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Acórdão 611/2005/T, de 28 de Dezembro

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Texto do documento

Acórdão 611/2005/T. Const. - Processo 997/2004. - Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

A - Relatório. - 1 - Manuel de Sequeira Lopes Gallego recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão, do despacho proferido pelo presidente da Relação do Porto, de 6 de Julho de 2004, que lhe indeferiu a reclamação, deduzida nos termos do artigo 405.º do Código de Processo Penal (CPP), contra despacho do Tribunal de Instrução Criminal do Porto que não lhe admitiu o recurso interposto de decisão que indeferiu a produção de prova oferecida no requerimento de abertura de instrução.

2 - No processo 3127/00.5JAPRT (instrução 197/03, 3.º, A), pendente no referido Tribunal de Instrução Criminal, em que figura, entre outros, como arguido, o ora recorrente requereu a abertura de instrução, pedindo a inquirição como testemunhas de diversas pessoas e a notificação de diversas entidades para estas juntarem aos autos os documentos que referiu.

A juíza de instrução criminal, por despacho de 27 de Outubro de 2003, indeferiu a produção da prova requerida, considerando, em resumo, que a produção de parte da prova testemunhal não era, sequer, legalmente admissível (caso da prova testemunhal traduzida na audição dos co-arguidos), e que, no tocante às demais, se verificava a situação prevista no artigo 291.º, n.º 1, do CPP, por as diligências instrutórias se lhe afigurarem completamente inúteis para a decisão instrutória, servindo apenas para protelar o processo.

3 - Desta decisão, o arguido, ora recorrente, interpôs recurso para a Relação do Porto.

A juíza de instrução criminal não admitiu, porém, esse recurso (despacho de fl. 37), por haver considerado que, face ao disposto no artigo 291.º, n.º 1, do CPP, "apenas da reclamação apresentada ao JIC daquele despacho [referido no preceito] é possível recorrer-se".

4 - Inconformado com este despacho de rejeição do recurso, o ora recorrente reclamou, nos termos do artigo 405.º do CPP, para o presidente da Relação do Porto, suscitando, no respectivo articulado, de entre o mais, a inconstitucionalidade da norma constante do artigo 291.º, n.º 1, segunda parte, do CPP, "na parte em que estatui a irrecorribilidade do despacho que indefere diligências instrutórias requeridas pelo arguido", por violação do disposto no artigo 32.º, n.os 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa.

5 - Esta reclamação bem como a inconstitucionalidade nela suscitada foram desatendidas pelo despacho ora recorrido, que se fundamentou nas seguintes considerações:

"Segundo o artigo 399.º do CPP, "é permitido recorrer [...] dos despachos cuja irrecorribilidade não estiver prevista na lei". O que não é mais do que uma explanação do princípio constitucional do duplo grau de jurisdição. Este, na verdade, decorre de preceitos vários da Constituição da República Portuguesa, de entre outros: artigo 20.º ("a todos é assegurado o acesso ao direito"; artigo 32.º, n.º 1 ("assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso"); artigo 32.º, n.º 5 ("tem estrutura acusatória [...] e os actos instrutórios subordinados ao princípio do contraditório"); artigo 209.º, n.º 1, alínea a) ("existem [...] tribunais judiciais de 1.ª e de 2.ª instância").

Daí que, quando surge uma norma que restringe princípios gerais, deve atentar-se nesse segmento por forma a retirarem-se as respectivas ilações. Porém, uma delas, precisamente, quando estamos perante uma excepção e porque é excepção, não a devemos destruir e, muito menos, conferir-lhe interpretações de vertente extensiva. Daí que se imponha a sua aplicação só em circunstâncias muito especiais.

Sendo a regra não haver recurso do despacho em causa, desde logo, como excepção que é, deve constituir um travão para interpretações "extensivas" e, muito menos, "analógicas". E, sabendo isso, o legislador não consagrou regime especial e até mesmo retirou o regime geral, porque é sua intenção, positivamente, [...] não conceder outro regime, pelo que não pode concluir-se pela existência de uma lacuna da lei.

Quanto a lacunas, face aos argumentos invocados - mas nem se alega a sua existência -, convirá recordar que "lacuna" é a lei não prever a situação e, não a prevendo, não a regula. Ora, como vimos, a situação é perfeitamente vulgar, o legislador previu-a, como veremos.

Se a lei proíbe o recurso do despacho em causa é porque, e na medida em que, aceita que está, efectivamente, cumprido o requisito para a admissão da instrução - "comprovação judicial". Daí que a exigência da admissibilidade de recurso dessa mesma decisão é extravasar o que se consigna no artigo 286.º, n.º 1.

Não são, pois, necessárias interpretações, seja de que índole for, uma vez que só há necessidade de interpretar uma lei quando ela não é clara - e esta é mais do que inequívoca - no sentido, como na letra. O reclamante é que careceu de se sustentar em interpretações para concluir como concluiu. Como, pois, pretender uma tal interpretação [...] extensiva?

E sendo, como é, uma decisão intercalar, na medida em que não constitui uma decisão sobre a verificação real da prática dos factos ilícitos, culpa e pena, por que é que se invoca o direito constitucional do recurso?

Que nem é isso que a Constituição da República Portuguesa consagra in totum, ou seja, que toda e qualquer decisão judicial pode e deve gozar do duplo grau de jurisdição. Designadamente o artigo 32.º, n.º 1.

O CPP regula o regime de recursos e, embora começando por determinar a regra geral da sua admissibilidade, pelo artigo 399.º, o certo é que o mesmo normativo restringe: "cuja irrecorribilidade não estiver prevista na lei".

E tal diploma não mereceu oposição, ao nível das inconstitucionalidades, neste segmento, aquando da sua aprovação geral.

Há opiniões em sentido contrário, sem dúvida, mas em situações muito específicas, e apenas por votos isolados, não maioria - com força, pois, de meras "opiniões".

De facto, o artigo 291.º, n.º 1, dispõe: "O juiz indefere, por despacho irrecorrível, os actos requeridos que não interessarem à instrução ou servirem apenas para protelar o andamento do processo"; e, de imediato, acrescenta, em alternativa: "e pratica ou ordena oficiosamente aqueles que considera úteis, sem prejuízo da possibilidade de reclamação". Goza o juiz de plenos poderes de decisão sobre a conveniência das diligências a realizar. É a uma decisão dessa natureza que a lei retira o duplo grau de jurisdição. Como este é um direito de âmbito geral, só são admissíveis excepções quando a lei for de sentido inequívoco. O que é o caso.

O que se requer tão-pouco pode ser objecto de recurso por força do que se dispõe no artigo 400.º, n.º 1, alínea b): "Não é admissível recurso [...] de decisões que ordenam actos dependentes da livre resolução do tribunal" - no que versa o despacho de indeferimento de provas.

Se se pretende, como o artigo 286.º, n.º 1, faz pretender, que deve haver uma "comprovação judicial da decisão de deduzir acusação", então tal poderia e deveria ocorrer aquando do despacho a proferir ao abrigo do artigo 311.º O que não acontece, tendo sido mesmo eliminada a hipótese de apreciação ao nível de indícios. O legislador acaba, portanto, por dar e retirar. Mas é o legislador quem dá e tira.

Neste sentido, continuamos a entender que a "instrução" é um dos grandes factores do insucesso dos tribunais. E o mais grave é que tudo começa pela concessão da lei, ao estabelecer, como princípio, além do mais, que a "instrução visa a 'comprovação' judicial da decisão de deduzir acusação". Desde logo com a inultrapassável contradição de que quem detém a titularidade da acção penal é o Ministério Público, ou então o assistente. Quando afinal se retiram poderes ao juiz do julgamento, tudo se concedendo para que o 'julgamento' se processe antes e por quem não é o órgão naturalmente consagrado para tal.

