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Acórdão 604/2015, de 28 de Dezembro

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Sumário

Não julga inconstitucional a norma constante do artigo 1866.º, alínea b), do Código Civil, na medida em que prevê um prazo de caducidade de dois anos, após o nascimento da criança, para poder ser intentada pelo Ministério Público uma ação de investigação da paternidade

Texto do documento

Acórdão 604/2015

Processo 631/2015

Acordam, na 3.ª Secção, no Tribunal Constitucional

I - Relatório

1 - No processo de averiguação oficiosa da paternidade que corre termos, sob o n.º 127/11.3TMFUN, na Secção de Família e Menores do Tribunal da Comarca da Madeira, o Ministério Público promoveu o arquivamento dos autos, invocando ter já decorrido o prazo previsto na alínea b) do artigo 1866.º do Código Civil para a instauração da ação de investigação de paternidade a que se refere o n.º 5 do artigo 1865.º do Código Civil.

Por decisão de 17 de fevereiro de 2015, o juiz indeferiu o requerido, considerando que a invocada norma da alínea b) do artigo 1866.º do Código Civil, que fixa em dois anos, após o nascimento do menor, o prazo para a instauração da ação de investigação de paternidade, em consequência do processo de averiguação oficiosa, viola os artigos 18.º e 26.º, n.º 1, da Constituição. Em consequência, decidiu não arquivar os autos de averiguação oficiosa da paternidade, determinando, antes, a sua remessa ao Ministério Público.

O Ministério Público interpôs recurso desta decisão para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea a), da Lei do Tribunal Constitucional, que foi admitido pelo Tribunal recorrido.

Os autos prosseguiram, tendo o Ministério Público apresentado alegações, em que conclui pela não inconstitucionalidade da norma constante do artigo 1866.º, alínea b), do Código Civil, quando este prevê um prazo de caducidade de dois anos, após o nascimento da criança, para poder ser intentada uma ação de averiguação oficiosa da paternidade.

Cabe apreciar e decidir.

II - Fundamentação

Da utilidade do recurso

2 - Em primeiro lugar, cumpre precisar que a norma do artigo 1866.º, alínea b), do Código Civil, que o Tribunal recorrido julgou inconstitucional nos autos de averiguação oficiosa de paternidade, se aplica à ação de investigação de paternidade a que se refere o artigo 1865.º do Código Civil, cuja viabilidade é preliminarmente aferida no processo de averiguação oficiosa da paternidade, e não, em rigor, a este último processo.

Com efeito, a norma da alínea b) do artigo 1866.º do Código Civil determina que a ação de investigação de paternidade a que se refere o artigo 1865.º não pode ser intentada se tiverem decorrido dois anos sobre a data de nascimento do menor, prazo cujo decurso determina, assim, a caducidade do direito de ação de investigação de paternidade subsequente ao processo de averiguação oficiosa da paternidade.

Neste pressuposto, o Ministério Público, considerando que o decurso do referido prazo tornava inviável a propositura da ação de investigação de paternidade, promoveu o arquivamento dos autos de averiguação oficiosa de paternidade desencadeados com vista a averiguar da viabilidade dessa ação. Na decisão de indeferimento do arquivamento, de que vem interposto o presente recurso de constitucionalidade, sustentou-se, porém, que o prazo de caducidade previsto no artigo 1866.º, alínea b), do CC, era inconstitucional, pelo que o seu decurso não tornava, só por si, inviável a futura instauração, pelo Ministério Público, da ação de investigação da paternidade. Com base nesse juízo, determinou-se que os autos de averiguação oficiosa da paternidade, que lhe são preliminares, prosseguissem os seus termos com vista à averiguação da paternidade do menor, apesar de terem já decorrido dois anos sobre a data do nascimento deste.

