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Acórdão 85/2008, de 11 de Março

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Sumário

Declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma contida no n.º 1 da Resolução da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira n.º 12/2006/M; ressalva, nos termos do artigo 282.º, n.º 4, da Constituição, os efeitos produzidos até à publicação deste acórdão pela norma cuja declaração de inconstitucionalidade agora se emite. (Processo nº 713/06)

Texto do documento

Acórdão 85/2008

Processo 713/06

Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional

I - Relatório

1 - Requerente e pedido. - Um grupo de 24 deputados à Assembleia da República (do Partido Socialista) veio requerer, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 281.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) e no n.º 1 dos artigos 51.º e 62.º da Lei 28/82, de 15 de Novembro, a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma contida no n.º 1 da Resolução da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira n.º 12/2006/M, que «determina a extensão da aplicação do regime previsto no n.º 1 do artigo 46.º do Decreto Legislativo Regional 14/2005/M - Estrutura Orgânica da Assembleia Legislativa da Madeira - aos deputados independentes».

O teor da norma questionada é o seguinte:

«1 - É extensivo aos deputados independentes que não integrem nenhum grupo parlamentar o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 46.º do Decreto Legislativo Regional 14/2005/M, de 5 de Agosto, nos seguintes termos:

Deputado independente - 15 x 14 SMNR (salário mínimo nacional em vigor na Madeira)/mês.

2 - ......................................................................... » A remissão da resolução para a norma da alínea a) do n.º 1 do artigo 46.º do Decreto Legislativo Regional 14/2005/M deve ser entendida como querendo referir-se à redacção dada ao artigo 46.º, n.º 1, alínea a), do Decreto Legislativo Regional 24/89/M, de 7 de Setembro, pelo artigo 29.º do Decreto Legislativo Regional 14/2005/M, de 5 de Agosto, redacção que passou a ser a seguinte:

«Artigo 46.º

Gabinetes dos partidos e dos grupos parlamentares

1 - Os partidos com um único deputado e os grupos parlamentares dispõem, para a utilização de gabinetes constituídos por pessoal da sua livre escolha, nomeação, exoneração e qualificação, de uma verba anual calculada nos seguintes termos:

a) Deputado único/partido e grupos parlamentares - 15 x 14 SMNR (salário mínimo nacional em vigor na Madeira)/mês/número de deputados.» 2 - Fundamentos do pedido. - Os requerentes fundamentaram o pedido nos seguintes termos:

O Decreto Legislativo Regional 14/2005/M, ao dar nova redacção ao artigo 46.º, n.º 1, do Decreto Legislativo Regional 24/89/M, que regula a Estrutura Orgânica da Assembleia Legislativa da Madeira, determinou a atribuição de verbas destinadas a gabinetes de apoio aos deputados dos partidos e grupos parlamentares, optando então, deliberadamente, por não atribuir quaisquer verbas aos deputados independentes.

Em 6 de Junho de 2006, através da Resolução 12/2006/M, a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira veio prescrever que o regime previsto no referido artigo 46.º, n.º 1, alínea a), fosse alargado aos deputados independentes.

Sucede que as categorias ou formas de actos legislativos estão constitucionalmente fixados, especificamente nos n.os 1 a 5 do artigo 112.º da Constituição. Um decreto legislativo regional não pode ser modificado por mera resolução, visto que a resolução é, sob o ponto de vista formal e constitucional, um acto hierarquicamente inferior.

Ora, a Resolução 12/2006/M opera uma verdadeira modificação do Decreto Legislativo Regional 14/2005/M, pois altera substancialmente o seu conteúdo.

Deste modo, ainda que se entenda que o citado decreto gerou uma omissão legal susceptível de configurar a violação de um imperativo constitucional decorrente dos princípios da igualdade ou da equiparação no que respeita aos deputados independentes, a correcção dessa eventual «lacuna» só poderia ser feita através de um acto legislativo de valor equivalente ao do decreto legislativo regional que regula esta matéria.