No fundo, e com toda a clareza, o que a reclamação pretende é evitar um julgamento. À nossa secretária não param de chegar "reclamações", todas elas à volta da mesma questão e sob o fundamento quase comum: o arguido goza do direito constitucional de não ser julgado a não ser - somos obrigados quase a concluir - quando há a "certeza" de que vai ser condenado. Ora, tal constitui todo um desvirtuamento de todo um sistema adjectivo penal, que consagra o momento adequado para uma tal decisão a "audiência de julgamento".

É aí que fica definido o princípio da "presunção de inocência", valendo a acusação como "acusação", a pronúncia, como "pronúncia", mantendo-se aquele princípio até ao julgamento com plena validade e significado, terminando pela condenação ou mantendo-se, com absoluto vigor, além do que lhe advém da natureza definitiva.

Além de que poderão sobrevir circunstâncias várias que eliminam a necessidade de se interpor recurso - quanto mais não seja a própria absolvição.

Causa perturbações e incómodos? Aceita-se. Todavia, incómodos, não são fundamento de admissão do recurso. Sem dúvida que a lei pretende evitar o julgamento, mas quando está reunido um conjunto fáctico-penal que aponta para uma forte dose de obstar à condenação a final. Não podemos esquecer que o que é verdadeiramente importante, mesmo quando se invoca a presunção de inocência, é [...] uma condenação sem que estejam garantidos todos os direitos de defesa. E [...] condenação ainda não houve.

Não se fale em "honra" e "bom nome": são valores constitucionais, mas com repercussões noutros campos, jamais de um julgamento eventualmente desnecessário. Este até pode traduzir-se num meio de confirmar esse bom nome: alguém é denunciado, constituído arguido, acusado, pronunciado e julgado, e o Tribunal, com toda a pompa e circunstância, "absolve e manda em paz, por se ter provado que não cometeu o crime - para que conste". Alarme social com o julgamento [...] mas afinal agora até se reivindica a quebra do segredo de justiça, mesmo na fase do inquérito?!

Celeridade processual? Também, sem dúvida, que é a causa da opção do legislador. Esta atinge-se, ao contrário do que se alega e reclama, pelo prosseguimento dos autos, nada obstando que as questões suscitadas sejam, de novo, suscitadas em sede de contestação e rol para julgamento.

Na grande maioria dos casos, com a admissão do recurso, a celeridade corre sempre os maiores, se não todos, os riscos.

No caso vertente, o processo já se encontra em plena fase de julgamento, mas ainda aqui andamos por questões interlocutórias.

Economia processual? Quem nos garante que nem vem a ser necessário interpor o recurso? Economia [...] princípio que preocupa o julgador, quando afinal é por de mais esgotado por quem afinal impede o regular processamento. Criou-se o Estado de direito, e toda a razão da sua subsistência visa, em primeira linha, a defesa dos direitos dos [...] lesados. O que se pretende com a interrupção - retrocesso, em boa verdade - é que o procedimento criminal corra o seu curso normal. Portanto, há que conceder "direitos" com as maiores cautelas e reservas.

De nada vale, pois, valorar o princípio da economia processual ao ponto de lhe conferir prioridade, quando todo o diploma é inovador na preferência consagrada à celeridade.

De qualquer maneira, para o Tribunal Constitucional não há ofensa dos direitos constitucionais se alguém for sujeito a julgamento, ainda que, posteriormente, venha a decidir-se a extinção da instância por uma qualquer questão prévia que obste ao conhecimento do mérito da causa crime, porquanto não está constitucionalmente consagrado qualquer direito a não ser submetido a julgamento.

"As garantias de defesa [...]" [...] Reza, expressamente, o acórdão que "não há ofensa [...]", pelo que respondida fica a alegação de que "viola os direitos de defesa".

Medidas de coacção [...] sem dúvida, mas isso são questões meramente acessórias e que até já existem numa fase muito anterior à própria instrução e quando a recolha de prova ainda não teve o acompanhamento jurisdicional.

Se sobrevém uma alteração legislativa em determinado segmento e não há acompanhamento noutro, é apenas porque o legislador assim entendeu, pelo que não pode pretender-se uma alteração das decisões, ainda que ao nível da Constituição da República Portuguesa, a ponto de se exigir agora apagar a legislada irrecorribilidade. Mantenha-se, pois, a "leitura" da Lei 59/98, de 2 de Agosto, nos seus estritos limites que a mesma oferece.

Nem há contradição alguma, nem tão-pouco necessidade de "conjugação" de normas, funcionando cada uma no respectivo segmento concreto: é irrecorrível o despacho que indefere as diligências, como poderia ser admissível recurso se assim entendesse o legislador; como pode também ser irrecorrível o despacho de pronúncia se conforme com a acusação, também como poderia ser recorrível, se fosse essa a opção do legislador. Opções, portanto, sob o prisma de funcionar o regime adjectivo com vista ao seu fim último - o julgamento.

Se, eventualmente, houve omissão de pronúncia, também é absolutamente irrelevante no que versa ao recurso do despacho que indefere diligências. Em processo penal, as nulidades são tratadas em conjunto com a decisão de que a mesma pode enfermar só quando elas ocorrem na sentença - não em fase intercalar. Conforme o que se dispõe no artigo 379.º, n.º 2.

E a "subversão" do regime adjectivo é tal que até agora se pretende que, em sede de reclamação, se admita recurso e se defina o seu momento de subida. Convenhamos [...]

Há que rectificar conceitos, colocando-os na escala dos "direitos", sim, mas que tenham sido concedidos, de facto, pela lei. E, se atentarmos na natureza das regras que regulam o regime dos recursos, não deve considerar-se um direito mas, sim, o que a lei entendeu por mais conveniente para o processo - que não propriamente para as partes.

Os considerandos presentes contribuem para nos assinalar um caminho. E esse é o de que o despacho sobre admissibilidade de diligências é, de facto, irrecorrível. E é-o porque o legislador pretende que, uma vez recolhida a prova, no local, no momento e por quem é o titular do seu regular exercício, deve partir-se para o julgamento. Que irá debruçar-se sobre a "acusação".

A "comprovação judicial" nem deve constituir uma bandeira com a força que se lhe quer atribuir. É que ela vale por si. Como lei adjectiva que é. Não [...] constitucional. Na verdade, não lobrigamos qualquer preceito no diploma constitucional que confira a obrigatoriedade da instrução, ainda que a título de direito, como "comprovação". E - repare-se - bem ao contrário do direito anterior [...] à Revolução de Abril, Aí, sim, havia uma instrução com juiz, havia duas instruções. Obrigatoriamente. Com a querela "provisória" e "definitiva". Mas [...] no CPP de 1929."

6 - Desta decisão o reclamante interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, pedindo a apreciação da "inconstitucionalidade da norma contida no artigo 291.º, n.º 1, segunda parte, do CPP, que determina a irrecorribilidade do despacho de indeferimento de todas as diligências instrutórias requeridas por um arguido".

7 - Alegando sobre o objecto do recurso no Tribunal Constitucional, assim concluiu o recorrente o seu discurso argumentativo:

"1.ª A Lei 59/98, de 2 de Agosto, veio introduzir, na segunda parte do n.º 1 do artigo 291.º do CPP, o vocábulo 'irrecorrível', com referência ao despacho que indefere o requerimento de diligências instrutórias, passando assim este preceito legal a dispor que 'o juiz indefere, por despacho irrecorrível, os actos requeridos que não interessarem à instrução ou servirem apenas para protelar o andamento do processo [...], sem prejuízo da possibilidade de reclamação'.

