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Acórdão 579/2005/T, de 21 de Novembro

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Texto do documento

Acórdão 579/2005/T. Const. - Processo 820/2005. - Acordam no Tribunal Constitucional:

1 - Maria Odete Teixeira Seguro Sanches Alexandre, mandatária da lista de candidatos do Partido Socialista (PS) aos órgãos autárquicos de Almada para as eleições de 9 de Outubro de 2005, recorre para este Tribunal nos seguintes termos:

"Venerandos Juízes Conselheiros,

O Partido Socialista aqui apresentado por Maria Odete Teixeira Seguro Sanches Alexandre, mandatária da lista de candidatos do Partido Socialista dos órgãos autárquicos de Almada, residente na Rua de Trindade Coelho, 6, 1.º, esquerdo, 2800-297 Almada, vem interpor recurso da decisão da assembleia de apuramento geral, nos termos e com os seguintes fundamentos:

I - Legitimidade e tempestividade do recurso:

A aqui recorrente é mandatária do Partido Socialista para o processo eleitoral, conforme procuração junta ao respectivo processo eleitoral. Foi, além disso, candidata nas listas à Assembleia da Câmara Municipal e à Assembleia de Freguesia de Cacilhas, conforme consta da acta de apuramento geral aos respectivos órgãos, que aqui se dá como reproduzida.

O edital da acta foi afixado às 14 horas do dia 17 de Outubro de 2005, tendo a acta definitiva, solicitada pelo Partido Socialista, sido entregue pelas 10 horas e 30 minutos do dia 18 do corrente, na sequência da cópia não assinada, facultada no dia 17 e para a qual remetemos as indicações da presente fundamentação.

II - Fundamentação de facto e de direito:

1 - Constituição da assembleia de apuramento geral:

A constituição da mesa de apuramento geral é claramente ilegal porque violou o preceituado no artigo 142.º, alínea d), da Lei Orgânica 1/2001, de 14 de Agosto. Ou seja, não houve sorteio dos elementos - quatro presidentes de mesa que integram a assembleia geral de apuramento. Estes foram apenas designados pela Presidente da Câmara Municipal de Almada e candidata da CDU, que, presume-se, os terá indicado ao ilustre presidente da assembleia de apuramento, sem a precedência de qualquer sorteio e sem a convocação dos diferentes mandatários das forças políticas, concorrentes às eleições.

Quanto à constituição da mesa, o Bloco de Esquerda apresentou o seu protesto, documento G, anexo à acta e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, e o Partido Socialista apresentou, igualmente, em devido tempo, o seu protesto, documento K, anexo à acta e cujo teor se dá aqui por inteiramente reproduzido.

A constituição imparcial e plural da assembleia de apuramento geral é uma das garantias de isenção e imparcialidade que se exige em todo o processo eleitoral. Estando, deste modo, essa imparcialidade em causa por se indicarem quatro presidentes de mesa todos afectos à mesma força política.

Ora, os quatro presidentes de mesa devem ser designados por sorteio, o que neste caso manifestamente não aconteceu.

2 - O edital de constituição da mesa não tem data nem hora:

A falta de transparência é evidente quando nos confrontamos com um edital, como o PS constatou na assembleia geral de apuramento, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, que publicita os elementos da mesa sem indicação da data e hora, contrariamente ao estatuído na Lei Eleitoral.

3 - Afixação dos editais:

O Partido Socialista constatou editais que não foram colocados no edifício onde funcionou a assembleia de voto. Estes factos ocorreram em todas as assembleias de voto da Escola Conde Ferreira, em Almada, e na Costa da Caparica (em todas as mesas de voto), o que contraria o instituído na Lei 1/2001, de 14 de Agosto, artigo 135.º

4 - Envelopes abertos:

O ilustre presidente da assembleia de apuramento geral procedeu a uma triagem dos materiais das 156 mesas de voto efectuando correcções de colocação de documentos sem deixar lavrado documento das referidas operações (anexo B) junto à acta cujo teor se dá aqui por inteiramente reproduzido, procedendo, posteriormente, ao seu fecho.

