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Acórdão 599/2004/T, de 11 de Dezembro

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Texto do documento

Acórdão 599/2004/T. Const. - Processo 930/2003. - Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I - Relatório. - 1 - Em 21 de Janeiro de 1994, Jaime Augusto Loureiro, melhor identificado nos autos, intentou, no Tribunal Judicial de Abrantes, acção com processo especial emergente de contrato individual de trabalho contra CHELDING - Sociedade Internacional de Montagens Industriais, Lda., e a Companhia de Seguros Portugal Previdente, S. A., para obter, da primeira, uma indemnização por incapacidade temporária absoluta (ITA) ocorrida entre 30 de Janeiro de 1990 e 13 de Agosto de 1993 e uma pensão anual vitalícia, com início em 14 de Agosto de 1993, da segunda, uma pensão anual vitalícia, com início na mesma data, e, de ambas, uma indemnização, a fixar nos termos do artigo 60.º do Código das Custas Judiciais do Trabalho, e juros de mora vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento, tudo decorrente do acidente de trabalho ocorrido em 29 de Janeiro de 1990, em Volyske, na antiga URSS.

Em 19 de Março de 1998 a acção foi julgada procedente quanto aos pedidos dirigidos individualmente a cada uma das demandadas e ainda no que respeita à condenação no pagamento de juros de mora.

Em 9 de Setembro de 1998, o trabalhador referido veio intentar acção de execução para pagamento de quantia certa, no mesmo Tribunal, contra a sua anterior entidade patronal (a primeira sociedade referida). Transitado o processo para o Tribunal do Trabalho de Abrantes e constatada a falência da empresa, foi requerida a intervenção da Caixa Nacional de Seguros e Doenças Profissionais para satisfazer os créditos devidos.

Por extinção do Fundo de Garantia e Actualização de Pensões (FGAP) em 15 de Junho de 2000, transitaram tais responsabilidades para o Fundo de Acidentes de Trabalho (FAT), que acedeu a cumpri-las em Janeiro de 2002, mas sem o pagamento de juros vencidos após a sentença condenatória e sem liquidação do montante fixado a título de incapacidade temporária absoluta.

Requerido esse pagamento, foi ele indeferido por despacho de 21 de Fevereiro de 2002, da M.mª Juíza do Tribunal do Trabalho de Abrantes, que considerou, com fundamento no disposto na base XLV da Lei 2127, de 3 de Agosto de 1965, que o FAT, como sucessor da Caixa Nacional de Seguros de Doenças Profissionais, não tinha de pagar indemnizações devidas por incapacidades temporárias absolutas, nem juros.

Recorrendo do agravo, logo o trabalhador impugnou a constitucionalidade do n.º 1 da base XLV da Lei 2127 e do artigo 6.º do anexo à Portaria 642/83, de 11 de Junho, caso estas não dessem lugar ao regime decorrente da Lei 100/97, de 13 de Setembro, e do Decreto-Lei 142/99, de 30 de Abril.

Por Acórdão de 15 de Outubro de 2002, a Secção Social do Tribunal da Relação de Évora deliberou negar provimento ao recurso, considerando, designadamente, que o que se discutia era, "tão-só, o âmbito de uma incumbência supletiva do Estado, que de maneira nenhuma se mostra assegurada pela norma constitucional invocada" (a do n.º 1 do artigo 26.º da Constituição).

Recorreu o trabalhador sinistrado para o Supremo Tribunal de Justiça, mantendo a suscitação das mesmas questões de constitucionalidade. Muito embora estas não tenham colhido a concordância do Ministério Público, no parecer que apôs aos autos considerou este que "o n.º 3.º da Portaria 291/2000, na interpretação que lhe foi dada do acórdão em recurso [...] padece de inconstitucionalidade por violação do estabelecido no artigo 13.º da Constituição da República", já que careceria de fundamento material "a diferença de tratamento dos sinistrados que hajam sofrido acidentes de trabalho antes ou depois de 1 de Janeiro de 2000".

Por Acórdão de 26 de Novembro de 2003, a Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça decidiu negar provimento ao agravo, escrevendo, designadamente, o seguinte:

"Ao legislador estaria vedado diminuir o âmbito da competência do FAT na assunção das responsabilidades das entidades insolventes relativamente à competência do anterior FGAP, ou traçar arbitrariamente uma fronteira de aplicação dos dois regimes sucessivos.