2.ª A norma prevista actualmente na segunda parte do n.º 1 do artigo 291.º do CPP, na parte em que determina a irrecorribilidade do despacho sub iudice, é inconstitucional, por violar as garantias de defesa do arguido, consagradas constitucionalmente no artigo 32.º, n.os 1 e 2, da Constituição, designadamente o direito ao recurso, o princípio da presunção de inocência do arguido e o direito à não submissão a julgamento sem que tenha havido uma efectiva comprovação judicial da existência de indícios suficientes da prática de um crime.

3.ª Todos os argumentos, acima expostos, que determinam a inconstitucionalidade da norma da segunda parte do n.º 1 do artigo 291.º do CPP, por violação do artigo 32.º, n.os 1 e 2, da Constituição, são potenciados pelo facto de ser também irrecorrível o despacho que pronuncia o arguido nos exactos termos da acusação.

4.ª A recorribilidade do despacho que indeferisse diligências probatórias requeridas pelo arguido foi expressamente considerada, pelo Tribunal Constitucional, como pressuposto essencial da não inconstitucionalidade do artigo 310.º, n.º 1, do CPP, o que bem demonstra a sua importância para o cabal exercício dos direitos de defesa do arguido.

Por todo o exposto, uma correcta ponderação dos interesses constitucionalmente protegidos leva à conclusão da inconstitucionalidade da segunda parte do n.º 1 do artigo 291.º do CPP, por violação do artigo 32.º, n.os 1 e 2, da Constituição, na parte em que estatui a irrecorribilidade do despacho que indefere diligências instrutórias requeridas pelo arguido, pelo que a norma em causa deverá ser declarada inconstitucional."

8 - O procurador-geral-adjunto, no Tribunal Constitucional, contra-alegou e, após apelar para a jurisprudência anterior que citou, concluiu do seguinte jeito:

"1 - O direito ao recurso, incluído nas garantias de defesa do arguido, não implica que todas as decisões proferidas pelo juiz, ao longo de todas as fases do processo penal, sejam recorríveis, podendo a lei delimitar tal direito, quando não estiver em causa a aplicação de medidas coactivas, privativas da liberdade, ou a decisão final condenatória.

2 - Não constitui limitação ou restrição de tal direito ao recurso o regime que se traduz em denegar a possibilidade de recorrer de actos praticados na fase de instrução, nomeadamente quando estiver em causa uma valoração prudencial pelo juiz das provas a produzir ou a avaliação da suficiência dos indícios existentes contra o arguido.

3 - Termos em que deverá improceder o presente recurso."

B - Fundamentação. - 9 - A primeira questão que poderá colocar-se é a de saber se a dimensão normativa do artigo 291.º, n.º 1, segunda parte, do CPP, cuja constitucionalidade o recorrente pretende ver apreciada, foi efectivamente aplicada pela decisão agora recorrida.

E tal dúvida tem sentido na medida em que o despacho da juíza de instrução criminal que rejeitou a interposição de recurso da decisão que indeferiu a realização de diligências probatórias, pedidas no requerimento de instrução pelo arguido, admite, expressamente, que se possa recorrer não dessa decisão mas da reclamação que contra ela seja apresentada, nos termos do mesmo preceito, e o despacho do presidente da Relação do Porto (PRP) conclui, após longa fundamentação, pelo indeferimento da "reclamação [...] apresentada [...], por não ter sido admitido o recurso do despacho de indeferimento de todas as provas oferecidas no requerimento de abertura da instrução".

Poderá, assim, cogitar-se se o despacho de indeferimento do PRP, ao confirmar o decidido anteriormente quanto à não admissão do recurso, não está a aderir, também, à tese expendida no despacho por ele sindicado, de ser admissível recurso não do despacho de indeferimento da realização das provas pedida pelo arguido mas da decisão da reclamação que ele apresente sobre o mesmo despacho.

Considerando, todavia, que a questão de inconstitucionalidade que o ora recorrente lhe colocou, no articulado da reclamação, foi a da inconstitucionalidade da norma constante do artigo 291.º, n.º 1, segunda parte, do CPP, que "determina a irrecorribilidade do despacho que indefere diligências de instrução requeridas pelo arguido, no requerimento de instrução", sem que, aí, se tenha feita qualquer restrição no sentido de que do despacho que indefere diligências instrutórias não cabe recurso imediato, mas antes reclamação, sendo o recurso possível apenas da decisão que a indefira, e que a argumentação em que se abona a decisão agora recorrida não releva, em qualquer sentido, a possibilidade de apresentação de tal reclamação; é de concluir que o despacho do PRP acolheu a interpretação de que do despacho de indeferimento de diligências de instrução nunca cabe recurso, seja imediato seja mediante prévia reclamação para o juiz de instrução criminal.

Temos, assim, de concluir que a norma constitucionalmente sindicada, que foi definida pelo recorrente, corresponde à efectiva ratio decidendi da decisão ora recorrida.

Objecto do recurso de constitucionalidade é, pois, a norma do artigo 291.º, n.º 1, segunda parte, do CPP na interpretação segundo a qual determina a irrecorribilidade do despacho que rejeita, por inutilidade e por servirem apenas para protelar o andamento do processo, a realização de diligências probatórias pedida pelo arguido no requerimento de instrução.

10 - É o seguinte o texto deste preceito na parte que agora interessa:

"O juiz indefere, por despacho irrecorrível, os actos requeridos que não interessarem à instrução ou servirem apenas para protelar o andamento do processo e pratica ou ordena oficiosamente aqueles que considera úteis, sem prejuízo da possibilidade de reclamação."

O Tribunal Constitucional já se pronunciou várias vezes sobre a questão de constitucionalidade desta norma, quer na hipótese de as diligências cuja rejeição rejeitadas serem requeridas pelo arguido (caso, pelo menos, dos Acórdãos n.os 371/2000, 375/2000, 459/2000 e 78/2001, publicados, os três primeiros, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, respectivamente 47.º vol., p. 701, 47.º vol., p. 745, e 48.º vol., p. 317, e o último, disponível em www.tribunalconstitucional.pt, tendo-se este louvado nos argumentos aduzidos nos anteriores) quer na hipótese de essas diligências serem requeridas pelo assistente (Acórdãos n.os 176/2002 e 464/2003, publicados no Diário da República, 2.ª série, de 7 de Junho de 2002 e de 5 de Janeiro de 2004).

A dimensão normativa que constitui objecto do recurso corresponde à que foi confrontada com a lei fundamental naqueles primeiros arestos. Também aqui está sob censura constitucional o entendimento normativo segundo o qual, nos termos do artigo 291.º, n.º 1, do CPP, não é admissível recurso do despacho do juiz de instrução que, por inutilidade e por apenas servir para protelar o andamento do processo, rejeita a realização de diligências probatórias requeridas pelo arguido, no requerimento de instrução.

Ora, sobre essa questão de constitucionalidade, afirmou-se, inter alia, o seguinte no Acórdão 371/2000:

"Especificamente acerca do confronto entre a norma então objecto de recurso com o artigo 20.º, n.º 1, da Constituição, bem como com o direito ao recurso e a um duplo grau de jurisdição, remeteu-se então para a doutrina do Acórdão 265/94 (Diário da República, 2.ª série, de 19 de Julho de 1994), na parte em que se referira:

"A Constituição da República não estabelece em nenhuma das suas normas a garantia de existência de um duplo grau de jurisdição para todos os processos das diferentes espécies.

