Acórdão 660/2004/T. Const. - Processo 14/2004. - Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
A - Relatório. - 1 - Maria Rosa Lopes de Matos Correia Leite intentou no Tribunal do Trabalho de Vila Nova de Gaia, acção com processo ordinário, contra o Banco Português do Atlântico, S. A., pedindo que se declarasse a ilicitude do seu despedimento e se condenasse a R. a reintegrá-la, sem prejuízo de opção pela indemnização de antiguidade, e a pagar-lhe as retribuições desde a data do despedimento, bem como 2 000 000$, de danos não patrimoniais, até ao momento de propositura da acção, tudo acrescido de juros de mora, para tanto, alegando fundamentalmente, ter sido admitida como trabalhadora da R., em 20 de Junho de 1977, assim se mantendo até ao seu despedimento, por carta da R., de 12 de Julho de 1993, na sequência de processo disciplinar, mas inexistindo justa causa para tal decisão.
2 - A acção que foi contestada pela R. e que na mesma deduziu um pedido reconvencional de pagamento de determinada quantia a título de pagamento de juros de que a A. abusivamente havia desfrutado, após um primeiro julgamento e uma primeira sentença em 1.ª instância que vieram a ser anulados por acórdão do Tribunal da Relação do Porto em consequência de recurso para ele interposto, veio a ser julgada parcialmente procedente, declarando-se ilícito o despedimento da A. e condenando-se a R. a reintegrar a A. e a pagar-lhe todas as retribuições que a A. deixou de auferir desde 30 dias antes da propositura da acção até à data da sentença, em quantitativo a liquidar em execução de sentença, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da sentença.
Tendo a R. apelado para o referido Tribunal da Relação, concedeu esta 2.ª instância provimento ao recurso, revogou a sentença recorrida, absolveu a mesma R. de todos os pedidos formulados pela A. e julgou parcialmente procedente o pedido reconvencional, condenando a A. a pagar à R. a quantia a apurar em liquidação de sentença, no tocante aos juros não cobrados pelo crédito de que a A. havia ilicitamente beneficiado.
3 - Inconformada, a A. recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça, concluindo as respectivas alegações do seguinte modo:
"1.ª Ao contrário do que se afirma no douto acórdão recorrido, e se é certo que não se provou que os caixas terminalistas tiveram benefício com o 'jogo de cheques', também não ficou provado que o não tiveram.
2.ª É inadequado, e induz numa conclusão gravemente distorcida e incorrecta da gravidade do que esteve em causa dizer-se, sem mais, que os montantes desembolsados pelo banco recorrido perfizeram 378 350 contos, dado que, se se determinar, por divisão desse somatório das parcelas em descoberto ao longo do período de cerca de um ano (Novembro de 1991 a Novembro de 1992) que durou o 'jogo de cheques', o que poderá chamar de 'descoberto médio', ver-se-á que ele é de apenas cerca de 1036 contos.
3.ª Embora seja correcta a jurisprudência segundo a qual a entidade patronal pode sancionar os mesmos factos por forma diversa, desde que para tanto haja razões, no caso dos autos o banco recorrido não observou o princípio da coerência disciplinar, dado que sancionou a ora recorrente de forma diferente dos caixas terminalistas - aplicando a estes as medidas de suspensão com perda de vencimento - e de uma outra trabalhadora sua referida nos autos.
4.ª No caso em apreço, os factos, as condutas, não são os mesmos, para a recorrente e para os caixas, dado que a primeira estava na veste de simples cliente, como tal pedindo (embora não o devendo ter feito, é certo) que lhe fosse feita a disponibilização de valores em causa, enquanto os caixas, na circunstância, representavam a estrutura do Banco, no quadro das funções que diária e profissionalmente lhes cabiam, sendo a eles que estava cometido zelar pelo cumprimento das normas vigentes em matéria de pagamento e crédito firme, como numerário, dos cheques apresentados no balcão.
5.ª Era à estrutura do Banco, ou seja, aos ditos caixas, que cumpria, acatando instruções que existiam mas que não eram observadas, ter actuado por forma que os prejuízos que o Banco invoca se não tivessem produzido e a que, se acaso tivessem chegado a produzir-se, rapidamente a situação fosse detectada, com um prejuízo que seria mínimo se comparado com os valores finais alcançados.
6.ª Entre os comportamentos adoptados pela recorrente e os factos acontecidos, adentro da estrutura do Banco, na sequência daqueles, com a disponibilização dos fundos pretendidos, na base dos cheques apresentados por ela, não existe nenhum nexo de causalidade adequada, já que, face aos dispositivos vigentes no Banco recorrido, e desde que esses tivessem sido minimamente observados, dos pedidos formulados aos caixas terminalistas nunca poderia ter resultado, em termos de causalidade adequada, o que efectivamente sucedeu.
7.ª Ao contrário, dos factos praticados pelos caixas terminalistas resultaram, como é óbvio, como consequências directas e necessárias os desembolsos indevidos por parte do Banco.
8.ª A recorrente actuou sempre única e exclusivamente na veste de cliente, dirigindo-se ao balcão do recorrente (cf. resposta ao quesito 24.º), como faz qualquer cliente, e aí apresentando as suas solicitações, que os caixas teriam de apreciar, enquadrar e decidir ou apresentar a decisão superior.
9.ª Não se provou que fosse a recorrente a ter de pedir autorização superior para os pagamentos dos cheques, antes tendo de se concluir que não era normal, não correspondia à prática no Banco nem ao nele regulamentado serem os empregados a pedir qualquer autorização superior para receber por caixa os cheques sobre outros bancos.
10.ª Ficou provado que era aos caixas que competia suscitar a questão do pedido de autorização superior, e do preenchimento do impresso n.º 5279.8 e se, como deviam, registavam os cheques em causa como valores à cobrança, contactar a gerência para autorização do pagamento em numerário.
11.ª Como a jurisprudência tem vincado, na determinação e comparação das responsabilidades em matéria de 'jogo de cheques', tem de ter-se em atenção as peculiares responsabilidades das pessoas envolvidas.
12.ª Estando a recorrente na veste de mera cliente, que se limitou a pedir que os cheques fossem desde logo pagos em numerário, ou que os respectivos depósitos fossem considerados como se tivessem sido em numerário, é óbvio que quem actuou foram os caixas terminalistas, sendo que estes infringiram directamente, no exercício estrito das suas funções de empregados, as regras a estas aplicáveis, sendo também evidente, face até à grande reiteração dos pedidos em causa, que os caixas não podiam ter deixado de perceber que se estava perante um 'jogo de cheques' (que o perceberam perfeitamente afirmou-o sem reservas a testemunha do Banco Joaquim Rodrigues).
13.ª Nessas condições, a conduta dos caixas terminalistas foi tão ou mais grave do que a da recorrente, porque eram eles, como se decidiu em 1.ª instância, 'Os verdadeiros guardiões dos procedimentos que o Banco instituiu no que diz respeito ao depósito e pagamento de cheques, tendo frustrado com a sua conduta os princípios que o Banco queria ver respeitados nesse domínio', sendo a carta da recorrente de 6 de Abril de 1993, e o que nela assumiu, irrelevantes para ajuizar sobre a justiça relativa das penas aplicadas aos vários infractores em questão.
14.ª O douto acórdão recorrido, tal como já fizera a sentença de 1.ª instância, omitiu completamente a comparação com outro caso recente de trabalhador do recorrido (Maria Cândida Matos Ramalhete Almeida), sendo que a ponderação do mesmo era muito relevante, permitindo, também ela, tornar claro que não era coerente e ajustado aplicar à ora recorrente a pena máxima de despedimento.
15.ª Quanto à trabalhadora Maria Cândida Matos Ramalhete Almeida, como se retira da resposta dada ao quesito 31.º e decorre de decisão disciplinar cuja cópia está junta aos autos, a mesma foi punida, por factos bem mais graves do que os imputados à ora recorrente, com uma pena somente de 24 dias de suspensão.
16.ª Sendo as condutas da recorrente de gravidade não superior à dos factos praticados pela referida trabalhadora Maria Cândida Matos Ramalhete Almeida, a decisão correcta tinha de ser no sentido de que, se o recorrido não despediu nem essa trabalhadora nem os caixas terminalistas, deveria ter igual atitude em relação à recorrente.
17.ª Neste contexto, ao decidir que a responsabilidade da recorrente foi mais grave e que o seu despedimento foi lícito, o Tribunal a quo violou, por erro de interpretação e de aplicação, as normas do artigo 9.º, n.os 1 e 2, e do artigo 12.º, n.º 5, do Regime Jurídico aprovado pelo Decreto-Lei 64-A/89, de 27 de Fevereiro, bem como do artigo 13.º da Constituição da República e, do mesmo passo, os princípios da igualdade dos cidadãos e da coerência disciplinar.
18.ª Deve, pois, ser revogada, por acórdão que dê o despedimento dos autos como ilícito, disso retirando as consequências legais.
19.ª No que concerne ao decidido no douto acórdão recorrido relativamente à matéria do pedido reconvencional, não foi tido em conta que a nossa lei regula cuidadosamente as condições em que pode ocorrer, durante o processo, alteração da causa de pedir (artigos 272.º e 273.º do CPC) e que tal disciplina legal pressupõe e impõe que não possa ser atendida no processo, sem que hajam sido observadas as regras já referidas para efeitos de ampliação ou alteração da causa de pedir, uma causa de pedir diferente da inicialmente considerada ou, no caso, daquela que, por decisão que produziu caso julgado formal, se tornou a única atendível no processo.
20.ª Ora, o pedido reconvencional funda-se numa causa de pedir muito concreta, ligada ao contrato de trabalho da recorrente com o Banco recorrido e ao dever de fidelidade que alegadamente incumpriu, conclusão que se impõe dado o caso julgado formal estabelecido pelo douto acórdão desse Supremo Tribunal proferido nestes autos em 18 de Março de 1997, o qual decidiu que o pedido reconvencional se 'funda' no incumprimento do dever de 'fidelidade' da ora recorrente, decorrente do seu contrato de trabalho com o ora recorrido.