E a forma não é irrelevante, uma vez que só os decretos legislativos regionais, e não as resoluções, estão sujeitos à assinatura do Representante da República, que pode, inclusivamente, requerer a fiscalização preventiva da sua constitucionalidade.

De resto, quando a Assembleia da República, numa situação análoga, decidiu alterar a lei que atribui verbas aos grupos parlamentares para financiamento dos gabinetes dos grupos parlamentares, conferindo verbas para o mesmo fim, também, aos deputados únicos representantes de um partido e aos deputados independentes, fê-lo por acto legislativo de valor hierárquico equivalente e, além disso, distinguiu o deputado único representante de um partido dos deputados independentes, atribuindo a estes uma verba inferior.

Os requerentes concluem, assim, pela inconstitucionalidade da citada resolução da assembleia legislativa da Região Autónoma da Madeira.

3 - Resposta do órgão autor da norma. - Notificado para se pronunciar sobre o pedido, o Presidente da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira veio alegar, em síntese, o seguinte:

A Constituição estipula, no artigo 180.º, n.º 4, que «aos deputados não integrados nos grupos parlamentares são assegurados os direitos e garantias mínimos, nos termos do Regimento».

Esta disposição é expressamente aplicável às Assembleias Legislativas da Regiões Autónomas, nos termos do artigo 232.º, n.º 4, da Constituição.

A aplicação do princípio constitucional da igualdade entre deputados da mesma assembleia nunca poderia envolver a negação em absoluto do direito a verbas destinadas aos gabinetes dos deputados independentes, face a uma situação em que esse mesmo direito é reconhecido a todos os restantes deputados.

A resolução apenas pretende pôr termo à discriminação resultante do artigo 46.º, n.º 1, do Decreto Legislativo Regional 24/89/M, na redacção do Decreto Legislativo Regional 14/2005/M.

Não há violação do princípio constitucional das formas de lei nem do princípio da hierarquia das normas.

Na verdade, a Constituição criou, no seu artigo 180.º, n.º 4, aplicável às Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas, por força do artigo 232.º, n.º 4, uma reserva de regimento a favor da definição do estatuto mínimo dos deputados independentes (e demais deputados não integrados nos grupos parlamentares).

Esta remissão para o regimento, tendo subjacente um princípio de igualdade e de proibição de discriminação entre deputados de uma mesma assembleia política, afasta a necessidade de intervenção legislativa.

Ademais, a resolução não tem qualquer efeito político decisório inovador e mais não faz do que integrar uma lacuna ou suprir uma omissão violadora da Constituição.

A resolução limitou-se a repor a juridicidade violada através da omissão de reconhecimento expresso aos deputados independentes de um direito criado por anterior acto legislativo a favor de todos os restantes deputados.

Conclui, assim, o órgão autor da norma pela não inconstitucionalidade da Resolução 12/2006/M.

4 - Memorando. - Discutido em plenário o memorando apresentado pelo Presidente do Tribunal Constitucional, nos termos do artigo 63.º, n.º 1, da LTC, e fixada a orientação do Tribunal, cumpre agora decidir em harmonia com o que então se estabeleceu.

II - Fundamentação

5 - A Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira aprovou, através do Decreto Legislativo Regional 14/2005/M, uma alteração ao artigo 46.º, n.º 1, do Decreto Legislativo Regional 24/89/M, estabelecendo uma verba destinada aos gabinetes de apoio aos deputados dos partidos e aos grupos parlamentares de 15 x 14 SMNR (salário mínimo nacional em vigor na Madeira), por mês e por número de deputados.

Esta verba constitui um apoio financeiro ao exercício da actividade parlamentar, destinando-se a fazer face aos encargos decorrentes do funcionamento dos gabinetes das representações parlamentares.

Como este Tribunal reconheceu no Acórdão 376/2005 (Diário da República, 2.ª série, de 19 de Agosto de 2005), a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira é o órgão constitucionalmente competente para legislar sobre esta matéria. É o que resulta do artigo 227.º, n.º 1, alínea a), conjugado com o artigo 232.º, n.º 4, e ainda do artigo 227.º, n.º 1, alínea p), conjugado com o artigo 232.º, n.º 1, todos da Constituição.