É certo que a Constituição garante a todos o 'acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legítimos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos' (artigo 20.º, n.º 1), e, em matéria penal, afirma que 'o processo criminal assegurará todas as garantias de defesa' (artigo 32.º, n.º 1). Destas normas, porém, não retira a jurisprudência do Tribunal Constitucional a regra de que há-de ser assegurado o duplo grau de jurisdição quanto a todas as decisões proferidas em processo penal.

A garantia do duplo grau de jurisdição existe quanto às decisões penais condenatórias e ainda quanto às decisões penais respeitantes à situação do arguido face à privação ou à restrição da liberdade ou de quaisquer outros direitos fundamentais.

Sendo embora a faculdade de recorrer em processo penal uma tradução da expressão do direito de defesa (veja-se, nesse sentido, o Acórdão 8/87 do Tribunal Constitucional, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 9.º vol., p. 235), a verdade é que, como se escreveu no Acórdão 31/87 do mesmo Tribunal, 'se há-de admitir que essa faculdade de recorrer seja restringida ou limitada em certas fases do processo e que, relativamente a certos actos do juiz, possa mesmo não existir, desde que, dessa forma, se não atinja o conteúdo essencial dessa mesma faculdade, ou seja, o direito de defesa do arguido'."

Sobre a questionada regra da irrecorribilidade, quando confrontada com o "princípio da plenitude das garantias de defesa", recordou-se o afirmado no Acórdão 610/96 (Diário da República, 2.ª série, de 6 de Julho de 1996), em que se escrevera:

"[...] o que se questiona no presente recurso é se o desígnio de celeridade, que é consagrado constitucionalmente, legitima a irrecorribilidade de certas decisões instrutórias: justamente os despachos de pronúncia que não alteram os factos constantes da acusação do Ministério Público. E a resposta a esta questão indica que a celeridade não só é compatível com as garantias de defesa, podendo coincidir com os fins de presunção de inocência, como é instrumental dos valores últimos do processo penal - a descoberta da verdade e a justa decisão da causa -, próprios de um Estado democrático de direito.

[...]

Apenas é irrecorrível, portanto, a decisão instrutória que pronunciar o arguido pelos factos constantes da acusação do Ministério Público.

Ora, este regime especial não é arbitrário, encontrando fundamento na existência de indícios comprovados, de modo coincidente, em duas fases do processo: pelo Ministério Público, dominus do inquérito, e pelo juiz de instrução. E o Ministério Público é configurado constitucionalmente como uma magistratura autónoma (artigo 221.º, n.º 2, da Constituição), sendo concebido, no processo penal, como um sujeito isento e objectivo que pode, nomeadamente, determinar o arquivamento do inquérito em caso de dispensa da pena, propugnar, findo o julgamento, a absolvição do arguido e interpor recurso da decisão condenatória em exclusivo benefício do arguido [...]

Acrescentou-se, ainda:

A lei assegura, como lhe compete para dar cumprimento aos objectivos constitucionais, que o arguido tenha a possibilidade de recorrer de uma decisão condenatória. Multiplicar as possibilidades de recurso ao longo do processo seria comprometer outro imperativo constitucional: o da celeridade na resolução dos processos crime (artigo 32.º, n.º 2, in fine, da Constituição da República Portuguesa). Ou seja, entre assegurar sempre o duplo grau de jurisdição, arrastando interminavelmente o processo, e permitir apenas o recurso das decisões condenatórias, permitindo uma melhor fluência do processo, o legislador optou decididamente pela segunda via.

Esta opção foi, aliás, confirmada pela revisão constitucional de 1997, que aditou ao n.º 1 do artigo 32.º o segmento 'incluindo o recurso'. Como se escreveu no Acórdão 101/98 (inédito) deste Tribunal, a intenção do legislador constituinte não foi 'significar que haveria de ser consagrada, sob pena de inconstitucionalidade, a recorribilidade de todas as decisões jurisdicionais proferidas em processo criminal, mas sim que do elenco das garantias de defesa que tal processo há-de assegurar se contará a possibilidade de impugnação das decisões judiciais de conteúdo condenatório, na esteira do que já era entendido pela jurisprudência deste órgão de fiscalização' (veja-se também, no mesmo sentido, o Acórdão 299/98, inédito). O arguido pode sempre, pois, recorrer da decisão condenatória que lhe seja dirigida, e aí contestar todos os vícios que derivem de uma má apreciação de qualquer questão interlocutória.

E, assim, concluiu-se que 'a irrecorribilidade da parte do despacho de pronúncia que decide questões prévias ou incidentais não é contrária à Constituição da República Portuguesa'.

6 - Pois bem: os argumentos então aduzidos, que mantêm inteira validade, são inteiramente transponíveis para a questão de constitucionalidade que agora nos ocupa, conduzindo igualmente a um juízo de não inconstitucionalidade da norma ora objecto de recurso."

Por seu lado, escreveu-se no Acórdão 375/2000:

"A instrução não constitui uma fase de obrigatória verificação, antes é colocada na disponibilidade do arguido ou do assistente, com vista à 'comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento', conforme se prescreve no n.º 1 do artigo 286.º É essa a sua vocação e [...] não constitui julgamento prévio da causa.

Ao requerer a instrução, poderá o arguido indicar os actos que pretende que sejam levados a cabo, os meios de prova que não tenham sido considerados no inquérito e os factos que através de uns e outros se espera provar, como resulta do n.º 2 do artigo 287.º, que mais acrescenta não poderem ser indicadas mais de 20 testemunhas. O momento culminante desta fase, ao qual se preordenam as diligências a fazer, é o debate instrutório - cuja realização foi determinada no caso concreto -, pois que com ele se visa 'permitir uma discussão perante o juiz, por forma oral e contraditória, sobre se, do decurso do inquérito e da instrução, resultam indícios de facto e elementos de direito suficientes para justificar a submissão do arguido a julgamento' (artigo 299.º, n.º 1). Com certeza que o arguido poderá em resultado desse debate obter satisfação da sua possível pretensão de não ser submetido a julgamento, mas do debate, quando dele não resulta a dispensa de julgamento, não pode derivar decisão condenatória nem o despacho de pronúncia tem efeito condenatório.

4 - Não se nega que os actos de instrução, requeridos pelo arguido, constituam uma garantia de defesa do mesmo, pois poderão condicionar a própria realização do julgamento.

Acusado o agente do crime, a instrução surge como meio colocado ao seu dispor para infirmar a acusação que sobre ele impende e, assim, para, pelo menos em alguma medida que venha a ser-lhe favorável, contribuir de forma imediata para o sentido do despacho de pronúncia ou, mais relevantemente para ele, de não pronúncia, que a final haverá de ser proferido pelo juiz.

Mas, mesmo neste plano, 'a Constituição não estabelece qualquer direito dos cidadãos a não serem submetidos a julgamento sem que previamente tenha havido uma completa e exaustiva verificação de existência das razões que indiciem a sua presumível condenação. O que a Constituição determina no n.º 2 do artigo 32.º é que todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação' (cf. o Acórdão 474/94, publicado in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 28.º vol., p. 402, transcrevendo o Acórdão 31/87, publicado in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 9.º vol.).

As coisas são assim, considerada a posição do arguido. Vistas as coisas na perspectiva da ordenação funcional do processo, se não for requerida a instrução - uma vez que esta é facultativa (n.º 2 do artigo 286.º) -, o processo é submetido ao juiz para o exclusivo efeito do artigo 311.º do CPP. A instrução não elimina a necessidade de uma decisão do juiz, antes a difere no tempo para entretanto permitir inserir na marcha da tramitação elementos de contraditório sobre se se justifica a submissão do arguido a julgamento (cf. o artigo 298.º).