22.ª Sendo assim, só na medida em que, ao simplesmente pedir o pagamento imediato dos cheques, a ora recorrente estivesse a violar o tal dever de fidelidade e em que daí resultasse, como consequência directa e necessária adequada, o prejuízo do recorrido, poderia a reconvenção proceder, sucedendo, contudo, que tais pressupostos não se verificam, razão por que o pedido reconvencional sempre tinha de improceder.
23.ª O venerando Tribunal recorrido não podia, ofendendo o referido caso julgado formal, fazer assentar o pedido reconvencional, apreciando-o e decidindo-o nessa perspectiva, na base de uma causa de pedir diferente, como na verdade sucedeu, posto que a reconvenção tinha de ser apreciada e decidida à luz dos prejuízos alegadamente causados pela ora recorrente enquanto trabalhadora do Banco, e tendo-se presente o contrato de trabalho que ligava/liga uma e outro e o dever de fidelidade dito violado pela recorrente.
24.ª Ao invés, o douto acórdão recorrido fez assentar a responsabilidade da recorrente directamente numa outra causa de pedir, ou seja, em contrato(s) de crédito (de mútuo, de curto prazo, que foi como se qualificou os descobertos em conta que teriam resultado da conduta da recorrente).
25.ª Com tal 'convolação', o douto acórdão recorrido violou os referidos artigos 272.º e 273.º do CPC e, por ofender o caso julgado formal, o preceito do artigo 672.º do CP.
26.ª A reconvenção, só por isso, não pode proceder, mas também devia ser rejeitada pelo facto de que, tal como foi apresentada, só podia proceder na medida em que se houvessem provado os prejuízos invocados pelo recorrido e que os mesmos fossem reconduzíveis, em termos de causalidade adequada, à conduta da ora recorrente.
27.ª Ora, da comparação do que se perguntava nos quesitos 9.º e 10.º decorre, inequivocamente, que não foi dado como provado que a conduta da autora, ora recorrente, tivesse resultado para o réu, ora recorrido, o prejuízo correspondente aos juros não cobrados do referenciado crédito gratuito.
28.ª E falta totalmente um nexo de causalidade adequada entre a conduta da recorrente e os hipotéticos prejuízos do recorrido, acrescendo que, como se refere na sentença de 1.ª instância, 'não ficou demonstrado que o Banco alguma vez tivesse actuado assim por forma a criarmos um paralelismo entre essas situações e o caso da A., aplicando consequentemente um determinado juro à operação indevidamente por ela e pelos caixas implementada' e que 'competia ao R. demonstrar cabalmente que, em circunstâncias idênticas à da A., quando autorizadas pela chefia, o Banco cobrava determinado juro, o que não aconteceu.'.
29.ª Assim, também por estas razões, devia ter-se julgado improcedente o pedido reconvencional, nessa parte se rejeitando igualmente a apelação do ora recorrido.
30.ª No que toca à apelação da ora recorrente, que não foi apreciada por ter sido dada como prejudicada pela procedência do recurso do ora recorrido, deve considerar-se que a douta sentença de 1.ª instância, no tocante às retribuições que a ora recorrente deixou de auferir desde 30 dias antes da propositura da acção, não fez acrescer, ao capital representado por cada uma dessas retribuições, os juros de mora legais, das taxas sucessivamente vigentes. Do mesmo passo.
31.ª Embora a alínea a) do n.º 1 do artigo 13.º do RJCCT não fale de juros, e aluda apenas à 'importância correspondente ao valor das retribuições que o trabalhador deixou de auferir[...]', a lei não quer senão que se apliquem os princípios gerais, pelo que, sendo o despedimento declarado ilícito, a entidade patronal não é exonerada de pagar juros relativamente aos montantes das retribuições não auferidas, sendo que essa omissão lhe é imputável, porque o despedimento foi ilegal e assim veio a ser considerado pela sentença da 1.ª instância, em declaração que se espera ver reposta pelo provimento do presente recurso.
32.ª Sendo o caso de responsabilidade por facto ilícito do Banco recorrido (o despedimento ilegal), são aplicáveis as regras dos n.os 1 e 3 do artigo 805.º do Código Civil, da constituição em mora desde a citação, pelo que, quanto às retribuições de Fevereiro e Março de 1994, são devidos juros de mora legais desde a citação do Banco recorrido, em Abril de 1994, e, quanto às demais retribuições devidas, há lugar a juros desde as datas em que cada uma devia ser liquidada à ora recorrente.
33.ª A douta sentença de 1.ª instância (e importa dizê-lo no pressuposto da esperada declaração da ilegalidade do despedimento) violou, ao não condenar nos juros de mora legais sobre as retribuições que a recorrente deixou de auferir, a contar desde a citação, quer o citado artigo 13.º, n.º 1, alínea a), do RJCCT (por erro, de interpretação) quer os citados n.os 1 e 3 do artigo 805.º do Código Civil.
34.ª A indemnização por danos não patrimoniais em caso de despedimento sem justa causa é admissível, ao contrário do que tem sido a jurisprudência generalizada dos nossos tribunais, já que o despedimento pode não ser abusivo mas é, por definição, declarado ilícito pelo tribunal, o que vale por dizer que foi ilícito.
35.ª No caso dos autos, houve despedimento ilícito, houve culpa por parte do Banco incorporado no recorrido, pois foi incoerente do ponto de vista do sancionamento disciplinar que decidiu, tendo aplicado uma sanção discriminatória, e que não se justificava, à ora recorrente.
36.ª O Banco incorporado no recorrido não agiu com um mínimo de coerência disciplinar, tendo discriminado negativamente a recorrente, causando-lhe anos de sofrimento intenso e as afectações já referidas, sendo certo que podia e devia comparar com justeza a situação da recorrente com a dos caixas, que apenas suspendeu, e a dos dois outros trabalhadores, que também não despediu; em suma, não agiu com a diligência de um bom pai de família.
37.ª Os danos não patrimoniais (perturbação de vida, e desgosto) sofridos pela recorrente têm gravidade suficiente para merecerem a tutela do direito, nos termos do n.º 1 do artigo 496.º do CC (que assim foi violado), pelo que devia a douta sentença ter incluído a condenação do Banco ora recorrido a pagar à recorrente uma indemnização de montante a liquidar em execução de sentença.
38.ª Deve, pois, ser dado provimento ao presente recurso, declarando-se ilícito o despedimento da recorrente, com a reintegração da mesma e a condenação do Banco recorrido nos termos indicados na douta sentença de 1.ª instância, mas com as alterações decorrentes do exposto nas antecedentes conclusões 32.ª e seguintes."
4 - Pelo acórdão ora recorrido, o Supremo Tribunal de Justiça negou a revista pedida, com base na seguinte fundamentação:
"O Tribunal recorrido deu como provada a seguinte matéria de facto, acolhendo na íntegra a que havia sido fixada na 1.ª instância, indeferindo a pretensão da recorrente de a ver alterada em alguns pontos:
a) O R. é um dos mais importantes bancos portugueses, com sede no Porto, e dependências espalhadas por todo o território nacional, dispondo ainda de sucursais e outras formas de representação no estrangeiro;
b) A A., até ao seu despedimento pelo R. nas condições abaixo descritas, foi trabalhadora por conta de outrem no sector bancário, tendo exercido funções, no quadro de contrato de trabalho, ao serviço de duas entidades patronais, sucessivamente;
c) Assim, desde 17 de Dezembro de 1970 a 1 de Setembro de 1975, pertenceu ainda em Moçambique, onde residia, ao quadro do Banco Totta e Standard de Moçambique, S. A. R. L., instituição de crédito portuguesa que exercia a sua actividade bancária naquela ex-colónia de Portugal;
d) Em 20 de Junho de 1977, a A. foi admitida como trabalhadora da R., nos seus quadros no Porto, tendo passado a prestar trabalho, ao serviço e no interesse daquele, mediante remuneração, sob as ordens, direcção e fiscalização;
e) Assim se manteve até ao seu despedimento, prestando serviço nas instalações da sede do R., sitas na Praça de D. João I, 280, no Porto;
f) As suas qualidades profissionais e a forma empenhada e correcta como a A. desempenhou as suas funções foram sempre reconhecidas pelo R., tendo a A. sido promovida por mérito por duas vezes;
g) É sócia do Sindicato dos Bancários do Norte;
h) Aquando do despedimento em questão, a A. pertencia ao grupo I (cláusulas 4.ª e 5.ª do respectivo acordo colectivo), sem funções específicas ou de enquadramento, o seu nível de retribuição era o nível 8, a sua retribuição base mensal era de 131 750$, que passou a ser de 139 000$ pela revisão da tabela salarial operada com efeitos referidos a 1 de Julho de 1993; considerada a sua antiguidade (incluindo a correspondente ao serviço prestado em Moçambique), tinha direito a quatro diuturnidades, representando um abono mensal de 19 400$ (agora de 20 400$), tinha direito a subsídio de almoço, então no valor de 950$ por dia útil (agora 1010$/dia), e a subsídio de estudo referente a um seu filho a frequentar o ensino superior, equivalendo então a uma atribuição trimestral de 8180$ (agora de 8630$);
i) Com data de 8 de Março de 1993, o R. endereçou à A. a nota de culpa junto aos autos de fl. 108 a fl. 122, cujo conteúdo dou aqui por reproduzido na íntegra;
j) À sobredita nota de culpa, a A. responde - cf. o que consta do documento junto aos autos de fl. 128 a fl. 133, cujo conteúdo dou aqui por reproduzido;
k) Por decisão proferida em 9 de Julho de 1993, a R. decidiu despedir a A., invocando justa causa para o efeito - cf. o que consta do documento junto aos autos de fl. 164 a fl. 168, aqui dado como reproduzido;
l) Dou como reproduzido o conteúdo do documento junto aos autos, de fl. 23 a fl. 24 (Ordem de Serviço, n.º 19/84, de 20 de Julho);