Porém, acontece que muitos envelopes, documentados no anexo da acta (documento constante da última página dos anexos), refere a existência de envelopes sem lacre ou com o mesmo violado, sem actas, sem votos nulos, o que só por si deveria dar origem a uma recontagem de todos os votos e que mais tarde, após busca nas instalações da Câmara Municipal, viriam a ser encontrados. Estes factos vêm profusamente documentados na acta de apuramento geral.

Apesar disso, a assembleia de apuramento geral entendeu não dever efectuar a recontagem de todos os votos dos envelopes abertos, considerando o ilustre presidente da assembleia de apuramento não estar perante factos ilícitos muito graves, limitando-se a dar-lhes uma conotação meramente política, quando na realidade se podem ter violado, de forma grave, preceitos da Lei Eleitoral.

5 - Enumeração exemplificativa de factos detectados ao longo dos trabalhos de apuramento eleitoral geral e de que o PS tempestivamente protestou, como abundantemente decorre da acta de apuramento geral que se junta e dá por reproduzida:

a) As actas de votação e apuramento que não estavam dentro dos envelopes:

Mesa n.º 10 da Charneca;

Mesa n.º 9 da Costa da Caparica;

Mesa n.º 10 da Costa da Caparica.

aparecem posteriormente noutros locais, não concretizados, alguns em departamentos da Câmara que não estavam afectos à assembleia geral de apuramento;

b) Votos nulos que não se encontravam dentro de envelopes e que foram posteriormente encontrados em locais sem qualquer explicação credível:

Mesa n.º 6 da freguesia de Caparica;

Mesa n.º 11 da freguesia de Caparica;

Mesa n.º 16 da freguesia de Caparica;

Mesa n.º 3 da freguesia da Charneca de Caparica;

Mesa n.º 4 da freguesia da Charneca de Caparica;

Mesa n.º 10 da freguesia da Charneca de Caparica;

Mesa n.º 13 da freguesia da Charneca de Caparica;

Mesa n.º 3 da freguesia da Costa da Caparica;

Mesa n.º 5 da freguesia da Costa da Caparica;

Mesa n.º 9 da freguesia da Costa da Caparica;

Mesa n.º 8 da freguesia da Cova da Piedade;

Mesa n.º 14 da freguesia da Cova da Piedade;

Mesa n.º 1 da freguesia da Trafaria;

c) Mesas de voto em que os votos nulos não estavam de acordo com o mencionado na acta:

Mesa n.º 2 da freguesia do Feijó;

Mesa n.º 3 da freguesia do Feijó;

Mesa n.º 4 da freguesia do Feijó;

Mesa n.º 13 da freguesia do Feijó;

Mesa n.º 9 da freguesia da Sobreda;

Mesa n.º 7 da freguesia do Feijó - havia divergências entre o edital e a acta em relação aos votos do PS para a Assembleia de Freguesia;

d) O envelope relativo à mesa de voto n.º 10 da freguesia da Costa da Caparica não continha a respectiva acta.

A comparação dos votos contados, por contraponto com o respectivo edital, deu resultados totalmente díspares, conforme resulta das folhas da acta de apuramento geral.

A recontagem dos votos resultados da mesa n.º 10 da Costa da Caparica, cujo envelope tinha sido violado, detectou a falta de três boletins de voto nulos.

Procedeu-se à recontagem dos boletins e foram detectados 56 votos incluídos numa determinada força partidária mas pertencendo a outras forças políticas.

Este facto só por si é significativamente indiciador da falta de transparência e indicia a eventual e hipotética adulteração dos resultados eleitorais passíveis de integrarem o conceito de ilícito criminal.

