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Acórdão 7/2004, de 2 de Dezembro

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Sumário

Fixa Jurisprudência no seguinte sentido: Sobe imediatamente o recurso da parte da decisão instrutória respeitante às nulidades arguidas no decurso do inquérito ou da instrução e às demais questões prévias ou incidentais, mesmo que o arguido seja pronunciado pelos factos constantes da acusação do Ministério Público.( Rec. nº 3668/2003 )

Texto do documento

Acórdão 7/2004
Recurso n.º 3668/2003
I
1.1 - Armando de Almeida Ferreira interpôs recurso de fixação de jurisprudência para o pleno das secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça, ao abrigo do n.º 2 do artigo 437.º e do n.º 1 do artigo 438.º do Código de Processo Penal (CPP), de acórdão da Relação de Lisboa (processo 3483/03-A, 5.ª Secção) invocando oposição entre a solução dada por esse aresto à questão do regime de subida do recurso respeitante às questões prévias ou incidentais conhecidas na decisão instrutória e a solução encontrada por Acórdão de 14 de Março de 2000, da mesma Relação (processo 1196/2000, 5.ª Secção, Colectânea de Jurisprudência, ano XXV, vol. II, p. 141).

Respondeu a assistente, Direcção-Geral do Tesouro, sustentando a decisão recorrida.

1.2 - Teve vista o Ministério Público que, além do mais, promoveu notificação do recorrente para dar cumprimento ao ónus constante do artigo 412.º do CPP.

Ordenada tal notificação do recorrente (Acórdão de fixação de jurisprudência de 30 de Março de 2000 - Diário da República de 27 de Maio de 2000), veio ele a concluir:

"Os recursos da decisão instrutória na parte relativa às questões prévias e incidentais sobem imediatamente.»

Pronunciou-se, então, o Ministério Público pela rejeição do recurso.
1.3 - Na conferência a que alude o n.º 2 do artigo 440.º do CPP, foi decidido, por Acórdão de 4 de Março de 2004, desatender a questão prévia suscitada pelo Ministério Público e reconhecer a oposição dos dois acórdãos em relação à questão de direito enunciada.

III
Cumprido o disposto no artigo 442.º do CPP, vieram a ser apresentadas alegações.

3.1.1 - Nelas concluiu o Ministério Público:
a) Qualquer das soluções em oposição funda-se em argumentos juridicamente válidos face às disposições legais convocadas, sendo que nenhuma delas consegue realizar plenamente os princípios processuais convocados, economia e celeridade processuais.

Por isso, há que escolher aquela que, numa visão global, conduz à satisfação mais completa dos ditos princípios ou, noutra perspectiva, aquela que, privilegiando um deles, importe a menor lesão possível do outro.

b) A opção pela subida diferida tem manifestamente vantagens em termos de celeridade processual, sendo que a justiça da decisão final pode conduzir à ultrapassagem de questões prévias e incidentais suscitadas durante a tramitação do processo.

c) A subida imediata dos recursos intercalares pode acarretar o risco de prolação de decisões contraditórias, colocando em causa a própria coerência e igualdade das decisões proferidas no mesmo processo, que são condições de realização da justiça.

d) Uma decisão concentrada e única de todas as questões colocadas nos recursos intercalares, conjunta com a matéria do recurso que vier a ser interposto da decisão final, apresenta-se como a solução que, envolvendo um perigo meramente eventual para a economia do processo, salvaguarda o valor essencial da celeridade, bem como permite assegurar uma melhor realização dos valores da igualdade e da coerência, que são inerentes ao conceito de justiça, valores estruturantes do nosso direito processual penal vigente.

e) O recurso interposto de decisão instrutória quanto a nulidades ou questões prévias sobe com o recurso da decisão que tiver posto termo à causa.

É este o sentido em que deve fixar-se a jurisprudência.
3.1.2 - Já o recorrente sustentou que:
a) A decisão instrutória, além de conter um despacho de pronúncia ou de não pronúncia, contém também a decisão sobre as nulidades e outras questões prévias ou incidentais que cumpra conhecer, i. e., a decisão sobre as nulidades e as questões prévias ou incidentais fazem parte integrante da decisão instrutória;

b) O artigo 407.º, n.º 1, alínea i), do CPP prevê expressamente que sobem imediatamente os recursos da decisão instrutória;

c) Deve ser fixada, assim, jurisprudência no sentido de que "os recursos da decisão instrutória na parte relativa às nulidades e às questões prévias e incidentais sobem imediatamente».

