Acórdão 561/2005/T. Const. - Processo 838/2005. - Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional:
A - Relatório. - 1 - Miguel Elísio Capinha Alves, mandatário da candidatura do Partido Socialista aos órgãos autárquicos do concelho de Redondo, e Rui Calisto Ramalho, candidato pelo Partido Socialista à eleição da Assembleia de Freguesia de Montoito, concelho de Redondo, nas eleições gerais realizadas no dia 9 de Outubro de 2005, recorrem contenciosamente para o Tribunal Constitucional da decisão do governador civil de Évora, de 20 de Outubro de 2005, que fixou o dia 30 de Outubro de 2005 para o acto eleitoral de repetição de eleições para a Assembleia de Freguesia de Montoito.
2 - Como fundamento dos recursos, e após afirmarem terem "protestado nesse sentido na reunião efectuada junto dessa instituição", os recorrentes dizem, nos mesmíssimos termos, o seguinte:
"[...]
1.º
Na eleição para a freguesia de Montoito, em que intervieram 892 dos 1254 eleitores inscritos, foram apurados os seguintes resultados:
2.º
Votos brancos - 13.
Votos nulos - 13.
Votos CDU-PCP/PEV - 192.
Votos MICRE - 151.
Votos PPD/PSD - 151.
Votos PS - 373.
3.º
Tendo em conta os resultados apurados, mormente o empate entre o PSD e o MICRE, veio a assembleia de apuramento geral deliberar no sentido que passa a citar: 'dando cumprimento ao critério de eleição previsto no artigo 13.º da Lei 1/2001, de 14 de Agosto, verificou-se não ser possível a atribuição do último mandato, uma vez que as listas empatadas por aplicação do referido método têm o mesmo número total de votos, inviabilizando a aplicação da regra constante da alínea d) do citado artigo 13.º Assim, não foi possível efectivar o aludido critério legal, tornando impossível a conversão dos votos em mandatos, pelo que os mesmos não serão proclamados'.
4.º
No mesmo sentido se pronuncia agora o Governo Civil de Évora, deliberando, na reunião atrás referenciada, pela repetição do acto eleitoral no próximo dia 30 de Outubro.
5.º
Com o devido respeito, que é muito, o ora recorrente discorda totalmente desta decisão, pelos motivos que passa a expor:
6.º
Segundo o artigo 13.º da Lei 1/2001, nomeadamente na sua alínea d): 'no caso de restar um só mandato para distribuir e de os termos seguintes da série serem iguais e de listas diferentes, o mandato cabe à lista que tiver obtido o menor número de votos.'
7.º
Ora, no caso em apreço, e salvo melhor opinião em contrário, os requisitos deste preceito estão preenchidos, através de uma interpretação extensiva da lei.
8.º
A qual nos permite subsumir esta situação de empate, sublinhe-se matemático e não absoluto, à alínea d) do citado artigo.
9.º
Pois que existem duas listas diferentes que obtiveram o mesmo número de votos para atribuição do último mandato.
10.º
A mesma tese é defendida pela doutrina.
11.º
Segundo Maria de Fátima Abrantes Mendes, assessora jurista principal da Assembleia da República, destacada desde Junho de 1979 na Comissão Nacional de Eleições, 'em caso de empate absoluto, isto é de empate logo na atribuição do 1.º mandato, a votação terá de ser repetida'.
12.º
Ora, na situação em análise, não se discute a atribuição do 1.º mandato, pelo que não estamos perante um empate absoluto.
13.º
Consequentemente e, a contrario, em caso de empate 'relativo', a votação não tem de ser repetida.
14.º
Pois que se outro fosse o sentido das suas palavras, a autora não teria tido a necessidade de fazer a distinção.
15.º
A isto acresce que, parafraseando uma vez mais Maria de Fátima Abrantes Mendes, 'as repetições de votação determinam, sempre, um índice baixíssimo de participação, situação que desprestigia um acto cívico de participação política por excelência que é uma eleição'.
