A infertilidade é, nos dias de hoje, reconhecida como uma doença que, nos países ocidentais, afecta entre 5 % a 15 % dos casais em idade fértil. As suas causas tanto se devem a factores masculinos como femininos e tende a agravar-se com o protelamento da primeira gravidez.
Trata-se de um problema social e de saúde que origina enorme sofrimento a muitas famílias portuguesas.
Neste sentido, os tratamentos para a infertilidade têm vindo a ganhar uma importância crescente. Os tratamentos médicos que envolvem a indução da ovulação são, em alguns casos, recomendados como tratamentos de primeira linha. Os tratamentos de PMA [como a fecundação in vitro (FIV) e a micro injecção intracitoplasmática de espermatozóide (ICSI)] são considerados tratamentos de segunda linha, pese embora uma percentagem dos casais inférteis que procuram tratamento ter indicação directa para este tipo de técnicas.
Sabe-se que, em Portugal, a produção destes tratamentos situa-se em níveis bastante abaixo dos recomendados internacionalmente. Por exemplo, no caso de ciclos FIV/ICSI, a European Society for Human Reproduction and Embryology recomenda uma produção de 1500 ciclos por milhão de habitantes. Ora, os dados disponíveis em Portugal permitem estimar a realização anual de 2500 ciclos de FIV/ICSI, o que corresponde a apenas 250 ciclos por milhão de habitantes.
Reconhece-se, no entanto, que a recomendação daquela Sociedade acima referida é muito ambiciosa, uma vez que, em 2004, no conjunto de países europeus que têm registo nacional de PMA completo (o que exclui Portugal), a média de produção foi de 1166 ciclos de FIV/ICSI por milhão de habitantes/por ano. Países como a Alemanha e o Reino Unido produziram, naquele ano, respectivamente, 803 e 665 ciclos de FIV/ICSI por milhão de habitantes.
O contexto português actual caracteriza-se por fortes restrições ao acesso de tratamentos de PMA face às necessidades identificadas, traduzindo-se em significativas listas de espera no Serviço Nacional de Saúde. Verificam-se, portanto, iniquidades no acesso à PMA e também no seu financiamento, em virtude de a realização destes tratamentos no sector privado depender fortemente do estatuto sócio-económico dos casais, com os de maior rendimento a poderem suportar os custos elevados dos tratamentos. O facto de no sector privado se verificarem grandes assimetrias de preços para os mesmos tratamentos, dada a inexistência de regulação, agrava adicionalmente estas desigualdades. Outra fragilidade da situação actual decorre da inexistência de um sistema de informação completo que permita conhecer a realidade epidemiológica da infertilidade e da produção de PMA, incluindo os aspectos da regulação clínica dos tratamentos, ao contrário do que sucede em vários países europeus. Em 2006, a Assembleia da República, através da Lei 32/2006, de 26 de Julho, criou o Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida, ao qual compete, genericamente, pronunciar-se sobre as questões éticas, sociais e legais da PMA. Por outro lado, e de acordo com o despacho 15 304/2007, de 20 de Junho, ao Governo compete implementar o Programa Nacional de Saúde Reprodutiva, bem como autorizar o funcionamento da rede de centros públicos ou privados de PMA. Assim, o incentivo à PMA e a alteração do modelo subjacente ao seu financiamento público exige uma estreita articulação entre o Ministério da Saúde e aquele Conselho.
Face aos problemas acima identificados, o Governo decide criar um Projecto de Incentivos à PMA que, entre outros aspectos, amplia a responsabilidade do Estado no financiamento destes tratamentos.
A implementação deste Projecto de Incentivos envolve a participação de vários serviços deste Ministério, pelo que se torna imprescindível traçar as orientações necessárias para alcançar aquele desiderato.
Assim, determino o seguinte:
1 - Criar o Projecto de Incentivos à PMA, com os seguintes objectivos:a) Aproximar Portugal da produção média de tratamentos verificada na Europa;
b) Favorecer a equidade no acesso e no financiamento da PMA;
c) Melhorar a regulação clínica dos tratamentos para a infertilidade;
d) Definir uma tabela homogénea de tratamentos da infertilidade;
e) Gerar maior capacidade no sector público e organizar a oferta.
2 - Os objectivos do Projecto de Incentivos à PMA, previstos no número anterior, são alcançados através dos seguintes instrumentos:
a) A médio prazo, passar dos actuais 2500 ciclos para 6250 ciclos FIV/ICSI por ano;
b) Reduzir listas de espera e tornar a capacidade de acesso menos dependente do estatuto sócio-económico dos casais, através de uma responsabilização financeira do Estado proporcionalmente maior;
c) Desenvolver protocolos de orientação clínica que normalizem a prática terapêutica em função das situações clínicas diagnosticadas, incentivando abordagens de tratamentos de primeira linha sempre que a boa prática o recomende;
d) Estabelecer o regime de preços;
e) Desenvolver circuitos de referenciação e implementar sistemas de informação fiáveis e abrangentes.3 - O Projecto de Incentivos à PMA funciona no âmbito do Programa Nacional de Saúde Reprodutiva (PNSR) sedeado na Direcção-Geral de Saúde (DGS).