m) A A., no período entre Novembro de 1991 e Novembro de 1992, exercia funções no departamento dos Serviços Centrais/Norte da Direcção de Auditoria e Inspecção, nas instalações da sede do R., na Praça de D. João I, 28, no Porto, tendo, no lapso de tempo supra-referido, utilizado as contas infra-referidas, todas abertas ao R., para efectuar depósitos regulares e sistemáticos de cheques por ela mesma sacados sobre o CPP e esporadicamente sobre a CCAM (Favaios), os quais lhe foram imediatamente disponibilizados pelos caixas terminalistas, David Morais Cardoso e Fernando Manuel Silva Reis, como se de numerário se tratasse, permitindo-lhe levantar de imediato o respectivo valor, por pagamento directo do próprio caixa ou por cheque que sacava, e depositando-o no CPP e na CCAM para constituir provisão daqueles mesmos cheques, procedendo, assim, ao chamado 'jogo de cheques' ou 'rotação de cheques';
n) As contas que a A. utilizou no R. para efectuar o depósito daqueles cheques foram as seguintes: n.º 100/589071, sede, titular - Maria Rosa Lopes Matos Correia Leite; n.º 100/9189882, sede, titular - Pedro Miguel Matos Correia Leite; n.º 100/2610248, sede, titular - Joaquim José Matos Correia Leite; n.º 104/65390, Padrão, titular - Maria Adelaide Morais Paredes Gonçalves; n.º 104/3148866, Padrão, titular - Rui Jorge Paredes Gonçalves; n.º 105/9224033, Santa Catarina, titular - Altina Rodrigues, Lda.; n.º 105/417998, Santa Catarina, titular - Maria Altina Matos Carvalho;
o) No aludido período de Novembro de 1991 a Novembro de 1992, a A. conseguiu que o caixa terminalista David Morais Cardoso registasse no seu terminal como 'valor numerário', ou seja, como se tivesse efectuado o depósito em dinheiro, cheques, possibilitando-lhe o levantamento imediato de respectivo montante sem aguardar o decurso do prazo de três dias estabelecido para averiguar da sua boa cobrança;
p) No mesmo indicado período de Novembro de 1991 a Novembro de 1992, a A. conseguiu que o caixa terminalista David Morais Cardoso lhe tivesse pago directamente na caixa onde prestava serviço, e à sua simples apresentação, cheques sem qualquer prévia apresentação, digo, sem qualquer autorização prévia da gerência do balcão;
q) No período de 18 a 31 de Agosto de 1992, a A. conseguiu que o caixa terminalista Fernando Manuel Silva Reis registasse no seu terminal como 'valor numerário', ou seja, como se tivesse efectuado o depósito em dinheiro, cheques, possibilitando-lhe a utilização imediata destes montantes sem aguardar o decurso do prazo de três dias para averiguar da boa cobrança;
r) A A. movimentou cheques, sacados por si, de 1 de Julho a 30 de Outubro de 1992, aproveitando o facto de os depósitos efectuados nas contas sacadas terem sido registados como 'valor numerário' apesar de se tratar de depósitos de cheques sujeitos a prazo de boa cobrança;
s) A A. utilizou todas as contas supra-identificadas;
t) Todos os cheques sacados pela A. da conta aberta no CPP, depositados nas contas do R., careciam de provisão, a qual só era conseguida após o depósito naquele banco dos valores disponibilizados no R. pela forma acima descrita;
u) Com a actuação acima descrita, a A. conseguiu que o dinheiro lhe fosse imediatamente disponibilizado, não tendo pago qualquer juro por isso;
v) A A. não pediu nem lhe foi concedida autorização superior para receber por caixa os cheques sacados sobre outras instituições de crédito;
w) O impresso n.º 5279.8 destinava-se à identificação dos cheques sacados sobre outras instituições de crédito pagos por caixa;
x) Os cheques a que acima se fez referência, sob a alínea o), ascenderam a 264, distribuídos por 191 depósitos, no total de 228 125 contos, encontrando-se discriminados pela data de depósito, número de cheque, número da conta creditada e valor, no artigo 60.º da supra-referida nota de culpa;
y) Os cheques a que acima se fez referência, sob a alínea p), ascenderam a 104, sacados pela A. sobre o CPP e distribuídos por 12 depósitos, no total de 16 680 contos, encontrando-se discriminados pela data do depósito, número de cheque, número da conta creditada e valor, no artigo 8.º da referida nota de culpa;
aa) Os cheques a que acima se fez referência, sob a alínea r), ascenderam a 123, no total de 124 031 contos, encontrando-se discriminados, exemplificativamente, no artigo 9.º da referida nota de culpa, com indicação da data, número de cheque, conta sacada e valor;
ab) O quantitativo em dinheiro a que acima se alude, sob a alínea u), ascendeu a 378 350 contos;
ac) No lapso de tempo a que acima se alude sob a alínea m), a A. exercia funções de secretariado no aí aludido departamento;
ad) A A. sabia que a prática do 'jogo de cheques' era proibida pelo R., que não podiam considerar como depósitos em 'numerário' os depósitos de cheques e que, sem autorização superior, não poderia receber por caixa os cheques sacados sobre outras instituições de crédito;
ae) Com o registo como 'valor numerário' iludia-se a listagem diária das 'contas sujeitas a observação' e retirava-se a indisponibilidade de três dias para a movimentação de fundos;
af) Com o não preenchimento do impresso n.º 5279.8 afastava-se também a aludida indisponibilidade e impedia-se a detecção pelo Banco;
ag) Durante o período de tempo compreendido entre Novembro de 1991 e Novembro de 1992, as funções que a A. exercia, no sobredito departamento, traduziam-se em, nomeadamente, tratamento de texto, arquivo, atendimento telefónico, preparação e servir café, diariamente, ao director junto de quem trabalhava;
ah) A A. dirigia-se ao balcão da instituição bancária ré, a fim de proceder às operações supradescritas;
ai) O R. puniu os referenciados caixas terminalistas (no contexto da actuação ora com causa) com penas de suspensão do trabalho com perda da retribuição - cf. documentos juntos aos autos de fl. 633 a fl. 643;
aj) O R. puniu a sua trabalhadora Maria Cândida Matos Ramalhete Almeida - cf. documento junto aos autos de fl. 659 a fl. 664 (24 dias de suspensão com perda da retribuição pelos factos aí descritos);
ak) A A. em virtude do despedimento, sofreu perturbações na sua vida e desgosto pela situação em que se viu envolvida;
al) A A. reembolsou o(s) banco(s) do(s) empréstimo(s) contraído(s).
Como se viu, alguns desses factos foram postos em causa pela recorrente na apelação que interpôs da sentença da 1.ª instância, mas sem êxito, pois o Tribunal da Relação desatendeu a sua pretensão confirmando o quadro fáctico fixado pela 1.ª instância. E a recorrente não voltou a suscitar qualquer outra questão quanto àquela matéria de facto dada como apurada. E este Supremo Tribunal também não vislumbra que ocorra qualquer circunstância permissiva da alteração dos factos fixados, nos termos do n.º 2 do artigo 722.º do Código de Processo Civil, ou que aconselhe o reenvio do processo ao Tribunal recorrido para os efeitos previstos no n.º 3 do artigo 729.º do mesmo Código.
Portanto, há-de ser com base nos factos dados como apurados pelo Tribunal recorrido que se hão-se dirimir as concretas questões que a recorrente, através deste recurso, pretende submeter ao julgamento deste Tribunal de revista.
Essas questões, que se mostram balizadas pelas conclusões da sua alegação - artigos 684.º, n.º 3, e 690.º, n.º 1, do Código de Processo Civil -, prendem-se com saber:
a) Se houve violação do princípio de coerência disciplinar por parte do recorrido, a tornar ilícito o despedimento de que a recorrente foi alvo;
b) Se, em consequência, da verificação da ilicitude do despedimento, deve a recorrida ser condenada a reintegrar a recorrente ao seu serviço e pagar-lhe as retribuições que a mesma deixou de auferir, desde 30 dias antes da data da propositura da acção até ao dia da prolação da sentença acrescidas dos juros de mora legais, e
c) Se deve o recorrido ser condenado a pagar à recorrida uma indemnização por danos não patrimoniais;
d) Se deve ser julgado improcedente o pedido reconvencional pelo recorrido formulado.
Da alegada ilicitude do despedimento:
De notar que a recorrente não defende que os factos que lhe foram imputados e serviram de base ao seu despedimento não constituem uma infracção disciplinar. Não ataca frontalmente o despedimento de que foi alvo nem põe em causa que as infracções por si cometidas, quando consideradas em si mesmas, constituam justa causa de despedimento. O que faz é atacar de flanco, alegando que, ao ser-lhe imposta a sanção de despedimento, foi tratada de forma discriminatória relativamente a outros trabalhadores, nomeadamente Maria Cândida Matos Ramalhete Almeida, David Morais Cardoso e Fernando Manuel Silva Reis, que, tendo, alegadamente, praticado infracções idênticas às praticadas pela recorrente, foram punidos com sanções menos gravosas que o despedimento. Invoca portanto a recorrente a falta de coerência disciplinar por parte da sua entidade patronal, violadora do seu dever de conferir tratamento disciplinar igual a todos quantos praticaram idênticas faltas.
Por esse caminho enveredou a sentença da 1.ª instância, que, reconhecendo embora a grande gravidade das infracções praticadas pela autora, considerou, todavia, ilícito o despedimento com que ela foi disciplinarmente sancionada com o fundamento em que o réu, entidade patronal, não observou o princípio de coerência disciplinar ao sancionar a autora de forma diferente dos caixas terminalistas, a quem apenas aplicou a sanção de suspensão com perda de vencimento.
Porém, desse caminho se desviou o Tribunal da Relação, manifestando, nessa parte, frontal discordância com aquela decisão do tribunal da 1.ª instância, argumentando que "'a entidade patronal, embora esteja sujeita ou deva observar uma certa coerência disciplinar, pode sancionar os mesmos factos por forma diversa, desde que para tanto haja razões'.
Justamente, ponderando as condutas da A. e dos referidos caixas, é manifesto que a daquela revestiu uma bem maior gravidade, se comparada com a dos últimos, que se limitaram, de forma ilícita é certo, a admitir que a A, praticasse a 'rotação de cheques', sendo ela a única beneficiária dessa operação ilícita.