E o legislador não o fez, não incorrendo em actividade legiferante desconforme com a Constituição.

Ao invés:

Estabeleceu uma nova competência do FAT, com dimensão mais abrangente para os acidentes ocorridos após 1 de Janeiro de 2000 - artigo 39.º da LAT de 1997 e artigo 1.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei 142/99, de 30 de Abril; e

Estatuiu que as responsabilidades do FAP relativamente a acidentes ocorridos até 31 de Dezembro de 1999 ficavam limitadas às obrigações legais e regulamentares do FGAP - n.º 3.º da Portaria 291/2000.

Dimensionando a competência do FAT pela competência do anterior FGAP relativamente aos acidentes ocorridos antes de 1 de Janeiro de 2000, utilizou um critério objectivo, que situa os sinistrados de acidente de trabalho ocorridos no mesmo período temporal perante os mesmos critérios legais e em perfeita igualdade de situações, o que não sucederia se viesse a dimensionar de forma diferente a responsabilidade do FAT consoante o trânsito em julgado da decisão judicial que reconhecesse a insolvência da entidade responsável e responsabilizasse o Fundo tivesse lugar antes, ou depois, da extinção do FGAP.

Dir-se-á em conclusão que não se verifica qualquer das inconstitucionalidades suscitadas, devendo aplicar-se ao caso sub judice o quadro normativo que resulta das disposições conjugadas do n.º 3.º da Portaria 291/2000, da base XVL da Lei 2127, de 3 de Agosto de 1965, e do artigo 6.º do anexo à Portaria 642/83, o que implica a improcedência do recurso nos termos já expostos."

2 - O recorrente interpôs recurso desta decisão para o Tribunal Constitucional, para ver apreciada a conformidade com a constituição da base XLV da Lei 2127, de 3 de Agosto de 1965, e do artigo 6.º do anexo à Portaria 642/83, de 11 de Junho, concluindo assim as suas alegações:

"1 - É inconstitucional o disposto na base XLV da Lei 2127 e no artigo 6.º do anexo à Portaria 642/83, por violação dos preceitos contidos nos artigos 59.º, n.º 1, alínea f), 26.º, n.º 1, e 13.º da Constituição da República Portuguesa.

2 - Tendo o recorrente sofrido acidente de trabalho no âmbito da vigência do regime legal referido na conclusão anterior, o qual previa a exclusão do pagamento das prestações resultantes de incapacidade temporária pelo FAT, e tendo o regime sido alterado em Janeiro de 2000 pela Lei 100/97, merecendo aí acolhimento a pretensão do recorrente.

3 - Efectivamente, a revogação da Lei 2127 e da Portaria 642/83 pelo regime previsto na Lei 100/97, de 13 de Setembro, determina a aplicação ao recorrente do regime aí previsto, que contempla o pagamento de indemnização pelo FAT.

4 - De outro modo, o recorrente seria discriminado e ficaria em desvantagem patrimonial em relação a outros trabalhadores, em relação à indemnização por ITA, com comparação com IPP [incapacidade parcial permanente], não sendo uma solução que traduza uma 'justa reparação'."

Não houve contra-alegações do recorrido.

Cumpre apreciar e decidir, começando por delimitar o objecto do recurso.

II - Fundamentos. - 3 - Como se deixou relatado, a decisão recorrida considerou aplicável ao caso "o quadro normativo que resulta das disposições conjugadas do n.º 3.º da Portaria 291/2000, da base XLV da Lei 2127, de 3 de Agosto de 1965, e do artigo 6.º do anexo à Portaria 642/83", tendo considerado não inconstitucionais todas essas disposições.

Porém, objecto de recurso para este Tribunal, tal como foi delimitado no requerimento de interposição do recurso e confirmado nas conclusões das alegações, é só a apreciação da constitucionalidade das normas da base XLV da Lei 2127 e do artigo 6.º do anexo à Portaria 642/83. Não se inclui nele, pois, a norma do n.º 3.º da Portaria 291/2000, de 25 de Maio, que dispõe o seguinte:

"As responsabilidades do Fundo de Garantia e Actualização de Pensões, que transitam para o Fundo de Acidentes de Trabalho, correspondentes a acidentes de trabalho ocorridos até 31 de Dezembro de 1999, ficam limitadas às obrigações legais e regulamentares do anterior Fundo."

