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Acórdão 282/2005/T, de 6 de Julho

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Texto do documento

Acórdão 282/2005/T. Const. - Processo 1057/2004. - Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

A - Relatório. - 1 - POSOLIS - Indústria de Malhas, Lda., recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão (LTC), da sentença proferida pelo Tribunal do Trabalho de Braga de 28 de Outubro de 2004, que, julgando procedente a acção emergente de contrato de trabalho contra ela interposta pela A. Ana Maria Cerqueira Mota, a condenou a pagar-lhe a quantia de Euro 49,74, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal, pretendendo a apreciação da inconstitucionalidade da norma constante da alínea c) do n.º 1 do artigo 1.º da portaria de extensão de trabalho dimanada do Secretário de Estado do Trabalho e do Emprego de 26 de Maio de 2003 e publicada no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª série, n.º 21, de 8 de Junho de 2003, nos termos da qual a "presente portaria não é aplicável às relações de trabalho tituladas por trabalhadores filiados em sindicatos inscritos na FESETE - Federação dos Sindicatos Têxteis, Lanifícios, Vestuário e Peles de Portugal", por violação do princípio da igualdade, na dimensão concretizada no artigo 13.º, n.º 2, e do princípio de "para trabalho igual salário igual segundo a quantidade, natureza e qualidade" consagrado no artigo 59.º, n.º 1, ambos da Constituição da República Portuguesa (CRP).

2 - Na acção, a referida A. pediu a condenação da R., ora recorrente, a pagar-lhe aquela quantia com fundamento no facto de esta lha haver descontado por virtude de faltas ao trabalho dadas por aquela nos dias 27 de Março de 2003, 3 de Março de 2004 e 4 de Março de 2004 a fim de poder prestar assistência inadiável e imprescindível ao seu filho menor e de, segundo o disposto na cláusula 48.ª, n.º 2, alínea f), do contrato colectivo de trabalho celebrado entre a Associação Nacional das Indústrias Têxteis, Algodoeiras e Fibras e outras e o SINDETEX - Sindicato Democrático dos Têxteis e outros, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego (BTE), 1.ª série, n.º 37, de 8 de Outubro de 1981, com as alterações publicadas no mesmo Boletim, 1.ª série, n.os 37, de 8 de Outubro de 1983, 41, de 8 de Novembro de 1989, 5, de 8 de Fevereiro de 1982, 22, de 22 de Março de 1995, e 13, de 8 de Abril de 1998, respectivamente, e a portaria de regulamentação de trabalho para o sector têxtil e vestuário e outras, publicada no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª série, n.º 21, de 8 de Junho de 2003, essas faltas deverem ser tidas como justificadas.

3 - Na contestação, a R. suscitou a questão de inconstitucionalidade, por violação do princípio da igualdade, na dimensão e concretização precisadas, da norma constante da alínea c) do n.º 1 do artigo 1.º da referida portaria de extensão de trabalho, de 2003, que exclui do seu âmbito de aplicação a FESETE - Federação dos Sindicatos Têxteis, Lanifícios, Vestuário e Peles de Portugal, na medida em que a A. é associada do Sindicato Têxtil do Minho e Trás-os-Montes e este está integrado naquela Federação, pelo que o seu contrato de trabalho não está sujeito ao regime "estendido" pela portaria.

4 - A sentença recorrida julgou procedente a acção, tendo-se baseado - no que importa à compreensão do objecto do recurso, nas seguintes considerações:

"A autora pretende o reconhecimento de que às relações laborais existentes entre si e a ré seja aplicado o CCT publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª série, n.º 37, de 8 de Outubro de 1981, e, em consequência, que se lhe pague a quantia de Euro 49,74, respeitante ao desconto na sua remuneração que a entidade patronal efectuou, em virtude de ter faltado ao trabalho para prestar assistência inadiável e imprescindível ao seu filho menor.