3.1.3 - Finalmente, a Direcção-Geral do Tesouro alegou e concluiu da seguinte forma:

A) A decisão sobre as questões prévias ou incidentais faz parte da própria decisão instrutória;

B) A decisão instrutória abrange a decisão das questões prévias e incidentais, porque também estas são necessárias para a decisão sobre se o processo há-de prosseguir ou não para a fase seguinte. A decisão destas questões inere à decisão instrutória;

C) A assistente vem propor que deve fixar-se jurisprudência no sentido de que abrangendo a decisão instrutória a decisão das questões prévias e incidentais, porque também estas são necessárias para a decisão sobre se o processo há-de prosseguir ou não para a fase seguinte, é irrecorrível a decisão instrutória que pronuncie o arguido pelos factos constantes da douta acusação do Ministério Público.

3.2 - Colhidos os vistos legais, teve lugar a conferência do pleno das secções criminais, pelo que cumpre conhecer e decidir.

IV
E conhecendo.
4.1 - Como se entendeu no acórdão sobre a questão preliminar, verifica-se oposição relevante de acórdãos.

Quer o acórdão recorrido quer o acórdão fundamento, ambos transitados em julgado, se ocupam da mesma questão de direito: regime de subida do recurso interposto de decisão instrutória, quanto a nulidades ou questões prévias.

E se situam no domínio da mesma legislação: o artigo 407.º do CPP, na redacção actual, tendo ambos transitado em julgado.

O acórdão recorrido determinou que o recurso trazido pelo aqui recorrente da decisão instrutória proferida, do 1.º Juízo do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa (no processo 5582/94.1TDLSB), com fundamento na sua nulidade, subisse diferidamente, nos próprios autos, com o recurso que venha a ser interposto da decisão que puser termo à causa - artigo 407.º, n.º 3, do CPP, por entender que ele não se inclui em nenhuma das alíneas do n.º 1 do artigo 407.º do CPP, nem no n.º 2 do mesmo artigo.

Já no acórdão fundamento se decidiu que aquele recurso sobe imediatamente - artigo 407.º, n.º 1, alínea i), que dispõe que "sobem imediatamente os recursos interpostos da decisão instrutória», sem prejuízo da irrecorribilidade da "parte» dessa decisão "que pronunciar o arguido pelos factos constantes da acusação do MP».

Ou seja, mostra-se respeitado o comando do n.º 1 do artigo 437.º do CPP, na interpretação que dele vem sendo feita por este Supremo Tribunal de Justiça, segundo o qual a oposição de julgados exige que:

As asserções antagónicas dos acórdãos invocados como opostos tenham tido como efeito fixar ou consagrar soluções diferentes para mesma questão fundamental de direito;

As decisões em oposição sejam expressas;
As situações de facto e o respectivo enquadramento jurídico sejam, em ambas as decisões, idênticos. A expressão "soluções opostas» pressupõe que nos dois acórdãos é idêntica a situação de facto, em ambos havendo expressa resolução de direito e que a oposição respeita às decisões e não aos fundamentos (Acórdão de 13 de Outubro de 1989, Actualidade Jurídica, n.º 3. No mesmo sentido ainda o Acórdão de 11 de Julho de 1991, processos n.os 42043, de 18 de Setembro de 1991, 41730, de 14 de Fevereiro de 1996, 48419, de 26 de Fevereiro de 1997, 1173, de 6 de Março de 1997, 1206/96, de 6 de Outubro de 1999, 686/99, de 18 de Novembro, 891/99, de 13 de Janeiro de 2000, e 1129/99).

4.2 - A questão de direito sobre a qual se verifica confronto jurisprudencial e que, tendo sido já objecto do recurso extraordinário n.º 750/03, também da 5.ª Secção, não veio a ser aí conhecido a final (foi rejeitado por Acórdão de 29 de Janeiro de 2003 por se considerar não verificada a oposição das decisões ditas em conflito) é a de saber qual o momento de subida do recurso interposto de decisão instrutória, quanto a nulidades ou questões prévias.

Prejudicada fica, assim e desde logo, a pretensão da assistente que tomou posição essencial sobre uma outra questão, a de saber se é recorrível a decisão instrutória que pronuncia o arguido pelos factos constantes da acusação do Ministério Público, relativamente às nulidades arguidas no decurso do inquérito ou da instrução e às demais questões prévias ou incidentais.