Como se vê, é esta última norma a que estabeleceu a limitação das responsabilidades do Fundo de Acidentes de Trabalho para os acidentes ocorridos até 31 de Dezembro de 1999, assim tendo igualmente decidido o tribunal recorrido. Ao não ter esta norma sido incluída no objecto do recurso, poderia pensar-se que a utilidade do recurso de constitucionalidade ficaria, em qualquer caso, comprometida.

Importa considerar, porém, que um juízo de inconstitucionalidade proferido por este Tribunal em relação às normas da base XLV da Lei 2127 e do artigo 6.º do anexo à Portaria 642/83 poderia alargar as responsabilidades do Fundo de Garantia e Actualização de Pensões a que se refere aquela portaria de 2000, e que, por essa via, implicaria também a transmissão para o Fundo de Acidentes de Trabalho da responsabilidade pelo pagamento de indemnização por incapacidade temporária absoluta (e, eventualmente, também dos juros de mora), nos próprios termos do n.º 3.º da Portaria 291/2000 - entendendo-se que, em dissonância com as responsabilidades mais alargadas cometidas pela Lei 100/97, de 13 de Setembro, a uma "entidade com autonomia administrativa e financeira" (que veio a ser o Fundo de Acidentes de Trabalho, nos termos do Decreto-Lei 142/99) para os acidentes ocorridos depois da entrada em vigor da nova legislação de acidentes de trabalho (fixada em 1 de Janeiro de 2000 pelo artigo 1.º do Decreto-Lei 383-A/99, de 22 de Setembro), resulta dessa portaria que a responsabilidade do Fundo de Acidentes de Trabalho por acidentes ocorridos antes dessa data se determinava também pelo direito anterior.

De todo o modo, estando a apreciação do n.º 3.º da Portaria 291/2000, de 25 de Maio, que regula o "trânsito" das responsabilidades do Fundo de Garantia e Actualização de Pensões para o Fundo de Acidentes de Trabalho, fora do objecto do presente processo, a questão de constitucionalidade relevante não pode ser a do controlo de um critério para a sucessão de regimes de protecção dos trabalhadores vítimas de acidentes de trabalho, previsto nessa norma, mas apenas a do confronto da legislação infortunística anterior (que veio a ser substituída) com as exigências constitucionais: se estas já exigissem um alargamento do âmbito de protecção conferido, a estreiteza das previsões legais (e regulamentares) configuraria inconstitucionalidade, e do seu alargamento por imposição constitucional resultaria credencial bastante para que a aplicação da norma do n.º 3.º da Portaria 291/2000 permitisse a obtenção do efeito visado pelo recorrente.

4 - Conclui-se, pois, pela possível utilidade do recurso, mesmo tendo este por objecto apenas as seguintes normas:

Base XLV da Lei 2127, de 3 de Agosto de 1965

"Base XLV

Fundo de Garantia e Actualização de Pensões

1 - Para assegurar o pagamento das prestações, por incapacidade permanente ou morte, da responsabilidade de entidades insolventes, é constituído na Caixa Nacional de Seguros de Doenças Profissionais um fundo, gerido em conta especial e denominado Fundo de Garantia e Actualização de Pensões.

2 - Constituem receitas deste Fundo:

a) As importâncias provenientes do reembolso de prestações por ele pagas;

b) As importâncias referidas no n.º 5 da base XIX;

c) As multas impostas por infracção aos preceitos desta lei e seu regulamento;

d) Quaisquer outras importâncias que venham a ser-lhe legalmente atribuídas.

3 - O Fundo de Garantia e Actualização de Pensões fica sub-rogado em todos os direitos das vítimas de acidentes e seus familiares para reembolso do montante das prestações que tenha pago.

4 - Na medida das possibilidades do Fundo, poderá o Ministro das Corporações e Previdência Social autorizar que, complementarmente, sejam por ele integradas pensões reconhecidamente desactualizadas."

Artigo 6.º do anexo à Portaria 642/83

"Artigo 6.º

Incapacidade temporária

O Fundo de Garantia [e Actualização de Pensões] não responde pelas eventuais prestações a que o trabalhador possa ter direito na situação de incapacidade temporária."