Assim sendo, embora o juízo de inconstitucionalidade, ora em sindicância, tenha expressamente recaído sobre norma que não é diretamente aplicável ao processo de averiguação oficiosa da paternidade, verifica-se, pelo contexto processual em que foi formulado, que o mesmo assume relevância decisiva na apreciação da questão da subsistência ou utilidade, desse procedimento prévio, que tem natureza instrumental em relação à ação de investigação de paternidade a que se aplica o prazo de caducidade julgado inconstitucional.

É, pois, de concluir pela utilidade do recurso de constitucionalidade, apesar desse aparente desajustamento normativo, pois que a sua eventual procedência, com a consequente revogação da decisão de inconstitucionalidade, pode vir a determinar modificação do julgado.

Do mérito do recurso

3 - Demonstrada que está a utilidade do recurso, cumpre, agora, apreciar a bondade do juízo de inconstitucionalidade que o Tribunal a quo formulou, no descrito enquadramento processual, acerca da norma do artigo 1866.º, alínea b), do Código Civil.

Dispõe o artigo 1866.º desse código:

«Artigo 1866.º

(Casos em que não é admitida a averiguação oficiosa da paternidade)

A ação a que se refere o artigo anterior não pode ser intentada:

a) Se a mãe e o pretenso pai forem parentes ou afins em linha reta ou parentes no segundo grau da linha colateral;

b) Se tiverem decorrido dois anos sobre a data do nascimento.»

O transcrito preceito legal regula os pressupostos processuais (negativos) da ação de investigação da paternidade a desencadear pelo Ministério Público na sequência do processo de averiguação oficiosa da paternidade, cujos principais traços normativos constam dos artigos 1864.º e 1865.º do CC, com o seguinte teor:

«Artigo 1864.º

(Paternidade desconhecida)

Sempre que seja lavrado registo de nascimento de menor apenas com a maternidade estabelecida, deve o funcionário remeter ao tribunal certidão integral do registo, a fim de se averiguar oficiosamente a identidade do pai.

Artigo 1865.º

(Averiguação oficiosa)

1 - Sempre que possível, o tribunal ouvirá a mãe acerca da paternidade que atribui ao filho.

2 - Se a mãe indicar quem é o pai ou por outro meio chegar ao conhecimento do tribunal a identidade do pretenso progenitor, será este também ouvido.

3 - No caso de o pretenso progenitor confirmar a paternidade, será lavrado termo de perfilhação e remetida certidão para averbamento à repartição competente para o registo.

4 - Se o pretenso pai negar ou se recusar a confirmar a paternidade, o tribunal procederá às diligências necessárias para averiguar a viabilidade da ação de investigação de paternidade.

5 - Se o tribunal concluir pela existência de provas seguras da paternidade, ordenará a remessa do processo ao agente do Ministério Público junto do tribunal competente, a fim de ser intentada a ação de investigação.»

Invocando genericamente as divergências jurisprudenciais, sintetizadas no acórdão do plenário do Tribunal Constitucional n.º 401/11, que a matéria da caducidade das ações de investigação de paternidade suscitou no seio do Tribunal Constitucional, sustenta o tribunal recorrido que a norma do artigo 1866.º, alínea b), deste código, ao fixar em dois anos, após o nascimento da criança, o prazo para o Ministério Público intentar a ação de investigação de paternidade, viola o disposto nos artigos 18.º e 26.º, n.º 1, da Constituição.

Embora a decisão recorrida não concretize as razões por que conclui nesse sentido, parece decorrer da invocação da jurisprudência constitucional sobre o tema que, para o tribunal recorrido, a previsão do referido prazo de caducidade, no que respeita às ações de investigação de paternidade a instaurar pelo Ministério Público ao abrigo dos artigos 1865.º e 1866.º do CC, viola o direito à identidade pessoal da criança, na dimensão do direito ao conhecimento da sua paternidade biológica.

Não parece que seja assim.