Nada nos garante que o mesmo não tenha ocorrido noutras mesas de voto, atento o facto de os envelopes estarem abertos, o que pode indiciar a adulteração das actas, dos boletins, dos editais, sendo que alguns não foram colocados, outros foram-no tardiamente e outros, ainda, estavam rasurados.

Devendo, nestas condições, em concreto, repetir-se o acto eleitoral com a consequente determinação da nulidade do presente acto eleitoral;

e) Actas incompletas:

Mesa n.º 7 da freguesia de Cacilhas;

Mesa n.º 8 da freguesia da Caparica;

Mesa n.º 1 da freguesia da Charneca - estava errada;

Mesa n.º 2 da freguesia da Charneca - estava errada;

Mesa n.º 7 da freguesia da Sobreda - não menciona os votos do CDS na Assembleia Municipal;

f) Actas em branco mas assinadas:

Mesa n.º 1 da freguesia da Trafaria;

Mesa n.º 7 da freguesia da Trafaria;

Mesa n.º 6 da freguesia do Feijó;

g) Actas assinadas por dois delegados da CDU em todas as mesas de voto do Laranjeiro;

h) Actas que não foram confrontadas com os editais respectivos;

i) Existência de editais rasurados.

6 - Votos nulos:

Relativamente aos votos nulos, que a assembleia de apuramento geral entendeu manter e de acordo com o preceituado na Lei 1/2001, de 14 de Agosto, artigo 133.º, que considera válidos os votos quando a cruz está para fora do quadrado mas assinala inequivocamente a vontade do eleitor:

Manifestamos a nossa discordância relativamente à leitura dos votos nulos em virtude de atentarmos no pormenor de apenas os boletins de voto nos quais o eleitor expressa a sua vontade inequívoca pertencerem em grande parte e quase exclusivamente ao Partido Socialista.

O que só por si significa que a existência de dualidade de critérios aquando da separação dos boletins de voto.

Apenas uma recontagem com a adopção de critério uniforme permitiria ultrapassar dúvidas e cumprir a lei.

Assim não entendeu a mesa de apuramento geral, contra a qual apresentámos em devido tempo o nosso protesto, o que se encontra na acta que juntamos e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

Na mesma ordem de ideias, fundamentamos o nosso protesto, ainda, no facto de existirem eleitores com fraca acuidade visual que poderiam nem ver o quadrado, pequeno e pouco legível.

Noutras situações é nítido ser o eleitor portador de qualquer tipo de deficiência mais ou menos incapacitante ou até, quiçá, de idade mais avançada.

Constatamos a inexistência considerável de boletins de voto de outras forças partidárias, nomeadamente da CDU - o que nos cria uma forte convicção de que os boletins de voto na mesma situação foram considerados válidos, significando uma dualidade de critérios.

Apenas a recontagem de votos pode eliminar estas dúvidas, que são no mínimo atendíveis, e modificar os respectivos resultados eleitorais.

Estas questões foram levantadas aquando do protesto em anexo à acta com as letras E e F, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

De realçar, ainda, a discordância observada no apuramento à boca da urna por membros da mesa de voto e aqueles apurados na assembleia de apuramento geral, nomeadamente nas mesas de voto n.os 6 (mais 9 votos na CDU) e 20 da Cova da Piedade (mais 70 votos na CDU) e na mesa n.º 1 em Almada (os nulos não corresponderam aos efectivamente apurados pela assembleia de apuramento geral), conforme documentos que se juntam em anexo e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

Conclusões:

Requer-se a alteração dos quatro presidentes de mesa que integram a assembleia de apuramento geral, os quais devem ser designados por sorteio de acordo com o que expressamente estabelece a lei no artigo 142.º da Lei Orgânica 1/2001, de 14 de Agosto, devendo, para o efeito, ser convocados os mandatários das diferentes candidaturas concorrentes ao acto eleitoral;