O recurso extraordinário para fixação de jurisprudência do artigo 437.º do CPP tem por objecto a questão de direito que foi decidida em sentidos opostos pelos acórdãos recorrido e fundamento, que o sustentam, e que é a enunciada e não aquela a que se referem as conclusões das alegações da assistente.

Está, pois, aquela questão fora do alcance do Supremo Tribunal de Justiça no presente recurso.

Por outro lado, por Acórdão uniformizador de jurisprudência 6/2000, de 19 de Janeiro, Diário da República, 1.ª série-A, de 7 de Março de 2000, este Supremo Tribunal de Justiça fixou jurisprudência sobre aquele ponto, o que significa que a sua revisão teria de seguir ou o mecanismo previsto no artigo 446.º do CPP (n.º 3) - recurso de decisão proferida contra jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça - ou o previsto no n.º 2 do artigo 447.º do CPP - recurso interposto pelo Procurador-Geral da República para reexame de jurisprudência fixada que tem por ultrapassada - o que não é o caso, como se viu.

4.3.1 - Confrontam-se duas teses sobre a questão objecto do presente recurso extraordinário para fixação de jurisprudência.

A tese do acórdão recorrido que, partindo de um entendimento restrito do que deve entender-se por decisão instrutória, conclui que o recurso que venha a ser interposto de decisões sobre nulidades, questões prévias ou incidentais suscitadas na instrução não se inscreve em nenhuma das situações previstas no artigo.º 407.º, n.º 1, do CPP, onde se encontram previstos nominativamente os recursos com subida imediata.

Considera ainda a mesma tese que a retenção do recurso só o torna absolutamente inútil quando, a ser-lhe dado provimento, não se mostre susceptível de produzir qualquer efeito, o que não acontece quando são anulados actos processais como o despacho de pronúncia e o julgamento.

E tal solução não foi considerada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional: "A interpretação do artigo 407.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, ao considerar como não sendo absolutamente inúteis os recursos de despacho que indefira o pedido de realização de diligências em fase de instrução, se subirem, forem instruídos e julgados conjuntamente com o recurso interposto da decisão do juiz que tiver posto termo à causa, não viola qualquer princípio ou norma constitucional, designadamente os artigos 1.º, 2.º, 13.º, 16.º, 20.º e 32.º da Constituição da República Portuguesa» - Acórdãos n.os 474/94, Diário da República, 2.ª série, de 8 de Novembro de 1994; 68/2000, processo 887/98; 104/98, processo 768/97, e 244/97, processo 397/96.

No mesmo sentido do acórdão recorrido se pronunciaram a Relação de Lisboa, Acórdãos de 19 de Fevereiro de 2002, Colectânea de Jurisprudência, vol. I, p. 148, de 29 de Janeiro de 2002, Colectânea de Jurisprudência, vol I, p. 141, de 30 de Junho de 1992, Colectânea de Jurisprudência, vol. III, p. 254, de 10 de Janeiro de 1996, Colectânea de Jurisprudência, vol. I, p. 148, e de 18 de Outubro de 1998, processos n.os 904/98, de 8 de Maio de 2002, 1974/2002, de 12 de Junho, 2845/2002, de 19 de Fevereiro, e 3425/2002; a Relação do Porto, Acórdãos de 11 de Outubro de 1995, processos n.os 489/95, de 29 de Maio de 1996, 183/96, de 16 de Outubro, 597/96, de 12 de Fevereiro de 1997, e 604/96, de 1 de Outubro de 1997, Colectânea de Jurisprudência, vol. IV, p. 240, e de 8 de Outubro de 1997, processos n.os 627/97, de 10 de Dezembro, 9710944, de 3 de Novembro de 1999, e 713/99; a Relação de Coimbra, Acórdãos de 16 de Setembro de 1998, processo 509/98, de 15 de Junho de 1994, Colectânea de Jurisprudência, vol. III, p. 58, e o Presidente da Relação de Lisboa, despacho de 25 de Outubro de 2002, Colectânea de Jurisprudência, vol. IV, p. 137.

4.3.2 - A tese do acórdão fundamento considera que a parte da decisão instrutória que conhece das nulidades e questões prévias faz parte integrante da decisão instrutória, em conformidade com o disposto no artigo 308.º, n.º 3, do CPP.

