Acórdão 566/2005/T. Const. - Processo 810/2005. - Acordam no plenário do Tribunal Constitucional:
1 - Por requerimento que deu entrada, via telecópia, na secretaria deste Tribunal pelas 16 horas e 15 minutos do dia 14 de Outubro de 2005, António Fernando Chaves, mandatário do Partido Social-Democrata do concelho de Murça, veio "apresentar recurso gracioso na sequência dos factos constantes da acta de encerramento da assembleia de voto da freguesia de Fiolhoso, concelho de Murça, dado não ter sido atendido o nosso recurso à assembleia de apuramento geral das eleições autárquicas do concelho de Murça". Assim:
"Secção de voto n.º 1 (Fiolhoso):
1.º Denúncia de dois boletins de voto encontrados no decorrer do escrutínio pertencentes à assembleia de voto da freguesia de Jou, não havendo qualquer explicação para o acontecido, pelo que se impõe uma investigação.
2.º Foram apresentados quatro atestados médicos de cidadãos eleitores que apresentavam aptidão para o exercício do voto, além de os correspondentes atestados médicos não referirem a incapacidade inibidora do exercício.
Estas situações foram veementemente protestadas pelo delegado do Partido Social-Democrata que não foram aceites pela mesa.
Um dos eleitores acompanhado de atestado médico nem sequer se dirigiu à câmara de voto, tendo exercido o direito de voto a sua acompanhante e completamente sozinha, contrariando o disposto nos artigos 100.º e 116.º
Apresenta ainda protesto para os acontecimentos decorridos na secção de voto n.º 2 (Cadaval):
1.º Não foi retirado um cartaz do Partido Socialista que se encontrava a menos de 50 m da mesa de voto, apesar do protesto dos delegados do Partido Social-Democrata.
2.º A presidente da assembleia de voto não permitiu que os delegados do Partido Social-Democrata procedessem à verificação visual dos boletins de voto escrutinados e ainda o constante do n.º 1 do artigo 134.º
3.º Os delegados do Partido Social-Democrata, por indicação do presidente da mesa, abandonaram a sala de escrutínio antes mesmo de os boletins de voto serem introduzidos nos respectivos sobrescritos e lacrados sem que a acta de encerramento estivesse elaborada. Por isso mesmo não constam dos envelopes e da acta de encerramento as assinaturas dos delegados do Partido Social-Democrata.
Pelo exposto, solicitamos a V. Ex.ª análise das irregularidades verificadas, e uma deliberação acerca das mesmas".
Notificados os recorridos - o grupo de cidadãos Juntos por Jou, o Partido Popular, o Partido Socialista e a coligação CDU-PCP-PEV -, a mandatária das listas do Partido Socialista enviou a este Tribunal cópia das actas da assembleia de apuramento geral da eleição dos órgãos autárquicos do concelho de Murça.
Em 19 de Outubro de 2005, o relator no Tribunal Constitucional proferiu o seguinte despacho:
"Notifique-se o presidente da assembleia de apuramento geral da eleição dos órgãos autárquicos do concelho de Murça a fim de que envie a este Tribunal:
a) Cópia do edital contendo os resultados do apuramento, certificando a data da respectiva afixação; e b) Cópia das actas das assembleias de apuramento local da eleição dos órgãos autárquicos do concelho de Murça relativas às secções de voto n.os 1 e 2 da freguesia de Fiolhoso, e dos documentos que eventualmente as acompanhem."
O presidente da assembleia de apuramento geral da eleição dos órgãos autárquicos do concelho de Murça fez chegar a este Tribunal, por fax, em 21 de Outubro de 2005, cópia do edital contendo os resultados do apuramento geral, o qual é assinado por essa entidade e datado de 13 de Outubro de 2005, bem como cópia de certidão, subscrita pela chefe de secção de recursos humanos da Câmara Municipal de Murça, que atesta a afixação daquele edital no mesmo dia 13 de Outubro de 2005. Os originais destes documentos deram entrada no Tribunal, por via postal, a 24 de Outubro.
Conclui-se, pois, que a afixação do edital contendo os resultados do apuramento geral da eleição dos órgãos autárquicos do concelho de Murça ocorreu no dia 13 de Outubro de 2005.
