Acórdão 546/2005/T. Const. - Processo 801/2005. - Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional:
1 - Armindo José da Cunha Abreu, invocando a "qualidade de cabeça de lista do Partido Socialista à eleição da Câmara Municipal de Amarante", veio recorrer para o Tribunal Constitucional com o objectivo de obter a "anulação da deliberação da assembleia de apuramento geral das eleições das autarquias locais na área do município de Amarante, na parte respeitante ao número de mandatos a distribuir na eleição para a Câmara Municipal de Amarante, devendo a mesma proceder a nova distribuição tendo em conta que aquele órgão autárquico é composto por nove membros".
Juntou certidão de afixação do edital correspondente à acta do apuramento geral, da qual consta que a afixação se realizou no dia 14 de Outubro de 2005 [documento n.º 1)], certidão de extracto da mesma acta relativo à deliberação que impugna [documento n.º 2)] e ao número de eleitores inscritos no concelho de Amarante [documento n.º 4)] e certidão do edital relativo à admissão das listas de candidatos à Assembleia Municipal e à Câmara Municipal do concelho de Amarante do qual consta o seu nome como primeiro candidato à eleição para a Câmara Municipal [documento n.º 3)].
Sustenta, em síntese, que "resultou da acta de apuramento geral um número de eleitores inscritos de 50 272", devendo portanto ser esse o número de eleitores relevante para a determinação do número de mandatos "a distribuir na eleição para a Câmara Municipal de Amarante" - ou seja, nove, e não sete, como se entendeu, por ter sido considerado o número constante do mapa publicado no Diário da República, 2.ª série, de 27 de Junho de 2005 (48 933), nestes termos:
"2.º Esse dito número resultou de prévio processo de recenseamento eleitoral, levado a efeito nos termos dos artigos 32.º e seguintes da Lei 13/99, de 22 de Março (lei do recenseamento eleitoral, doravante designada apenas por LRE).
3.º A operação de recenseamento de que se ocupa este último preceito é contínua.
4.º Ou seja, as operações de inscrição, alteração e eliminação de inscrições, para o efeito acabado de referir, são contínuas.
5.º Todavia, chegados ao 60.º dia que antecede cada eleição e até à sua realização, a aludida operação fica suspensa.
6.º Mas, permite-se ainda, no caso de eleitores que completem 18 anos até ao dia da eleição, a possibilidade de verem os seus nomes inscritos nos competentes cadernos eleitorais por mais cinco dias (artigo 5.º, n.º 4, da LRE).
7.º Sendo certo que só nos 15 dias anteriores ao acto eleitoral os cadernos de recenseamento se tornam definitivos, não mais podendo ser alterados (artigo 59.º da LRE).
8.º Esta inalterabilidade dos cadernos de recenseamento tem como objectivo garantir a preservação dos cadernos eleitorais tendo em vista a sua segurança e certeza jurídicas essenciais à confiança no sistema de eleitores, forças políticas e demais intervenientes nas eleições (v. Jorge Miguéis, in Lei do Recenseamento Eleitoral, Lisboa, 2002, p. 106).
9.º Neste enfoque, veio o legislador constitucional a dispor expressamente que 'o recenseamento eleitoral é oficioso, obrigatório, permanente e único para todas as eleições por sufrágio directo e universal' (cf. o artigo 113.º, n.º 2, da CRP).
Da conjugação dos n.os 2 e 3 do artigo 239.º da CRP resulta que o órgão executivo colegial será constituído 'por um número adequado de membros' que resultarão segundo o sistema da representação proporcional dos cidadãos recenseados na área da respectiva autarquia.
11.º A ser assim, só na data referida no n.º 7 do presente recurso se permite conhecer o número exacto e definitivo de cidadãos devidamente recenseados, cumprindo-se o disposto na lei fundamental.
12.º A LEOAL, no seu artigo 12.º, n.º 2, refere que 'para as eleições gerais o número de mandatos de cada órgão autárquico será definido de acordo com os resultados do recenseamento eleitoral, obtidos através da base de dados central do recenseamento eleitoral'.
13.º O que está de harmonia com a segunda das normas constitucionais já invocadas (artigo 239.º da CRP).
14.º Contudo, a parte final do n.º 2 do artigo 12.º da LEOAL considera apenas os eleitores inscritos nos cadernos de recenseamento até 120 dias anteriores ao termo do mandato cujo número foi publicado.