A autora é associada do Sindicato Têxtil do Minho e Trás-os-Montes.

É aplicável à relação de trabalho entre autora e ré o contrato colectivo de trabalho celebrado entre a Associação Nacional das Indústrias Têxteis, Algodoeiras e Fibras e outras e o SINDETEX - Sindicato Democrático dos Têxteis e outros, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª série, n.º 37, de 8 de Outubro de 1981, com as alterações publicadas no mesmo Boletim, 1.ª série, n.º 37, de 8 de Outubro de 1983, 41, de 8 de Novembro de 1989, 5, de 8 de Fevereiro de 1992, 22, de 22 de Março de 1995, e 13, de 8 de Abril de 1998, respectivamente, e a PE - portaria de regulamentação de trabalho para o sector têxtil e vestuário e outros, publicada no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª série, n.º 21, de 8 de Junho de 2003.

O que verdadeiramente distingue a convenção colectiva é a sua eficácia normativa: a quase totalidade do clausulado aparece, não como um conjunto de compromissos entre os outorgantes (à imagem dos contratos em geral), mas como um complexo de autênticas normas jurídicas endereçadas aos trabalhadores e aos empregadores que cabem no âmbito originário ou derivado da convenção. Essas normas definem um 'modelo' para as relações individuais de trabalho que se desenvolvam nesse âmbito - são pois normas reguladoras dos contratos de trabalho - artigo 12.º da LCT - cf. Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, p. 758.

Nos termos da cláusula 48.ª, n.º 2, alínea f), da LCT, aplicável às relações de trabalho existentes entre autora e ré, consideram-se justificadas as faltas motivadas pela 'necessidade, devidamente comprovada, de prestação de assistência inadiável a membros do seu agregado familiar em caso de acidente ou doença súbita, por períodos nunca superiores a dois dias'.

Para além de se considerarem justificadas, nos termos da cláusula 49.ª, n.º 1, do citado CCT, as ausências de serviço com fundamento na alínea f) da cláusula 48.ª, n.º 2, não determinam a perda de quaisquer direitos ou regalias do trabalhador.

Ao arrepio do que se estabelece na citada cláusula 49.ª, n.º 1, da LCT, a ré procedeu ao desconto da quantia de Euro 49,74 na remuneração mensal da autora referente aos meses de Março de 2003 e Março de 2004, por aquela ter tido a inadiável necessidade de prestar assistência ao seu filho menor de 3 anos que padeceu de doença súbita.

Ora, este desconto na remuneração da autora contraria o disposto na citada cláusula 49.ª, n.º 1, do CCT e, por conseguinte, é ilegal, uma vez que contraria a referida eficácia normativa da convenção colectiva aplicável.

Mas, a ré alega que o CCVT, sendo objecto da portaria de extensão publicada no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª série, n.º 21, de 8 de Junho de 2003, não é aplicável.

A ré não tem razão, pois, pelo que já acima se referiu, às relações de trabalho entre ela e a autora é aplicável o CCT celebrado entre a Associação Nacional das Indústrias Têxteis, Algodoeiras, Fibras e outras e o SINDETEX - Sindicato Democrático dos Têxteis e outros, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª série, n.º 37, de 8 de Outubro de 1981, e a portaria de regulamentação do trabalho para o sector têxtil e vestuário e outras, publicada no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª série, de 8 de Junho de 2003.

Invoca também a ré que a não aplicação ao caso dos autos do CCT objecto da portaria de extensão publicada no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª série, n.º 21, de 8 de Junho de 2003 [artigo 1.º, n.º 1, alínea c)], viola frontalmente o disposto nos artigos 13.º, n.º 2, e 59.º, n.º 1, alínea a), da Constituição.