Assim, estando assente que é possível a interposição de recurso da parte da decisão em que se conheceram questões prévias e nulidades, ainda que a decisão instrutória tenha pronunciado o arguido pelos mesmos factos da acusação do Ministério Público, tal recurso tem que subir imediatamente nos termos do artigo 407.º, n.º 1, alínea i), do CPP, com efeito devolutivo, independentemente de uma parte da decisão ser irrecorrível, como sucede com o recurso previsto no artigo 310.º, n.º 2, do CPP, que é, indirectamente, um recurso interposto da decisão instrutória.

Só a subida imediata do recurso em causa acautela os princípios da economia e celeridade processual, atenta a eventualidade de repetição de actos processuais dispendiosos e morosos, sendo que, pretendendo o arguido, ao interpô-lo, a sua não sujeição a julgamento, a subida diferida levaria à perda irremediável de, pelo menos, este efeito útil.

Pronunciaram-se neste sentido os Acórdãos da Relação de Lisboa de 12 de Maio de 1993, Colectânea de Jurisprudência, vol. III, p. 160, de 3 de Fevereiro de 1998, Colectânea de Jurisprudência, vol. I, p. 148, de 9 de Março de 2000, Colectânea de Jurisprudência, vol. II, p. 139, de 6 de Junho de 2000, Colectânea de Jurisprudência, vol. III, p. 148, de 21 de Dezembro de 2000, e Colectânea de Jurisprudência, vol. V, p. 132; da Relação de Évora de 14 de Outubro de 1995, Colectânea de Jurisprudência, vol. IV, p. 288, e da Relação de Coimbra de 9 de Maio de 1990, Colectânea de Jurisprudência, vol. III, p. 67, bem como o Presidente da Relação de Lisboa, despachos de 17 de Fevereiro de 1999, Colectânea de Jurisprudência, vol. I, p. 132, de 10 de Março de 2000, Colectânea de Jurisprudência, vol. II, p. 135, e de 14 de Setembro de 2001, processo 390/2001, e o Presidente da Relação de Coimbra, despacho de 29 de Maio de 2001, http://www.dgsi.pt

Este Tribunal também decidiu na mesma linha, nos Acórdãos da 5.ª Secção de 5 de Abril de 2001, processo 675/2001, e de 14 de Fevereiro de 2002, processo 362/2002.

4.4 - Importa reter que, de acordo com o disposto no artigo 310.º do CPP, a decisão instrutória que pronunciar o arguido pelos factos constantes da acusação do Ministério Público é irrecorrível e determina a remessa imediata dos autos ao tribunal competente para o julgamento (n.º 1), sendo recorrível o despacho que indeferir a arguição da nulidade cominada no artigo 309.º [a decisão instrutória é nula na parte em que pronunciar o arguido por factos que constituam alteração substancial dos descritos na acusação do Ministério Público ou do assistente ou no requerimento para abertura da instrução (n.º1), nulidade a ser arguida no prazo de oito dias contados da data da notificação da decisão (n.º 2)].

Segundo o artigo 407.º do CPP sobem imediatamente os recursos interpostos (n.º 1) da decisão instrutória, sem prejuízo do disposto no artigo 310.º [alínea j)], e ainda os recursos cuja retenção os tornaria absolutamente inúteis (n.º 2).

Finalmente, prescreve o artigo 408.º do CPP que tem efeito suspensivo do processo (n.º 1) o recurso do despacho de pronúncia, sem prejuízo do disposto no artigo 310.º [alínea b)].

O Supremo Tribunal de Justiça fixou, através do citado Acórdão 6/2000, a seguinte jurisprudência: "A decisão instrutória que pronunciar o arguido pelos factos constantes da acusação do Ministério Público é recorrível na parte respeitante à matéria relativa às nulidades arguidas no decurso do inquérito ou da instrução e às demais questões prévias ou incidentais.»

A questão colocada no presente recurso extraordinário situa-se, pois, na sequência do acórdão uniformizador que antecede: "assente» a admissibilidade daquele recurso, cabe determinar o seu regime de subida.

Importa, assim, abordar a linha argumentativa essencial subjacente ao Acórdão 6/2000, para a retomar, agora, neste domínio.