A Assembleia produziu esse decreto legislativo regional dentro da legítima faculdade de autoconformação do seu próprio funcionamento. Como se sustenta no já citado Acórdão 376/2005:

«[...] como a determinação e satisfação das necessidades humanas e materiais, no domínio da 'utilização dos gabinetes parlamentares', de 'assessoria, contactos com os eleitores e outras actividades correspondentes aos mandatos dos deputados', demandam, necessariamente, a previsão de verbas para o seu pagamento há-de ver-se implicada na faculdade de regulação interna a possibilidade da previsão de tais verbas.» Posteriormente à aprovação deste decreto legislativo regional, a mesma Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira decidiu aprovar uma nova norma relativa aos deputados independentes, atribuindo-lhes a mesma verba estabelecida para os deputados únicos dos partidos e para os grupos parlamentares, no n.º 1 do artigo 46.º do Decreto Legislativo Regional 24/89/M, na redacção dada pelo Decreto Legislativo Regional 14/2005/M.

Fê-lo através da Resolução 12/2006/M, que estabelece:

«1 - É extensivo aos deputados independentes que não integrem nenhum grupo parlamentar o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 46.º do Decreto Legislativo Regional 14/2005/M, de 5 de Agosto, nos seguintes termos:

Deputado independente - 15 x 14 SMNR (salário mínimo nacional em vigor na Madeira)/mês.» A resolução determina, portanto, que os deputados independentes que não integrem nenhum grupo parlamentar beneficiarão de verbas equivalentes às que são atribuídas aos deputados dos partidos e aos grupos parlamentares. Concedeu, assim, a essa categoria de deputados, condições exactamente iguais àquelas de que beneficiavam todos os outros deputados.

Mas não é o conteúdo da norma expressa na resolução que é questionado, senão antes a validade constitucional da forma de resolução. O que cumpre decidir é se a resolução é a forma constitucionalmente adequada para regular a matéria constante da norma em apreço - a atribuição de uma verba aos deputados independentes para despesas com o funcionamento dos respectivos gabinetes parlamentares.

Vejamos, então, o que estabelece, a este propósito, a Constituição.

6 - A respeito da organização e funcionamento da Assembleia da República, a Constituição define os direitos dos grupos parlamentares no n.º 2 do artigo 180.º:

«Artigo 180.º

Grupos parlamentares

1 - ...........................................................................

2 - Constituem direitos de cada grupo parlamentar:

a) Participar nas comissões da Assembleia em função do número dos seus membros, indicando os seus representantes nelas;

b) Ser ouvido na fixação da ordem do dia e interpor recurso para o Plenário da ordem do dia fixada;

c) Provocar, com a presença do Governo, o debate de questões de interesse público actual e urgente;

d) Provocar, por meio de interpelação ao Governo, a abertura de dois debates em cada sessão legislativa sobre assunto de política geral ou sectorial;

e) Solicitar à Comissão Permanente que promova a convocação da Assembleia;

f) Requerer a constituição de comissões parlamentares de inquérito;

g) Exercer iniciativa legislativa;

h) Apresentar moções de rejeição do programa do Governo;

i) Apresentar moções de censura ao Governo;

j) Ser informado, regular e directamente, pelo Governo, sobre o andamento dos principais assuntos de interesse público.» A concreta regulamentação dos direitos dos grupos parlamentares, a que se refere este n.º 2 do artigo 180.º, integra, em princípio, o Regimento da Assembleia, não estabelecendo a Constituição reserva de lei para regular os termos exactos do exercício desses direitos.