15.º Assim sendo, parece-nos que a parte final deste último preceito briga com o artigo 239.º da CRP, devendo por isso aquele ser considerado inconstitucional.
Ainda e sem prescindir,
16.º Se nos atermos ao disposto no n.º 2 do aludido artigo 12.º, o número de eleitores inscritos a ter em conta para a distribuição dos mandatos seriam os existentes no dia 6 de Julho de 2005. Isto porque,
17.º O n.º 1 do artigo 60.º da Lei 169/9, de 18 de Setembro, na sua redacção actual, considera que a instalação da câmara municipal deve ter lugar no prazo de 20 dias a contar do apuramento definitivo dos resultados eleitorais.
18.º Por seu turno, o artigo 150.º da LEOAL estatui que os resultados definitivos do apuramento geral serão proclamados e publicados até ao 4.º dia posterior ao da votação.
19.º Daqui resulta que os tais 120 dias a que se refere o redito n.º 2 do artigo 12.º deveriam levar em conta os dados do recenseamento relativos ao dia 6 de Julho de 2005.
20.º Como se alcança a fl. 123 da acta do apuramento geral deste município (cf. documento n.º 2 que junta e dá por reproduzido) e é do conhecimento público, o número de eleitores recenseados a levar em conta para a distribuição de mandatos foi publicado no Diário da República, de 27 de Junho de 2005.
21.º Vale isto por dizer que não foi cumprido o prazo de 120 dias previsto no já referido n.º 2 do artigo 12.º da LEOAL.
22.º Facto pelo qual a data válida para a determinação definitiva do número de cidadãos recenseados sempre será a data prevista no recenseamento eleitoral que os toma inalteráveis, isto é, no 15.º dia anterior ao acto eleitoral, como prevê neste preciso sentido o artigo 59.º da LRE.
23.º Considerando a invocada inconstitucionalidade do n.º 2 do artigo 12.º, in fine, da LEOAL e a falta de coincidência da publicação dos dados no Diário da República e os 120 dias previstos no mesmo artigo.
E ainda sem prescindir do alegado, sempre se dirá que
24.º Não é despicienda a atribuição de mais dois mandatos, por recurso à representação proporcional constitucionalmente consagrada, pois que permitiria ao partido vencedor das eleições obter mais um vereador.
25.º O que, por certo, permitiria uma melhor coadjuvação do presidente da Câmara, na medida em que a gestão do município ficaria melhor assegurada, a não ser viável um entendimento com os membros do executivo eleitos nas restantes listas.
26.º Em abono do referido, basta atentar no conjunto de atribuições e competências dos municípios, com tendência para virem a aumentar.
27.º Acresce que a ser considerado o prazo que achamos por certo, em nada buliria com os princípios constitucionalmente consagrados e corporizados na lei do recenseamento eleitoral."
Procedeu-se à notificação prevista no n.º 3 do artigo 159.º da lei eleitoral dos órgãos das autarquias locais, aprovada pela Lei Orgânica 1/2001, de 14 de Agosto.
2 - O recurso foi interposto em tempo, tendo o recorrente legitimidade para o efeito (artigos 156.º, n.º 1, 157.º e 158.º da lei eleitoral).
O Tribunal Constitucional já foi confrontado com a questão colocada neste recurso nos seus Acórdãos n.os 599/2001 e 7/2002 (ambos publicados no Diário da República, 2.ª série, de 21 de Fevereiro) e, recentemente, com uma questão semelhante no seu Acórdão 436/2005 (disponível em www. tribunal constitucional.pt).
No primeiro destes acórdãos disse-se o seguinte:
"3 - Da matéria provada resulta claramente, tal como o recorrente alega, que a assembleia de apuramento geral, no tocante à eleição para a Assembleia de Freguesia de Estremoz (Santa Maria), considerou e atribuiu nove mandatos.
Fê-lo por ter atendido, na determinação do número de mandatos, ao número dos eleitores constantes dos cadernos de recenseamento eleitoral, aplicando depois o critério previsto no artigo 5.º, n.º 1, da Lei 169/99.
E, deste modo, sendo de 4988 o número daqueles eleitores, deliberou, face ao citado dispositivo da Lei 169/99, que o número de mandatos era de nove.
Outro seria o resultado se fosse tido em conta o número dos eleitores constantes do referido mapa 36-A/2001 - 5008 - , a que corresponderiam, de acordo com o mesmo artigo 5.º, n.º 1, da Lei 169/99, 13 mandatos, cabendo ao BE, conforme os resultados da votação, o 13.º mandato.