Das ações de investigação de paternidade subsequentes à averiguação oficiosa da paternidade

4 - Erigindo como matéria de interesse público a determinação da paternidade biológica do menor cujo nascimento seja registado apenas com a maternidade estabelecida, o Código Civil de 1966, no seu primitivo artigo 1847.º, introduziu inovatoriamente no ordenamento jurídico português o processo de averiguação oficiosa da paternidade fora do casamento, atualmente regulado, sem relevantes alterações, nos artigos 1865.º e 1866.º do Código Civil. Pretendeu-se, através deste meio processual, alcançar dois objetivos principais: «primeiro, o de diminuir quanto possível o número de filhos de pais desconhecidos, combatendo a inércia e a indiferença dos verdadeiros pais; segundo, o de conseguir que a paternidade fosse reconhecida com a maior brevidade, para que o poder paternal tivesse a maior utilidade social possível» (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, volume V, Coimbra Editora, 1995, pág. 281).

Assim, incumbiu-se o conservador do registo civil da obrigação de remeter para o tribunal certidão integral do registo de nascimento do menor lavrado sem a menção de paternidade para que se averiguasse oficiosamente, num processo secreto de natureza administrativa ou prejudicial a identidade do pai (artigos 1864.º do Código Civil e 121.º do Código do Registo Civil e artigo 203.º da OTM). A instrução do processo compete ao Ministério Público (artigo 202.º da OTM), que, no final, emite parecer sobre a viabilidade da ação de investigação de paternidade, cabendo a decisão final ao juiz, que ordenará o arquivamento dos autos, caso conclua pela inviabilidade da ação, ou a sua remessa ao Ministério Público, para que a instaure, caso conclua pela existência de provas seguras da paternidade (artigo 1865.º, n.º 5, do CC).

A intervenção oficiosa do Estado, no âmbito da constituição das relações jurídicas de filiação, encontra a sua fonte de legitimação material no reconhecimento de que o direito fundamental ao conhecimento da maternidade e da paternidade biológicas, que assiste, desde logo, às crianças (artigos 25.º, n.º 1, 26.º, n.º 1, 36.º, n.os 1, 4, 5 e 6, 67.º, 69.º da Constituição), constitui matéria de interesse público que extravasa o domínio das relações privadas intersubjetivas e, sobretudo, gera no Estado a obrigação de adotar medidas positivas tendentes a identificar e comprometer ambos os progenitores no processo de desenvolvimento da criança, logo após o seu nascimento, responsabilizando-os conjuntamente pela sua educação e manutenção.

A Constituição expressamente consagra a paternidade e maternidade enquanto valores sociais eminentes (artigo 68.º, n.º 2), que incumbe ao Estado defender e promover, e a família como elemento fundamental da sociedade (artigo 67.º, n.º 1). Paralelamente, reconhece às crianças o direito à proteção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral, especialmente contra todas as formas de abandono ou discriminação (artigo 69.º, n.º 1), implicando, nessa tarefa, toda a sociedade civil e, desde logo, a família biológica, em cujo seio de proteção a criança deve poder alicerçar o seu processo de desenvolvimento, sendo neste contexto normativo fundamental que a averiguação oficiosa da paternidade encontra, pois, sentido constitucional.

Foi precisamente em ponderação da natureza pública dos interesses envolvidos na ação de investigação de paternidade prevista no n.º 5 do artigo 1865.º do CC, que o Tribunal Constitucional, no seu Acórdão 631/2005, não julgou constitucionalmente censurável a atribuição normativa ao Ministério Publico do correspondente direito de ação (sublinhando também a natureza coletiva ou pública dos interesses envolvidos no processo prévio de averiguação oficiosa da paternidade, cf., entre outros, Acórdão 616/98).

Lê-se, a dado passo, no citado aresto:

«(...) neste domínio, não pode deixar de relevar-se que a Constituição, no seu artigo 69.º, estatui que 'as crianças têm direito à proteção da sociedade e do Estado, com vista ao desenvolvimento integral, especialmente contra todas as formas de abandono, de discriminação e de opressão ...' (n.º 1) e que 'o Estado assegura especial proteção às crianças órfãs, abandonadas ou por qualquer forma privadas de um ambiente familiar normal' (n.º 2).