A proibição de discriminação, consignada no n.º 2 do artigo 13.º, 'não significa uma exigência de igualdade absoluta em todas as situações, nem proíbe diferenciação de tratamento. O que exige é que as medidas de diferenciação sejam materialmente fundadas sob o ponto de vista da segurança jurídica, da praticabilidade, da justiça e da solidariedade e não se baseiem em qualquer motivo constitucionalmente impróprio. As diferenciações de tratamento podem ser legítimas quando: a) se baseiem numa distinção objectiva da situação; b) não se fundamentem em qualquer dos motivos indicados no n.º 2; c) tenham um fim legítimo segundo o ordenamento constitucional positivo; d) se revelem necessárias, adequadas e proporcionais à satisfação do seu objectivo. Aliás, a Constituição prevê, ela mesma, discriminações práticas, legitimadoras de tratamento diferenciado (artigos 56.º, n.º 6, 60.º, n.º 2, 69.º, n.º 2, 70.º, n.º 1, e 76.º)', Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República, Anotada, 2.ª ed., vol. I, p. 150.

'O princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da Constituição exige que se trate por igual o que é essencialmente igual e desigualmente o que é essencialmente desigual. Tal princípio analisa-se, pois, numa proibição do arbítrio e da discriminação e numa obrigação de diferenciação: por um lado, são inadmissíveis diferenciações de tratamento irrazoáveis, sem fundamento material ou tendo por base meras categorias subjectivas; por outro lado, impõe-se tratar diferentemente o que é desigual [Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 313/89, de 9 de Março, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 385, p. 188].'

Não se vê, todavia, em que aspecto é que a filiação do sindicato na FESETE pode gerar qualquer discriminação ou violação de princípio que o artigo 59.º, n.º 1, alínea a), da Constituição consagra."

5 - Alegando, no Tribunal Constitucional, sobre o objecto do recurso, assim concluiu a recorrente:

"1.ª A portaria do Secretário de Estado do Trabalho de 26 de Maio de 2003, in Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 21, de 8 de Junho de 2003, que, pelo seu artigo 1.º, n.º 1, alínea c), determinou a sua não aplicação às relações de trabalho tituladas por trabalhadores filiados em sindicatos inscritos na FESETE, está ferida de inconstitucionalidade material, por violação dos artigos 13.º, n.º 2, e 59.º, n.º 1, da Constituição.

2.ª Com efeito, esta norma excludente baseia-se, pelo menos de forma indirecta, nas convicções políticas ou ideológicas dos trabalhadores excluídos, e que sempre estão na base da sua filiação neste e não naquele sindicato - artigo 13.º, n.º 2.

3.ª Por outro lado, viola, também, o disposto no artigo 59.º, n.º 1, do texto fundamental, que impõe, 'para trabalho igual salário igual segundo a quantidade, natureza e quantidade'.

4.ª Na verdade, permite que na mesma empresa subsistam, lado a lado, trabalhadores com regimes remuneratórios diferentes, sem que tal se baseie em razões de qualidade, natureza e qualidade.

5.ª E viola, também, o princípio de normalização e igualdade de regulamentação e disciplina que as, então, ditas portarias de extensão visam alcançar tendo por objecto a paz social.

6.ª A douta decisão em causa violou o disposto no artigo 18.º, n.º 1, da Constituição."

6 - Por seu lado, a A., ora recorrida, contra-alegou, defendendo o julgado e concluindo:

"A) O recurso interposto pela recorrente é desprovido de fundamento legal, porquanto, salvo o devido respeito por melhor opinião, não se verifica a inconstitucionalidade apontada pela recorrente.

B) Atento o objectivo das associações sindicais na defesa e promoção da defesa dos direitos e interesses dos trabalhadores (conforme artigo 56.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa), é consagrado aos trabalhadores o direito de tendência [artigo 55.º, n.º 2, alínea e), da Constituição da República Portuguesa].

C) O princípio da liberdade sindical (artigo 55.º da Constituição da República Portuguesa) afasta a interpretação que a recorrente plasma no seu recurso.