Escreve-se aí: "J) Apesar do reconhecido mérito dos fundamentos invocados no sentido da irrecorribilidade, entende-se ser de assumir, relativamente ao problema em debate, a posição firmada no acórdão fundamento e acabada de expor no n.º 2), no sentido da recorribilidade da decisão instrutória que aprecia as questões prévias ou incidentais, mesmo quando proferida em despacho de pronúncia positivo, aderindo-se plenamente à argumentação expendida no citado Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Abril de 1994 (v. número anterior).»

Ora, no respectivo acórdão fundamento perfilhava-se "a tese de que a decisão instrutória é composta de duas partes: a decisão de fundo (a pronúncia sobre os factos) e a de forma (nesta se inserem as questões prévias incidentais). Pelo que o contido no citado artigo 310.º, n.º 1, respeita unicamente à decisão instrutória de fundo, não contemplando a referida decisão de forma, esta abrangida pela regra geral da recorribilidade, estabelecida no artigo 399.º do CPP, situação também inserida, de resto, no artigo 410.º, n.º 1, alínea b), do citado Código - a razão nasce do facto de se tratar de decisão proferida contra o arguido e ser manifesto o interesse deste em agir».

Essa mesma tese encontra-se defendida no citado Acórdão deste Tribunal de 7 de Abril de 1994, a cuja argumentação também aderiu o Acórdão 6/2000, onde se escreve "[...] a irrecorribilidade do mencionado despacho não cabe na previsão do citado artigo 310.º, n.º 1.

Este normativo apenas declara irrecorrível o despacho que pronunciar o arguido pelos factos constantes da acusação do Ministério Público, o que inculca uma decisão instrutória de fundo.

Nada nos diz sobre a recorribilidade da decisão instrutória 'de forma', designadamente a que se reporta às questões prévias ou incidentais no artigo 308.º, n.º 3, do referido Código.»

Cita-se ainda naquele acórdão uniformizador de jurisprudência, no mesmo sentido, a doutrina (J. Souto de Moura, Jornadas de Processo Penal, p. 130, citado com concordância por Simas Santos e Leal-Henriques, Código de Processo Penal, 2.ª ed., II, pp. 215 e 216): "O CPP estipula também que antes de se proferir despacho de pronúncia ou de não pronúncia o juiz decida todas as questões prévias ou incidentais de que possa conhecer (artigo 308.º, n.º 3).

Nesse saneamento preliminar se abordarão antes de mais os pressupostos processuais, a começar pela competência do tribunal. Conhecer-se-ão aí as nulidades ou eventuais questões incidentais. Se nada obstar ao conhecimento do mérito da causa, decidirá o juiz de instrução criminal a pronúncia ou a não pronúncia. Parece-nos portanto que a decisão instrutória incluirá o saneamento e a apreciação do mérito, redundando este na pronúncia ou na não pronúncia; daí que a falência de um pressuposto processual não dê origem a uma não pronúncia. Rigorosamente, originará uma decisão instrutória de forma que não aborda o fundo da questão. Implicará em regra a absolvição da instância, sem mais.»

Parte, assim, aquele acórdão, que estabelece a recorribilidade da decisão instrutória na parte respeitante à matéria relativa às nulidades arguidas no decurso do inquérito ou da instrução e às demais questões prévias ou incidentais, da tese de que a decisão instrutória é composta de duas partes: a decisão de fundo (a pronúncia sobre os factos) e a de forma (em que se inserem as questões prévias incidentais).

A consequente cindibilidade da decisão instrutória para efeitos de recurso - decisão de nulidades e outras questões prévias ou incidentais e decisão sobre os factos (pronúncia stricto sensu) - pode justificar-se pela diversa posição e função processual que assumem uma e outra.

No que respeita a nulidades e outras questões prévias ou incidentais, a decisão tem por finalidade a regularidade do processo e a criação, no momento final de uma fase do processo (instrução), de pressupostos de estabilidade processual necessária ao prosseguimento da fase de julgamento, evitando o risco da continuidade sub conditione, do processo, com as contingências que poderia implicar (v. g. posterior anulação, ex tunc, em consequência de vícios anteriores).

Diversamente, a pronúncia, stricto sensu, não tem uma função de regularidade processual, mas apenas instrumental da vinculação temática, sempre provisória, porque não determina mais do que a fixação do thema da decisão apresentada ao tribunal de julgamento.