Nesta perspectiva, a instrução não perde a natureza de fase preparatória de um acto decisivo na estrutura do processo que aprecia os indícios de facto e os elementos de direito até então reunidos do ponto de vista da sua suficiência para neles se fundar um julgamento. É essa a sua destinação principal, e é por isso que, embora seja facultativa, por depender da iniciativa das partes, uma vez decidida a sua abertura, também nela o próprio juiz poderá praticar ou ordenar oficiosamente actos que considerar úteis (n.º 1 do artigo 291.º, já transcrito, bem como o artigo 299.º).

5 - O intérprete inserido no espírito do sistema terá de concluir que a finalidade principal não deverá ser prejudicada por meios postos ao dispor do arguido que este, legitimamente, operará com vista a defender-se da acusação. A opção legislativa não merecerá porém censura se às garantias de defesa de que o arguido pode lançar mão, relacionadas com a contradita e demonstração da insubsistência da prova ou da inaplicabilidade das disposições incriminatórias, estiver assegurada a efectivação no desenvolvimento do processo. Nomeadamente, é legítimo ao legislador reservar para a efectivação de certas garantias a instância ou fase processual que julgar adequada e entender que essa é a fase de julgamento. A razão é simples: só verdadeiramente nesta fase terminal é que o arguido se vê confrontado directamente com a eventualidade de contra ele ser decidida uma condenação.

Assim sendo, os actos de instrução inserem-se em uma cadeia de momentos todos eles encaminhados para a decisão final, que, uma vez obtida, apaga a autonomia relativa de cada um dos actos e momentos antecedentes. Cada fase desempenha uma determinada função, que aproveita, complementa, aperfeiçoa e corrige, quando necessário, o que anteriormente foi sendo carreado para o processo, e a decisão final acaba por consumir, no seu sentido último, que é a absolvição ou a condenação, todos os elementos que para ela relevaram. Precisamente porque assim é, a fase do julgamento é aquela em que a defesa do arguido requer o mais elevado grau de garantias, para além do respectivo núcleo essencial, e, nomeadamente, nos termos da jurisprudência do Tribunal, o 'direito de recorrer da sentença condenatória e dos actos judiciais que privem ou restrinjam a liberdade do arguido ou afectem outros direitos fundamentais seus' (cf. o Acórdão 474/94, cit., ibidem, p. 400).

No caso, a norma em apreciação não incorre em vício por violação do artigo 32.º da Constituição, nem nela se encontra uma restrição do conteúdo essencial das garantias de defesa do arguido, situadas, atendendo ao perfil do caso concreto e ao que vem alegado, no asseguramento do princípio do contraditório (n.º 5 do artigo 32.º). Essas garantias, de conteúdo imediatamente processual, impõe-se que sejam perspectivadas na unidade funcional do processo, e não necessariamente em cada fase separada daquela ou daquelas que se lhe poderão seguir. Na procura de uma solução em que à partida surge afastada a conversão da instrução em antecipação de julgamento, o legislador ponderou em termos adequados a utilização de meios de defesa pelo arguido, não procedendo sequer a uma sua restrição em sentido próprio, antes, limitando-os no quid plus que os mesmos constituem, se se tiver presente qual a vocação própria da instrução.

[...] o indeferimento da inquirição de testemunhas não foi, como também não o é no plano da lei adjectiva, óbice à determinação da marcação de debate instrutório, que não pode entender-se que se torna inútil apenas por ter sido rejeitada a audição de testemunhas. Não sendo antecipação do julgamento, será incongruente transpor para ele, na íntegra, o regime aplicável à produção da prova na fase final. E não será legítimo desvalorizar o debate, por definição de estrutura contraditória, como meio de defesa por si só, realizado como o é sob a direcção (artigo 301.º do Código) e na presença do juiz, com a presença e a participação das partes, as quais, no seu decurso, poderão inclusivamente requerer à produção de provas indiciárias suplementares que se proponham apresentar, durante o debate, sobre questões concretas controversas' (n.º 2 do artigo 202.º). Aí se dá tradução à exigência contida no n.º 5 do artigo 32.º da Constituição.

Acresce que o legislador condiciona a aplicação da norma constante do artigo 291.º, n.º 1, do Código, sempre exigindo ao juiz a verificação de que os actos requeridos não interessam à instrução ou servem apenas para protelar o andamento do processo. Por outro lado, admite a reconsideração da decisão tomada, por via de reclamação a apresentar pelo requerente.

Na opção legislativa, a ponderação realizada pelo legislador entre a posição do arguido e a exigência de consideração do processo como unidade funcional por si só pode justificar a solução encontrada. Nesta perspectiva, esta solução situa-se na mesma linha da irrecorribilidade do despacho de pronúncia que acolhe os termos da acusação do Ministério Público. Por outro lado, é aqui relevante o princípio constitucional da celeridade do processo (artigo 20.º, n.º 4, da Constituição), o qual exige que se evite que o andamento do processo seja protelado 'por constantes envios do processo à 2.ª instância para apreciação de decisões interlocutórias' (acórdão citado, ibidem, p. 401).

A Constituição, relativamente à instrução, institui uma garantia em sentido próprio, visando dar ao arguido, em conformidade com a estrutura acusatória do processo, a possibilidade de infirmar a prova com base na qual poderá ser acusado, em concreto, estabelecendo que os actos instrutórios que a lei determinar estarão subordinados ao princípio do contraditório (artigo 32.º, n.º 5). Tal comando constitucional não chegou a ser posto em crise pelo direito aplicado na decisão sob recurso.

Das considerações que antecedem, centradas nos aspectos nucleares da problemática suscitada, resultam elementos que permitem concluir, sem necessidade de aprofundamentos significativos, pela improcedência da arguição de vícios por violação de outras normas da Constituição.

Com efeito, não ocorre violação dos artigos 20.º, n.º 1, 209.º, n.º 1, alínea a), e 210.º, n.º 1, da Constituição. Em termos gerais, o direito de acesso aos tribunais está, no caso, garantido pelo direito ao recurso da decisão final ,na qual se poderão projectar insuficiências de elementos de prova, que constituirão fundamentos de recurso dessa decisão.

Da Constituição não se retira a plena recorribilidade de todos os actos praticados pelo juiz ao longo do processo penal, ainda que sejam susceptíveis de afectar o arguido. A jurisprudência do Tribunal apenas reconhece a aplicabilidade do princípio de recorribilidade às decisões condenatórias e àquelas que impliquem privação ou restrições da liberdade ou de outros direitos fundamentais do arguido.

Por isso, o Tribunal não julgou inconstitucionais normas processuais penais que denegam a possibilidade de o arguido impugnar determinados despachos interlocutórios do juiz, que se limitam a fazer prosseguir o processo (v. o Acórdão 353/91, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 19.º vol., de entre outros), e, como refere o Ministério Público, também não julgou inconstitucional a norma do artigo 310.º, n.º 1, do CPP, que considera insusceptível de recurso a decisão instrutória que haja pronunciado o arguido pelos factos constantes da acusação pública (v. o Acórdão 266/98, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 11 de Julho de 1998).

Assim, não consentindo a lei que o despacho, que em sede de instrução indefere a realização de diligências requeridas, seja arbitrário ou discricionário, devendo antes ser fundamentado num juízo que tenta obviar à utilização de expedientes dilatórios através da prática de acto sem interesse para a instrução e para a descoberta da verdade material, não é inconstitucional a norma que prevê a irrecorribilidade de tal despacho, pois as garantias de defesa do arguido não impõem, como se referiu, a recorribilidade de todas as decisões do juiz mas tão-somente das decisões condenatórias e das respeitantes à privação da liberdade e outros direitos fundamentais."