D) Ainda que a portaria de extensão de 26 de Maio de 2003, publicada no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 21, de 8 de Junho de 2003, não contivesse uma norma como a que vem plasmada na alínea c) do seu n.º 1, jamais o CCT enunciado pela recorrente nos autos seria aplicável à recorrida, já que as convenções colectivas de trabalho apenas são aplicáveis aos trabalhadores inscritos nas associações sindicais outorgantes das mesmas, situação que não se verificou quanto ao indicado CCT.

E) Pelo exposto, conclui-se que inexiste a inconstitucionalidade apontada pela recorrente, sendo acertada a douta decisão proferida em 1.ª instância."

Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.

B - Fundamentação. - 7 - Dispõe o n.º 1 do artigo 1.º da portaria de extensão, publicada no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª série, n.º 21, de 8 de Junho de 2003 [transcrevem-se também as alíneas a) e b), aqui não sindicadas, para melhor compreensão da norma constante da sua alínea c), que constitui objecto do recurso de constitucionalidade]:

"As condições de trabalho constantes das alterações do contrato colectivo de trabalho celebradas entre a Associação Portuguesa de Têxteis e Vestuário e outras e o SINDETEX - Sindicato Democrático dos Têxteis e outras são estendidas no território do continente:

a) Às relações de trabalho entre as entidades patronais não filiadas nas associações patronais outorgantes e trabalhadores aos seu serviço das categorias profissionais nela previstos;

b) Às relações de trabalho entre entidades patronais filiadas nas associações patronais outorgantes e trabalhadores não representados pelas associações sindicais subscritoras;

c) A presente portaria não é aplicável às relações de trabalho tituladas por trabalhadores filiados em sindicatos inscritos na FESETE - Federação dos Sindicatos Têxteis, Lanifícios, Vestuário e Peles de Portugal."

8 - Para melhor se compreenderem os seus efeitos jurídicos, importa explicar o contexto dos contratos colectivos de trabalho em que surge a norma cuja constitucionalidade se questiona. O regime jurídico estabelecido pelo contrato colectivo de trabalho celebrado entre a Associação Nacional das Indústrias Têxteis, Algodoeiras e Fibras e outras e o Sindicato Democrático dos Têxteis e outros, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª série, n.º 37, de 8 de Outubro de 1981, e sucessivamente alterado, passou a regular, por via de portaria de extensão, as relações de trabalho existentes entre a R. e os seus trabalhadores filiados em sindicatos inscritos na FESETE - Federação dos Sindicatos Têxteis, Lanifícios, Vestuário e Peles de Portugal.

De tal contrato colectivo de trabalho consta a cláusula 48.ª, n.º 2, alínea f), em cuja aplicação se baseia a condenação decretada pela sentença, nos termos da qual se consideram justificadas as faltas motivadas pela "necessidade, devidamente comprovada, de assistência inadiável a membros do seu agregado familiar em caso de acidente ou doença súbita, por período nunca superior a dois dias".

Na última alteração deste contrato colectivo de trabalho verificada antes da publicação da portaria de extensão de que faz parte a norma aqui constitucionalmente sindicada, essa norma deixou de constar do contrato colectivo.

Ao excluir da extensão do regime jurídico instituído por essa última alteração do referido contrato colectivo as relações de trabalho tituladas por trabalhadores filiados em sindicatos inscritos na FESETE - Federação dos Sindicatos Têxteis, Lanifícios, Vestuário e Peles de Portugal - situação em que se encontra o Sindicato Têxtil do Minho e Trás-os-Montes de que a A. é associada -, a norma em causa conduz, na interpretação sufragada pela sentença recorrida, à não aplicação da alteração acontecida relativamente à mencionada norma da cláusula 48.ª, n.º 2, alínea f), e à manutenção do nela disposto anteriormente.

Ora, defende a recorrente que uma tal exclusão ofende o princípio da igualdade, na dimensão concretizada no artigo 13.º, n.º 2, e o princípio de "para trabalho igual salário igual segundo a quantidade, natureza e qualidade", consagrado no artigo 59.º, n.º 1, ambos da CRP.