Por isso, em tal instrumentalidade delimitada e provisória se compreende que a dupla conforme suposta no artigo 310.º, n.º 1, do CPP não exija, por razões de economia e fluidez processual, a previsão de recurso.

Mas tais razões não valem para a decisão sobre nulidades e outras questões prévias ou incidentais (artigo 308.º, n.º 1). Se não for admitido recurso, então, questões que poderiam ser essenciais, e não provisórias, sobre a regularidade processual, quedar-se-iam sem possibilidade de reapreciação, fixando-se definitivamente em apenas um grau de jurisdição.

E já nos Acórdãos deste Tribunal de 14 de Fevereiro de 2002, processo 362/02-5, e de 5 de Abril de 2001, processo 675/01-5, que decidiram que tal recurso sobe imediatamente, nos termos da alínea i) do n.º 1 do artigo 407.º do CPP, se retomou a tese do Acórdão 6/2000, escrevendo-se neste último: "a decisão instrutória abarca não só a parte da pronúncia ou não pronúncia (despacho de pronúncia propriamente dito) como também as nulidades arguidas no decurso do inquérito ou da instrução e as demais questões prévias ou incidentais».

E, na verdade, o juiz, no despacho referido no n.º 1 do artigo 308.º do CPP - despacho de pronúncia ou não pronúncia - começa por decidir, por força do disposto do seu n.º 3, das nulidades e outras questões prévias ou incidentais de que possa conhecer, devendo concluir-se que a decisão instrutória abarca essas questões prévias incidentais, o que se revela essencial para determinar o momento temporal de subida do respectivo recurso.

Neste sentido aponta igualmente Germano Marques da Silva (Curso de Processo Penal, II, p. 167): "O artigo 308.º, n.º 1, pode parecer limitar o âmbito do despacho de pronúncia e de não pronúncia, mas não é essa a sua correcta interpretação. A acusação pode não ser recebida por razões meramente processuais, prévias à apreciação da indiciação, como acontece também com o arquivamento, nos termos do artigo 277.º, mas resulta claro do artigo 308.º, n.º 3, que a decisão sobre as questões prévias ou incidentais faz parte da própria decisão instrutória. [...] A decisão instrutória abrange a decisão das questões prévias e incidentais, porque também estas são necessárias para a decisão sobre se o processo há-de prosseguir ou não para a fase seguinte. A decisão destas questões inere à decisão instrutória.»

Relembre-se, agora, que a alínea i) do artigo 407.º prescreve que sobem imediatamente os recursos interpostos da decisão instrutória, sem prejuízo do disposto no artigo 310.º, o que não pode deixar de abranger a parte da decisão instrutória respeitante à "forma».

Tanto mais que a parte "substantiva» dessa decisão, a decisão de pronúncia, ou é irrecorrível quando tem lugar pelos mesmos factos da acusação do Ministério Público, ou é recorrível, conformidade com o disposto no artigo 310.º, n.º 2, do CPP, mediante a intermediação de despacho que indefira a arguição da nulidade da pronúncia do arguido por factos substancialmente diferentes daqueles que constam da acusação do Ministério Público ou do requerimento de abertura de instrução do assistente (artigo 309.º).

Mesmo neste último caso, o recurso do despacho posterior que não reconheceu a existência dessa nulidade pretende a reapreciação da decisão instrutória perante um tribunal superior, o que significa que está também aqui em causa o recurso da decisão instrutória. A necessidade de arguir previamente a nulidade é motivada por considerações de celeridade processual, impondo a reapreciação pelo tribunal a quo da decisão nula, assim se oferecendo a oportunidade para a sanação devida, com os consequentes ganhos temporais. Donde que tal recurso é reportado à decisão instrutória e desta mesma decisão, pretendendo-se aferir da sua regularidade.

Estes recursos sobem, pois, imediatamente.
O que se compreende, uma vez que não faria, aliás, muito sentido que o tribunal pudesse, ultrapassada a fase da instrução, vir a conhecer em conjunto dos recursos interpostos da decisão final e de outros interpostos de decisões intercalares, dada a vocação de estanquicidade das fases de inquérito, instrução e de julgamento.

A lei privilegia a celeridade processual em detrimento da economia processual, como resulta da orientação genérica de que, em princípio, sobem com o recurso da decisão final os recursos que tenham sido interpostos de decisões intercalares, mas especificou, nas várias alineas do artigo 407.º, n.º 1, do CPP, as situações concretas em que, excepcionalmente, é admitida a subida imediata dos recursos interpostos de decisões interlocutórias, prevendo no n.º 2, da mesma norma, uma válvula de segurança que permite a subida imediata dos recursos cuja retenção os torne absolutamente inúteis.