Fundamentou a assembleia geral de apuramento a sua deliberação no disposto nos artigos 146.º, n.º 1, alínea a), e 148.º, n.º 1, da LEOAL.
Mas erradamente, como sustenta o recorrente.
Dispõe, com efeito, o artigo 12.º, n.º 2, da LEOAL:
'2 - Para as eleições gerais o número de mandatos de cada órgão autárquico será definido de acordo com os resultados do recenseamento eleitoral obtidos através da base de dados central do recenseamento eleitoral e publicados pelo Ministério da Administração Interna no Diário da República com a antecedência de 120 dias relativamente ao termo do mandato.'
Em anotação a este preceito escrevem Maria de Fátima Abrantes Mendes e Jorge Miguéis (Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais, Anotada e Comentada, p. 27):
'O n.º 2 é uma importante inovação que vem estabelecer uma data de referência para a definição do número de mandatos a eleger em cada órgão autárquico e com base em resultados oficiais e consolidados, extraídos da base de dados central do RE, institucionalizada pela Lei 13/99 e que é gerida e mantida pelo STAPE/MAI. Sendo a data da eleição incerta, optou-se por tomar como referência o final do mandato dos órgãos.'
De facto, o preceito põe termo às dúvidas que se poderiam suscitar, no domínio da legislação anterior, sobre o universo de eleitores que haveria de ser considerado para determinar a composição de cada órgão autárquico; a variabilidade do número de eleitores recenseados impunha, com efeito, a fixação de uma data de referência e a publicação de um quadro oficial que, independentemente das actualizações verificadas, permitisse a definição daquele universo e, consequentemente, o número de mandatos a eleger.
E obviamente que tal data e quadro (mapa) deveriam anteceder a data que assinala o início do prazo para apresentação das candidaturas, desde logo para permitir que as forças políticas concorrentes pudessem cumprir a obrigação de indicar candidatos em número igual ao dos mandatos a preencher no respectivo órgão e de suplentes (artigo 12.º, n.º 1, da LEOAL).
Assim se compreende e justifica o disposto no n.º 2 do citado artigo 12.º, que, para efeito da composição dos órgãos autárquicos, prevalece sobre o número, eventualmente diferente, que conste dos cadernos eleitorais de que dispõem as assembleias de apuramento; e nada em contrário resulta do disposto no artigo 146.º, n.º 1, alínea a), da mesma lei, que se limita a estabelecer, como uma das operações do apuramento geral, a verificação do número total de eleitores inscritos, não havendo aqui que atender ao referido mapa.
Nesta conformidade, deve, aliás, dizer-se que não é da competência da assembleia de apuramento geral decidir sobre a composição (número de mandatos) do órgão autárquico em causa."
3 - As considerações acabadas de transcrever são inteiramente transponíveis para o presente recurso e permitem concluir, pelas razões ali apontadas, que o número de eleitores relevante é o que consta do mapa 11-A/2005, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 27 de Junho de 2005 (48 933), sendo portanto de sete o número de mandatos a atribuir na eleição para a Câmara Municipal de Amarante (artigo 57.º, n.º 1, alínea e), da Lei 169/99, de 18 de Setembro).
De qualquer modo, e como igualmente se afirmou no citado Acórdão 599/2001, "não é da competência da assembleia de apuramento geral decidir sobre a composição (número de mandatos) do órgão autárquico em causa". É no momento da admissão das candidaturas - com mais rigor, no momento em que se torna definitiva a correspondente decisão - que se fixa esse número, tendo em conta o número de eleitores constantes do referido mapa.
4 - Assim sendo, não se torna necessário apreciar nem a questão de constitucionalidade que foi suscitada nem a do alegado incumprimento do prazo fixado no n.º 2 do artigo 12.º da lei eleitoral, já que o seu conhecimento não poderia ter nenhuma repercussão no julgamento do presente recurso.
Nestes termos, indefere-se o recurso.
Lisboa, 18 de Outubro de 2005. - Maria dos Prazeres Beleza - Maria Helena Brito Paulo Mota Pinto - Pamplona de Oliveira - Maria João Antunes - Maria Fernanda Palma - Benjamim Rodrigues - Vítor Gomes - Mário Torres - Gil Galeão - Bravo Serra - Artur Maurício.