16.º
Se estes argumentos em si não bastarem, cumpre ainda referir que a aplicação deste método é pura e simplesmente um meio de apuramento de mandatos, o que, e salvo melhor opinião, não pode ser privilegiado em detrimento da melhor manifestação democrática que é o sufrágio universal directo.
17.º
Pelo que fazer tábua rasa de um acto que não padece de qualquer vício, quando através de uma simples interpretação para lá da letra da lei se mantém a vida de um acto que não é nulo e que espelha de forma expressiva a vontade do eleitorado, é inquinar e desprestigiar o acto cívico que melhor reflecte a palavra democracia!
Nestes termos e nos melhores de direito aplicáveis, e com o mui douto suprimento de VV. Exmas., deve ser concedido total provimento ao presente recurso e, consequentemente, revogar-se a deliberação proferida pelo Governo Civil de Évora, assim se fazendo a costumada justiça."
B - Fundamentação. - 3 - Dos autos resulta o seguinte quadro de facto:
a) As petições dos recursos foram apresentadas, por via fax, no Governo Civil de Évora, no dia 21 de Outubro de 2005.
b) O governador civil de Évora convocou, no dia 19 de Outubro de 2005, uma reunião com os representantes das candidaturas à eleição para a Assembleia de Freguesia de Montoito, concelho de Redondo, nas eleições gerais autárquicas realizadas no passado dia 9 do mesmo mês de Outubro.
c) Dessa reunião foi lavrada acta, relatando esta o seguinte:
"Aos 19 dias do mês de Outubro de 2005, pelas 15 horas e 30 minutos, nas instalações do Governo Civil do Distrito de Évora, estiveram presentes o governador civil, Dr. Henrique António de Oliveira Troncho, e representantes das forças políticas concorrentes à eleição para a Assembleia de Freguesia de Montoito, concelho de Redondo, Inácio dos Santos Casimiro, pela Coligação Democrática Unitária, António Joaquim Siquenique Carriço, pelo MICRE-I, João Gonçalo Morais Tristão, pelo PPD/PSD, e Miguel Elísio Capinha Alves, pelo Partido Socialista.
O Sr. Governador Civil começou por informar que a reunião para que foram convocados tem por objecto ouvir a sua opinião relativamente à data para a repetição do acto eleitoral da Assembleia de Freguesia de Montoito, tendo em conta a impossibilidade legal da atribuição completa de mandatos.
Continuou no uso da palavra e disse que havia duas datas que considera aceitáveis, os dias 23 ou 30 do corrente. Mas atendendo a que não há garantias de haver boletins de voto até ao dia 23, de acordo com informação prestada pelo presidente da Câmara Municipal de Redondo, afirmou parecer-lhe mais seguro serem marcadas no próximo dia 30 de Outubro.
De seguida foi pedida informação pelo representante do PS sobre se podia consultar o ofício da Comissão Nacional de Eleições, tendo, em resposta, o governador civil lido em voz alta a correspondência trocada entre o Governo Civil de Évora e a dita Comissão, e que a seguir se transcreve:
"Ofício n.º 860, de 12 de Outubro de 2005, do Governo Civil para a Comissão Nacional de Eleições. Assunto: eleições autárquicas 2005 - distribuição de mandatos para a Assembleia de Freguesia de Montoito, concelho de Redondo. - Foi recebida neste Governo Civil a acta da assembleia de apuramento geral do município do Redondo relativa às eleições autárquicas de 9 de Outubro de 2005.
No que respeita à Assembleia de Freguesia de Montoito, refere essa acta o seguinte: 'Dando cumprimento ao critério de eleição previsto no artigo 13.º da Lei 1/2001, de 14 de Agosto, verificou-se não ser possível a atribuição do último mandato uma vez que as listas empatadas por aplicação do referido método têm o mesmo número total de votos, inviabilizando a aplicação da regra constante da alínea d) do citado artigo 13.º'
Estabelecendo o artigo 160.º, n.º 1, da referida lei que 'a votação em qualquer assembleia de voto e a votação em toda a área do município só são julgadas nulas quando se hajam verificado ilegalidades que possam influir no resultado geral da eleição do respectivo órgão autárquico', o que não é o caso, solicito a V. Ex.ª esclarecimento sobre a validade ou não do referido acto eleitoral, visto que compete ao governador civil marcar a data de futuras eleições, se for essa a situação.