Como sucede com os recursos da decisão instrutória, sem prejuízo do disposto no artigo 310.º [alínea j) daquele n.º 1].

De resto, o artigo 408.º do CPP ao prescrever que tem efeito suspensivo do processo (n.º 1) o recurso do despacho de pronúncia, sem prejuízo do disposto no artigo 310.º [alínea b)], utilizou essa expressão, "despacho de pronúncia», no sentido próprio ou restrito que já se referiu e não a expressão "decisão instrutória», que havia utilizado na precedente alínea i) do n.º 1 do artigo 407.º, com o sentido mais amplo que abrange as partes de forma e de fundo que são abrangidas por esta última expressão.

Refira, a propósito, que não cabe aqui decidir se, como o entendeu o acórdão fundamento, o recurso em causa, além de subir imediatamente, não tem efeito suspensivo, dada a interpretação restritiva a fazer eventualmente da alínea b) do n.º 1 do artigo 408.º do CPP.

Mas a ser assim, então os argumentos diferenciais invocados pela Exma. Procuradora-Geral-Adjunta perderiam relevância. A subida imediata com efeito devolutivo anteciparia a decisão dos recursos interlocutórios sem atrasar a fase do julgamento, com a vantagem de, nos casos de recurso da decisão final do tribunal colectivo para o Supremo Tribunal de Justiça, a apreciação desses recursos caber então, como deve, às Relações.

Reconhece, aliás, o Ministério Público nas suas alegações: "É certo que o entendimento de que os autos sobem diferidamente não é aquele que mais contribui para a economia processual na medida em que a procedência do recurso pode determinar a anulação e repetição de actos morosos e dispendiosos para o erário público, mas isto é inerente à maioria dos recursos que não sobem imediatamente e das decisões interlocutórias em processo penal só existe subida imediata do recurso em situações excepcionais.»

Mas a questão do efeito do recurso, repete-se, situa-se já para além do horizonte do presente recurso de fixação de jurisprudência que tem estabelecido um objecto menos ambicioso.

V
Pelo exposto, acordam os juízes das secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça em julgar procedente o recurso e, em consequência:

a) Fixar a seguinte jurisprudência: "Sobe imediatamente o recurso da parte da decisão instrutória respeitante às nulidades arguidas no decurso do inquérito ou da instrução e às demais questões prévias ou incidentais, mesmo que o arguido seja pronunciado pelos factos constantes da acusação do Ministério Público»;

b) Revogar o acórdão recorrido, determinando-se o envio dos autos ao Tribunal da Relação de Lisboa, a fim de ali ser proferida decisão de harmonia com a doutrina ora fixada.

Não é devida taxa de justiça.
21 de Outubro de 2004. - Manuel José Carrilho de Simas Santos (relator) - José Vaz dos Santos Carvalho (com a seguinte declaração de voto. Voto a jurisprudência ora fixada, pois o Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça n.º 6/2000 não permite outra solução sem quebra de unidade do sistema.

Contudo, embora fora do objecto ora posto à consideração deste Supremo Tribunal, não posso deixar de referir que a jurisprudência fixada por esse Acórdão 6/2000 mostra-se ultrapassada pela prática forense, pois sendo manifesto que o legislador de 1987 não quis, por razões óbvias de celeridade processual, a solução do Código de 1929, que permitia sempre recurso do "despacho de pronúncia», o ter-se autorizado, por força dessa uniformização de jurisprudência, que haja recurso da decisão instrutória na parte respeitante à matéria relativa às nulidades arguidas no decurso do inquérito ou da instrução e às demais questões prévias ou incidentais fez entrar pela janela o que não se queria deixar entrar pela porta. Na verdade, esse recurso, que se previu que seria excepcional, passou a constituir regra para a defesa, como tentativa de retardar o processo e de discutir por via ínvia a parte substantiva.