E no Acórdão 459/2000 disse-se ainda:

"Obrigatório e importante na dita fase da instrução é o debate instrutório, oral e contraditório, que visa permitir uma discussão perante o juiz 'sobre se, do decurso do inquérito e da instrução, resultam indícios de facto e elementos de direito suficientes para justificar a submissão do arguido a julgamento' (artigos 289.º, n.º 1, e 298.º), sendo ele regulado com a minúcia nos artigos 297.º a 305.º (culminando, após o seu encerramento, com o despacho de pronúncia ou não pronúncia - artigo 307.º ), o que não se sabe se teve já lugar no presente caso e com que resultado).

Quer a instrução requerida pelo arguido e reduzida a auto, 'ao qual são juntos os requerimentos apresentados pela acusação e pela defesa nesta fase, bem como quaisquer documentos relevantes para apreciação da causa' (artigo 296.º), quer o debate instrutório obrigatoriamente realizado não são o julgamento da causa, são antes uma antecâmara do julgamento, se for o caso de ele ter de efectuar-se, havendo 'indícios de facto e elementos de direito suficientes para justificar a submissão do arguido a julgamento'. Aliás, o arguido pode mesmo obter a satisfação do seu interesse em não ser submetido a julgamento, se se chegar a um despacho de não pronúncia, após o encerramento do debate instrutório (e também não se sabe se tal resultado foi aqui alcançado).

6 - É inquestionável que os actos de instrução requeridos pelo arguido, na medida em que podem reflectir-se na sequência processual instrução-julgamento, conduzindo até, na melhor das hipóteses, a um despacho de não pronúncia, são momentos relevantes para garantir a defesa do arguido. Havendo acusação deduzida contra ele, os actos de instrução podem infirmar a acusação ou enfraquecê-la, de modo que o arguido venha a confiar na prolação de um despacho de não pronúncia ou então na futura absolvição na fase de julgamento, se vier a ser, mesmo assim, pronunciado.

Nesta óptica, o Tribunal Constitucional teve já oportunidade de dizer, no Acórdão 474/94, in Acórdãos..., cit., 28.º vol., p. 402, que a Constituição não estabelece qualquer direito dos cidadãos a não serem submetidos a julgamento sem que previamente tenha havido uma completa e exaustiva verificação de existência de razões que indiciem a sua presumível condenação. O que a Constituição determina, no n.º 2 do artigo 32.º, é que 'todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, pelo que o simples facto de se ser submetido a julgamento não pode constituir, só por si, no nosso ordenamento jurídico, um atentado ao bom nome e reputação' (cf., ainda, o Acórdão 54/2000, inédito).

Só que, face àquele desenho do ritualismo processual criminal, a opção legislativa da natureza irrecorrível do despacho previsto na norma questionada do n.º 1 do artigo 291.º não pode nunca brigar com as garantias de defesa de que o arguido pode lançar mão, relacionadas com a contradita e demonstração da insubsistência da prova ou da inaplicabilidade das disposições incriminatórias.

Com efeito, a instrução, quando requerida, nos termos expostos, não deixa de ser uma fase preparatória na estrutura do processo, podendo nela o juiz praticar ou ordenar oficiosamente actos que considere úteis (o mesmo n.º 1 do artigo 291.º). A instrução é, assim, uma fase processual que não visa propriamente um complemento [do inquérito], antes visa a comprovação pelo juiz do acto acusatório, em ordem a submeter ou não a causa a julgamento. Integra, além dos actos que o juiz considera úteis e pertinentes, uma fase obrigatória - o debate instrutório - com a finalidade específica de apurar se do decurso do inquérito e da instrução 'resultam indícios de acto e elementos de direito suficientes para justificar a submissão do arguido ao julgamento' (artigo 298.º).

Esse debate está pensado pelo legislador em termos de permitir, sob o signo dos princípios dispositivo e do contraditório, e também inquisitório, uma ampla produção de prova, com a prática de todos os actos de instrução - e até novos actos de instrução - que permitam apurar os tais indícios de facto e elementos de direito, estando sempre presente o 'interesse para a descoberta da verdade' (n.º 1 do artigo 299.º). E não resulta do Código a proibição de se realizarem, no decurso do debate, os actos de instrução que foram requeridos na fase facultativa e o juiz indeferiu por despacho.

Sendo isto assim, e porque, no rigor das coisas, é a fase do julgamento aquela em que a defesa do arguido implica maiores garantias, incluindo o 'direito de recorrer da sentença condenatória e dos actos judiciais que privem ou restrinjam a liberdade do arguido ou afectem outros direitos fundamentais seus' (cit. Acórdão 474/94, p. 400) - e a sua plena operatividade, já que é aí que o arguido se vê confrontado directamente com a eventualidade de uma condenação -, tem de concluir-se que a norma questionada, eliminando a via de recurso, não incorre na violação dos artigos 20.º, 29.º e 32.º da Constituição (manifestada, segundo o recorrente, 'na impossibilidade de o recorrente requerer diligência probatória relevante para a causa'). Pois que, verdadeiramente, essa impossibilidade não chega a manifestar-se, na medida em que na fase do debate instrutório pode efectivar-se essa mesma diligência probatória (e nem sequer há nos autos elementos para constatar se isso se verificou ou não).

Além de que a Constituição não consagra um princípio de plena recorribilidade de todos os actos praticados pelo juiz ao longo do processo criminal, 'apenas se devendo considerar consagrada tal garantia quanto às decisões condenatórias e às respeitantes à situação do arguido face à privação ou restrição de liberdade ou outros direitos fundamentais' (para usar a linguagem do Ministério Público).

E compreende-se, aliás, face ao que acaba de se expor, que a Constituição não exija a reapreciação, por via de um recurso, da decisão do juiz sobre os actos de instrução que considerou inúteis ou impertinentes.

Por isso, o Tribunal Constitucional não julgou inconstitucionais normas processuais penais que denegam a possibilidade de o arguido impugnar certos despachos interlocutórios do juiz, que se limitam a fazer prosseguir o processo (cf., de entre outros, o Acórdão 353/91, in Acórdãos..., cit., 19.º vol.), e também não julgou inconstitucional a norma do artigo 310.º, n.º 1, do citado Código sobre a decisão instrutória que 'pronunciar o arguido pelos factos constantes da acusação do Ministério Público' (cf. o Acórdão 266/98, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 11 de Julho de 1998).

7 - Também não se vê onde possa estar a invocada violação dos artigos 205.º, n.º 2, e 208.º, n.º 1, da Constituição, na versão anterior à última revisão constitucional de 1997, e traduzida no essencial, segundo o recorrente, 'na atribuição ao juiz de um poder discricionário, escapando à exigência de fundamentação, pois não assume tal configuração o despacho previsto no artigo 291.º, n.º 1, desde logo porque não é um acto equiparável a um despacho de mero expediente, este, sim, de livre e total discricionariedade, como se prevê no artigo 400.º, n.º 1, alínea b), do CPP' (cf. os artigos 156.º, n.º 4, e 679.º do Código de Processo Civil, aquele contendo a definição).

Depois porque o poder-dever conferido ao juiz para proferir o indeferimento está balizado pelo limite do 'apuramento da verdade' e pela consideração de 'os actos requeridos não interessarem à instrução ou servirem apenas para protelar o andamento do processo'.