Permito-me chamar a atenção de V. Ex.ª para o facto de na referida acta de apuramento geral, na parte dos totais da Assembleia Freguesia de Montoito, o somatório dos votos brancos, nulos e os expressos nas forças políticas concorrentes ser de 893 e o número de votantes ser de 892."
Teor da resposta da CNE ao Governo Civil a coberto do ofício n.º 2394, de 13 de Outubro de 2005, daquele serviço:
"Assunto: não distribuição de mandatos na eleição para a Assembleia de Freguesia de Montoito. - Nos termos do preceituado no artigo 146.º da LEOAL, compete a assembleia de apuramento geral distribuir os mandatos pelas diversas listas e em consequência determinar os candidatos que cada uma das listas elege.
Conforme se retira da acta de apuramento geral do concelho de Redondo, tal operação não é possível levar a efeito no que respeita a eleição para a Assembleia de Freguesia de Montoito, por impossibilidade na atribuição do último mandato, visto os quocientes das listas MICRE e PPD/PSD serem matematicamente iguais.
Muito embora a lei eleitoral seja omissa na matéria, não se alcança outra solução que não seja a de mandar repetir o acto eleitoral cuja atribuição de mandatos esteja em causa no 1.º ou 2.º domingo posterior à proclamação e publicação dos resultados do apuramento geral, consoante haja ou não condições logísticas para o fazer, nomeadamente se existe número suficiente de boletins de voto.
Tal como decorre da lei eleitoral para os órgãos das autarquias locais, como da Lei 169/99, de 18 de Agosto, parece competir ao Sr. Governador Civil proceder a tal marcação."
Ofício n.º 863, de 13 de Maio de 2005, do Governo Civil para a CNE:
"Assunto: não distribuição de mandatos na eleição para a Assembleia de Freguesia de Montoito. - Acuso a recepção do ofício n.º 2394, relativo ao assunto em epígrafe, cujo conteúdo me suscita algumas dúvidas.
Assim:
Sendo a lei eleitoral omissa na matéria, qual a entidade a quem compete decidir sobre a repetição do acto eleitoral?
No caso de essa competência ser da Comissão Nacional de Eleições, qual a decisão tomada?
No caso de não ser da competência da CNE, pode o governador civil marcar a data da eleição sem que a entidade competente tenha decidido pela sua repetição?
A impossibilidade de atribuição do último mandato ocasiona a não atribuição dos outros oito obtidos pelas forças políticas concorrentes?
Qual o efeito do recurso contencioso e da exposição, de que anexo cópias, recebidos no Governo Civil, no que diz respeito à marcação da data de novas eleições?"
Teor da resposta da CNE ao Governo Civil a coberto do ofício n.º 2455, de 18 de Outubro de 2005, daquele serviço:
"Assunto: repetição da eleição para a Assembleia de Freguesia de Montoito. - Em resposta às questões colocadas por VV. Exmas., vem esta Comissão informar:
Tal como se referiu no ofício da CNE n.º 2394, de 13 de Outubro de 2005, é entendimento deste órgão que competirá ao governador civil proceder a marcação da repetição da eleição;
A repetição diz respeito ao acto eleitoral de cujo apuramento decorreu não ter sido possível distribuir a totalidade dos mandatos devido a uma situação de empate, independentemente de tal empate ocorrer na atribuição do primeiro ou último mandato;
A interposição de recursos de eventuais irregularidades ocorridas no decurso do apuramento geral é feita junto do Tribunal Constitucional, conforme se infere dos artigos 158.º e seguintes da LEOAL."
O representante do PS tomou de novo a palavra e disse não concordar com o novo acto eleitoral mas no caso de tal vir a ocorrer concordava com o dia 30.