Em rigor, porém, esta norma do anexo à portaria não limita a previsão da base XVL da Lei 2127, já que esta circunscreve a sua previsão aos pagamentos de prestações por incapacidade permanente ou morte, enquanto esse artigo 6.º apenas exclui as situações de incapacidade temporária. Assim, a questão a tratar é a da compatibilidade material do regime legal referido, na medida em que não contemplava a incapacidade temporária, com o texto constitucional.

Qual seja esse texto constitucional também não sofre dúvidas. Como se escreveu, por exemplo, no Acórdão 556/2000 (publicado in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 48.º vol., pp. 559-573):

"Quando se trate de apurar a existência de contradição entre o conteúdo de uma norma de direito ordinário e o conteúdo normativo da Constituição - configurando-se um problema de inconstitucionalidade material (como é o caso dos autos) -, observou-se em jurisprudência deste Tribunal que se há-de atender, designadamente, 'às normas e princípios constitucionais resultantes de uma revisão constitucional posterior a essas normas infraconstitucionais, as quais, por virtude dessa revisão, podem tornar-se supervenientemente inconstitucionais' (assim, os Acórdãos n.os 408/89 e 597/99, publicados no Diário da República, 2.ª série, de 30 de Janeiro de 1990 e de 24 de Fevereiro de 2000, respectivamente).

Neste sentido jurisprudencial, as normas ou princípios constitucionais a ter em conta são, em regra, os que estiverem em vigor no momento em que esse confronto houver de ser feito. É assim que, no Acórdão 408/89, se refere que 'enquanto a inconstitucionalidade formal e a orgânica nascem com as normas e jamais as abandonam (mas também não podem sobrevir-lhes a posteriori), a inconstitucionalidade material existe ou deixa de existir no decurso da vigência temporária de uma norma, de acordo com o parâmetro constitucional vigente em cada momento'. E, concluiu-se neste aresto, 'quando esteja em causa a inconstitucionalidade material, o parâmetro constitucional a ter em conta é o texto constitucional vigente no momento da aplicação da norma que é questionada'.

A questão subjacente, no concreto caso, conduziria a determinar-se o momento de aplicação da norma, atendendo à alteração do texto constitucional entrado em vigor entre a aplicação da norma em 1.ª instância e a prolação da decisão em recurso.

A este propósito, o Tribunal Constitucional pronunciou-se recentemente: no caso apreciado pelo Acórdão 172/2000 (publicado no Diário da República, 2.ª série, de 25 de Outubro último), a decisão da 1.ª instância também era anterior à entrada em vigor da 4.ª revisão constitucional, e o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, recorrido, foi prolatado quando já vigorava o texto resultante da Lei Constitucional 1/97.

Escreveu-se, então, que embora as 'novas versões da Constituição não possam ser, em princípio, critério de julgamento de constitucionalidade de normas já aplicadas anteriormente' (salvaguardando-se, geralmente, o caso julgado quanto à aplicação do direito infraconstitucional), o facto da vigência do novo texto constitucional no momento de aplicação da norma implica 'a necessidade de o tribunal que a aplica se subordinar aos princípios e critérios vigentes consagrados no texto constitucional, não devendo aplicar lei inconstitucional (cf. artigo 204.º)'.

No entanto - e como se observou no voto de vencido do conselheiro Presidente -, é questionável que o momento determinante para a escolha da lei aplicável, quando duas leis se sucedem no tempo, seja, necessária e automaticamente, o da decisão judicial; tudo dependerá - escreveu-se nesse local - 'da matéria e do tipo de situações em presença, e dos critérios estruturais, postulados pela mesma regra [a regra que observa a norma vigente no momento da decisão], aplicáveis justamente a cada matéria e situação típica'.

Porém, como se verá, na situação vertente não se torna, sequer, necessário um compromisso quanto à escolha da lei aplicável ratione temporis, dado que a solução a conceder será, de qualquer forma, idêntica."

O parâmetro constitucional relevante é o resultante da 4.ª revisão constitucional, de 1997 (Lei Constitucional 1/97, de 20 de Setembro), sendo certo, porém, que, nas disposições invocadas - as dos artigos 26.º, n.º 1, e 59.º, n.º 1, alínea f), da Constituição - a redacção permanece inalterada desde então.

5 - Considerando a primeira norma - o artigo 26.º, n.º 1, da Constituição -, escreveu-se no acórdão recorrido:

"Este preceito, sob a epígrafe 'Outros direitos pessoais', sublinha direitos que estão directamente ao serviço da protecção da esfera nuclear das pessoas e da sua vida, abarcando fundamentalmente aquilo a que a literatura juscivilística designa por direitos de personalidade e não interferindo com opções do legislador no sentido da extensão da responsabilidade de determinada entidade pela reparação dos danos.