2 - O Tribunal Constitucional, pelo Acórdão 543/2005 (inédito), já teve ocasião de se pronunciar sobre uma questão em tudo semelhante à dos presentes autos. Aí se afirmou o seguinte:
"[O] artigo 158.º da mesma lei ['lei que regula a eleição dos titulares dos órgãos das autarquias locais' (LEOAL), aprovada pela Lei Orgânica 1/2001, de 14 de Agosto] [determina] que 'o recurso contencioso é interposto perante o Tribunal Constitucional no dia seguinte ao da afixação do edital contendo os resultados do apuramento'. Finalmente, o n.º 2 do artigo 229.º da LEOAL estatui que, 'quando qualquer acto processual previsto na presente lei envolva a intervenção de entidades ou serviços públicos, o termo dos prazos respectivos considera-se referido ao termo do horário normal dos competentes serviços ou repartições'.
No caso dos autos, tendo o citado edital sido afixado no dia 12 de Outubro, o recurso deu entrada neste Tribunal, via telecópia, entre as 20 horas e 43 minutos e as 20 horas e 45 minutos do dia 13 de Outubro, sendo registado no livro de entradas apenas no dia 14 do corrente.
Ora, entendendo-se que neste tipo de recursos, ainda que os mesmos possam ser interpostos via telecópia, a mesma não pode deixar de dar entrada até ao 'termo do horário normal' da secretaria judicial (no caso 16 horas, cf. n.os 1 e 3 do artigo 122.º da Lei 3/99, de 13 de Janeiro) do dia seguinte à afixação do edital, há que concluir que o recurso é extemporâneo, pelo que dele se não pode conhecer.
Esta solução corresponde, outrossim, a anterior jurisprudência deste Tribunal, nomeadamente à dos Acórdãos n.os 414/2004 (sobre o prazo para interposição de recurso) e 41/2005 (sobre o prazo para apresentação de candidaturas) (ambos já disponíveis na página da Internet do Tribunal Constitucional, no endereço http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos)".
No caso em apreço, tendo o edital contendo os resultados do apuramento geral sido afixado no dia 13 de Outubro de 2005, o recurso para este Tribunal deveria ter dado entrada até às 16 horas do dia seguinte - o dia 14 de Outubro de 2005 -, ou seja, até ao "termo do horário normal da secretaria judicial", de acordo com os n.os 1 e 3 do artigo 122.º da Lei 3/99, de 13 de Janeiro.
Sucede, porém, que o requerimento de recurso para este Tribunal deu entrada, como se referiu, pelas 16 horas e 15 minutos do dia 14 de Outubro de 2005. Assim, o recurso é extemporâneo, e, como tal, o Tribunal não pode dele tomar conhecimento.
3 - Ante o exposto, decide-se não tomar conhecimento do presente recurso.
Lisboa, 24 de Outubro de 2005. - Rui Manuel Moura Ramos - Gil Galvão - Bravo Serra - Maria Helena Brito - Paulo Mota Pinto - Carlos Pamplona de Oliveira - Maria João Antunes - Vítor Gomes - Benjamim Rodrigues - Maria Fernanda Palma (vencida pelas razões que resultam essencialmente da declaração aposta ao Acórdão 412/2004) - Mário José de Araújo Torres (vencido nos termos da declaração junta) - Artur Maurício.
Declaração de voto
Não votei o não conhecimento do recurso com fundamento na extemporaneidade da sua interposição, pois entendo que o recurso foi tempestivamente apresentado, por razões similares às expostas nos votos de vencido que apus aos Acórdãos n.os 414/2004, 540/2005, 542/2005, 543/2005, 550/2005, 551/2005, 552/2005, 553/2005 e 556/2005.