9 - Como resulta do exposto, a violação destes princípios é, no caso em apreço, imputada a uma norma constante de portaria de extensão de contrato colectivo de trabalho.

A portaria de extensão é um instrumento normativo previsto na legislação ordinária (ao tempo, nos artigos 27.º a 29.º do Decreto-Lei 519-C1/79, de 9 de Dezembro, e, hoje, nos artigos 573.º e seguintes do Código do Trabalho, aprovado pela Lei 99/2003, de 27 de Agosto) através do qual se determina a aplicação, total ou parcial, de convenção colectiva de trabalho a entidades patronais do mesmo sector económico e a trabalhadores da mesma profissão ou profissão análoga, sendo naquela sua sujeição ao princípio da legalidade que se funda a sua natureza de regulamento (cf. artigos 2.º, n.º 2, e 29.º do Decreto-Lei 519-C1/79 e 575.º, n.º 1, do Código do Trabalho).

Através da portaria de extensão, o âmbito da eficácia pessoal do contrato colectivo a que diz respeito é alargado, passando a reger igualmente relações juslaborais de sujeitos que não intervieram no respectivo acordo colectivo nem nele estavam representados.

A Constituição não fixa o regime de eficácia das convenções colectivas decorrentes do exercício do direito de contratação colectiva que reconhece às associações sindicais, remetendo essa fixação para a lei ordinária, ao dispor no n.º 4 do seu artigo 56.º que "[A] lei estabelece as regras respeitantes à legitimidade para a celebração das convenções colectivas de trabalho, bem como à eficácia das respectivas normas".

Ao tempo da edição da norma questionada (hoje mostra-se contemplada no artigo 552.º do Código do Trabalho), essa tarefa mostrava-se concretizada no artigo 7.º do Decreto-Lei 519-C1/79, que dispunha pelo seguinte modo:

"1 - As convenções colectivas de trabalho obrigam as entidades patronais que as subscrevem e as inscritas nas associações patronais signatárias, bem como os trabalhadores ao seu serviço que sejam membros quer das associações sindicais celebrantes quer das associações sindicais representadas pelas associações sindicais celebrantes.

2 - As convenções outorgadas pelas uniões, federações e confederações obrigam as entidades patronais empregadoras e os trabalhadores inscritos, respectivamente, nas associações patronais e nos sindicatos representados nos termos dos estatutos daquelas organizações, quando outorguem em nome próprio ou em conformidade com o mandato a que se refere o artigo 4.º"

Mas, como se vê dos seus próprios termos, o preceito constitucional não impede que o legislador ordinário torne eficaz o conteúdo normativo das convenções colectivas fora do âmbito dos sujeitos que as subscrevem ou são por eles representados.

Conquanto a eficácia vinculativa das cláusulas da convenção colectiva estendida não corresponda, então, a um efeito que a lei ordinária adstrinja directamente ao acordo dos respectivos sujeitos, mas antes o impute ao acto da autoridade pública administrativa que se apropria do conteúdo normativo de tais cláusulas, não deixa o legislador de estar, ainda aqui, a fixar o âmbito da sua eficácia para fora do âmbito dos seus contraentes.

As portarias de extensão tornam-se, de resto, necessárias como modo de suprimento da falta de contratação colectiva entre os sujeitos que abrange e de dar satisfação, no plano substancial, ao princípio da igualdade (artigo 13.º da Constituição) e da sua especial concretização que é o princípio de para trabalho igual salário igual [artigo 59.º, n.º 1, alínea a), da Constituição].

Mas daqui não se segue que, estando as condições de trabalho fixadas por determinada convenção colectiva de trabalho que foi estendida por uma portaria de extensão, haja forçosamente o legislador de determinar a aplicação, pela mesma via administrativa, de uma convenção colectiva que, na sequência de um processo de negociação colectiva, venha alterar a convenção anterior, ao contrário do que defende a recorrente.