Constituindo o direito ao conhecimento e reconhecimento da maternidade e da paternidade um direito fundamental da pessoa, e, como tal, da criança, não pode o mesmo deixar, desde logo, de integrar o conteúdo da proteção que esta tem o direito de reclamar do Estado e da sociedade.

Enquanto direito que a sociedade e o Estado devem satisfazer, a sua prossecução assume, desde logo, por aí, a natureza de um interesse geral da comunidade política, ou seja, de um interesse público. Mas mais. O conhecimento da maternidade e da paternidade são elementos que não podem deixar de integrar, igualmente, o direito fundamental da criança ao livre desenvolvimento da sua personalidade, não só porque lhe permitem o conhecimento e a vivência da sua historicidade pessoal - o seu lugar, como pessoa única e irrepetível, na história da sucessão de gerações -, com toda a carga de sentimentos e de emoções que estas (...) são suscetíveis de gerar nela, como, também, porque, intervindo na conformação da família, são suscetíveis, dentro de uma ambiente familiar normal, de lhe proporcionar a aquisição de sentimentos de amor, segurança e confiança na realização dos projetos que dia a dia vai formando, de acordo com a sua evolução racional, para o futuro.

Ao considerar a família como elemento fundamental da sociedade (artigo 67.º, n.º 1), 'a Constituição reconhece que o harmonioso desenvolvimento do ser humano não pode ser dissociado das relações estabelecidas na família (cf. Jorge Miranda-Rui Medeiros, Constituição da República Portuguesa, Tomo I, 2005, p. 689), onde se viva um ambiente familiar normal. (...)

A este propósito, escrevem estes autores (op. cit., p. 708) que 'por isso, o Estado, vinculado positivamente pelos direitos fundamentais, tem o dever de proteger a vida, a integridade pessoal, o desenvolvimento da personalidade e outros direitos fundamentais dos filhos'.

Assente que está que corresponde a um interesse público, por encarnar, quer um dever da comunidade político-social, quer um dever do Estado, o direito fundamental ao reconhecimento da maternidade e da paternidade das crianças, não pode, do mesmo passo, deixar de considerar-se que, precisamente em desoneração do dever do Estado, constitucionalmente imposto, a ação judicial tendente a obter esse reconhecimento, por via judicial, possa ser proposta pelo Ministério Público, independentemente da invocação de qualquer poder de representação relativamente ao exercício dos direitos dos menores.»

Também o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 401/11 expressamente sustenta que «não é possível ignorar que a constituição e a determinação integral do vínculo da filiação, abrangendo ambos os progenitores, corresponde a um interesse de ordem pública, a um relevante princípio de organização jurídico-social».

Nele se afirma, a esse propósito, que «[o] dar eficácia jurídica ao vínculo genético da filiação, propiciando a localização perfeita do sujeito na zona mais nuclear do sistema das relações de parentesco, não se repercute apenas na relação pai-filho, tendo projeções externas a essa relação (v.g. em tema de impedimentos matrimoniais). É do interesse da ordem jurídica que o estado pessoal de alguém não esteja amputado desse dado essencial. (...). E importa que esse objetivo seja alcançado o mais rápido possível, numa fase ainda precoce da vida do filho, evitando-se um prolongamento injustificado de uma situação de indefinição na constituição jurídica da relação de filiação. É do interesse público que se estabeleça o mais breve que seja possível a correspondência entre a paternidade biológica e a paternidade jurídica, fazendo funcionar o estatuto jurídico da filiação com todos os seus efeitos, duma forma estável e que acompanhe durante o maior tempo possível a vida dos seus sujeitos».