Na verdade, nos termos do artigo 158.º da lei que regula a eleição dos titulares dos órgãos das autarquias locais, aprovada pela Lei Orgânica 1/2001, de 14 de Agosto (doravante designada por LEOAL), o recurso contencioso tendo por objecto as irregularidades ocorridas no decurso da votação e no apuramento local ou geral ou as decisões sobre as reclamações, protestos ou contraprotestos apresentados contra essas irregularidades "é interposto perante o Tribunal Constitucional no dia seguinte ao da afixação do edital contendo os resultados do apuramento". Trata-se, assim, do prazo de um dia (e não de vinte e quatro horas) a contar da data da afixação do edital contendo os resultados do apuramento geral. No cômputo dos prazos são aplicáveis, salvo disposição especial, as regras do artigo 279.º do Código Civil, das quais deriva que nessa contagem não se inclui o dia em que ocorrer o evento a partir do qual o prazo começa a correr e que o prazo termina às 24 horas do último dia do prazo [alíneas b) e c) desse preceito, sendo entendimento corrente o de que a regra desta última alínea também se aplica aos prazos fixados em dias]. Isto é, o prazo de um dia para a interposição do recurso para o Tribunal Constitucional começa a correr no início do dia seguinte ao do da afixação do edital e termina às 24 horas desse dia.
Entendeu-se, porém, no precedente acórdão, que ao caso era aplicável a regra do n.º 2 do artigo 229.º da LEOAL, nos termos do qual: "Quando qualquer acto processual previsto na presente lei envolva a intervenção de entidades ou serviços públicos, o termo dos prazos respectivos considera-se referido ao termo do horário normal dos competentes serviços ou repartições."
A formulação literal do preceito - que não utiliza as fórmulas habituais de o acto ter de ser praticado em juízo [alínea e) do artigo 279.º do Código Civil] ou perante o serviço público [alínea c) do n.º 1 do artigo 72.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA)] -, ao aludir explicitamente à circunstância de o acto em causa implicar o envolvimento de entidades ou serviços públicos através de uma intervenção dessas entidades ou serviços, logo inculca que se pretendeu contemplar as situações em que a prática do acto determina o desenvolvimento de uma actividade desses entes públicos, e não já os casos em que os serviços funcionam como mera instância de recepção de documentos. Daqui deriva, pois, a não aplicabilidade da regra do citado artigo 229.º, n.º 2, ao presente caso.
Sendo "aplicável ao contencioso da votação e do apuramento o disposto no Código de Processo Civil", como expressamente dispõe o n.º 5 do artigo 159.º da LEOAL, é, hoje em dia, inequívoco não só que "as partes podem praticar os actos processuais através de telecópia ou por correio electrónico, em qualquer dia e independentemente da hora da abertura e do encerramento dos tribunais" [artigo 143.º, n.º 4, do Código de Processo Civil (CPC), aditado pelo Decreto Lei 183/2000, de 10 de Agosto], como também que quando o acto é praticado por "envio através de telecópia, [vale] como data da prática do acto processual a da expedição" [artigo 150.º, n.º 1, alínea c), do CPC, na redacção do Decreto Lei 324/2003, de 27 de Dezembro].
Em face do exposto, terminando às 24 horas do dia 14 de Outubro de 2004 o prazo de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional e sendo incontroversa a admissibilidade do envio por telecópia da respectiva petição, independentemente do "horário de funcionamento" do serviço destinatário, o envio efectuado às 16 horas e 13 minutos desse dia 14 de Outubro não pode deixar de ser considerado como tempestivo, sendo inaplicável a regra do artigo 229.º, n.º 2, da LEOAL, por o acto praticado não "envolver a intervenção" (na acepção atrás assinalada) de entidades ou serviços públicos, mas a mera recepção, por qualquer meio, de um documento transmissível por telecópia, recepção essa que não exige a presença física de qualquer funcionário.
O prazo de um dia é, por definição, sempre superior ao prazo de vinte e quatro horas, pois despreza o tempo decorrido no dia em que ocorreu o evento que desencadeia o início do prazo e termina às 24 horas do dia seguinte. A tese que fez vencimento - considerando que o prazo termina às 16 horas desse dia - tem o efeito (a meu ver inadmissível) de poder transformar um prazo de um dia em prazo inferior a vinte e quatro horas, o que ocorrerá sempre que o edital contendo os resultados do apuramento geral seja afixado depois das 16 horas (no caso dos presentes autos, não consta a hora de afixação do edital).
Entendendo que o fundamento da extemporaneidade não era idóneo a fundar o não conhecimento do recurso, resta-me constatar que o processo não contém ainda os elementos necessários para poder, em consciência, tomar posição quer quanto à eventual existência de outros obstáculos a esse conhecimento, quer quanto ao mérito do recurso. - Mário José de Araújo Torres.