Tomou, de seguida, a palavra o mandatário do PPD/PSD e disse também não concordar com novas eleições, mas em caso de não haver outra alternativa a eleição deveria ter lugar no próximo dia 30.
Sugeriu, com a concordância de todos, que a Comissão Nacional de Eleições deveria vir explicar a situação criada a Montoito.
O representante do MICRE tomou a palavra e questionou os presentes no sentido de saber se não se podia marcar a eleição depois do dia 30, ao que o Sr. Governador esclareceu que não se devia ir muito para além do domingo seguinte ao das eleições.
A mesma entidade disse novamente que, dada a incerteza da feitura dos boletins de voto que permita a marcação para o dia 23, achava que o dia mais conveniente era de facto o dia 30.
O mandatário da CDU deu a sua opinião referindo que o dia mais aconselhável era o dia 30.
Continuou a sua intervenção dizendo que a CDU vê este acto eleitoral com apreensão porque existe algum sentimento de revolta na população.
O governador civil apelou aos presentes no sentido de estes assumirem uma atitude pedagógica junto dos eleitores para que o acto decorra com toda a normalidade.
Do que ficou dito por todas as forças políticas perante o Sr. Governador Civil pode concluir-se:
1) Que o PSD, o PS e a CDU discordam da repetição do acto eleitoral;
2) Que todos concordam que o dia 30 de Outubro de 2005 é o mais indicado para a repetição do acto eleitoral;
3) Atendendo à situação invulgar ocorrida em Montoito de não ter sido possível distribuir a totalidade de mandatos devido a uma situação de empate, foi proposto pelo mandatário do PPD/PSD que se convidasse a Comissão Nacional de Eleições a visitar a freguesia em causa para elucidar a população sobre a necessidade da repetição do acto eleitoral.
Nada mais havendo a tratar, foi encerrada a reunião, da qual foi elaborada a presente acta, que vai ser assinada por todos."
d) Na sequência dessa reunião, o governador civil de Évora proferiu, no dia 20 de Outubro de 2005, despacho do seguinte teor:
"Despacho
1 - Ao ser recebida a acta da assembleia de apuramento geral do concelho de Montoito, verificou-se, pelo seu conteúdo, relativamente à Assembleia de Freguesia de Montoito, não ser possível a atribuição do último mandato, uma vez que as listas empatadas MICRE e PPD/PSD, por aplicação do método de Hondt, têm o mesmo número total de votos, inviabilizando a aplicação da regra constante da alínea d) do artigo 13.º da Lei 1/2001, de 14 de Agosto.
2 - Sendo a lei eleitoral omissa nesta matéria, foi pedido parecer à Comissão Nacional de Eleições, a qual se pronunciou no sentido de o acto eleitoral ser repetido e ter lugar no 1.º ou 2.º domingo posterior à proclamação e publicação dos resultados do apuramento geral, consoante haja ou não condições logísticas para o fazer, nomeadamente se existe número suficiente de boletins de voto.
3 - Em reunião com os representantes das forças políticas concorrentes à dita Assembleia de Freguesia, foi reconhecido o dia 30 de Outubro de 2005 como o mais conveniente para a repetição do acto eleitoral, dado não existirem condições logísticas para o realizar antes, conforme informação do Sr. Presidente da Câmara Municipal de Redondo.
4 - Assim:
4.1 - Fixo o dia 30 de Outubro de 2005 para o acto eleitoral de repetição de eleições para a Assembleia de Freguesia de Montoito.
4.2 - Comunique-se o presente despacho às forças políticas concorrentes àquela Assembleia e à Câmara Municipal de Redondo."
e) O primeiro recorrente foi notificado desse despacho no dia 21 de Outubro de 2005, através do ofício n.º 879, P-3/5, datado do dia anterior.