Aliás, a própria A., em carta de 6 de Abril de 1993, junta aos autos, em audiência do julgamento, em 25 de Outubro de 1999, reconheceu ser ela a principal culpada e ter arrastado nessa falta aqueles caixas.
Entendemos, assim, que o recorrente, e bem, aplicou sanção diferente à A. e àqueles seus colegas de trabalho - caixas, por terem sido bem distintas as circunstâncias do comportamento de cada infractor.
Logo o despedimento não é ilícito (artigo 12.º, n.º 1)[...]'
Concorda-se com essa argumentação do Tribunal recorrido. A coerência disciplinar - que pode considerar-se um corolário do princípio de igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição da República -, que se exige a uma entidade patronal relativamente aos trabalhadores ao seu serviço, visa evitar que situações infraccionais idênticas sejam disciplinarmente sancionadas de forma diversa quando nenhuma razão exista para essa discriminação. E razão para a discriminação pode verificar-se, por exemplo, se, tendo embora dois trabalhadores praticado o mesmo tipo de infracção, resultar, todavia, atendendo ao circunstancialismo concreto em que as infracções tiveram lugar, que um deles se mostre passível de um maior grau de censura do que o outro. E, nestas circunstâncias, não se duvida que violaria o comum sentimento de justiça se, não se conferindo relevo ao diferente grau da culpabilidade de cada um desses trabalhadores, os dois fossem punidos com a mesma sanção disciplinar.
Ora, é manifestamente isso que se verifica com os comportamentos da recorrente e dos co-trabalhadores da ré, os caixas terminalistas, com a ajuda de quem a A. conseguiu levar a efeito a concretização do tal 'jogo de cheques' ou 'rotação de cheques', sendo que os factos apurados não deixam dúvidas de que essas operações redundaram exclusivamente no interesse e proveito da recorrente. E o certo é que os respectivos processos disciplinares, instaurados a esses caixas terminalistas, revelam as razões porque a recorrida entendeu dever punir esses seus trabalhadores com pena disciplinar menos grave que a que impôs à recorrente, razões que se prendem com o apuramento de que os mesmos foram induzidos a fazer a vontade da recorrente em atenção ao facto de esta ser 'uma colega com boa reputação, profissional no Banco', ser 'uma colega que prestava serviço numa área do Banco com especial responsabilidade' e ser 'uma colega que parecia merecer todas a consideração dos seus restantes colegas e superiores hierárquicos'.
Ora, esses factos, efectivamente, levam a avaliar a conduta da recorrente, no que à carga censória respeita, numa perspectiva diferente da conduta dos dois caixas terminalistas. Na verdade, se foi a recorrente quem, com o prestígio adquirido ao serviço da recorrida, perante os seus colegas e superiores hierárquicos, 'levou' os ditos caixas terminalistas - como ela própria o admitiu na carta de 6 de Abril de 1993, junta aos autos em 25 de Outubro de 1999 - a participar nas referidas infracções disciplinares, e se essas infracções redundaram em exclusivo proveito da recorrente, outra coisa não seria de esperar da recorrida senão que tratasse disciplinarmente esses caixas terminalistas com menos severidade que aquela que aplicou à ora recorrente.
Parece a recorrente pretender escudar-se na alegação de que ao pedir a disponibilização dos valores constantes dos cheques agia como simples cliente enquanto os caixas agiam no quadro das funções que lhes cabiam, cumprindo-lhes zelar pelo cumprimento das normas vigentes em matéria de pagamento dos cheques apresentados ao balcão.
Mas esse argumento não procede. Cliente embora, na emergência, a recorrente não estava despida da sua veste de funcionária prestigiada do Banco, a exercer funções de secretariado do director de Auditoria e Inspecção do mesmo Banco. Era essa funcionária que se apresentava perante os caixas terminalistas, como cliente, a solicitar-lhes a disponibilização indevida de fundos.
Perante tudo isto, não se vê que, ao sancionar de modo diverso a recorrente e os ditos caixas terminalistas, a recorrida tenha violado o princípio de coerência disciplinar.
Os factos praticados pela recorrente constituem, objectivamente, reiterada infracção disciplinar, que, por brigar, manifestamente, com os valores da lealdade que um trabalhador deve cultivar com a sua entidade empregadora, inutiliza o crédito de confiança de que aquela pudesse beneficiar junto desta, tornando impossível a manutenção da relação laboral, justificando, por isso, a aplicação da sanção mais severa prevista no artigo 27.º do Decreto-Lei 49 408, de 24 de Novembro de 1969: o despedimento. A aplicação dessa sanção à ora recorrente foi, portanto, lícita e essa licitude, pelo que atrás se explanou, não se mostra afectada por qualquer incoerência disciplinar por parte da entidade patronal.
Resolvida a questão do despedimento no sentido da sua licitude, prejudicado fica o conhecimento das questões enunciadas sob as alíneas b) e c), o qual pressupunha uma decisão da primeira questão no sentido de se fora ilícito o despedimento da recorrente.
O que nos transporta para a questão relacionada com o pedido reconvencional formulado pelo Banco recorrido e que o acórdão recorrido julgou procedente, condenando a autora a pagar ao Banco réu a quantia que se vier a apurar em execução da sentença no tocante aos juros não cobrados pelo crédito de que a autora beneficiou.
Insurge-se a recorrente contra o assim decidido, fazendo-o com base nas seguintes duas ordens de razões:
1.ª Fundando-se o pedido reconvencional no incumprimento pela recorrente do seu dever de fidelidade à entidade patronal, só na medida em que ao pedir o pagamento imediato dos cheques, tivesse causado à ré, como consequência adequada, algum prejuízo, poderia a reconvenção proceder;
2.ª Tal como foi apresentada, a reconvenção só poderia proceder na medida em que houvessem provado os prejuízos invocados pelo recorrido e que os mesmos fossem adequadamente imputáveis à conduta da recorrente.
Vejamos. Na reconvenção que formulou contra a autora, o Banco réu pediu a condenação daquela a pagar-lhe a quantia de 1 079 702$, correspondente aos juros que deixou de cobrar sobre o crédito de que a autora beneficiou por efeito da sua referida conduta, com a disponibilização imediata de fundos.
Esse pedido reconvencional não foi admitido no despacho saneador, mas recorrendo o reconvinte, sucessivamente, para o Tribunal da Relação do Porto e depois, para o Supremo Tribunal, obteve procedência neste último, que, pelo acórdão que se acha de fl. 282 a fl. 286, deu provimento ao agravo, revogando a decisão recorrida e admitindo a reconvenção do réu, com o fundamento, além do mais, de que os prejuízos nessa reconvenção invocados pelo réu, relativos aos juros que deixou de cobrar sobre as quantias disponibilizadas à autora, emergem de facto jurídico que serve de fundamento à acção.
Assim sendo, está definitivamente decidido que a reconvenção formulada é admissível, pelo que a respectiva questão, de natureza processual, não pode ser reapreciada neste processo por a mesma estar coberta pelo caso julgado formal, formado por aquela decisão do Supremo Tribunal. Portanto a já admitida reconvenção apenas pode ser aqui objecto de um julgamento de mérito, o que passa por saber se a causa de pedir invocada pelo reconvinte é susceptível de, na perspectiva do direito, conduzir à procedência do pedido reconvencional formulado.
Ora a causa de pedir invocada pelo reconvinte consiste em a reconvinda, com a sua atrás referida conduta - de conseguir, através da actuação convergente dos caixas terminalistas, a disponibilização imediata de fundos, com base na apresentação de cheques, 'sem aguardar o prazo de três dias úteis para a boa cobrança, ou sem aguardar o prazo de dois dias úteis para os depósitos disponibilizados, sem aguardar o prazo de boa cobrança' - ter causado àquele prejuízo correspondente aos juros não cobrados sobe as quantias indevidamente colocadas na disponibilidade desta.
O Tribunal recorrido apreciou a situação nos seguintes termos, que aqui se sintetizam: dos factos provados, nomeadamente nas alíneas n) a r) e s), t) e u), resulta que o Banco adiantou à reconvinda quantias no valor de 378 350 contos, sem que a isso fosse obrigado, por falta de depósito, na sequência de conduta desenvolvida entre a reconvinda e os seus colegas caixas, todos funcionários do réu. Entre as várias formas possíveis pelas quais os bancos exercem a função creditícia (concessão de crédito mediante remuneração) que lhes é própria, figura o descoberto da conta, que, no caso em apreço e ao contrário do que é usual, surgiu sem o acordo do Banco reconvinte, mediante facilidades de caixa, conseguindo a reconvinda levantar quantias superiores às depositadas, convertendo o seu saldo em devedor, situação comercialmente tratada como mútuo de curto prazo. Não tendo, in casu, as partes convencionado juros, essa omissão determina a necessidade de recorrer às normas supletivas dos artigos 102.º, 363.º e 395.º do Código Comercial, segundo os quais, qualificada a situação concreta como operação do Banco, está sujeita à obrigação de pagar juros remuneratórios. Deve pois a reconvinda pagar ao reconvinte os juros remuneratórios correspondentes aos financiamentos comprovados, 'sob pena se, acolhendo-se a pretensão da A., de não exigência de juros, tal solução beneficiar injustamente a autora, que, sabendo bem que não podia obter o crédito do réu, aproveitou a conivência dos seus colegas das caixas para dela usufruir e ainda queria sair beneficiada, não suportando os juros'.