Requer-se a recontagem de todos os votos inseridos nos envelopes, abertos, já que, tal como a acta de apuramento geral confirma, muitos dos quais não continham as actas, nem votos nulos, e cujo teor pode ter sido adulterado, nomeadamente nas mesas de voto seguintes:

Freguesia da Costa da Caparica - mesa de voto n.º 3, mesa de voto n.º 4, mesa de voto n.º 7 e mesa de voto n.º 11 (nas mesas de voto n.os 9 e 10 foram efectuadas as recontagens);

Freguesia da Cova da Piedade - mesa de voto n.º 2, mesa de voto n.º 3, mesa de voto n.º 6, mesa de voto n.º 7, mesa de voto n.º 8, mesa de voto n.º 11, mesa de voto n.º 12, mesa de voto n.º 14, mesa de voto n.º 15, mesa de voto n.º 16 e mesa devoto n.º 18;

Freguesia do Feijó - mesa de voto n.º 2, mesa de voto n.º 5 e mesa de voto n.º 7;

Freguesia do Laranjeiro - mesa de voto n.º 1, mesa de voto n.º 8, mesa de voto n.º 9, mesa de voto n.º 13, mesa de voto n.º 17 e mesa de voto n.º 18;

Freguesia da Sobreda - mesa de voto n.º 1, mesa de voto n.º 4 e mesa de voto n.º 8;

Requer-se que sejam validados os boletins de voto, devidamente protestados pelo PS e apresentados ao longo dos trabalhos de apuramento geral, que indicam inequivocamente a vontade do cidadão eleitor nos termos da Lei 1/2001, de 14 de Agosto, artigo 133.º, conforme protesto apresentado sob o documento N anexo à acta e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, juntando-se em anexo cópia dos mesmos.

Nestes termos e nos mais de direito que VV. Exmas. doutamente suprirão, requer-se que seja dado provimento ao presente recurso nos termos acima expressos. Ou seja, deverá alterar-se a assembleia geral de apuramento, conformando-a com a lei e procedendo-se à recontagem completa e total dos votos constantes dos envelopes abertos, adoptando-se o critério legal e uniforme na contagem dos votos nulos e ordenando a repetição de eleições na freguesia da Costa da Caparica, face às infracções legais graves detectada na mesa n.º 10 e que, eventualmente, poderiam existir noutros casos se se tivesse procedido à recontagem dos votos inseridos em envelopes abertos."

Os mandatários das candidaturas concorrentes foram notificados do pedido mas não responderam.

2 - Começa a recorrente por impugnar a composição da assembleia de apuramento geral, na parte que é composta por "quatro presidentes de assembleia de voto, designados por sorteio efectuado pelo presidente da câmara" [alínea d) do artigo 142.º da LEOAL]. A recorrente alega, porém, que os quatro presidentes de assembleia de voto que efectivamente integraram a assembleia de apuramento geral de Almada foram escolhidos pela presidente da Câmara sem qualquer sorteio. Pretende, por esta razão, obter "a alteração dos quatro presidentes de mesa que integram a assembleia de apuramento geral, os quais devem ser designados por sorteio de acordo com o que expressamente estabelece a lei no artigo 142.º da Lei Orgânica 1/2001, de 14 de Agosto, devendo, para o efeito, ser convocados os mandatários das diferentes candidaturas concorrentes ao acto eleitoral".

A apontada irregularidade teria ocorrido no decurso do processo eleitoral, mas antes do acto de votação; é, por isso, certo que deixou de poder ser invocada a partir do momento em que ocorreu o acto eleitoral de 9 de Outubro de 2005.