Somente o seu segmento final poderia aqui ser chamado à colação ao aludir ao direito 'à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação', mas, como bem se refere no douto parecer do Exmo. Procurador-Geral-Adjunto constante dos autos [citando os trabalhos da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional (reunião de 11 de Setembro de 1996, no Diário da Assembleia da República, 2.ª série-RC, n.º 20, a fls. 496 e segs.) e em especial das palavras da Deputada Isabel Castro, do partido proponente], a inclusão deste direito na norma em causa apenas teve por finalidade reforçar o actual princípio da igualdade estabelecido no artigo 13.º

Assim, não pode também afirmar-se que o n.º 1 da base XLV da Lei 2127 e o artigo 6.º do anexo à Portaria 642/83, ao impedir o pagamento pelo FGAP das indemnizações por incapacidades temporárias, viole o preceito constitucional."

Acompanha-se esta conclusão, a que se chegou na decisão recorrida. Na verdade, ao renunciar ao controlo da conformidade constitucional da norma que estabeleceu uma diferenciação de regimes para a incapacidade temporária e a incapacidade permanente, consoante a data de verificação do acidente [a do artigo 1.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei 142/99, de 30 de Abril, e a do artigo 39.º da Lei 100/97, de 13 de Setembro, para além do referido n.º 6.º da Portaria 291/2000], os argumentos centrados em "discriminação" deixaram de ter suporte adequado.

Assim, o problema posto pelo regime resultante da base XLV da Lei 2127 (da limitação ao "pagamento das prestações, por incapacidade permanente ou morte, da responsabilidade de entidades insolventes") não é um problema de diferenciação, ou discriminação, mas, quando muito, um problema de omissão de previsão da garantia, pelo Fundo (primeiro o FGAP, depois o FAT), do pagamento de indemnização por incapacidades temporárias. Mas esta omissão não viola a norma do artigo 26.º, n.º 1, da Constituição, ou qualquer outra previsão constitucional específica que impusesse a inclusão dessa garantia no âmbito das responsabilidades do Fundo.

6 - Por sua vez, apreciando a compatibilidade das normas impugnadas da Lei 2127 e da Portaria 642/83 com o artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da Constituição, escreveu-se no acórdão recorrido:

"Sustenta o recorrente que o n.º 1 da base XLV da Lei 2127 e o artigo 6.º do anexo à Portaria 642/83 são inconstitucionais por deixarem de lado uma das parcelas da reparação em sede de acidente de trabalho que a lei geral reconhece ao sinistrado, ofendendo os artigos 26.º, n.º 1, e 59.º, n.º 1, alínea f), da Constituição da República Portuguesa, por não trazerem para o sinistrado o recebimento da 'justa reparação'.

O Exmo. Procurador-Geral-Adjunto, por seu turno, não corroborando a tese do recorrente quanto à inconstitucionalidade daqueles preceitos, considera ser o n.º 3.º da Portaria 291/2000 inconstitucional por violação do artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, defendendo não haver fundamento material para a diferença de tratamento, no que respeita à protecção que merecem do Estado para suprir a impossibilidade de a sua entidade patronal lhes pagar a indemnização por incapacidade temporária, dos sinistrados que hajam sofrido acidentes de trabalho, antes ou depois de 1 de Janeiro de 2000, e sustentando, por isso, que a questão colocada pelo recorrente deve ser analisada à luz da nova legislação infortunística, procedendo o recurso.

Vejamos se se verificam as apontadas inconstitucionalidades.

Estabelece o artigo 59.º, n.º 1, da Constituição da República (nesta parte introduzido pela revisão constitucional de 1997) que todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, têm direito: 'f) A assistência e justa reparação, quando vítimas de acidente de trabalho ou de doença profissional.'

Entende o recorrente que o recebimento da 'justa reparação' não está salvaguardado pelo regime da Lei 2127, de 3 de Agosto de 1965, e legislação complementar, já que em caso de insolvência da entidade patronal deixa de lado uma das parcelas da reparação, sendo, assim, inconstitucional.

Ora a questão não pode ser perspectivada nestes termos.