A Constituição faculta ainda aos grupos parlamentares, em norma autónoma, constante do n.º 3 do mesmo artigo 180.º, o direito de disporem de locais de trabalho e de pessoal técnico da sua confiança, exigindo a forma de lei para a sua determinação:

«3 - Cada grupo parlamentar tem direito a dispor de locais de trabalho na sede da Assembleia, bem como de pessoal técnico e administrativo da sua confiança, nos termos que a lei determinar.» Até 1997, o artigo 180.º da Constituição nada estabelecia quanto aos deputados não integrados nos grupos parlamentares. Na revisão constitucional de 1997, foi aditado o n.º 4, que determina:

«4 - Aos Deputados não integrados em grupos parlamentares são assegurados os direitos e garantias mínimos, nos termos do Regimento.» Esta disposição estabelece, no essencial, que, de entre os direitos atribuídos aos grupos parlamentares, há «um mínimo» que não poderá deixar de ser reconhecido aos deputados não integrados nesses grupos. Como os direitos dos grupos parlamentares, previstos no n.º 2, constarão do Regimento, a Constituição não exige, em princípio, nenhum acréscimo de forma para os direitos e garantias mínimos dos deputados não integrados nos grupos parlamentares. Esses direitos «mínimos» constarão do Regimento.

Todas estas disposições do artigo 180.º são expressamente aplicáveis às Assembleias Legislativas Regionais, nos termos do artigo 232.º, n.º 4, da Constituição.

7 - A questão que se levanta é a de saber se, tendo a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira deliberado conceder uma verba aos deputados não integrados nos grupos parlamentares para «a utilização de gabinetes constituídos por pessoal da sua livre escolha», o poderia ter feito por mera resolução, ou se, pelo contrário, o deveria ter feito sob a forma de decreto legislativo regional.

Como vimos, a Constituição admite, em termos gerais, que a regulação dos direitos dos grupos parlamentares e dos direitos e garantias dos deputados não integrados nesses grupos, previstos no artigo 180.º, n.º 2, seja feita através do Regimento da Assembleia e, portanto, sob a forma de resolução.

Foi o que, desenvolvidamente, fez a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, no artigo 12.º do seu Regimento, que concretiza e alarga os direitos enunciados no artigo 180.º, n.º 2, da Constituição:

«Artigo 12.º

Poderes e direitos dos grupos parlamentares

1 - Constituem poderes de cada grupo parlamentar:

a) Exercer iniciativa legislativa;

b) Participar nas comissões da Assembleia Legislativa em função do número dos seus membros, indicando os seus representantes;

c) Ser ouvido na fixação da ordem do dia e interpor recurso para o Plenário da ordem do dia fixada;

d) Provocar, com a presença do Governo, o debate de questões de interesse público actual e urgente;

e) Determinar a ordem do dia de um certo número de reuniões, nos termos do artigo 66.º do Regimento;

f) Provocar, por meio de interpelação ao Governo Regional, a abertura de dois debates em cada sessão legislativa sobre assunto de política geral ou sectorial;

g) Propor à Comissão Permanente que promova a convocação da Assembleia Legislativa;

h) Requerer a constituição de comissões parlamentares de inquérito;

i) Requerer a constituição de comissões eventuais;

j) Requerer o processamento de urgência de projectos ou propostas;

l) Requerer a apreciação das contas da Região;

m) Requerer a interrupção da reunião plenária, nos termos regimentais;

n) Ser informado pelo Governo Regional, regular e directamente, sobre o andamento dos principais assuntos de interesse público nos termos do Estatuto da Região;

o) Apresentar propostas de moção.

2 - Cada grupo parlamentar tem direito a dispor de locais de trabalho na sede da Assembleia Legislativa ou fora dela, bem como de pessoal técnico e administrativo da sua confiança.» No artigo 13.º desse mesmo Regimento, a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, dando cumprimento ao artigo 180.º, n.º 4, da Constituição, estendeu alguns desses poderes e direitos aos deputados que sejam único representante de um partido e aos deputados eleitos por um partido que não se constituam em grupo parlamentar:

«Artigo 13.º

Extensão dos poderes de grupo parlamentar

Ao deputado que seja único representante de um partido ou aos deputados eleitos por um partido que não se constituam em grupo parlamentar são atribuídos os poderes enunciados nas alíneas a), b), c), d), e), j) e l) do n.º 1 e no n.º 2 do artigo anterior.» Mas, quando a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira regulou os termos em que os grupos parlamentares beneficiariam de apoio para pessoal técnico e administrativo da sua confiança, fê-lo sempre por acto legislativo. Foi assim desde o primeiro diploma que regulou esta matéria: o Decreto Regional 4/77M, de 19 de Abril (artigo 6.º). Essa forma foi sucessivamente mantida em alterações posteriores, sendo também aquela a que obedece a disciplina em vigor, fixada no Decreto Legislativo Regional 14/2005/M, já acima transcrito.