Com efeito, todo o processo eleitoral decorre segundo um sistema faseado em cascata ficando sanadas eventuais irregularidades ocorridas numa fase anterior e que não hajam sido tempestivamente impugnadas (princípio da aquisição progressiva dos actos do processo eleitoral). E, na verdade, a constituição da assembleia de apuramento geral ficou estabelecida até à antevéspera do dia da realização da eleição, tendo o seu presidente, conforme impõe o artigo 144.º da LEOAL, conferido imediatamente publicidade à composição da assembleia, através de edital afixado à porta da Câmara Municipal. Sendo a composição da assembleia de apuramento geral um acto de administração eleitoral, e não prescrevendo a LEOAL um prazo específico de impugnação desse acto, é de um dia esse prazo, conforme dispõe o n.º 2 do artigo 102.º-B da Lei 28/82, de 15 de Novembro. O problema fica, assim, definitivamente resolvido antes da realização da eleição.

Nada nos autos indica, nem a recorrente tal alega, que o presidente da assembleia de apuramento geral tenha procedido de forma irregular, pelo que se deve aceitar que, tendo ficado concluída a constituição da assembleia "até à antevéspera do dia da realização da eleição" e que foi dada imediata publicidade a esse acto através de afixação do correspondente edital à porta do edifício camarário, se mostra esgotado o prazo para impugnar essa composição quando a recorrente suscitou a questão, perante a própria assembleia, no dia 13 de Outubro de 2005 (documento K, a fl. 72). De resto, a circunstância de a recorrente ter constatado existir um edital "sem indicação da data e hora" não contraria o que acaba de se afirmar, pois a própria recorrente não alega que a assembleia não haja sido constituída no momento legalmente oportuno e não lhe tenha sido dada a publicidade requerida.

Não pode, portanto, o Tribunal tomar conhecimento desta alegada irregularidade.

3 - Pretende, seguidamente, a recorrente denunciar várias situações que, em seu entender, constituem irregularidades eleitorais. Os factos são apresentados sem a sequência típica de uma alegação jurídica e, sobretudo, sem qualquer adequação às normas jurídicas invocadas em favor da pretensão. O problema ganha relevo uma vez que a lei permite ao Tribunal o conhecimento das irregularidades ocorridas "desde que hajam sido objecto de reclamação ou protesto apresentado no acto em que se verificaram" e "sem prejuízo da interposição de recurso gracioso perante a assembleia de apuramento geral" - artigo 156.º, n.os 1 e 2, da LEOAL.

Em todo o caso, a votação só pode ser julgada nula "quando se hajam verificado ilegalidades que possam influir no resultado geral da eleição do respectivo órgão autárquico" - n.º 1 do artigo 160.º da LEOAL.

Ora, poderá desde já afastar-se o conhecimento das irregularidades alegadas a propósito dos editais, que, mesmo que hajam ocorrido, são insusceptíveis de influenciar o resultado da votação.

4 - O que, depois, verdadeiramente a recorrente impugna tem a ver com duas deliberações da assembleia geral de apuramento; a primeira reporta-se à pretendida recontagem dos votos encontrados em envelopes abertos e a segunda aos votos nulos.

Quanto à primeira, a assembleia, tendo em atenção o requerimento do representante do PS para que fossem recontados todos os votos, em todas as secções de voto e em todo o círculo eleitoral, tomou por unanimidade a seguinte deliberação:

"Indeferir o requerimento do PS de recontagem dos votos de todo o círculo eleitoral, por se afigurar não existirem suspeitas fundadas em indícios ou factos concretos que justifiquem afastar o princípio do respeito pela contagem dos votos das assembleias de apuramento local, face à circunstância, de acordo com o artigo 14.º da Lei Orgânica 1/2001, de 14 de Agosto, o apuramento se haver de fazer, em princípio, com base nas actas, cadernos de recenseamento e demais documentos que as acompanham."

A recorrente conformou-se com esta deliberação, pois não opôs contra ela qualquer reclamação, protesto ou recurso. E, de qualquer modo, a deliberação adoptou um critério que o Tribunal Constitucional perfilha (v. g., Acórdão 198/98, in Diário da República, 2.ª série, de 9 de Abril de 1998) assente na razoabilidade dos indícios recolhidos para aferir da influência que a irregularidade possa ter tido no resultado eleitoral.