4 - Do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 540/2005 (artigo 514.º, n.º 2, do Código de Processo Civil) resulta ainda:
f) Na eleição realizada no dia 9 de Outubro de 2005 para a Assembleia de Freguesia de Montoito, concelho de Redondo, intervieram 892 dos 1254 eleitores inscritos e foram apurados os seguintes resultados: votos brancos - 13; votos nulos - 13; votos CDU-PCP/PEV - 192; votos MICRE - 151; votos PSD - 151; votos PS - 373.
g) Em função destes resultados, a assembleia de apuramento geral do concelho de Redondo, reunida no dia 11 de Outubro de 2005, deliberou não atribuir quaisquer mandatos na eleição para a referida Assembleia de Freguesia, decisão esta que fundamentou nos seguintes termos: "Dando cumprimento ao critério de eleição previsto no artigo 13.º da Lei 1/2001, de 14 de Agosto, verificou-se não ser possível a atribuição do último mandato, uma vez que as listas empatadas por aplicação do referido método têm o mesmo número total de votos, inviabilizando a aplicação da regra constante da alínea d) do citado artigo 13.º Assim, não foi possível efectivar o aludido critério geral, tornando impossível a conversão dos votos em mandatos, pelo que os mesmos não serão proclamados";
h) Os resultados do apuramento geral, referidos nas alíneas anteriores, foram publicados por edital afixado no dia 11 de Outubro de 2005.
i) Da deliberação da assembleia de apuramento geral, referida na alínea g) supra, Francisco Ramalho Batista Claré e o acima identificado Rui Calisto Ramalho recorreram contenciosamente para o Tribunal Constitucional pedindo que fossem proclamados os resultados da atribuição dos primeiros oito mandatos, apurados segundo as regras do artigo 13.º da LEOAL.
j) Pelo Acórdão 540/2005, o Tribunal Constitucional decidiu não tomar conhecimento do recurso contencioso com base na extemporaneidade da sua interposição e na irrecorribilidade do acto impugnado, por não ter sido apresentada nesse acto reclamação ou protesto.
5 - Antes de mais, cumpre recordar que os recorrentes apenas controvertem contenciosamente o despacho do governador civil de Évora que marcou a repetição da eleição para a Assembleia de Freguesia de Montoito, concelho de Redondo, com o fundamento de que não ocorre hipótese legal que postule a repetição do acto eleitoral ou a realização de eleições intercalares, dado não se estar perante qualquer impossibilidade de atribuição dos mandatos políticos para aquela Assembleia nas eleições gerais realizadas no dia 9 de Outubro de 2005, pois tal apenas poderia acontecer se houvesse um empate absoluto do número de votos para a atribuição do 1.º lugar, o que não se verifica no caso, em virtude de esse empate apenas ocorrer em relação à atribuição do 9.º lugar, mas que deve ser resolvido pela aplicação da regra da alínea d) do artigo 13.º da Lei Orgânica 1/2001, de 14 de Agosto (LEOAL).
O recurso é tempestivo (artigo 102.º-B, n.os 2 e 7, da Lei 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão) e os recorrentes têm legitimidade activa por terem interesse directo no recurso (artigo 32.º da LEOAL).
Pelo Decreto-Lei 13-A/2005, de 20 de Julho, o Governo marcou as eleições gerais para os órgãos representativos das autarquias locais para o dia 9 de Outubro de 2005.
O processo eleitoral autárquico consubstancia-se, de acordo com o regime constante da LEOAL, num encadeado de actos que tem por escopo final a atribuição do número de mandatos políticos previstos na lei para cada um dos órgãos representativos das autarquias locais aos partidos ou forças políticas que a eles se candidatam e a identificação dos candidatos a quem tais mandatos são conferidos, iniciando-se, em caso de eleições gerais, com publicação do diploma do Governo que procede à marcação das eleições.
E o processo esgota-se apenas com a consolidação na ordem jurídica da determinação dos mandatos políticos que são atribuídos às listas de candidatura que se apresentam ao acto eleitoral e dos candidatos a quem tais mandatos são conferidos.
Ora, no caso da Assembleia de Freguesia de Montoito, não poderá considerar-se, ainda, realizado esse escopo ou resultado jurídico-prático.