Em congruência, incluiu também, neste mesmo decreto legislativo regional, a regulação das verbas a atribuir aos deputados únicos de partido não integrados nos grupos parlamentares, para efeitos de contratação de pessoal técnico e administrativo.

Deste modo, os direitos e garantias dos deputados não integrados em grupos parlamentares estão regulados no artigo 13.º do Regimento da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira. Mas a atribuição de verbas aos grupos de deputados e aos deputados únicos de partido é feita por decreto legislativo regional e, em concreto, através do actual artigo 46.º do Decreto Legislativo Regional que regula a Estrutura Orgânica da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira.

Precisamente, a mesma diferença se nos depara a nível nacional.

O Regimento da Assembleia da República regula, nos artigos 1.º a 11.º, os poderes e direitos dos deputados e dos grupos parlamentares. Mas é a Lei 28/2003, de 30 de Julho (organização e funcionamento dos serviços da Assembleia da República), que, por coincidência também no seu artigo 46.º, procede à atribuição de verbas aos deputados - a todos os deputados - para despesas com os gabinetes de apoio aos deputados.

Compreende-se esta distinção. Regulando o Regimento da Assembleia a organização e funcionamento internos do órgão parlamentar, excluem-se do seu âmbito aqueles direitos e regalias dos deputados de carácter prestativo, que impliquem directamente custos financeiros.

8 - Neste quadro, o que há a saber é, pois, qual a forma a que deverá obedecer a atribuição de verbas aos deputados independentes da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, para que eles possam dispor de pessoal técnico e administrativo da sua confiança, que os auxilie no bom desempenho das suas funções.

Afirma o Presidente da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira que a Resolução 12/2006/M apenas regula os «direitos e garantias mínimos» dos deputados não integrados nos grupos parlamentares, de que fala o artigo 180.º, n.º 4, da Constituição, e que, nos termos deste mesmo preceito, esses direitos devem constar do Regimento da Assembleia. A referida resolução expressaria, portanto, «o exercício de uma competência regimental».

É manifesto, todavia, que, quando o legislador constituinte, em 1997, aditou o n.º 4 do artigo 180.º, remetendo a regulação dos direitos e garantias mínimos dos deputados não integrados em grupo parlamentar para o Regimento, teve fundamentalmente em vista reconhecer aos deputados não integrados nos grupos parlamentares alguns dos direitos que enuncia o n.º 2, do mesmo artigo 180.º, os quais deverão, de facto, constar do Regimento. Não teve ele em mente o específico direito dos deputados a disporem de pessoal técnico e administrativo da sua confiança, previsto no n.º 3, que é o único de todos os direitos enunciados no artigo 180.º para o qual a Constituição exige a forma de lei no que respeita à regulação do seu exercício.

Constata-se, na verdade, do debate parlamentar sobre esta matéria, que a inclusão do n.º 4 visou dar garantia constitucional à inserção no Regimento da Assembleia da República da concessão aos deputados não integrados em grupos parlamentares de (alguns) dos direitos conferidos pelo n.º 2 do artigo 180.º aos grupos parlamentares.

Particularmente significativa dessa intenção é uma intervenção do deputado Carlos Coelho: «Não fazia, portanto, sentido que essa individualização do deputado não integrado em grupo parlamentar e o respeito pelos direitos próprios que a esse deputado devem ser reconhecidos ficassem apenas em sede de Regimento e não tivesse consagração constitucional.» (Diário da Assembleia da República, 1.ª série, n.º 102, p. 3842.) Fica, assim, claro que o âmbito de incidência do n.º 4 do artigo 180.º abrange apenas os direitos propriamente regimentais, os poderes reconhecidos aos deputados independentes de activação e participação nos trabalhos parlamentares.