É certo que, mais tarde, o representante do PS apresentou uma nova reclamação, desta vez por escrito, e com um âmbito mais restrito, requerendo "a recontagem dos votos inseridos nos envelopes abertos", à qual a assembleia, também por unanimidade, respondeu:

"O Partido Socialista pretende ver recontados todos os votos das mesas cujos envelopes chegaram a esta assembleia abertos, a apreciação dos votos nulos por si protestados segundo um critério uniforme e a constituição desta assembleia de acordo com o previsto na lei.

Quanto à questão dos envelopes, esta assembleia considerou que o facto de muitos deles trazerem o lacre partido, de outros, menos, virem fechados com fita-cola e outros ainda, aqui já poucos, apenas se encontrarem fechados por dobragem do papel, não constituiu irregularidade susceptível de impedir o apuramento com base nas actas. Tanto mais que em alguns desses casos os votos foram recontados por outras razões, e nem por isso, pelo facto de não estarem devidamente lacrados, se verificaram diferenças entre tais actas e as contagens. O que afasta qualquer indício de associação entre envelopes mal fechados e actas viciadas. Tratou-se, isso sim, na avaliação desta assembleia (aliás não questionada pelos representantes dos partidos à medida que os envelopes iam sendo abertos, sempre pelo presidente e à sua vista) de ocorrências normais de qualquer processo de votação.

Por isso considera esta assembleia não existir razão válida para proceder à recontagem dos votos das mesas cujos envelopes chegaram a esta assembleia indevidamente fechados.

Quanto ao pedido de reapreciação dos votos que se consideraram nulos e sobre os quais o Partido Socialista apresentou protesto, dir-se-á apenas que foi precisamente com base num critério uniforme fixado previamente que se chegou a essa decisão. Do que se trata não é, portanto, de os votos não terem sido sujeitos a uma apreciação uniforme, porque o foram, mas sim de uma discordância do Partido Socialista relativamente ao critério utilizado, que é coisa diferente e sobre a qual já existe protesto."

Esta deliberação recaiu, como se viu, em reclamação formulada pelo representante do PS após a avaliação de todos os materiais eleitorais apreciados pela assembleia de apuramento geral. Não custa, por isso, admitir que não tenha ficado prejudicada a oportunidade de requerer novamente a recontagem dos votos apesar de em anterior deliberação, não protestada, a assembleia haver deliberado indeferir o pedido de recontagem, pois é de entender que novos factos, ocorridos no decorrer das operações de apuramento, poderiam justificar uma nova avaliação.

Apesar disso, não procede o recurso nesta parte. Com efeito, a recorrente não contesta as circunstâncias em que se fixou a assembleia para decidir, considerando ser puramente acidental a causa de os envelopes apresentarem o lacre partido, de outros se apresentarem fechados com fita-cola e outros se mostrarem fechados por dobragem do papel, o que não constituiria irregularidade susceptível de impedir o apuramento com base nas actas, uma vez que em alguns desses casos os votos foram recontados e não se verificaram diferenças entre as actas e as contagens. O que - no entender da assembleia - afastaria qualquer indício de fraude. Na avaliação da assembleia (aliás não protestada) tratar-se-ia de ocorrências normais de qualquer processo de votação, razão pela qual se considerou não existir razão para proceder à recontagem dos votos das mesas cujos envelopes chegaram à assembleia de apuramento geral indevidamente fechados.

Adoptou, portanto, um critério assente na razoabilidade da avaliação feita sobre a ocorrência da irregularidade, que não merece censura.

5 - Finalmente, pretende a recorrente obter uma recontagem geral dos votos nulos. Note-se que o pedido começou por ser formulado como um pedido de recontagem total dos votos, embora com fundamento num eventual erro ou divergência do critério de classificação dos votos nulos. Com efeito, a recorrente insurgia-se pelo facto de os votos nulos "pertencerem em grande parte e quase exclusivamente ao Partido Socialista", conforme refere no requerimento de recurso.