Há que ver que esta norma se inclui no capítulo 'Direitos e deveres económicos', este por sua vez inscrito no título III, que incide sobre os 'direitos e deveres económicos, sociais e culturais', da parte I do texto constitucional, relativa aos 'direitos e deveres fundamentais'.

Como ensina Gomes Canotilho, os direitos sociais, económicos e culturais constitucionalmente previstos estão dependentes de uma reserva de medida legislativa e são considerados como leges imperfectae.

No que à 'justa reparação' diz respeito - é este o segmento que o recorrente considera não observado -, esta norma constitucional pressupõe do Estado 'um acto positivo de natureza normativa' (prestação normativa), ou seja, o estabelecimento de regras para a justa reparação dessas vítimas.

Quer no âmbito da anterior legislação, quer no âmbito da actual, o legislador criou um regime reparador dos danos emergentes de acidente de trabalho através do estabelecimento da responsabilidade objectiva da entidade patronal e através de outros mecanismos jurídicos, designadamente daqueles que o legislador considerou adequados para garantir o pagamento das prestações previstas na lei.

Ou seja, o legislador emitiu normas que tendem à 'justa reparação', criando os pressupostos legais necessários ao exercício deste direito social, assim cumprindo o determinado pela Constituição.

Claro que a 'justa reparação', em termos absolutos, só seria alcançada com a reconstituição da situação hipotética anterior à lesão.

No âmbito da reparação prevista na lei para os acidentados de trabalho, na generalidade dos casos (de que apenas se exceptuam os casos de culpa da entidade patronal ou seu representante) a reparação prevista na lei não coincide com a reparação integral do dano (quer face à Lei 2127, de 3 de Agosto de 1965, quer face à Lei 100/97, de 13 de Setembro).

Tal não significa, contudo, que o legislador ordinário tenha infringido a lei fundamental.

É preciso ver que no âmbito dos direitos económicos, sociais e culturais a competência do legislador ordinário é a de garantir as prestações integradoras desses direitos, dentro das reservas orçamentais, dos planos económico e financeiro e das condições sociais do país.

Como refere Gomes Canotilho, a efectivação dos direitos económicos, sociais e culturais efectua-se dentro de uma 'reserva do possível', já que estes direitos dependem dos 'recursos económicos'.

E, se é assim quanto à questão mais fulcral da própria fixação das prestações reparadoras, quanto à assunção pelo FGAP da responsabilidade pela reparação no caso de entidades insolventes, a questão coloca-se exactamente nos mesmos termos.

Perante as condições económicas do Estado, entendeu o legislador que a intervenção 'supletiva' do FGAP no particular caso das entidades insolventes deveria ater-se à medida que estabeleceu no n.º 1 da base XLV da Lei 2127 e no artigo 6.º do anexo à Portaria 642/83, não estando demonstrado que aquelas condições económicas possibilitassem uma assunção de responsabilidades mais abrangente.

Não se verifica, pois, inconstitucionalidade destes preceitos por violação do artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da Constituição da República Portuguesa, a cujo 'apelo' normativo (a despeito de, então, não constar expressamente do texto constitucional) o legislador da Lei 2127, de 3 de Agosto de 1965, e sua legislação complementar deu resposta."

Acompanham-se estas considerações, não podendo concluir-se que a circunstância de se não incluírem as situações de incapacidade temporária no âmbito da garantia legalmente prevista, para situações de insolvência do devedor, do pagamento de indemnizações por acidentes de trabalho viole, só por si, o direito dos trabalhadores à "assistência e justa reparação, quando vítimas de acidente de trabalho ou de doença profissional", ou qualquer incumbência ou dever de protecção deste direito, por parte do Estado.

A norma da alínea f) do n.º 1 do artigo 59.º da Constituição, prevendo um direito (com a configuração dos direitos económicos, sociais e culturais), não contém uma garantia de um direito a uma prestação por parte do Estado, em todos os casos de acidentes de trabalho ou doença profissional. Aquele está vinculado a prever, por via legislativa, a obrigação de reparação e a assistência, nestes casos, por parte da entidade patronal (ou de outra entidade que se lhe substitua), podendo, mesmo, admitir-se que a introdução de um sistema de garantia estatal do pagamento das referidas indemnizações por acidentes de trabalho resulta, ainda, da satisfação deste dever de protecção.