A forma constitucionalmente adequada para regular o direito dos grupos parlamentares a disporem de pessoal técnico e administrativo da sua confiança está expressamente regulada no artigo 180.º, n.º 3.

Mas, tendo como destinatários os grupos parlamentares, essa norma também não é aplicável directamente aos deputados não integrados nos grupos parlamentares.

Temos que concluir, pois, que, no que respeita à forma de atribuição daquele direito específico a esta categoria de deputados, a Constituição é omissa.

Destarte, torna-se necessário, para determinar a forma constitucionalmente adequada para conferir um tal direito aos deputados não integrados nos grupos parlamentares, recorrer aos parâmetros gerais de uma correcta hermenêutica constitucional.

Já vimos que a Constituição exige expressamente, no artigo 180.º, n.º 3, a forma de lei para a regulação dos termos em que se exercerá o direito de cada grupo parlamentar a «dispor de locais de trabalho na sede da Assembleia, bem como de pessoal técnico e administrativo da sua confiança».

O deputado independente não é um «grupo parlamentar» pelo que não se subsume na previsão do artigo 180.º, n.º 3. Mas a atribuição de verbas aos deputados independentes para pessoal técnico e administrativo da sua confiança é, porém, uma situação substancialmente idêntica às situações previstas no n.º 3 do artigo 180.º A natureza dos destinatários da Resolução 12/2006/M e dos destinatários do artigo 180, n.º 3, da Constituição é, essencialmente, a mesma; a finalidade das verbas previstas nessa resolução e implicadas por esse preceito constitucional é, precisamente, a mesma.

Dada a extrema similitude de situações, a transposição da exigência de forma de lei, contida nesta norma, para a regulação do direito dos deputados independentes a verbas para que possam dispor de pessoal técnico e administrativo da sua confiança é claramente imposta por uma razão de analogia legis. Não há qualquer justificação plausível que nos permita exigir a forma de lei no caso de os grupos parlamentares serem os beneficiários das verbas e não exigir a mesma forma no caso de se tratar de deputados não integrados em grupos parlamentares.

É antes um elementar princípio de congruência na leitura da Constituição que impõe que a forma constitucionalmente exigida para atribuir verbas para pessoal técnico e administrativo aos deputados independentes seja a mesma que é exigida para atribuir verbas, com a mesma finalidade, a todos os restantes deputados.

Porque a realização das condições de efectividade do direito atribuído aos grupos parlamentares no n.º 3 do artigo 180.º tem directas implicações orçamentais, a Constituição subtraiu a sua determinação ao Regimento, exigindo, para o efeito, um acto em forma de lei. Por igualdade de razão, a idêntico regime deve obedecer a concessão do direito em questão aos deputados independentes. Sendo assim, ele não pode considerar-se abrangido pelo âmbito de previsão do n.º 4, não se integrando nos direitos que formam o estatuto dos deputados independentes a que esta norma se refere, pelo que não vale, em relação a ele, a remissão para o Regimento aí estabelecida.

A necessidade de uma intervenção legislativa sai reforçada pelo disposto no lugar paralelo do artigo 158.º, alínea d), da Constituição, onde também se exige a forma de lei para os «subsídios a atribuir aos deputados».

É certo que a verba atribuída para pessoal técnico e administrativo não é um «subsídio» aos deputados, no sentido histórico do termo. Na verdade, o termo «subsídio» denota antes as importâncias pecuniárias periodicamente auferidas pelos deputados como compensação pelo encargo assumido com o desempenho das suas funções, não compreendendo qualquer outro tipo de apoios financeiros.

