida nos termos do mesmo código. E o princípio vigente sobre alçadas em matéria penal é o da não existência das alçadas - abolidas pelo artigo 6.º do Decreto de 14 de Outubro de 1910 e fixadas, em leis posteriores, sòmente em matéria cível (artigo 678.º do Código de Processo Civil e artigos 25.º, 54.º e 66.º do Estatuto Judiciário).

É certo que no artigo 1.º do Decreto 39393, de 20 de Outubro de 1953, se fixaram as alçadas para o Tribunal de 2.ª Instância do Contencioso das Contribuições e Impostos, mas, como se acentua no relatório do mesmo diploma, este regime só foi instituído para se obter o descongestionamento anómalo dos serviços do aludido Tribunal e por se ter reconhecido que a aglomeração dos processos e consequente demora no tribunal, causando flagrantes prejuízos ao Estado e aos contribuintes, denunciam que a sua organização não lhe permitia acompanhar o desenvolvimento dos respectivos serviços nas últimas décadas.

Este regime entrou a vigorar em 1953 e nas revisões ao Código Administrativo posteriores a 1940 não se modificou o sistema do código em matéria de recursos, certamente porque, em relação ao contencioso fiscal municipal, não se verificaram as circunstâncias que levaram à substituição do regime de recorribilidade plena pelo das alçadas.

De resto, é diferente a orgânica do contencioso fiscal do Estado e do contencioso fiscal municipal, subordinando-se aquele a uma hierarquia jurisdicional especializada, tendo no último grau o Supremo Tribunal Administrativo. As questões do contencioso municipal, julgadas em tribunais comuns, finalizam, como é jurisprudência corrente, nos tribunais da Relação.

O artigo 748.º do Código Administrativo estabelece o regime de plena admissibilidade de recurso, não sendo omisso quanto à fixação das alçadas.

Esta interpretação está de harmonia com o princípio geral de facilitar os recursos, permitindo o exame das decisões por juízes de mais alta categoria, favorecendo o acerto dos julgados, aumentando o seu prestígio e fazendo surgir - no dizer do Prof. Manuel de Andrade (Noções Elementares de Processo Civil, p. 193, Coimbra, 1950) - com maior segurança do direito, a confiança do povo na justiça.

Pelo exposto, dão provimento ao recurso e formulam o seguinte assento:

Não estão sujeitos a alçadas os recursos previstos no artigo 748.º do Código Administrativo.

Lisboa, 22 de Novembro de 1963. - Gonçalves Pereira (com a declaração de que, em meu entender, e pelas razões consignadas no meu voto no Assento de 10 de Maio último, os acórdãos da Relação nesta matéria são susceptíveis de recurso de revista ou de agravo, por motivo estranho à alçada do tribunal; vencido nesta parte, votei o assento) - Cura Mariano - Alberto Toscano - José Meneses - Ricardo Lopes - Fragoso de Almeida - Abreu Lobo - Lopes Cardoso - Fernando Toscano Pessoa - Barbosa Viana - Bravo Serra - Albuquerque Rocha.

Está conforme.

Supremo Tribunal de Justiça, 5 de Dezembro de 1963. - O Secretário, Joaquim Múrias de Freitas.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/2468729.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1929-04-13 - Decreto 16733 - Ministério das Finanças - Direcção Geral das Contribuïções e Impostos

    Reforma o contencioso das contribuições e impostos.

  • Tem documento Em vigor 1953-10-20 - Decreto-Lei 39393 - Ministério das Finanças - Direcção-Geral das Contribuições e Impostos

    Insere disposições relativas ao julgamento de processoa no Tribunal de 2ª Instância do Contencioso das Contribuições e Impostos e às liquidações dos impostos sobre as sucessões e doações e de sisa.

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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