Daqui resulta que o que verdadeiramente conduziu à condenação da reconvinda foi, afinal, aquele seu referido comportamento que lhe permitiu usufruir, sem que para tal tivesse qualquer direito e em prejuízo do reconvinte, dos dinheiros que os caixas terminalistas colocaram à sua disposição. Não é, assim, verdade que o Tribunal recorrido tenha feito assentar a responsabilidade da reconvinda em causa de pedir diferente daquela que o Supremo Tribunal considerara para o efeito de afirmar a admissibilidade da reconvenção deduzida. É certo que, depois de se referir à actuação ilícita da reconvinda, que teve como consequência poder a mesma usufruir das quantias disponibilizadas imediatamente pelos caixas terminalistas, enveredou o Tribunal recorrido pela configuração da relação jurídica que daí resultou com o descoberto da conta da reconvinda. Tal configuração não era necessária. Mas ela tornou-se útil para o efeito de se determinar a indemnização a que o reconvinte passou a ter direito em razão de a reconvinda ter utilizado em seu proveito, e gratuitamente, os montantes que indevidamente lhe foram disponibilizados pelos caixas terminalistas. Na verdade, é sabido - e isso é facto notório que, por isso, não necessita de alegação nem de prova (artigo 514.º, n.º 1, do Código de Processo Civil) que qualquer banco, quando disponibiliza dinheiro a favor de particulares, fá-lo na mira de obter uma vantagem económica, que, regra geral, se traduz nos juros a cobrar sobre as quantias disponibilizadas. Daí que, sempre que uma pessoa utilize o dinheiro de um banco sem pagar nada em troca, sofra este, quando nada se prove em contrário, um prejuízo correspondente aos juros não cobrados sobre aquelas quantias, juros esses que constituem os frutos civis daquele dinheiro.
Assim, salvo o devido respeito, o Tribunal recorrido não procedeu a qualquer 'convolação' da causa de pedir formulada na reconvenção deduzida pelo réu, e afirmada no Acórdão deste Supremo Tribunal de 18 de Março de 1997 (de fl. 282 a fl. 286), para julgar a mesma reconvenção admissível, não ocorrendo, por conseguinte, a alegada violação de qualquer caso julgado formal operado por esse acórdão.
Admitida a reconvenção, e provado o prejuízo sofrido pelo reconvinte em consequência da conduta infraccional da reconvinda, sem que tivesse sido possível determinar a exacta medida desse prejuízo, a condenação desta impunha-se nos termos em que o Tribunal recorrido a formulou.
Improcedem assim todas as conclusões da recorrente, pelo que, na improcedência do recurso interposto, nega-se a revista, com custas pela recorrente."
5 - De tal acórdão, a A. interpôs recurso para o Tribunal Constitucional através de requerimento do seguinte teor:
"[...] tendo sido notificada do douto acórdão de fls. [...], vem dizer e requerer a V.ª Ex.ª o seguinte:
Não se conforma a ora requerente, salvo o devido respeito, com o que assim foi decidido, considerando haver lugar a recurso da douta decisão para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70.º da Lei 28/82, de 15 de Novembro.
Assim requer a V.ª Ex.ª que se digne admitir tal recurso, ordenando os ulteriores termos legais."
6 - Admitido o recurso, veio o relator no Tribunal Constitucional a proferir despacho do seguinte teor:
"Nos termos do n.º 5 do artigo 75.º-A da Lei 28/82, de 15 de Novembro, convido a recorrente a dar cabal e adequado cumprimento às exigências contidas nos n.os 1 e 2 daquele artigo. Prazo: 10 dias."
7 - Em resposta a este convite, a recorrente apresentou o seguinte requerimento:
"Maria Rosa Lopes de Matos Correia Leite, recorrente nos autos de recurso de fiscalização concreta supra-referenciados, em que é recorrido o Banco Comercial Português, S. A., tendo sido notificado do despacho de V. Ex.ª proferido em 14 do corrente, vem corresponder ao convite naquele doutamente formulado, o que faz pela forma seguinte:
1 - De acordo com o determinado, e o sentido do aludido convite, baseado expressamente no artigo 75.º-A da Lei 28/82, de 15 de Novembro, o presente requerimento deve 'dar cabal e adequado cumprimento às exigências contidas nos n.os 1 e 2 daquele artigo', fazendo-o no prazo fixado, de 10 dias.
2 - Importa, pois, antes de mais, precisar a alínea do n.º 1 do mencionado artigo 70.º da Lei 28/82, de 15 de Novembro, ao abrigo da qual o recurso é interposto.
Fazendo-o agora, a recorrente vem apontar, como tal, a alínea b) do referido n.º 1 do mencionado artigo 70.º da Lei 28/82.
Está em causa, na verdade, submeter a esse venerando Tribunal, em sede de fiscalização concreta de constitucionalidade, o douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça recorrido, por se entender que o mesmo aplicou normas, relativamente ao aí confirmado despedimento disciplinar, cuja inconstitucionalidade (existente quando interpretados no sentido que lhes deu aquele douto acórdão) a ora recorrente suscitou durante o processo nas instâncias e no próprio Supremo Tribunal a quo.
3 - Impõe-se ainda à ora recorrente que indique agora qual ou quais as normas cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal aprecie (exigência do referido n.º 1 do artigo 75.º-A supra-aludido).
A este respeito, cabe dizer que a recorrente pretende que esse Tribunal Constitucional aprecie a constitucionalidade das normas do artigo 9.º, n.os 1 e 2, e do artigo 12.º, n.º 5, do regime jurídico aprovado pelo Decreto-Lei 64-A/89, de 27 de Fevereiro, quando interpretadas (e aplicadas), relativamente ao que entender sobre coerência disciplinar e igualdade dos trabalhadores perante a entidade patronal e o poder disciplinar desta, pela forma como foram interpretadas (e aplicadas) pelo Supremo Tribunal de Justiça no acórdão recorrido.
4 - Mas não bastam - sabe-o bem a recorrente - as indicações que se deixam feitas nos números antecedentes deste requerimento.
De harmonia com o estatuído no n.º 2 do artigo 75.º-A da Lei do Tribunal Constitucional, importa ainda precisar qual a norma ou princípio constitucional que se considera violado.
Neste domínio, o que importa referir é que a ora recorrente considera que a interpretação que foi feita, das normas apontadas no antecedente n.º 3 deste requerimento, afronta o princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da Constituição da República.
E espera demonstrar essas afronta e inconstitucionalidade em sede de alegações.
Por conseguinte, a norma violada é esse artigo 13.º da Constituição (tanto o n.º 1 como o n.º 2).
E o princípio constitucional ofendido com a interpretação normativa adoptada pelo Supremo Tribunal de Justiça na matéria em causa é o princípio da igualdade (dos cidadãos perante a lei) justamente consagrado no referido preceito da Constituição da República, como o é o princípio da coerência disciplinar, que é emanação daquele.
A interpretação normativa, feita no douto acórdão recorrido, dos referidos preceitos do artigo 9.º, n.os 1 e 2, e do artigo 12.º, n.º 5, do regime jurídico aprovado pelo Decreto-Lei 64-A/89, de 27 de Fevereiro, considerou manifestamente que, sem quebra dos citados princípios da igualdade e da coerência disciplinar, podia a recorrente ser mais gravemente sancionada disciplinarmente, apesar de somente ter solicitado a prática de actos irregulares referentes à 'rotação de cheques' aludida nos autos, que os próprios colegas que efectivaram os pagamentos e créditos em que tal rotação se traduziu, sendo eles quem funcionalmente tinha a seu cargo a regularidade e segurança de tais operações.
E isso apenas, segundo o douto acórdão, por ela ser 'uma colega que prestava serviço numa área do Banco com especial responsabilidade' e 'merecer toda a consideração dos seus restantes colegas e superiores hierárquicos' ter 'bom relacionamento com os trabalhadores e a hierarquia' e ostentar 'ascendente e poder de influência sobre os dois caixas terminalistas'.
É essa interpretação normativa que a recorrente contesta, por representar ofensa grave dos princípios e preceito constitucionais já aludidos neste requerimento.
5 - Impõe-se, contudo, à recorrente que indique um último elemento necessário para que esse alto Tribunal possa conhecer do recurso interposto: qual a peça processual em que a recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade.
Pois bem: no n.º 8 da sua alegação, no último dos recursos de revista que nos autos interpôs (aquele sobre que recaiu o douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça agora em recurso), a recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade, tendo-a feito assentar exactamente nos acima referidos artigo 13.º da Constituição e princípio da igualdade.
Essa suscitação foi depois levada, como era necessário para ser relevante, às conclusões da mencionada alegação de revista (cf. conclusão 17.ª dessa alegação).
Assim, não é por falta de atempada e adequada suscitação da questão de constitucionalidade que agora novamente se coloca que esse Tribunal Constitucional deve deixar de conhecer do recurso.
Nestes termos, requer a V. Ex.ª se digne proferir despacho a deferir o requerimento de interposição do presente recurso (já admitido no Supremo Tribunal de Justiça) e a determinar que sejam produzidas alegações sobre o mesmo."
8 - Ordenada pelo mesmo relator a produção de alegações, apenas a recorrente as apresentou, concluindo-as pelo seguinte modo:
"1.ª O douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça ora recorrido aplicou normas, relativamente ao seu aí confirmado despedimento disciplinar, cuja inconstitucionalidade (existente quando interpretadas no sentido que lhes deu aquele douto acórdão) a ora recorrente suscitou durante o processo, nas instâncias e no próprio Supremo Tribunal a quo.
2.ª As normas cuja constitucionalidade (existente quando interpretadas como o foram) a recorrente pretende que esse Tribunal Constitucional aprecie são as do artigo 9.º, n.os 1 e 2, e do artigo 12.º, n.º 5, do regime jurídico aprovado pelo Decreto-Lei 64-A/89, de 27 de Fevereiro, quando interpretadas (e aplicadas), relativamente ao que entender sobre coerência disciplinar e igualdade dos trabalhadores perante a entidade patronal e o poder disciplinar desta, pela forma como foram interpretadas (e aplicadas) pelo Supremo Tribunal de Justiça no acórdão recorrido.
3.ª A ora recorrente considera violados, face à interpretação que foi feita dos preceitos apontados na conclusão antecedente, os artigos 13.º e 20.º, n.º 4, parte final (sobre processo equitativo) da Constituição da República, o princípio da igualdade (dos cidadãos perante a lei) nesse preceito consagrado e o princípio da coerência disciplinar, que é corolário daquele princípio da igualdade.
4.ª A recorrente já suscitou a questão da inconstitucionalidade no n.º 8 da sua alegação, no último dos recursos de revista que nos autos interpôs (aquele sobre que recaiu o douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça agora em recurso).