Não é só um 'prudente arbítrio do julgador', de que fala o citado n.º 4 do artigo 156.º, mas ainda e essencialmente, como regista o Ministério Público, 'nos termos e dentro dos limites da lei, de um juízo prudencial, traduzido na densificação e na concretização de cláusulas gerais e conceitos indeterminados, em harmonia com o fim e a função do processo (nomeadamente a tutela dos valores da celeridade e da realização da verdade e da justiça materiais)', sendo que o juiz, com a liberdade própria para aceitar ou rejeitar diligências probatórias, tem de indicar minimamente os motivos da decisão, como se constata no presente caso."

11 - Não se vê que esta panóplia de argumentos não continue a manter a validade no caso dos autos, pelo que novamente se reafirmam.

De resto, a bondade do entendimento expendido tem hoje uma consistência acrescida, perante a jurisprudência firmada nos Acórdãos n.os 6/2000 e 7/2004, de fixação de jurisprudência, do Supremo Tribunal de Justiça, publicados no Diário da República, 1.ª série-A, respectivamente de 7 de Março de 2000 e de 2 de Dezembro de 2004, interpretando o direito processual penal infraconstitucional.

Na verdade, o primeiro acórdão fixou jurisprudência no sentido de que "a decisão instrutória que pronunciar o arguido pelos factos constantes da acusação do Ministério Público é recorrível na parte respeitante à matéria relativa às nulidades arguidas no decurso do inquérito ou da instrução e às demais questões prévias e incidentais".

E no segundo estabeleceu-se a jurisprudência de que "sobe imediatamente o recurso da parte da decisão instrutória respeitante às nulidades arguidas no decurso do inquérito ou da instrução e às demais questões prévias ou incidentais, mesmo que o arguido seja pronunciado pelos factos constantes da acusação do Ministério Público".

Sendo assim, a irrecorribilidade do despacho de juiz de instrução que rejeita a realização das diligências probatórias, por as ter por inúteis ou por servirem para protelar apenas o processo - e independentemente de, no debate instrutório, tal realização poder vir, eventualmente, a ser considerada necessária e deferida -, não arreda a possibilidade de ser interposto recurso da decisão instrutória que pronunciar o arguido pelos factos constantes da acusação do Ministério Público com fundamento nas nulidades arguidas no decurso do inquérito (ou no debate instrutório) em cuja categoria a falta de realização das diligências cuja realização foi rejeitada se poderá incluir e, mais, de esse recurso subir, até, imediatamente.

Anote-se, a este respeito, que este Tribunal Constitucional se pronunciou, em diversos arestos, no sentido de que o entendimento normativo nos termos do qual o recurso agora em questão não subia imediatamente não afrontava normas ou princípios constitucionais - cf. os Acórdãos n.os 474/94, 964/96, 1205/96, 104/98 e 68/2000, publicados no Diário da República, 2.ª série, respectivamente de 8 de Novembro de 1994, 23 de Dezembro de 1996, 14 de Fevereiro de 1997, 20 de Março de 1998 e 4 de Outubro de 2000, e ainda o Acórdão 242/2005, disponível em www.tribunalconstitucional.pt.

Numa tal situação, o efeito que se verifica acaba por equivaler apenas a um sobrestar, no plano simplesmente temporal, da admissibilidade do recurso.

C - Decisão. - 12 - Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional decide:

a) Não julgar inconstitucional a norma do artigo 291.º, n.º 1, do CPP, na interpretação segundo a qual determina a irrecorribilidade do despacho que rejeita, por inutilidade e por servir apenas para protelar o andamento do processo, a realização de diligências probatórias pedida pelo arguido no requerimento de instrução;

b) Negar provimento ao recurso;

c) Condenar o recorrente nas custas, fixando a taxa de justiça em 20 unidades e conta de justiça.

Lisboa, 9 de Novembro de 2005. - Benjamim Rodrigues (relator) - Paulo Mota Pinto - Mário José de Araújo Torres (com a declaração de voto junta) - Maria Fernanda Palma (vencida nos termos da declaração de voto junta) - Rui Manuel Moura Ramos.

Declaração de voto

1 - Não acompanhei a fundamentação desenvolvida no n.º 10 do precedente acórdão para fundar a emissão do juízo de não inconstitucionalidade da interpretação normativa apreciada no presente recurso.

Como já referi em declaração de voto aposta ao Acórdão 242/2005 - que não julgou inconstitucionais as normas do artigo 407.º, n.os 1, alínea i), e 2, do Código de Processo Penal (CPP), na interpretação segundo a qual não sobe imediatamente o recurso da parte da decisão instrutória respeitante a nulidades arguidas antes do despacho de pronúncia (na instrução e no debate instrutório) -, a minha divergência relativamente à jurisprudência que reconheço ser dominante no Tribunal Constitucional radica no entendimento de que, pelo menos quando estejam em causa infracções criminais de certa gravidade, que ultrapassem as meras "bagatelas penais", do princípio da presunção de inocência decorre o direito a não ser submetido a julgamento sem que estejam comprovados indícios suficientes da prática de um crime, embora não se exija, naturalmente, uma apreciação exaustiva das provas, reservada à fase de julgamento: cf. as declarações de voto da conselheira Maria Fernanda Palma apostas aos Acórdãos n.os 964/96, 1205/96 e 459/2000 (esta mantida no Acórdão 78/2001), e da conselheira Maria dos Prazeres Beleza, aposta ao Acórdão 68/2000 (mantida nos Acórdãos n.os 371/2000, 46/2001 e 350/2002). Não acompanho, assim, a concepção, reiteradamente afirmada desde o Acórdão 474/94, de que, porque a Constituição da República Portuguesa (CRP) determina, no n.º 2 do artigo 32.º, que todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, "o simples facto de se ser submetido a julgamento não pode constituir, só por si, no nosso ordenamento jurídico, um atentado ao bom nome ou reputação".

Como se assinalou na declaração de voto da conselheira Maria dos Prazeres Beleza, aposta ao Acórdão 387/99:

"3 - Na verdade, a pronúncia determina a continuação do processo, mediante a sujeição do arguido a julgamento.

Da continuação do processo resulta necessariamente a imposição - ou a manutenção da imposição - ao arguido do termo de identidade e residência, previsto no artigo 196.º do CPP.

A submissão do arguido a julgamento acarreta, inegavelmente, a compressão da sua liberdade pessoal, tendo em conta o tempo necessário à organização da sua defesa e à comparência na audiência, compressão tanto mais significativa quanto mais complexa for a matéria dos autos e que pode, em certos casos, colocar em causa a continuação da sua actividade profissional.

A aceitação pelo tribunal de instrução de que existem indícios suficientes da verificação dos pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança implica entender que existe uma 'possibilidade razoável' de tal pena ou medida de segurança vir a ser aplicada (n.os 2 do artigo 283.º e 1 e 2 do artigo 308.º) em julgamento. O que leva, de facto, apesar da força jurídica do princípio da presunção de inocência, à submissão do arguido a uma forte censura social, que uma eventual decisão final absolutória não consegue, as mais das vezes, apagar.

Acresce que, após a recente revisão do CPP (cf. o n.º 1 do artigo 86.º, na redacção introduzida pela Lei 59/98, de 25 de Agosto), o processo penal é público a partir da decisão instrutória, quando seja proferida, cessando nesse momento o segredo de justiça.

Recorde-se ainda que o n.º 1 do artigo 6.º do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local (aprovado pelo Decreto-Lei 24/84, de 16 de Janeiro), não julgado inconstitucional pelo Acórdão 439/87 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 10.º vol., pp. 523 e segs.), estabelece como consequência do trânsito em julgado do despacho de pronúncia em processo de querela - independentemente de saber se tal norma se aplica aos processos regidos pelo CPP de 1987 - a suspensão de funções e do vencimento até à decisão final."