Sobre isto há que ponderar o seguinte: o n.º 1 do artigo 149.º da LEOAL comete à assembleia de apuramento geral a tarefa de verificar todos os boletins de votos considerados nulos e, além disso, de julgar as reclamações ou protestos que incidiram sobre determinados votos.

Daqui decorre que, quanto aos votos válidos não protestados, a assembleia deve acatar o juízo que sobre eles incidiu no apuramento local. E foi o que a assembleia fez, verificando uns e outros. Começou mesmo por fixar um critério geral de classificação de votos nulos que definiu da seguinte forma:

"Para os efeitos previstos nos artigos 133.º, n.os 1, alínea b), e 2, e 149.º da Lei Orgânica 1/2001, adopta-se o seguinte critério geral uniforme de reapreciação dos votos considerados nulos pelas assembleias de apuramento local: não serão considerados nulos os boletins de voto em que, não se verificando qualquer outra causa de invalidação prevista na lei, tenha sido assinalada uma cruz, entendida esta como o desenho que consista na intersecção de dois traços tendencialmente rectilíneos, ou significando manifestamente esse sinal, ainda que imperfeitamente desenhados ou excedendo em medida razoável os limites do quadrado respectivo, desde que tal intersecção ocorra dentro do quadrado e nenhum dos traços intersecte outro quadrado ou quaisquer caracteres ou símbolos do boletim."

Nenhum protesto ocorreu quanto a esta deliberação. Todavia, nas operações de classificação individual dos votos nulos, o representante do PS protestou, conforme atesta a acta da reunião:

"Na reapreciação dos votos nulos da eleição para a Assembleia Municipal da mesa n.º 15, as representantes do Partido Socialista e do Bloco de Esquerda manifestaram-se contra a aplicação prática do critério geral uniforme acima referido, fundamentalmente por entenderem que deverão ser considerados válidos todos os votos em que se apresente uma cruz fora do respectivo quadrado, desde que esta assinale inequivocamente a intenção de voto do eleitor, tendo protestado juntar mais tarde declaração escrita nesse sentido (documentos anexos sob letras D, E e F).

O presidente, considerando que o facto de não ter havido protesto no momento da definição do critério geral uniforme não impede que cada partido manifeste caso a caso discordância sobre a sua aplicação prática, sugeriu o seguinte procedimento, que foi aceite: sem prejuízo da apresentação de protestos ou reclamações por escrito, de cada vez que, em resultado da aplicação do critério definido, a assembleia deliberar no sentido de considerar nulo qualquer voto que algum dos representantes dos partidos manifeste expressamente o entendimento de que deve ser considerado válido, tal voto objecto de protesto será anexo à acta, rubricado e numerado sequencialmente."

É assim que surgem protestados os votos cuja fotocópia se encontra anexada (fls. 91-171) à acta. Ora, na sua esmagadora maioria, tais votos apresentam efectivamente o sinal aposto pelo eleitor fora do quadrado em que deve ser expressa a vontade eleitoral. O critério da assembleia de voto recorrida coincide com aquele que este Tribunal tem adoptado, nestes casos, e referido, por exemplo, no recente Acórdão 563/2005, aprovado em 24 de Outubro de 2005, que se cita de seguida:

"Encontra-se fixada a jurisprudência deste Tribunal sobre a validade de tais expressões de voto, podendo consultar-se, entre outros, os Acórdãos n.os 320/85, 326/85, 864/93, 725/97 e 734/97 (in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 6.º vol., pp. 1101 e 1045, 26.º vol., p. 637, e 38.º vol., pp. 453 e 467, respectivamente), 8/94 [in Diário da República, 2.ª série, n.º 76, de 31 de Março de 1994, pp. 2952(54) e seguintes], 602/2001 e 8/2002 [in Diário da República, 2.ª série, n.º 44, de 21 de Fevereiro de 2002, pp. 3447 e seguintes e 3450, respectivamente).