Mas o âmbito deste sistema de garantia podia ser determinado pelo Estado, em consonância com a avaliação das respectivas possibilidades e das necessidades, de forma a excluir as incapacidades temporárias. Isto, em consonância com a subordinação da concretização dos direitos sociais em questão a uma apreciação, de natureza fundamentalmente política, dos meios disponíveis e das necessidades existentes (como se exprime na fórmula da sujeição desses direitos a uma "reserva do possível"). Prevendo a lei um mecanismo de ressarcimento de incapacidades temporárias e definitivas e actuado este no caso (com a condenação, em juízo, da entidade empregadora e a execução dos bens desta para obtenção das quantias em que foi condenada), e coberto ainda o risco da insolvência da devedora em relação às indemnizações que o legislador considerou mais relevantes (através da imposição do pagamento da pensão a uma instituição seguradora e a uma entidade pública que assumiu as responsabilidades da, desaparecida, entidade patronal), só uma imposição constitucional directa imporia nesta matéria um diagnóstico de inconstitucionalidade na parte em que o quadro legal de protecção ao trabalhador sinistrado se revelou, nas circunstâncias do caso, lacunoso.

Uma tal imposição constitucional directa não resulta da referida norma introduzida na revisão constitucional de 1997, sem prejuízo de, também nesse ano, se terem dado novos passos para o aperfeiçoamento da protecção conferida aos trabalhadores vítimas de acidentes de trabalho (com a Lei 100/97, de 13 de Setembro, e os diplomas já citados), face aos quais o Supremo Tribunal de Justiça não teve dúvidas "em afirmar que, caso fosse aplicável ao caso sub judice a nova legislação infortunística, a pretensão do recorrente mereceria acolhimento".

É dizer que não foi a alteração constitucional de 1997 que inconstitucionalizou supervenientemente o regime de intervenção do Fundo de Acidentes de Trabalho até este ver as suas responsabilidades acrescidas, a partir de 1 de Janeiro de 2000.

7 - O recorrente alega ainda que "o FAT é responsável pelo pagamento das indemnizações por incapacidades temporárias resultantes de acidente de trabalho ocorridos antes de 1 Janeiro de 2000, se a decisão judicial nesse sentido tiver sido proferida depois da extinção da FGAT, de acordo com o Acórdão da Tribunal da Relação do Porto de 17 de Setembro de 2001".

Tal argumento, na medida em que se reporte à melhor interpretação do direito infraconstitucional, com independência da sua conformidade constitucional, não pode, porém, ser considerado procedente em sede de controlo de constitucionalidade. E, quanto ao argumento da diferenciação ou discriminação, que também esgrime contra esse entendimento, afigura-se, como se disse, inconsequente em relação às normas impugnadas, pois a norma adequada para sustentar esse juízo - a do n.º 3.º da Portaria 291/2000 -, embora referida como inconstitucional nas alegações de recurso, não foi indicada, nem no requerimento de interposição de recurso nem nas conclusões das alegações, não podendo, assim, a sua apreciação integrar o objecto do presente recurso (cf., v. g., os Acórdãos n.os 634/94, 20/97 e 243/97, publicados, respectivamente, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 29.º vol., pp. 243-258, e 36.º vol., pp. 193-201 e 609-614).

Conclui-se, pois, que as normas em questão, na medida em que não abrangiam situações de incapacidade temporária no sistema de garantia que previam, não eram inconstitucionais, devendo ser negado provimento ao presente recurso e confirmar-se a decisão recorrida.

III - Decisão. - Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide:

a) Não julgar inconstitucionais as normas do n.º 1 da base XVL da Lei 2127, de 3 de Agosto de 1965, e do artigo 6.º do anexo à Portaria 642/83, de 1 de Junho, na medida em que não abrangem situações de incapacidade temporária;

b) Em consequência, negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida, no que às questões de constitucionalidade diz respeito.

Sem custas [artigo 2.º, n.º 1, alínea l), do Código das Custas Judiciais].

Lisboa, 12 de Outubro de 2004. - Paulo Mota Pinto (relator) - Benjamim Rodrigues - Mário José de Araújo Torres - Maria Fernanda Palma (vencida nos termos da declaração de voto junta) - Rui Manuel Moura Ramos.