Independentemente do valor que se atribua ao princípio do tratamento mais favorável no domínio da negociação colectiva (cf. artigos 15.º do Decreto-Lei 519-C1/79 e 560.º, n.º 3, do Código do Trabalho), não pode o conteúdo da nova convenção colectiva, mesmo no tocante à sua ponderação como tendo carácter globalmente mais favorável, deixar de ser visto como uma concretização da vontade negocial das associações sindicais e dos direitos e interesses cuja consagração normativa intentaram obter através do exercício do direito de contratação colectiva, reconhecido constitucionalmente.

É nesta visão das coisas que assenta, de resto, a regra estabelecida, ao tempo, nos n.os 5 e 6 do artigo 29.º do referido Decreto-Lei 519-C1/79 (hoje constante do artigo 576.º do Código do Trabalho), nos termos da qual, antes de ser emitida portaria que determine "a extensão total ou parcial das convenções colectivas ou decisões arbitrais a entidades patronais do mesmo sector económico e a trabalhadores da mesma profissão ou profissão análoga, desde que exerçam a sua actividade na área e no âmbito fixados e não estejam filiados nas mesmas associações", deve o Ministro do Trabalho "publicar um aviso no Boletim do Trabalho e Emprego definindo o âmbito e a área da portaria a emitir" e "nos 15 dias seguintes ao da publicação do aviso, podem os interessados no processo de extensão deduzir oposição fundamentada".

Sendo assim, poderá dizer-se que a alteração acordada relativamente à referida cláusula 48.ª, n.º 2, alínea f), bem como à de outras cláusulas, representa sempre o resultado de um juízo de ponderação global que foi levado a cabo pelas associações sindicais (e também pelas associações patronais) sobre o nível e o modo de realização dos interesses dos trabalhadores seus filiados cuja consagração normativa pretenderam obter através do exercício do seu direito de contratação colectiva, constitucionalmente reconhecido (artigo 56.º, n.os 1 e 3, da CRP). Ou seja, essa cláusula, como outras, é sempre expressão do exercício do direito de contratação colectiva de quem se vinculou no contrato colectivo de trabalho.

Mas o mesmo já não pode o legislador de uma portaria de extensão pensar relativamente àqueles que expressamente repudiam o carácter eventualmente mais vantajoso.

Se os hipotéticos beneficiários da portaria de extensão de trabalho se opõem a que sejam tratados nos mesmos termos daqueles que subscreveram a convenção colectiva de trabalho a estender, tal quer dizer que aqueles afastam o tratamento igualitário que lhes é proposto por o considerarem menos vantajoso para a defesa dos seus interesses.

Ora, o legislador, na sua opção política de determinar a extensão total ou parcial da convenção colectiva, não pode, até por força da própria lei (artigo 29.º, n.os 5 e 6, do referido Decreto-Lei 519-C1/79), deixar de atender à existência de oposição fundamentada à extensão a determinar por portaria.

E é certo que a recorrente não questiona a constitucionalidade desta norma de cujo cumprimento decorre a atitude do legislador de excluir do âmbito subjectivo da extensão da referida convenção colectiva a FESETE - Federação dos Sindicatos Têxteis, Lanifícios, Vestuário e Peles de Portugal.

10 - De qualquer modo, e independentemente de saber-se se o princípio da igualdade pode ser convocado por quem ou em relação a quem, como a empresa, não se integra nas situações jurídicas que se pretendem comparar (no caso, os trabalhadores filiados e os trabalhadores não filiados nos sindicatos associados na FESETE), é também certo que a exclusão da extensão da convenção colectiva de trabalho determinada na portaria da identificada federação sindical não ofende de qualquer jeito esse princípio.