Dela se extrai, desde logo, que se devem considerar nulos os votos que contêm uma cruz fora do quadrado assinalado no boletim de voto na linha correspondente a cada partido, coligação ou grupo de cidadãos; só se admite a validade dos votos quando a intersecção dos traços que formam a cruz se inscreva dentro do referido quadrado, desde que assinale inequivocamente a vontade do eleitor.

Este entendimento, que aqui se mantém, fundamenta-se no artigo 115.º, n.º 4, da LEOAL, enquanto impõe que o eleitor assinale com uma cruz, em cada boletim de voto, 'no quadrado correspondente à candidatura em que vota'."

Por isso, ao contrário do que pretende a recorrente, devem ser desqualificados, como foram, os votos em que o escrito aposto no voto pelo eleitor se situa fora da quadrícula.

E mesmo que se considere, em aplicação deste critério, e procedendo a uma análise individual dos votos em causa, que três dos votos foram na verdade validamente expressos no PS para a Câmara Municipal, que outros três se mostram validamente expressos no PS para a Assembleia Municipal, que outros dois devem ter-se por validamente expressos no PS para a Assembleia de Freguesia da Charneca da Caparica, e, finalmente, um outro foi validamente expresso no PS para a Assembleia de Freguesia da Cova da Piedade, a sua raridade não tem manifestamente a virtualidade de poder influenciar o resultado eleitoral, face aos resultados apurados na eleição.

Com efeito, na freguesia da Charneca da Caparica, em 8257 votantes, o PS foi o partido mais votado com 2786 votos, sendo-lhe atribuído 5 mandatos, seguido da CDU com 2174 votos e 4 mandatos; na freguesia da Cova da Piedade, em 9931 votantes, a CDU foi a força mais votada com 4436 votos, sendo-lhe atribuído 9 mandatos, seguido do PS com 2367 votos e 5 mandatos. Para a Assembleia Municipal de Almada, em 68 044 votantes, a CDU foi a força mais votada com 26 547 votos, sendo-lhe atribuído 14 mandatos, seguido do PS com 18 052 votos e 10 mandatos. E, finalmente, para a Câmara Municipal de Almada, em 68 039 votantes, a CDU foi a força mais votada com 28 799 votos, sendo-lhe atribuído 6 mandatos, seguido do PS com 17 438 votos e 3 mandatos.

Ora, deve recordar-se que no contencioso eleitoral das eleições para os órgãos das autarquias locais cabe a apreciação das irregularidades ocorridas no decurso da votação e no apuramento local ou geral que possam influir no resultado geral da eleição do respectivo órgão autárquico (artigo 160.º, n.º 1, da LEOAL, aprovada pela Lei Orgânica 1/2001, de 14 de Agosto).

6 - Deve, portanto, ter-se por bem fundada a deliberação recorrida, também nesta parte.

Em consequência do exposto, decide-se negar provimento ao recurso.

Lisboa, 28 de Outubro de 2005. - Carlos Pamplona de Oliveira - Maria João Antunes - Maria Fernanda Palma - Mário José de Araújo Torres - Vítor Gomes - Benjamim Rodrigues - Rui Manuel Moura Ramos - Gil Galvão - Bravo Serra - Maria dos Prazeres Pizarro Beleza - Maria Helena Brito - Paulo Mota Pinto - Artur Maurício.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/2353124.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 2001-01-04 - Lei 1/2001 - Assembleia da República

    Altera a Lei nº 98/97, de 26 de Agosto, que aprova a Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas.

  • Tem documento Em vigor 2001-08-14 - Lei Orgânica 1/2001 - Assembleia da República

    Aprova a lei que regula a eleição dos titulares dos órgãos das autarquias locais. Altera o regime de financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais.

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