A este elenco pode mesmo acrescentar-se a norma do artigo 157.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, que prevê a suspensão do mandato de deputado quando este for "acusado definitivamente" em processo criminal, suspensão que é obrigatória quando se trate de crime doloso a que corresponda pena de prisão cujo limite máximo seja superior a 3 anos.

Tudo isto (para não falar na constatação de que, na prática judiciária, a pronúncia do arguido é geralmente vista como um elemento que, tornando mais plausível a condenação, pode determinar o aumento do receio de fuga e, assim, justificar mais facilmente o decretamento da prisão preventiva) demonstra que, não apenas sociológica mas também juridicamente, a pronúncia de um arguido, com subsequente sujeição a julgamento, representa o agravamento da sua situação, constituindo negação da realidade a afirmação de que esse agravamento não se verifica só porque está constitucionalmente consagrado o princípio da presunção de inocência.

Face a uma decisão inequivocamente gravosa para a posição jurídica do arguido, é constitucionalmente fundada a exigência do reconhecimento do direito de recurso dessa decisão e de um recurso que seja eficaz, o que, no caso sobre que recaiu o Acórdão 242/2005, reclamava, a meu ver, a sua subida imediata, negada na interpretação normativa que viria a ser julgada não inconstitucional.

2 - O presente caso é, porém, diverso do acabado de referir, uma vez que está agora em causa não o regime de subida do recurso da decisão instrutória (em qualquer das suas partes) mas a admissibilidade de recurso autónomo das decisões que, proferidas no decurso da instrução, indeferiram diligências de prova que o juiz reputou não interessarem à instrução ou servirem apenas para protelar o andamento do processo.

Ora, neste contexto, a motivação expendida na declaração de voto aposta ao Acórdão 242/2005 (o reconhecimento do direito a não ser submetido a julgamento sem que estejam comprovados indícios suficientes da prática de um crime) já não exige, diferentemente do aí sustentado, a admissibilidade de recursos autónomos das diversas decisões de indeferimento de diligências de prova. É que o arguido dispõe de meio adequado e eficiente de reacção que acautele aquela desiderato: ele pode, no debate instrutório, apresentar requerimentos de produção de diligências de prova (artigo 302.º, n.os 2 e 3, do CPP) e arguir a nulidade por insuficiência do inquérito ou da instrução ou por omissão de diligências reputadas essenciais para a descoberta da verdade [artigo 120.º, n.º 2, alínea d), do CPP], e da decisão que eventualmente desatende uns e outra, é hoje seguro - por força da jurisprudência uniformizada pelos Assentos n.os 6/2000 e 7/2004, do Supremo Tribunal de Justiça - que o sistema processual penal faculta reacção eficiente, através da admissibilidade de recurso dessa decisão, com subida imediata.

Na verdade, o Supremo Tribunal de Justiça, após haver uniformizado a jurisprudência no sentido de que "a decisão instrutória que pronunciar o arguido pelos factos constantes da acusação do Ministério Público é recorrível na parte respeitante à matéria relativa às nulidades arguidas no decurso do inquérito ou da instrução e às demais questões prévias ou incidentais" (Assento 6/2000), veio recentemente a fixar a seguinte jurisprudência: "Sobe imediatamente o recurso da parte da decisão instrutória respeitante às nulidades arguidas no decurso do inquérito ou da instrução e às demais questões prévias ou incidentais, mesmo que o arguido seja pronunciado pelos factos constantes da acusação do Ministério Público" (Acórdão 7/2004, de fixação de jurisprudência).

Deste modo, fica adequadamente assegurada, de modo concentrado, a reapreciação por via de recurso do respeito pelo direito a não ser submetido a julgamento sem que estejam comprovados indícios suficientes da prática de um crime, não sendo exigível que, relativamente a cada uma das diversas decisões que, ao longo da instrução, indeferiram requerimentos de diligências probatórias, se abra de imediato a possibilidade de interposição de recurso.

Foi apenas por este fundamento - e não pelo expendido no n.º 10 do precedente acórdão - que votei no sentido da não inconstitucionalidade da interpretação normativa do artigo 291.º, n.º 1, do CPP, apreciada no presente recurso. - Mário José de Araújo Torres.

Declaração de voto

Votei vencida o presente acórdão pelas razões constantes das declarações de voto por mim apostas aos Acórdãos n.os 964/96, 1205/96 e 459/2000.

Não acompanho, aliás, ainda, a argumentação expendida pelo Exmo. Sr. Conselheiro Mário Torres na declaração de voto com que justificou ter aderido ao presente acórdão.

Na realidade, a ideia de que a recorribilidade de um eventual indeferimento de uma arguição de nulidade por insuficiência do inquérito ou da instrução ou por omissão de diligências reputadas essenciais para a descoberta da verdade não só não esgota toda a dimensão de um recurso por indeferimento de uma diligência probatória - nomeadamente porque mesmo sem a referida insuficiência à luz das provas já carreadas poder ser requerida uma prova que contradite as primeiras -, como também não deixa de ser uma distorção processual promover-se a utilização do meio da arguição de nulidade para a finalidade de exercer o direito de defesa relativamente à promoção de diligências probatórias.

Também tal via não me parece que redunde numa economia processual, pois o seu uso sistemático fora do seu sentido especial acarretará, sem dúvida, abusos processuais.

Mantenho-me, assim, na linha das declarações de voto anteriores, convencida de que o valor do direito de não ser submetido a julgamento requer um adequado poder exercer o direito de defesa nas fases preliminares do processo penal.

Assim, a referida possibilidade de arguir a nulidade não serve de compensação adequada, no plano da constitucionalidade, à inadmissibilidade do recurso do despacho de pronúncia quando este é concordante com a acusação do Ministério Público, nos termos do artigo 310.º, n.º 1, do CPP. - Maria Fernanda Palma.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/2364524.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1984-01-16 - Decreto-Lei 24/84 - Presidência do Conselho de Ministros e Ministério da Administração Interna

    Aprova o Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local.

  • Tem documento Em vigor 1987-02-09 - Acórdão 8/87 - Tribunal Constitucional

    Declara, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 561.º e 651.º, § único, do Código de Processo Penal, e do artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 605/75, de 3 de Outubro, e do Assento do Supremo Tribunal de Justiça n.º 4/79, de 28 de Junho, segundo a qual, em processo sumário, o recurso restrito à matéria de direito tem de ser interposto logo depois da leitura da sentença.

  • Tem documento Em vigor 1998-08-25 - Lei 59/98 - Assembleia da República

    Altera o Código do Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei 78/87 de 17 de Fevereiro, na redacção introduzida pelos Decretos-Leis 387-E/87, de 29 de Dezembro, 212/89, de 30 de Junho e 317/95, de 28 de Novembro. Republicado na integra, o referido código, com as alterações resultantes deste diploma.

  • Tem documento Em vigor 2000-03-07 - Assento 6/2000 - Supremo Tribunal de Justiça

    A decisão instrutória que pronunciar o arguido pelos factos constantes da acusação do Ministério Público é recorrível na parte respeitante à matéria relativa às nulidades arguidas no decurso do inquérito ou da instrução e às demais questões prévias ou incidentais.

  • Tem documento Em vigor 2004-12-02 - Acórdão 7/2004 - Supremo Tribunal de Justiça

    Fixa Jurisprudência no seguinte sentido: Sobe imediatamente o recurso da parte da decisão instrutória respeitante às nulidades arguidas no decurso do inquérito ou da instrução e às demais questões prévias ou incidentais, mesmo que o arguido seja pronunciado pelos factos constantes da acusação do Ministério Público.( Rec. nº 3668/2003 )

Aviso

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