O princípio da igualdade, constitucionalmente consagrado no artigo 13.º da lei fundamental, tem como fundamento a igual dignidade social de todos os cidadãos. De acordo com a formulação constantemente repetida na jurisprudência do Tribunal Constitucional, de que o recente Acórdão 232/2003, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 17 de Julho de 2003, fez uma recensão alargada, são três as dimensões que o princípio convoca: a) a proibição do arbítrio, consubstanciada na inadmissibilidade de diferenciação de tratamento sem qualquer justificação razoável, apreciada esta de acordo com critérios objectivos de relevância constitucional, e afastando também o tratamento idêntico de situações manifestamente desiguais; b) a proibição de discriminação, impedindo diferenciações de tratamento entre os cidadãos que se baseiem em categorias meramente subjectivas ou em razão dessas categorias; c) e a obrigação de diferenciação, como mecanismo para compensar as desigualdades de oportunidades, que pressupõe a eliminação, pelos poderes públicos, de desigualdades fácticas de natureza social, económica e cultural (cf. neste sentido, J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Anotada, Coimbra Editora, Coimbra, 1993, pp.127 e segs.).

O Tribunal Constitucional tem ponderado, reiteradamente, que o princípio da igualdade só é violado quando o legislador trate diferentemente situações que são essencialmente iguais, não proibindo diferenciações de tratamento quando estas sejam materialmente fundadas (v. g., os Acórdãos n.os 39/88, publicado no Diário da República, 1.ª série, de 3 de Março de 1988, 68/97, publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 36.º vol., 1997, pp. 259 e segs., 202/2002, publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 53.º vol., 2002, pp. 223 e segs., e 177/99, publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 43.º vol., 1999, pp. 109 e segs.).

Por outro lado, o Tribunal tem também entendido que a proibição do arbítrio exige ainda tratamento diferenciado, mas proporcionado, de situações que, no plano fáctico, surjam como diversas.

A este respeito pode ler-se no referido Acórdão 39/88:

"A igualdade não é, porém, igualitarismo. É, antes, igualdade proporcional. Exige que se tratem por igual as situações substancialmente iguais e que a situações substancialmente desiguais se dê tratamento desigual, mas proporcionado: a justiça, como princípio objectivo, 'reconduz-se, na sua essência, a uma ideia de igualdade, no sentido de proporcionalidade' - acentua Rui de Alarcão (Introdução ao Estudo do Direito, Coimbra, lições policopiadas de 1972, p. 29).

O princípio da igualdade não proíbe, pois, que a lei estabeleça distinções. Proíbe, isso sim, o arbítrio, ou seja, proíbe as diferenciações de tratamento sem fundamento material bastante, que o mesmo é dizer sem qualquer justificação razoável, segundo critérios de valor objectivo, constitucionalmente relevantes. Proíbe também que se tratem por igual situações essencialmente desiguais. E proíbe ainda a discriminação, ou seja, as diferenciações de tratamento fundadas em categorias meramente subjectivas, como são as indicadas, exemplificativamente, no n.º 2 do artigo 13.º

Respeitados estes limites, o legislador goza de inteira liberdade para estabelecer tratamentos diferenciados.

O princípio da igualdade, enquanto proibição do arbítrio e da discriminação, só é, assim, violado quando as medidas legislativas contendo diferenciações de tratamento se apresentem como arbitrárias, por carecerem de fundamento material bastante."

Ora, não pode dizer-se, de modo algum, desprovida de fundamento racional ou material bastante a solução legislativa, adoptada na portaria que está em causa, de excluir do âmbito de extensão subjectiva do contrato colectivo de trabalho celebrado entre a Associação Nacional das Indústrias Têxteis, Algodoeiras e Fibras e outras e o Sindicato Democrático dos Têxteis e outros, na última alteração sofrida antes da emissão da portaria, a FESETE - Federação dos Sindicatos Têxteis, Lanifícios, Vestuário e Peles de Portugal.