De qualquer modo, ambos os direitos dos deputados, tanto àquela verba, como aos subsídios, implicam sempre a realização de prestações com a natureza e o significado de despesas orçamentais. Essa nota comum ajuda a identificar o princípio fundamentador, à luz do qual se compreende bem a exigência de acto legislativo nas duas situações específicas referidas: ela decorre de um princípio de legalidade em matéria orçamental ou financeira. Este princípio de legalidade tem razões substantivas que se ligam a um maior controlo crítico do exercício do poder sempre que esteja em causa a utilização de meios financeiros obtidos por via tributária.

É, pois, o próprio conteúdo e alcance da disposição que atribui uma verba anual aos deputados independentes para fazerem face às despesas com a constituição de um gabinete de apoio técnico e administrativo que justifica que ela deva revestir a forma de decreto legislativo regional. Expressamente prevista, no que aos grupos parlamentares se refere, por aplicação conjugada dos artigos 180.º, n.º 3, e do n.º 4 do artigo 232.º, essa forma normativa é ainda exigível, por força do procedimento analógico acima referido, para a concessão de idêntico direito aos deputados independentes.

9 - Esta conclusão não é infirmada pela alegação do Presidente da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira de que a resolução não tem qualquer efeito político decisório inovador e mais não faz do que integrar uma lacuna ou suprir uma omissão violadora da Constituição, conferindo aos deputados independentes os direitos e garantias mínimos que o artigo 180.º, n.º 4, lhes reconhece. Deste modo, a Resolução 12/2006/M ter-se-ia pois limitado a repor a juridicidade violada através da omissão de reconhecimento expresso aos deputados independentes de um direito criado por anterior acto legislativo a favor de todos os restantes deputados.

Contudo, não é exacto que o conteúdo da norma contida na referida resolução não pudesse deixar de ser aquele que acabou por constar dessa mesma resolução. Na verdade, a situação dos deputados independentes não integrados nos grupos parlamentares não teria de ser exactamente igual à situação dos deputados dos partidos e dos deputados integrados em grupos parlamentares. As verbas que lhes são atribuídas poderiam ser diferentes: poderiam ser menos elevadas - como sucede, por exemplo, no que respeita à Assembleia da República (artigo 46.º do actual Estatuto do Deputados) - ou até, porventura, mais elevadas do que as atribuídas aos deputados dos partidos e aos deputados integrados em grupos parlamentares.

Deste modo, não se pode dizer que a Resolução 12/2006/M apenas tenha vindo colmatar uma intolerável omissão legislativa à luz do princípio da igualdade, que pudesse ser sindicável por este tribunal. Pois os termos em que deve ser assegurada a igualdade de condições entre os deputados da mesma Assembleia Legislativa, no que respeita a pessoal técnico e administrativo, não excluem toda e qualquer margem de livre conformação dessa mesma Assembleia.

Em suma, a norma da Resolução 12/2006/M definiu os direitos dos deputados independentes em termos que não resultam, concreta e necessariamente, da lei e da Constituição. Deliberou no âmbito da sua margem de livre decisão. Contudo, não o fez pela forma constitucionalmente adequada que, a ser respeitada, abriria possibilidades acrescidas de controlo político e jurídico da decisão.

10 - No caso vertente, contudo, há razões de equidade e de segurança jurídica que justificam a restrição dos efeitos da inconstitucionalidade, nos termos do artigo 282.º, n.º 4, da Constituição, de modo a salvaguardar os efeitos já produzidos e executados antes da declaração.

A resolução padece de um vício formal que, em rigor, não se pode dizer que fosse absolutamente manifesto em termos de primeira aparência. Gerou, assim, uma situação e um investimento de confiança, entre a data da sua aprovação e a data desta decisão, o que não poderá, por razões de equidade e de segurança jurídica, deixar de ser considerado.

III - Decisão

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide:

a) Declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma contida no n.º 1 da Resolução da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira n.º 12/2006/M, por violação do princípio que se extrai das disposições conjugadas dos artigos 180.º, n.º 3, 232.º, n.º 4, e 158.º, alínea d), da Constituição da República Portuguesa;

b) Ressalvar, nos termos do artigo 282.º, n.º 4, da Constituição, os efeitos produzidos até à publicação deste acórdão pela norma cuja declaração de inconstitucionalidade agora se emite.