4 - À DGS cabe:
a) Propor ao membro do Governo responsável pela área da saúde, no prazo de 90 dias, através da coordenação do PNSR, protocolos de orientação clínica para a abordagem à infertilidade com tratamentos de primeira e de segunda linha, bem como desenvolver trabalhos de validação técnica dos mesmos com as sociedades científicas representativas e em articulação com o Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida (CNPMA);b) Definir, no prazo de 30 dias, através da coordenação do PNSR, as linhas de orientação para abordagem inicial do casal potencialmente infértil na consulta de triagem e de referenciação para avaliação e diagnóstico de infertilidade;
c) Organizar e manter actualizado um registo dos centros de tratamento de infertilidade/PMA, públicos e privados, autorizados pela Ministra da Saúde após parecer prévio do CNPMA, e publicá-lo no seu sítio da Internet;
d) Definir, no prazo de 45 dias, as especificações de um sistema de informação para registo estatístico e epidemiológico anónimo sobre os diagnósticos de infertilidade e respectivos tratamentos, de preenchimento sistemático e obrigatório, por todas as unidades de infertilidade e centros de tratamento de infertilidade/PMA, públicos e privados, autorizados;
e) Articular com o CNPMA a definição e aprovação de um modelo de documento, a apresentar no prazo de 45 dias, através do qual os beneficiários das técnicas de PMA prestam o seu consentimento;
f) Propor ao membro do Governo responsável pela área da saúde, no prazo de 45 dias, em articulação com as administrações regionais de saúde, um modelo de referenciação para as unidades de infertilidade do SNS, incluído na Rede de Referenciação Materno-Infantil;
g) Desenvolver, no prazo de 30 dias, um programa de formação dos profissionais do SNS na área da infertilidade, em articulação com as sociedades científicas adequadas e com as administrações regionais de saúde.
5 - À Administração Central do Sistema de Saúde, I. P. (ACSS, I. P.) cabe, em articulação com a DGS:
a) Lançar, no prazo de 60 dias, um concurso público para as especificações a garantir nos sistemas de informação de modo a permitir a adequada referenciação para a consulta de diagnóstico de infertilidade e a posterior referenciação, sempre que se revele necessária, para um centro de tratamento de infertilidade/PMA, público ou privado. Neste segundo patamar de referenciação, há que ter em conta o critério do tempo de espera conhecido para o início dos tratamentos, a par com critérios clínicos e a preferência do casal, bem como a imprescindibilidade de manter níveis mínimos de referenciação de 50 % para os centros de PMA públicos. A este sistema de referenciação para os centros de PMA tem de estar associado o adequado módulo de facturação dos tratamentos ministrados;
b) Propor ao membro do Governo responsável pela área da saúde, para publicação, a necessária correcção à tabela de preços do SNS no que toca ao capítulo da medicina da reprodução, no prazo de 45 dias;
c) Propor ao membro do Governo responsável pela área da saúde um programa de contratualização adequado para os centros públicos de PMA para vigorar ainda em 2008.
6 - Às administrações regionais de saúde, apoiadas pela ACSS, I. P., e pela DGS, compete:
a) Organizar um levantamento das necessidades de investimento dos centros públicos de PMA e do seu nível de adequação às exigências de funcionamento recentemente definidas pelo CNPMA, no prazo de 45 dias;
b) Acompanhar regionalmente os níveis de referenciação para centros de tratamento de infertilidade/PMA, em moldes que assegurem níveis de referenciação para os centros públicos nunca inferiores a 50 % do total das necessidades.
7 - Os tratamentos de PMA realizados no sector público podem beneficiar de um regime de incentivos à qualidade em termos da prevenção da gravidez múltipla, enquadrado numa política de promoção de boa prática clínica, que são reinvestidos na área do tratamento da infertilidade, tanto em renovação de equipamentos, como em formação especializada de recursos humanos.
8 - O coordenador do PNSR propõe ao membro do Governo responsável pela área da saúde, no prazo de 60 dias, os indicadores e as condições mínimas de actividade e qualidade a considerar para efeitos do benefício deste regime de incentivos à qualidade clínica no sector público.
9 - A ACSS propõe ao membro do Governo responsável pela área da saúde, anualmente, para o ano seguinte, a dotação financeira a atribuir a este regime de incentivos à qualidade clínica dos centros públicos de PMA, até final de Outubro de cada ano.
10 - Os estabelecimentos hospitalares do SNS com centros públicos de tratamento de infertilidade/PMA autorizados definem as condições de aplicação interna deste regime de incentivos.
11 - O Ministério da Saúde, para além de assumir os encargos da produção de PMA no sector público, assume o financiamento dos tratamentos de primeira linha e do primeiro ciclo dos tratamentos de segunda linha, realizados no sector privado, desde que resultantes de referenciação prévia pelo Serviço Nacional de Saúde (SNS) e nos termos consensualizados pelos protocolos de orientação clínica.
12 - As questões relacionadas com a alteração do modelo de financiamento são definidas em diploma próprio.
6 de Maio de 2008. - A Ministra da Saúde, Ana Maria Teodoro Jorge.