5.ª A interpretação normativa atacada como inconstitucional pelo presente recurso funcionou efectivamente, no caso dos autos, como a ratio decidendi do acórdão recorrido,
6.ª Nada obsta ao conhecimento do presente recurso e à ponderação do que se contém nas presentes alegações.
7.ª Ficara claro, para a douta sentença de 1.ª instância, que 'o despedimento da A. revelou-se ilícito apenas em função do princípio da coerência disciplinar, tendo considerado que, no caso, o BPA não observou esse princípio ao sancionar a A. de forma diferente dos caixas terminalistas, aplicando a estes as medidas de suspensão com perda de vencimento'.
8.ª O Supremo Tribunal de Justiça, ao decidir e para decidir pela licitude do despedimento da recorrente fez uma interpretação normativa do artigo 9.º, n.º 1, do regime jurídico aprovado pelo Decreto-Lei 64-A/89, de 27 de Fevereiro, que não se mostra conforme com o estatuído nos artigos 13.º e 20.º, n.º 4, parte final (sobre processo equitativo) da Constituição da República, com o princípio da igualdade (dos cidadãos perante a lei) nesse preceito consagrado, e com o princípio da coerência disciplinar, que é emanação daquele princípio da igualdade.
9.ª Se é certo que não se provou que os caixas terminalistas tiveram benefício com o 'jogo de cheques', também não ficou provado que o não tiveram, pelo que não era lícito ao Supremo Tribunal de Justiça, extrapolando em relação aos factos dados como provados e por ele enunciados, considerar que as operações aludidas nos autos 'redundaram exclusivamente no interesse e proveito da recorrente'.
10.ª Se, como realmente sucede, resulta claro que o seu tal suposto exclusivo proveito não existe como tal, a recorrente não pode ser prejudicada por tal equívoco, já que outro entendimento seria lesivo do legítimo direito da recorrente a ver apreciada a questão colocada, da aplicação dos princípios da igualdade e da coerência disciplinar, pelo que, como decorrência dos próprios princípios acabados de referir, a apreciação a fazer por esse Tribunal terá de levar em conta o que efectivamente se provou, que naturalmente não inclui o suposto benefício exclusivo da recorrente.
11.ª A recorrente não discute nem censura a jurisprudência segundo a qual 'a entidade patronal pode sancionar os mesmos factos por forma diversa, desde que para tanto haja razões', mas sustenta que não pode sancionar-se mais severamente factos que são manifestamente menos graves, sendo que foi essa mais severa penalização (da recorrente) por factos menos graves, quando comparados com os dos caixas terminalistas, que veio a ser 'homologada' pelo douto acórdão recorrido.
12.ª Os autos revelam que os factos danosos que os originaram poderiam ter sido neutralizados 'quase à nascença' se os registos dos movimentos dos caixas fossem objecto de controlo, controlo esse que é possível e, segundo as normas instituídas, obrigatório, mas que não era feito.
13.ª Entre os comportamentos adoptados pela recorrente e os factos acontecidos, adentro da estrutura do Banco, na sequência daqueles, com a disponibilização dos fundos pretendidos, na base dos cheques apresentados por ela, não existiu nenhum nexo de causalidade adequada, já que, face aos dispositivos vigentes no Banco recorrido e desde que eles tivessem sido minimamente observados, dos pedidos formulados aos caixas terminalistas nunca poderia ter resultado, em termos de causalidade adequada, o que efectivamente sucedeu.
14.ª Ao contrário, dos factos praticados pelos caixas terminalistas resultaram, como é óbvio, como consequências directas e necessárias, os desembolsos indevidos por parte do Banco.
15.ª Assim, e desde logo neste aspecto da causalidade, é manifesto que os factos cometidos pela recorrente, por um lado, e pelos caixas, por outro, não são os mesmos.
16.ª A recorrente, na veste de mera cliente, limitou-se a pedir que os cheques dos autos fossem desde logo pagos em numerário, ou que os respectivos depósitos fossem considerados como se tivessem sido em numerário, é óbvio que quem actuou foram os caixas terminalistas, sendo que estes infringiram directamente, no exercício estrito das suas funções de empregados, as regras a estas aplicáveis, sendo de resto evidente, 'face à grande reiteração dos pedidos em causa, que os caixas não podiam ter deixado de perceber que se estava perante um 'jogo de cheques'.
17.ª A conduta dos caixas terminalistas foi tão ou mais grave que a da recorrente, porque eram eles como ficou referido na douta sentença de 1.ª instância - 'os verdadeiros guardiões dos procedimentos que o Banco instituiu no que diz respeito ao depósito e pagamento de cheques, tendo frustrado com a sua conduta os princípios que o Banco queria ver respeitados nesse domínio', pelo que 'se o R. optou por manter no seu seio os caixas terminalistas, deveria ter igual atitude em relação à A., excepto se existisse alguma razão para fazer essa destrinça, o que se me afigura não ter acontecido' (mesma sentença).
18.ª Não foi conforme com os princípios da coerência disciplinar e da igualdade a interpretação normativa seguida no douto acórdão ora recorrido, pois, 'tendo também presente que não pode dizer-se que se provou ter sido a recorrente a única beneficiária da rotação de cheques, de modo nenhum pode ser aceite como boa, salvo o devido respeito, a conclusão tirada no douto acórdão recorrido, esquecendo completamente as funções dos caixas e as suas peculiares responsabilidades, de que a conduta da recorrente se revestiu de maior gravidade do que a daqueles'.
19.ª Ainda que devesse aceitar-se que a recorrente foi a única beneficiária das 'operações' que originaram os processos disciplinares, ainda assim não seria correcta a penalização mais severa daquela, justamente porque os factos foram diferentes e quem tinha a responsabilidade de, por incumbência do Banco recorrido, evitar os resultados danosos em causa, eram os caixas, e não a recorrente, representando o entendimento oposto a tradução de interpretação nor mativa que ofende claramente os referidos princípios da coerência disciplinar e da igualdade.
20.ª A carta da recorrente de 6 de Abril de 2003, citada no douto acórdão recorrido, e o que nela assumiu, são irrelevantes para ajuizar sobre a justiça relativa das penas aplicadas aos vários infractores em questão.
21.ª O facto de o douto acórdão ora impugnado ter atribuído grande importância a tal carta da recorrente representa mais um motivo para se concluir pela inconstitucionalidade da interpretação normativa adoptada, a basear a conclusão sobre a licitude do despedimento dos autos, pois não pode julgar-se conforme aos princípios constitucionais já referidos, no âmbito em que o foram, a interpretação segundo a qual pode e deve atender-se, numa ponderação sobre a graduação da culpa dos intervenientes, uma carta da própria recorrente e a graduação por ela feita, em peculiares condições objectivas e psicológicas.
22.ª Essa carta da recorrente merecia ser atendida para atenuar a sua culpa, por mostrar o seu arrependimento, mas não para valer como uma espécie de aceitação antecipada de pena máxima, visto que a graduação da culpa cabia, em primeira linha, à entidade patronal e, depois, introduzido o feito em juízo, ao Tribunal, sendo que, nessa graduação feita pelo Tribunal, não tinha de intervir, de modo algum, a aceitação, perfeitamente datada, de que foi a recorrente a 'levar' os caixas a cometer as infracções e de que, assim, era a principal culpada.
23.ª Entendimento oposto, quanto ao aspecto acabado de referir, representa o acolhimento de um processo que não é um processo equitativo, o que reforça a inconstitucionalidade da interpretação normativa seguida, na medida em que resulta violado o preceito do artigo 20.º, n.º 4, da Constituição da República, que impõe a resolução das causas judiciais 'mediante um processo equitativo'.
24.ª É, pois, inconstitucional, pelas razões que ficam apontadas, a interpretação normativa feita na base da matéria apurada nos autos (e excedendo-a mesmo, no tocante à indevida consideração da recorrente como exclusiva beneficiária) e do disposto no artigo 9.º, n.os 1 e 2, e no artigo 12.º, n.º 5, do regime jurídico aprovado pelo Decreto-Lei 64-A/89, de 27 de Fevereiro -, segundo a qual, para diferenciação das sanções aplicáveis a trabalhadores envolvidos num caso de rotação de cheques, é de dar especial relevo a uma carta de admissão de culpa principal por parte da recorrente (quando só podia servir para atenuar a sua sanção, dadas a confissão e o arrependimento dela constantes), se não considerou a circunstância de serem os factos praticados, pela recorrente e pelos demais, essencialmente diversos, dado que a recorrente apenas solicitou como cliente e foram os caixas que agiram incumprindo as obrigações que lhes estavam funcional e estritamente cometidas, sendo por isso mais grave a culpa destes, e, por fim, se concedeu relevância, manifestamente injustificada, ao facto de ser a recorrente funcionária prestigiada do Banco numa área de responsabilidade (apesar de ter funções de simples secretariado pessoal de um director), o que faria com que isso 'levasse' os funcionários a uma violação das regras estabelecidas.
25.ª A interpretação normativa feita é inconstitucional ainda porque o relevo dado à citada carta da recorrente de 6 de Abril de 1993, em sentido desfavorável a esta, representa um vício que conduz a considerar que não houve processo equitativo na apreciação feita, donde deriva ofensa do dispositivo do artigo 20.º, n.º 4, parte final da Constituição.
26.ª Devem, pois, ser declaradas as inconstitucionalidades aqui invocadas, ordenando-se a devolução dos autos ao Supremo Tribunal de Justiça para que a causa seja de novo julgada, em conformidade com a decisão sobre constitucionalidade."
9 - Por se afigurar não ser de tomar conhecimento do recurso, o relator emitiu parecer nesse sentido e determinou a audição da recorrente, nos termos do artigo 704.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por mor do disposto no artigo 69.º da Lei do Tribunal Constitucional.
10 - Respondendo à questão prévia, assim discorreu a recorrente:
"1 - No n.º 10 do douto despacho sob resposta, observa-se, criteriosamente, que se torna necessário (para poder conhecer-se dos recursos de constitucionalidade referentes a decisões judiciais), 'que a questão de inconstitucionalidade tenha sido suscitada durante o processo'.