Lisboa, 13 de Fevereiro de 2008. - Joaquim de Sousa Ribeiro - Mário José de Araújo Torres - Benjamim Rodrigues - Maria Lúcia Amaral - Maria João Antunes - Carlos Pamplona de Oliveira - João Cura Mariano - Gil Galvão - Vítor Gomes - José Borges Soeiro - Ana Maria Guerra Martins - Carlos Fernandes Cadilha (vencido de acordo com a declaração de voto junto) - Rui Manuel Moura Ramos.

Declaração de voto

Votei vencido por entender que a norma do n.º 4 do artigo 180.º da Constituição é meramente supletiva em relação às precedentes disposições dos n.os 2 e 3 do mesmo artigo e destina-se a permitir a extensão limitada de direitos e garantias que sejam reconhecidos aos deputados que integrem os grupos parlamentares, incluindo os que envolvam a atribuição de locais de trabalho e de pessoal técnico e administrativo, aos deputados independentes.

Encontrando-se satisfeito o princípio da reserva de lei relativamente a direitos e garantias que devam ser atribuídos aos deputados que integrem grupos parlamentares, mediante a aprovação de decreto legislativo regional, a insuficiência da forma regimental para extensão desses direitos e garantias a outros deputados apenas se verificaria se o regime definido para estes tivesse carácter inovatório, isto é, viesse a contemplar aspectos que não tivessem sido anteriormente regulados por diploma legislativo.

Não sendo esse o caso, nada impedia que o regime do artigo 46.º, n.º 1, do Decreto Legislativo Regional 14/2005/M fosse tornado extensivo aos deputados independentes por resolução da Assembleia Legislativa Regional, passando essa matéria a integrar, por essa forma, o Regimento da Assembleia, que nada obsta a que possa ser constituído por disposições avulsas. - Carlos Fernandes Cadilha.

Anexos

  • Texto integral do documento: https://dre.tretas.org/pdfs/2008/03/11/plain-230628.pdf ;
  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/230628.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1989-09-07 - Decreto Legislativo Regional 24/89/M - Região Autónoma da Madeira - Assembleia Regional

    Estabelece a estrutura orgânica da Assembleia Legislativa Regional da Madeira.

  • Tem documento Em vigor 2003-07-30 - Lei 28/2003 - Assembleia da República

    Altera a Lei n.º 77/88, de 1 de Julho, que aprova a Lei Orgânica da Assembleia da República, e procede à sua republicação publicando em anexo o texto consolidado com novo título - Lei de Organização e Funcionamento dos Serviços da Assembleia da República (LOFAR).

  • Tem documento Em vigor 2005-08-05 - Decreto Legislativo Regional 14/2005/M - Região Autónoma da Madeira - Assembleia Legislativa

    Altera a estrutura orgânica da Assembleia Legislativa.

  • Tem documento Em vigor 2006-07-13 - Resolução da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira 12/2006/M - Região Autónoma da Madeira - Assembleia Legislativa

    Determina a extensão da aplicação do n.º 1 do artigo 46.º do Decreto Legislativo Regional n.º 14/2005/M - estrutura orgânica da Assembleia Legislativa da Madeira - aos deputados independentes.

Ligações para este documento

Este documento é referido no seguinte documento (apenas ligações a partir de documentos da Série I do DR):

  • Tem documento Em vigor 2009-02-13 - Acórdão do Tribunal Constitucional 26/2009 - Tribunal Constitucional

    Pronuncia-se pela inconstitucionalidade [fiscalização preventiva], por violação do disposto no artigo 227º, nº 1, alínea a) da Constituição, das normas contidas nos artigos 1.º e 2.º do decreto legislativo regional, aprovado na sessão plenária de 16 de Dezembro de 2008, da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, intitulado «Alteração à Lei Orgânica da Assembleia Legislativa». (Proc. nº 1030/08)

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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