Por outro lado, há que entender que se consolidou, de vez, na ordem jurídica a deliberação da assembleia de apuramento geral do concelho de Redondo que decidiu - não importa, agora, saber se bem ou se mal - não proclamar os resultados e, consequentemente, não atribuir os mandatos políticos, em número de nove, previstos na lei para o órgão autárquico em causa, aos partidos e forças políticas que se candidataram ao acto eleitoral - CDU-PCP/PEV, MICRE, PSD e PS - e não conferir os mandatos aos respectivos candidatos destas listas.
Na verdade, a assembleia de apuramento geral, prevista nos artigos 141.º e 142.º da LEOAL, tem a natureza de um órgão de administração eleitoral autónoma e independente, de existência não permanente (cf. Manuel Freire Barros, Conceito e Natureza Jurídica do Recurso Contencioso Eleitoral, 1998, pp. 46-48), cujas constituição e atribuições estão exaustivamente enunciadas na lei (cf. artigos 141.º a 151.º da mesma LEOAL).
No exercício das suas funções, a assembleia de apuramento geral está sujeita apenas à lei, gozando de completa independência funcional na sua aplicação. Não existe qualquer relação de hierarquia entre a assembleia de apuramento geral e qualquer outro órgão do Estado, nomeadamente o Governo ou o governador civil, pelo que não está subordinada a qualquer dos poderes que consubstanciam a relação hierárquica - poderes de direcção, de obediência, de sujeição a inspecção e a supervisão, poder disciplinar e poder dispositivo da competência legalmente atribuída (sobre a matéria, cf. Paulo Otero, Conceito e Fundamento da Hierarquia Administrativa, 1992, pp. 107 e segs.).
As suas deliberações apenas são susceptíveis de censura em via de recurso contencioso para o Tribunal Constitucional, nos termos previstos nos artigos 156.º e seguintes da LEOAL.
Assim sendo, tem de se concluir que: i) uma vez consolidada na ordem jurídica, por insusceptibilidade de recurso para o Tribunal Constitucional, seja por caducidade do direito de impugnação contenciosa, por o seu prazo se encontrar esgotado (artigo 158.º da LEOAL), seja por falta dos pressupostos de recorribilidade previstos na lei eleitoral (artigos 156.º e 157.º da mesma lei), como no referido Acórdão 540/2005 se reconheceu relativamente a recurso interposto, também, pelo aqui primeiro recorrente, a deliberação da assembleia de apuramento geral do concelho de Redondo que decidiu não converter em mandatos os votos obtidos por cada um dos partidos, coligações de partidos ou movimentos políticos independentes que concorreram à eleição para a Assembleia de Freguesia de Montoito nas eleições gerais realizadas no dia 9 de Outubro de 2005 e não os conferir aos respectivos candidatos de cada lista; ii) tendo-se esgotado os poderes dessa assembleia de iniciativa de exercício das suas funções, com a deliberação tomada; iii) não podendo ela, actualmente, revogar ou alterar a deliberação tomada em cumprimento de qualquer ordem de outro órgão do Estado; e iv) não podendo também qualquer outro órgão do Estado, nomeadamente a autoridade recorrida, substituir-se-lhe no exercício das suas funções, não resta outro caminho que não seja o de repetir o acto eleitoral, de modo a ser alcançado o escopo ou resultado jurídico-prático do processo eleitoral, aberto com a convocação das eleições gerais autárquicas.
Pode, pois, concluir-se que o pedido dos recorrentes de anulação do acto contenciosamente recorrido e de não repetição do acto eleitoral não pode proceder.
C - Decisão. - 6 - Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional decide negar provimento ao recurso contencioso.
Lisboa, 24 de Outubro de 2005. - Benjamim Rodrigues - Rui Manuel Moura Ramos - Gil Galvão - Bravo Serra - Maria Helena Brito - Paulo Mota Pinto - Carlos Pamplona de Oliveira - Maria João Antunes - Maria Fernanda Palma - Mário José de Araújo Torres - Vítor Gomes - Artur Maurício.