Aplicando, ao caso concreto, esse plano de análise, é, pois, possível concluir que o Ministério Público, nas ações de investigação de paternidade subsequentes à averiguação oficiosa da paternidade, age enquanto representante do Estado, em defesa de um interesse público (cf. artigo 219.º, n.º 1, primeira parte, da Constituição, e artigos 1.º e 3.º, alínea a), do Estatuto do Ministério Público, aprovado pela Lei 47/86, de 15 de outubro), não como representante ou curador do menor, na defesa do seu direito subjetivo ao conhecimento e reconhecimento da paternidade biológica.

Ora, se assim é, como decorre da análise do regime jurídico aplicável e do entendimento que o Tribunal Constitucional dele tem feito, afigura-se claramente infundada a conclusão de que o prazo de caducidade previsto no artigo 1866.º, alínea b), do CC, para essa categoria de ações, viola o direito à identidade pessoal, na vertente do direito ao conhecimento e reconhecimento da paternidade biológica, consagrado no artigo 26.º, n.º 1, da Constituição, como desajustada a invocação das divergências jurisprudenciais, no seio do próprio Tribunal Constitucional, a respeito da caducidade das ações de investigação de paternidade previstas no artigo 1869.º do CC.

Com efeito, nos presentes autos, discute-se um prazo de caducidade previsto para o exercício do direito de ação de reconhecimento da paternidade biológica que a lei, pelas invocadas razões de interesse público, legitimamente reconhece ao Estado (artigo 1865.º, n.º 5, do CC). O seu transcurso apenas determina a extinção, por caducidade, do autónomo direito de ação do Ministério Público e não, como é evidente, a extinção do direito que, nos termos do artigo 1869.º do CC assiste ao próprio filho de intentar a competente ação de investigação de paternidade, para defesa dos seus direitos subjetivos jus-fundamentais, no prazo alargado previsto na atual redação do n.º 1 do artigo 1817.º do CC, que o Tribunal Constitucional, pelo Acórdão 401/11, não julgou, aliás, inconstitucional.

Por outro lado, se é certo que o direito à proteção que a Constituição reconhece às crianças integra, no seu conteúdo normativo, todos os seus direitos fundamentais, entre eles, o próprio direito ao conhecimento e ao reconhecimento da paternidade biológica, impondo ao Estado a adoção de medidas legislativas e administrativas que os assegurem, tal proteção não pode ir ao ponto de exigir por parte do Estado uma intervenção sem quaisquer limites temporais, que se substitua à vontade dos cidadãos no exercício dos direitos de que são titulares.

Como é sabido, trata-se de um domínio normativo que implica com direitos fundamentais conflituantes, como o direito à reserva da intimidade da vida familiar, e interfere com áreas de ponderação e opção estritamente individuais, de que o Estado, de acordo com o respetivo padrão constitucional de ação, na sua relação com os cidadãos, se não pode apropriar. Por isso, a lei condiciona o exercício do direito de ação do Ministério Publico, no que respeita às ações de reconhecimento da paternidade, em desvio do regime geral (que é o da citação direta), a um controlo judicial prévio tendente a obstar que, num domínio particularmente sensível como este, o Estado instaure ações temerárias ou sem qualquer fundamento (sublinhando este aspeto, cf. Acórdão 616/98).

Também a esta luz se deverá perspetivar o prazo de caducidade, fixado em dois anos após o nascimento da criança, a que a lei sujeita o exercício do direito de ação do Ministério Público, nestas ações, que é só mais um especto do seu regime adjetivo que evidencia, não apenas o propósito legal de conferir ao processo de averiguação oficiosa da paternidade um caráter expedito, como também a preocupação do legislador em traçar limites materiais de intervenção oficiosa do Estado no estabelecimento da filiação, que é matéria que não deixa de integrar o círculo mais íntimo e vital da esfera subjetiva dos cidadãos envolvidos.