É que, segundo o afirmado no proémio da referida portaria, a restrição da extensão subjectiva em causa ficou a dever-se a oposição dos próprios beneficiários. E relevando a Constituição, no âmbito da contratação colectiva, como se viu, a autonomia contratual das associações sindicais - o que pressupõe a sua liberdade de avaliação dos seus interesses, de se vincular ou de aceitar a proposta de extensão de convenção colectiva celebrada entre outros sujeitos -, existe aí razão bastante para o legislador atender à oposição feita pela associação sindical à extensão da última alteração da referida convenção colectiva e para não determinar a aplicação do regime igualitário que decorreria, porventura, da extensão da convenção colectiva.

Quanto à alegação da recorrente de que a exclusão se baseia, pelo menos de forma indirecta, nas convicções políticas ou ideológicas dos trabalhadores excluídos, cumpre dizer que: para determinar a exclusão, o legislador disse ter considerado apenas a oposição à extensão do CCVT da Federação de Sindicatos; que não se vê que com isso tenha querido estabelecer qualquer distinção de trabalhadores com base em quaisquer considerações políticas ou ideológicas, e que, por outro lado, são irrelevantes, do ponto de vista do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º, n.os 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa, as razões por que essa Federação de Sindicatos se opôs.

Impõe-se, pois, concluir que a norma constitucionalmente sindicada não ofende o princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da Constituição, como pelas mesmas razões não ofende a dimensão deste princípio que se encontra concretizada no artigo 59.º, n.º 1, do mesmo compêndio fundamental, do princípio de "para trabalho igual, salário igual".

C - Decisão. - 11 - Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional decide negar provimento ao recurso.

Custas pela recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 20 UC.

Lisboa, 25 de Maio de 2005. - Benjamim Rodrigues - Paulo Mota Pinto - Maria Fernanda Palma - Mário José de Araújo Torres - Rui Manuel Moura Ramos.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/2322096.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1979-12-29 - Decreto-Lei 519-C1/79 - Ministério do Trabalho

    Estabelece o regime jurídico das relações colectivas de trabalho.

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1988-03-03 - Acórdão 39/88 - Tribunal Constitucional

    DECLARA A INCONSTITUCIONALIDADE, COM FORÇA OBRIGATÓRIA GERAL DA NORMA DO ARTIGO 3, NUMERO 1, ALÍNEAS A) E B) E NUMERO 2, DA LEI 80/77, DE 26 DE OUTUBRO, POR VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INDEMNIZAÇÃO CONSAGRADO NO ARTIGO 82 DA CONSTITUICAO. NAO DECLARA A INCONSTITUCIONALIDADE DAS RESTANTES NORMAS QUE VEM IMPUGNADAS.

  • Tem documento Em vigor 2003-06-17 - Acórdão 232/2003 - Tribunal Constitucional

    Pronuncia-se pela inconstitucionalidade do segmento normativo que contém o critério respeitante aos candidatos que tenham acedido ao ensino superior integrados no contingente da Região Autónoma dos Açores, constante da parte final da alínea a) do n.º 7 do artigo 25.º do Regulamento do Concurso do Pessoal Docente da Educação Pré-Escolar e Ensinos Básico e Secundário.(Pocesso nº 306/2003)

  • Tem documento Em vigor 2003-08-27 - Lei 99/2003 - Assembleia da República

    Aprova o Código do Trabalho, publicado em anexo. Transpõe para a ordem jurídica interna o disposto nas seguintes directivas: Directiva nº 75/71/CEE (EUR-Lex), do Conselho, de 10 de Fevereiro; Directiva nº 76/207/CEE (EUR-Lex), do Conselho, de 9 de Fevereiro, alterada pela Directiva nº 2002/73/CE (EUR-Lex), do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Setembro; Directiva nº 91/533/CEE (EUR-Lex), do Conselho, de 14 de Outubro; Directiva nº 92/85/CEE (EUR-Lex), do Conselho, de 19 de Outubro; Directiva nº 93/1 (...)

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