Isto depois de se referir compreender-se que 'a invocação da inconstitucionalidade unicamente ex post factum [...] não seja suficiente para abrir recurso para o Tribunal Constitucional[...]'.
E antes de explicar que 'a suscitação durante o processo tem sido entendida, de forma reiterada pelo Tribunal, como sendo a efectuada em momento funcionalmente adequado, ou seja, em que o tribunal recorrido pudesse dela conhecer por não estar esgotado o seu poder jurisdicional.'
2 - Vê-se, pois, que a primeira razão pela qual o douto despacho ora em apreço entende não poder conhecer-se do recurso é a da suposta não suscitação durante o processo da questão da constitucionalidade.
No entender convicto da recorrente, porém, e salvo o devido respeito, não é correcta uma tal conclusão.
Vejamos porquê.
3 - A recorrente já versou este ponto quando do convite que lhe foi formulado nos termos do artigo 75.º-A da Lei do Tribunal Constitucional (n.º 5 do requerimento em que correspondeu a tal convite).
Identificou então a peça processual em que suscitou a questão da inconstitucionalidade.
E referiu que, 'no n.º 8 da sua alegação, no último dos recursos de revista que nos autos interpôs (aquele sobre que recaiu o douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça agora em recurso), a recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade, tendo-a feito assentar exactamente nos acima referidos artigo 13.º da Constituição e princípio da igualdade'.
E precisou que 'essa suscitação foi depois levada, como era necessário para ser relevante, às conclusões da mencionada alegação de revista (cf. conclusão 17.ª dessa alegação)'.
Tudo para concluir que 'não é por falta de atempada e adequada suscitação da questão de constitucionalidade que agora novamente se coloca que esse Tribunal Constitucional deve deixar de conhecer do recurso'.
4 - O douto despacho ora em apreço vem sustentar é que tanto agora, em sede de recurso (e, em especial, em sede das alegações que ora produziu), como na oportunidade das alegações que apresentou no recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, a recorrente 'sindica a constitucionalidade da decisão judicial em si própria' discute 'apenas o modo como o acórdão[...] preencheu ponderativo facticamente o princípio constitucional da igualdade'.
Quer dizer: no entendimento do douto despacho sob resposta, as razões para o não conhecimento do recurso afinal confundem-se, na medida em que seria razão para não conhecer do recurso o alegado facto de a recorrente visar a inconstitucionalidade da decisão judicial, mas também o de, se assim é agora, também o mesmo vício ocorrer (e, por isso, não existir verdadeira suscitação de questão de constitucionalidade) quando da abordagem anterior ao douto acórdão recorrido, o do STJ.
5 - A recorrente não se conforma, porém, com tal entendimento, estando firmemente convicta de que não é esta a leitura correcta das suas exposições constantes dos autos e, designadamente, da sua alegação para este Tribunal Constitucional.
6 - Efectivamente, não é à decisão judicial que se dirige a invocação de inconstitucionalidade que a recorrente produziu, confirmou e reitera.
7 - O que a recorrente entende é que aquela decisão aplicou normas, relativamente ao aí confirmado despedimento disciplinar, cuja inconstitucionalidade (existente quando interpretadas no sentido que lhes deu o douto acórdão) a ora recorrente suscitou durante o processo, nas instâncias e no próprio Supremo Tribunal a quo.
8 - Já explicou antecedentemente que as normas cuja constitucionalidade (existente quando interpretadas como o foram) a recorrente pretende que esse Tribunal Constitucional aprecie são as do artigo 9.º, n.os 1 e 2, e do artigo 12.º, n.º 5, do regime jurídico aprovado pelo Decreto-Lei 64-A/89, de 27 de Fevereiro, quando interpretadas (e aplicadas), relativamente ao que entender sobre coerência disciplinar e igualdade dos trabalhadores perante a entidade patronal e o poder disciplinar desta, pela forma como foram interpretadas (e aplicadas) pelo Supremo Tribunal de Justiça no acórdão recorrido.
9 - Considera violados, face à interpretação que foi feita dos preceitos apontados no número antecedente, o artigo 13.º da Constituição da República, o princípio da igualdade (dos cidadãos perante a lei) nesse preceito consagrado, e o princípio da coerência disciplinar, que é emanação daquele princípio da igualdade.
10 - E a recorrente já suscitou a questão da inconstitucionalidade, agora submetida a esse venerando Tribunal, no n.º 8 da sua alegação, no último dos recursos de revista que nos autos interpôs (aquele sobre que recaiu o douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça agora em recurso), tendo-a feito assentar exactamente nos acima referidos artigo 13.º da Constituição e princípio da igualdade, e sido levada às conclusões da mencionada alegação de revista (cf. conclusão 17.ª dessa alegação).
11 - E sustentou que devia conhecer-se do recurso porque as normas, e a interpretação normativa visada, apontadas como inconstitucionais pela recorrente representaram efectivamente a ratio decidendi do acórdão recorrido.
12 - A recorrente mostrou como, em seu entender, e a acrescer à indevida inclusão como aspecto a considerar para justificação da diferenciação das sanções disciplinares em causa, da sua suposta exclusividade de benefícios, havia/há outros pontos de incorrecção (salvo o devido respeito) no que foi decidido no acórdão do STJ impugnado e que resultam numa interpretação normativa que não respeita os princípios constitucionais a que se devia e deve obediência.
13 - Entende a recorrente, assim, que está em causa, no presente recurso, um problema de âmbito normativo e não apenas de qualificação concreta de uma situação.
E que entre a questão colocada pela recorrente e a ratio decidendi existe, destarte, a coincidência essencial que permite considerar que se suscitou uma questão de constitucionalidade sobre uma verdadeira dimensão normativa das normas e princípios indicados nas alegações da recorrente.
14 - Por assim ser, julga a recorrente que deverá conhecer-se do recurso interposto."
B - Fundamentação. - 11 - Não obstante a argumentação da recorrente desenrolada na resposta à questão prévia, é seguro, até perante os seus próprios termos, que esta visa questionar a correcção da decisão recorrida tal como se ajuizou no despacho do relator, sendo ainda certo que jamais problematizou uma questão de validade de qualquer critério normativo que tenha sido aplicado como fundamento da decisão, e que, por isso, não pode o Tribunal tomar conhecimento do recurso.
Disse-se no despacho que suscitou a questão prévia:
"10 - Estabelecem os artigos 280.º, n.º 1, alínea b), da CRP, e 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC que cabe recurso para o Tribunal Constitucional de decisões dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo. Segundo a jurisprudência constante e uniforme deste Tribunal, só podem constituir objecto desse recurso constitucional normas jurídicas que tenham constituído ratio decidendi da decisão (cf., por exemplo, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 18/96, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 15 de Maio de 1996, e J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Coimbra, 1998, p. 821). O recurso de constitucionalidade tal como foi gizado pelo legislador constitucional - com natureza instrumental e relativamente a normas jurídicas - tem em vista o controlo da conformidade com a Constituição (as normas e princípios constitucionais) das normas jurídicas que tenham sido convocadas como suporte normativo da concreta decisão proferida. Sendo assim, estão arredados do objecto do recurso os outros actos admitidos na ordem jurídica, embora estes façam aplicação directa das normas e princípios constitucionais, como acontece com as decisões judiciais (sentenças e despachos), os actos administrativos e os actos políticos. Deste modo, não pode no recurso de constitucionalidade sindicar-se a correcção jurídica da sentença, no que concerne à aplicação que a mesma faça directamente das normas de direito infraconstitucional e das normas e princípios constitucionais. A violação directa das normas e princípios constitucionais pela decisão judicial, atenta a circunstância de não vigorar entre nós o meio constitucional do recurso de amparo, apenas pode ser conhecida no plano dos recursos de instância previstos na respectiva ordem de tribunais.
Não obstante o recurso de constitucionalidade respeitar a uma decisão judicial e a decisão naquele proferida no sentido de a inconstitucionalidade ou a constitucionalidade da(s) norma(s) jurídica(s) nele sindicada(s) poder afectar a manutenção da decisão, na medida em que um juízo nele tirado sobre a questão de constitucionalidade em sentido desconforme com o efectuado na decisão proferida pelo Tribunal recorrido obrigará à reforma desta, o objecto do recurso é tão-só a norma jurídica que constitua a ratio decidendi da decisão. Nesse recurso apenas cabe ao Tribunal Constitucional pronunciar-se sobre se a norma jurídica concretamente aplicada é ou não constitucionalmente válida. Acresce, por outro lado, que a questão de inconstitucionalidade dessas normas há-de ser suscitada em tempo e de modo funcionalmente adequado para que o Tribunal recorrido pudesse conhecer dela.
Como nota Cardoso da Costa (A jurisdição constitucional em Portugal, in 'Estudos em homenagem ao Professor Doutor Afonso Rodrigues Queiró', Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, I, 1984, pp. 210 e segs.), 'quanto ao controlo concreto - ao controlo incidental da constitucionalidade [...], no decurso de um processo judicial, de uma norma nele aplicável - não cabe o mesmo, em primeira linha, ao Tribunal Constitucional, mas ao tribunal do processo. Na verdade, não obstante a instituição de uma jurisdição constitucional autónoma, manteve-se na Constituição de 1976, mesmo depois de revista, o princípio, vindo das Constituições anteriores [...], segundo o qual todos os tribunais podem e devem, não só verificar a conformidade constitucional das normas aplicáveis aos feitos em juízo, como recusar a aplicação das que considerarem inconstitucionais [...] Este allgemeinen richterlichen Prüfungs - und Verwerfungsrecht encontra-se consagrado expressamente [...], e com o reconhecimento dele a Constituição vigente permanece fiel ao princípio, tradicional e característico do direito constitucional português, do "acesso" directo dos tribunais à Constituição [...] Quando, porém, se trate de recurso de decisão de aplicação de uma norma [...], é ainda necessário que a questão da inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo, em consequência do que o juiz tomou posição sobre ela [...] Compreende-se, na verdade, que a invocação da inconstitucionalidade unicamente ex post factum (depois de proferida a decisão) não seja suficiente para abrir o recurso para o Tribunal Constitucional (sob pena, além do mais, de se converter num mero expediente processual dilatório)'.