Para além de ultrapassada, essa jurisprudência fixada no Acórdão 6/2000 foi tirada, com o devido respeito, contra lei expressa, pois não é possível cindir a decisão instrutória que pronuncia o arguido, tal como a sentença final condenatória, em duas partes, uma de forma e outra de substância, como se pudesse haver uma sem a outra, pelo que a "decisão instrutória que pronunciar o arguido» referida no artigo 310.º, n.º 1, do CPP é o despacho considerado no seu todo e não o que virtualmente se pretende separar em dois.) - Fernando José da Cruz Quinta Gomes - António Joaquim da Costa Mortágua - Mário Rua Dias - António Silva Henriques Gaspar - Sebastião Duarte de Vasconcelos da Costa Pereira - António Luís Gil Antunes Grancho [vencido, de acordo com a seguinte declaração de voto. Votei vencido, acompanhando na íntegra a "declaração de voto» do Exmo. Conselheiro Pereira Madeira, à qual me permito aditar, com a devida vénia, as seguintes notas:

Se se considerar a decisão instrutória como uma decisão unitária e incindível, como nos parece que é, abrangendo nulidades, previamente arguidas, questões prévias e incidentais, e a pronúncia, propriamente dita; de duas uma: ou, não havendo pronúncia ou, havendo-a, em moldes diversos dos apontados no artigo 310.º, n.º 1, haverá, então, recurso da decisão instrutória, segundo a regra geral (artigos 399.º e seguintes do CPP) com subida imediata - artigo 407.º, n.º 1, alínea i) do CPP.

Todavia, não é assim que o problema vem colocado neste recurso extraordinário, que tem apenas, por objecto, a parte da decisão instrutória (cindindo-a) que incide sobre nulidades, questões prévias e incidentais, deixando de lado a questão de fundo: a pronúncia.

Nesta perspectiva e com este âmbito, afigura-se-nos mais razoável e harmónico com o sistema e regime dos recursos em processo penal a subida diferida do recurso interposto da decisão proferida sobre aquelas questões adjectivas ou formais, nos termos do artigo 407.º, n.º 3, do CPP.

É que, não perdendo utilidade o recurso, como parece evidente, só assim se permitirá uma apreciação conjunta daquelas questões formais e da questão de fundo - objecto do processo, com o qual aquelas estão intimamente conexionadas, retomando-se, ainda de algum modo, uma visão unitária da mencionada decisão instrutória.] - Luís Flores Ribeiro - Políbio Rosa da Silva Flor (vencido, nos termos da declaração de voto do Exmo. Conselheiro Pereira Madeira) - António Artur Rodrigues da Costa - António Pereira Madeira (vencido com a seguinte declaração de voto.

Não desmerecendo, embora, o peso da argumentação e o habitual brilho com que vem relatada a posição que fez vencimento, votei vencido, porquanto, como sempre tem sido meu entendimento, o legislador pretendeu reduzir ao mínimo a possibilidade de recurso nesta fase intermédia do processo penal, que quer o mais abreviada possível, deslocando para sede própria o fulcro da discussão e da defesa: a audiência de julgamento.

Só assim se compreende a opção radical tomada de irrecorribilidade da decisão instrutória, justamente quando ela é mais desfavorável ao arguido, isto é, quando ele for pronunciado "pelos factos constantes da acusação do Ministério Público», tal como se exprime no n.º 1 do artigo 310.º do Código de Processo Penal.

Daí que, em consonância, o recurso da decisão sobre nulidades, excepções ou outras questões prévias, proferida no despacho de pronúncia - a ser admissível - deva, a meu ver, subir apenas, diferidamente, com o que for interposto da decisão final.

Só assim se evitarão possíveis distonias no processamento, nomeadamente a que decorrerá de o julgamento poder acontecer antes, mesmo, de decidido o recurso, com todas as consequências nefastas para o regular andamento do processo que daí advirão, e a que a solução proposta de lhe conferir efeito meramente devolutivo não retira as potencialidades nocivas.

Aliás, a decisão final, se favorável ao recorrente, bem pode retirar todo o interesse na subida do recurso interposto.

Consequentemente, confirmaria a decisão recorrida e fixaria jurisprudência no sentido que ali vem defendido.) - José Vítor Soreto de Barros - Armindo dos Santos Monteiro (vencido, nos termos da declaração de voto do Exmo. Conselheiro Pereira Madeira) - João Manuel de Sousa Fonte (acompanho os parágrafos 1.º e 3.º da declaração de voto do Exmo. Conselheiro Santos Carvalho) - Florindo Pires Salpico - José António Carmona da Mota.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/179176.dre.pdf .

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