Finalmente, não estando em jogo o direito de ação de investigação da paternidade do filho, mas o direito de ação de investigação de paternidade do Estado, representado pelo Ministério Público, também não valem aqui as razões determinantes do juízo de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, que a norma do artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil, na redação introduzida pelo Decreto-Lei 496/77, de 25 de novembro, mereceu, ao prever a extinção do direito de investigar a paternidade dois anos após a maioridade ou emancipação do investigante (acórdão 23/2006), nem são aqui sequer aplicáveis as reservas constitucionais que a consagração de prazos de caducidade para o exercício do direito ao conhecimento e reconhecimento da paternidade biológica suscitou no seio do Tribunal Constitucional, como o demonstram as várias declarações de voto apostas no citado Acórdão 401/11, e ainda suscita no seio da jurisprudência dos tribunais comuns (cf., entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 14 de janeiro de 2014, proferido no processo 155/12.1TBVLC-a.p1.s1, disponível em www.dgsi.pt).

III - Decisão

Termos em que se decide:

a) Não julgar inconstitucional a norma constante do artigo 1866.º, alínea b), do Código Civil, na medida em que prevê um prazo de caducidade de dois anos, após o nascimento da criança, para poder ser intentada pelo Ministério Público uma ação de investigação da paternidade.

b) Conceder provimento ao recurso e determinar a reforma do acórdão recorrido em conformidade com o juízo relativo à questão de constitucionalidade.

Sem custas.

Lisboa, 26 de novembro de 2015. - Carlos Fernandes Cadilha - Catarina Sarmento e Castro (com declaração) - Maria José Rangel de Mesquita - Lino Rodrigues Ribeiro - Maria Lúcia Amaral.

Declaração de voto

Acompanhei a decisão e a fundamentação do presente acórdão, no qual não se julgou inconstitucional a norma constante do artigo 1866.º, alínea b), do Código Civil, na medida em que prevê um prazo de caducidade de dois anos, após o nascimento da criança, para poder ser intentada pelo Ministério Público uma ação de investigação da paternidade. Fi-lo por considerar que esta situação, em que está em causa o direito de ação de investigação de paternidade do Estado, representado pelo Ministério Público, se afasta de outras já decididas pelo Tribunal, em que considerei estarem em causa direitos de personalidade especialmente relevantes cuja proteção determinou, então, o sentido do meu voto, havendo considerado inconstitucional a limitação temporal ao exercício da ação de investigação da paternidade pelo filho investigante (veja-se, por exemplo, a declaração de voto aposta ao Acórdão 401/2011, no qual fiquei vencida). No presente caso não valem as razões que ali entendi serem objeto de especial proteção constitucional, já que agora está em causa um limite ao poder do Ministério Público, que age em defesa do interesse público, e que esta limitação não contende com o poder autónomo de investigação concedido ao filho na defesa do seu direito à identidade pessoal, ao conhecimento da proveniência biológica (ainda que, a meu ver, este seja inconstitucionalmente cerceado do ponto de vista temporal, como resulta das minhas posições em anteriores Acórdãos acerca dos prazos de caducidade). - Catarina Sarmento e Castro.

209205078

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/2370651.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1977-11-25 - Decreto-Lei 496/77 - Ministério da Justiça

    Revê o Código Civil aprovado pelo Decreto Lei 47344, de 25 de Novembro, nos domínios, e quanto à parte geral, do direito internacional privado, fixação da maioridade, regime do domicílio legal dos menores e aquisição da personalidade jurídica das associações. Revê ainda, no direito da família, a disciplina do casamento (e do divórcio), da filiação, da adopção e dos alimentos e, no direito sucessório, a posição do cônjuge sobrevivo.

  • Tem documento Em vigor 1986-10-15 - Lei 47/86 - Assembleia da República

    Aprova a orgânica do Ministério Público.

  • Tem documento Em vigor 2006-02-08 - Acórdão 23/2006 - Tribunal Constitucional

    Declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do n.º 1 do artigo 1817.º do Código Civil, aplicável por força do artigo 1873.º do mesmo Código, na medida em que prevê, para a caducidade do direito de investigar a paternidade, um prazo de dois anos a partir da maioridade do investigante.

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NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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