Torna-se, pois, necessário que a questão de inconstitucionalidade tenha sido suscitada durante o processo. A suscitação durante o processo tem sido entendida, de forma reiterada pelo Tribunal, como sendo a efectuada em momento funcionalmente adequado, ou seja, em que o Tribunal recorrido pudesse dela conhecer por não estar esgotado o seu poder jurisdicional. É evidente a razão de ser deste entendimento: o que se visa é que o Tribunal recorrido seja colocado perante a questão da validade da norma que convoca como fundamento da decisão recorrida e que o Tribunal Constitucional, que conhece da questão por via de recurso, não assuma uma posição de substituição à instância recorrida, de conhecimento da questão de constitucionalidade fora da via de recurso. É por isso que se entende que não constituem já momentos processualmente idóneos aqueles que são abrangidos pelos incidentes de arguição de nulidades, pedidos de aclaração e de reforma, dado terem por escopo não a obtenção de decisão com aplicação da norma, mas a sua anulação, esclarecimento ou modificação, com base em questão nova sobre a qual o tribunal não se poderia ter pronunciado (cf., entre outros, os Acórdãos n.os 496/99, publicado no Diário da República 2.ª série, de 17 de Julho de 1996, e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 33.º vol., p. 663, 374/00, publicado no Diário da República 2.ª série, de 13 de Julho de 2000, Boletim do Ministério da Justiça, 499.º, p. 77, e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 47.º vol., p. 713, 674/99, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 25 de Fevereiro de 2000, Boletim do Ministério da Justiça, 492.º, p. 62, e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 45.º vol., p. 559, 155/2000, publicado no Diário da República 2.ª série, de 9 de Outubro de 2000, e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 46.º vol., p. 821, e 364/2000, inédito).
11 - Segundo o afirmado no requerimento complementar de interposição de recurso, 'a recorrente pretende que [o] esse Tribunal Constitucional aprecie a constitucionalidade das normas do artigo 9.º, n.os 1 e 2, e do artigo 12.º, n.º 5, do regime jurídico aprovado pelo Decreto-Lei 64-A/89, de 27 de Fevereiro, quando interpretadas (e aplicadas), relativamente ao que entender (itálico aditado) sobre coerência disciplinar e igualdade dos trabalhadores perante a entidade patronal e o poder disciplinar desta, pela forma como foram interpretadas (e aplicadas) pelo Supremo Tribunal de Justiça no acórdão recorrido'. E aduz que a interpretação feita viola o artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa e o princípio constitucional da igualdade na sua vertente de princípio de coerência da entidade patronal no sancionamento das infracções disciplinares laborais.
Embora os termos em que enunciou a questão de constitucionalidade que pretendia ver apreciada fizessem intuir, desde logo, que o que a recorrente pretendia discutir era a concreta subsunção ao quadro normativo aplicável - as referidas disposições de direito infraconstitucional que identifica e o princípio da igualdade na sua vertente de princípio de coerência da entidade patronal no sancionamento das infracções disciplinares laborais - da materialidade fáctica considerada pelas instâncias, tal posição resulta hoje clara do conteúdo das alegações apresentadas no Tribunal Constitucional e das respectivas conclusões que se deixaram transcritas. E diz-se que os termos de tal requerimento já apontavam em tal sentido porque a recorrente, na formulação da questão, acaba por remeter a definição do 'critério normativo' cuja constitucionalidade pretendia sindicar, por um lado, para a compreensão do tribunal sobre 'a coerência disciplinar e igualdade dos trabalhadores perante a entidade patronal e o poder disciplinar desta' e, por outro, para o concreto modo como o tribunal a quo havia aplicado no caso concreto esse mesmo princípio da coerência disciplinar ('[...] pela forma como foram interpretadas e aplicadas pelo Supremo Tribunal de Justiça').
Não obstante ser esse o sentido do requerimento de interposição de recurso que já era postulado pelo modo como a recorrente havia colocado a questão de inconstitucionalidade ao STJ, como ressalta das conclusões das respectivas alegações de recurso que se deixaram transcritas, mormente da conclusão 17.ª, está hoje fora de dúvida, pelo conteúdo das alegações de recurso no Tribunal Constitucional, que o que a recorrente afronta é a constitucionalidade da decisão judicial em si própria [Entrelinhe-se aqui que só por admitir que fosse possível um outro entendimento sobre o objecto do recurso erigido pela recorrente, que pudesse ser esclarecido posteriormente - relativo a uma norma jurídica adequadamente definida pela recorrente que a decisão recorrida houvesse aplicado - é que o relator ordenou o prosseguimento do processo para alegações].
Na verdade, a questão que a recorrente coloca é a questão da concreta aplicação do regime jurídico de despedimento por justa causa, estabelecido nos artigos 9.º, n.os 1 e 2, e 12.º, n.º 5, do Decreto-Lei 64-A/89, de 27 de Fevereiro, em condições que respeitem as exigências do princípio da igualdade, na sua dimensão de princípio de coerência do exercício do poder disciplinar, com outros dois fun cionários da mesma entidade patronal - 'os caixas terminalistas' - e que intervieram na prática dos mesmos factos de natureza disciplinar pelos quais a entidade recorrida a sancionou, levando a cabo operações materiais de serviço atribuídas à sua competência na organização de trabalho da respectiva empresa.
Note-se que a recorrente não dissente da determinação do direito feita pela decisão recorrida - que, na matéria, adoptou o mesmo entendimento do acórdão da Relação do Porto que a mesma confirmou - quanto à posição de valer em matéria de exercício do poder disciplinar da entidade patronal, e, concretamente, na aplicação das penas disciplinares, e entre elas, a do despedimento com justa causa, o princípio da igualdade, sob a dimensão de princípio de coerência do exercício do poder disciplinar laboral, e o conteúdo normativo do mesmo, e de que, segundo ele, 'a entidade patronal pode sancionar os mesmos factos por forma diversa, desde que para tal haja razões' (conclusão 11.ª).
Do que a recorrente discorda é da ponderação que a decisão recorrida atribuiu, no juízo subsuntivo, às circunstâncias de facto que integram a especificidade do caso concreto, controvertendo quer a relevância jurídica dada pelo tribunal a quo a certas circunstâncias de facto cuja existência não discute quer a própria existência dessas circunstâncias de facto, quer, finalmente, a falta de ponderação de outros elementos de facto.
Na sua perspectiva, a decisão recorrida violou o princípio constitucional da igualdade, na sua dimensão de princípio da coerência disciplinar, quando, ao aplicar o regime legal estabelecido nos artigos 9.º, n.os 1 e 2, e 12.º, n.º 5, do Decreto-Lei 64-A/89, de 27 de Fevereiro, considerou constituir razão para a discriminação de sancionamento disciplinar da recorrente relativamente aos outros trabalhadores da mesma recorrida envolvidos na operação de 'rotação de cheques' ou do 'jogo de cheques' [que foram punidos com penas disciplinares menos gravosas, de suspensão de actividade com perda de vencimento] - os caixas terminalistas - as circunstâncias, cuja adequação ou nexo de causalidade (para utilizar a expressão da recorrente) não deixa de pôr em causa, de estes terem sido 'induzidos a fazer a vontade da recorrente em atenção ao facto de esta ser 'uma colega com boa reputação profissional no Banco', ser uma colega que prestava serviço numa 'área do Banco com especial responsabilidade', ser 'uma colega que parecia merecer toda a consideração dos seus restantes colegas e superiores hierárquicos' e de 'os factos apurados não deixarem (deixam) dúvidas de que essas operações redundaram exclusivamente no interesse e proveito da recorrente', e de não ter levado em conta a específica situação orgânica em que os referidos caixas terminalistas se encontravam, dado serem estes quem tinha a responsabilidade de, por incumbência do Banco recorrido, evitar os resultados danosos do pagamento em dinheiro de cheques cujo valor não havia ainda sido cobrado, de os factos disciplinares nem sequer serem os mesmos em virtude de a recorrente ter agido na veste de mera cliente enquanto eles eram 'os verdadeiros guardiões dos procedimentos que o Banco instituiu no que respeita ao depósito e pagamento dos cheques [...]'.
Constata-se, deste modo, que a recorrente controverte não a conformidade com a lei fundamental de qualquer dimensão normativa dos referidos artigos 9.º, n.os 1 e 2, e 12.º, n.º 5, da Decreto-Lei 64-A/89, mas a ponderação ou modo como a decisão recorrida reflectiu juridicamente no conteúdo do princípio constitucional da igualdade as específicas e diferentes circunstâncias factuais do caso que revestem os factos disciplinares praticados por si e pelos outros dois trabalhadores da recorrida.
Temos, portanto, que a recorrente sindica a constitucionalidade da decisão judicial em si própria no que concerne ao modo como esta fez directa aplicação do princípio constitucional da igualdade, na sua vertente de princípio da coerência do exercício do poder disciplinar laboral.
Ora, como acima já se disse, esta não constitui objecto de recurso constitucional no sistema adoptado pelo nosso legislador fundamental. Por essa razão, não pode tomar-se conhecimento do recurso interposto.
De resto, como acima já se disse, fora já essa a postura tomada nas alegações para o STJ, nas quais a recorrente surge a discutir apenas o modo como o acórdão da Relação preencheu ponderativo-facticamente o princípio constitucional da igualdade (cf. a conclusão 17.ª das respectivas alegações). Deste modo sempre haveria igualmente de concluir-se que a recorrente não dera também cumprimento ao ónus de adequada suscitação de qualquer questão de constitucionalidade, pelo que ocorreria a falta de tal pressuposto do recurso."
Reafirma-se aqui esta fundamentação, pelo que não é de conhecer do recurso.
C - Decisão. - 12 - Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional decide não tomar conhecimento do recurso.
Custas pela recorrente, com taxa de justiça de 12 UC.
Lisboa, 17 de Novembro de 2004. - Benjamim Rodrigues - Maria Fernanda Palma - Mário José de Araújo Torres - Rui Manuel Moura Ramos.