Declaração de voto

Entendi que as normas constantes do n.º 1 da base XVL da Lei 2127, de 3 de Agosto de 1965, e do artigo 6.º do anexo à Portaria 642/83, de 1 de Junho, ao limitarem o pagamento da indemnização por acidente de trabalho, através do Fundo de Acidentes de Trabalho, às situações de incapacidade permanente ou morte, excluindo as incapacidades temporárias, entra em colisão com o artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da Constituição. Pareceu-me ser injustificada, dada a possível gravidade de muitas situações de incapacidade temporária, uma diferenciação daquele tipo de que resulte não existir qualquer suporte público (sistema de garantia estatal) de uma indemnização por acidente de trabalho, no caso de falência da entidade patronal.

A lógica de uma subordinação de tal dever de suporte do Estado à avaliação das respectivas possibilidades e necessidades, bem como a perspectiva de "uma subordinação da concretização dos direitos sociais em questão a uma apreciação, e natureza fundamentalmente política, dos meios disponíveis e das necessidades existentes", justificarão, em última análise, a ausência de um sistema de suporte estatal da indemnização por acidente de trabalho em quaisquer casos e, consequentemente, um total abandono do trabalhador sinistrado à sua sorte. Esse argumento prova, assim, de mais e não corresponde ao sentido da norma constitucional, que não diferencia o direito do trabalhador à justa reparação, para qualquer efeito, segundo a natureza da incapacidade determinada pelo acidente.

Diferentemente do acórdão, entendo que há um direito dos trabalhadores ao suporte pelo Estado do seu infortúnio, no caso de a entidade patronal não o poder fazer. Outra leitura da Constituição, relativista e liberalizante, em matéria de direitos fundamentais, embora sociais, põe em causa a natureza fundamental deste tipo de direito dos trabalhadores. Tal direito, na verdade, não é configurado apenas como uma obrigação do Estado quanto a conformar a actuação da entidade laboral, mas necessariamente como um direito à protecção directa do Estado, no caso de se tornar inviável a reparação pela entidade patronal.

A alínea f) do artigo 59.º tem essa dimensão, desde logo, ao prever um direito à assistência a par do direito à justa reparação. Mesmo tratando-se de uma garantia do trabalhador perante a entidade patronal por força do seu infortúnio, tal garantia, tendo a ver com condições essenciais de existência, não pode deixar de ser subsidiariamente suportada por um qualquer sistema socialmente mantido, sob pena de os trabalhadores serem abandonados à lógica do seu infortúnio. A justificação no caso da incapacidade temporária, pela "escassez de bens", dependeria, aliás, de uma demonstração que, no contexto concreto, não é de facto feita, já que no sistema actualmente vigente não se faz qualquer distinção entre tipos de incapacidades, não me parecendo razoável que se possam invocar alterações essenciais da política social ou qualquer momento actual de abundância de recursos.

Assim, manter o discurso da escassez como mero argumento aceitável é a utilização de uma realidade económica, fora do seu contexto demonstrativo, apenas como fórmula, no plano da validade constitucional.

Tanto nas suas consequências concretas como no enquadramento geral que o acórdão dá ao problema do direito à protecção dos trabalhadores, entendo que a fundamentação do acórdão não se compatibiliza com os valores subjacentes ao artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da Constituição, em que perpassa uma assimilação dos referidos direitos dos trabalhadores pela lógica dos direitos fundamentais. - Maria Fernanda Palma.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/2266479.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1965-08-03 - Lei 2127 - Presidência da República

    Promulga as bases do regime jurídico dos acidentes de trabalho e doenças profissionais.

  • Tem documento Em vigor 1983-06-01 - Portaria 642/83 - Ministério dos Assuntos Sociais - Secretaria de Estado da Segurança Social

    Aprova o Regulamento da Caixa Nacional de Seguros de Doenças Profissionais.

  • Tem documento Em vigor 1997-09-13 - Lei 100/97 - Assembleia da República

    Aprova o novo regime jurídico dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais.

  • Tem documento Em vigor 1997-09-20 - Lei Constitucional 1/97 - Assembleia da República

    Aprova a quarta revisão da Constituição da República Portuguesa, de 2 de Abril de 1976, e fixa normas para aplicação no tempo de alguns dos preceitos revistos. Publica, em anexo, o novo texto constitucional.

  • Tem documento Em vigor 1999-04-30 - Decreto-Lei 142/99 - Ministério das Finanças

    Cria o Fundo de Acidentes de Trabalho, dotado de autonomia administrativa e financeira, adiante designado abreviadamente por FAT.

Aviso

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