Acórdão 76/2004/T. Const. - Processo 509/98. - Acordam no Plenário do Tribunal Constitucional:
1 - O Procurador-Geral da República, no uso da sua competência prevista no artigo 281.º, n.º 2, alínea e), da Constituição da República Portuguesa, requer a este Tribunal a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do artigo 111.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (aprovado pelo Decreto-Lei 129/84, de 27 de Abril), na redacção que lhe foi dada pela Lei 49/96, de 4 de Setembro.
A norma impugnada dispõe o seguinte:
"Artigo 111.º
Reforço do pleno
1 - Até ao início de vigência da nova Lei Orgânica dos Tribunais Administrativos e Fiscais (LOTAF), podem, por despacho do Presidente, ser afectos ao pleno da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, a título exclusivo, os juízes da Secção que se mostrem necessários à recuperação do serviço.
2 - O Presidente pode determinar que os respectivos processos sejam exclusiva ou predominantemente distribuídos e redistribuídos pelos juízes referidos no número anterior."
2 - O requerente alegou, em síntese, como fundamentação do seu pedido, que:
A solução legislativa constante da norma do citado artigo 111.º (na redacção da Lei 49/96) - oposta à que vigora nos restantes tribunais superiores, em que as formações plenas ou plenárias sempre englobaram as formações em secções e subsecções - vai cindir a 1.ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo em dois tribunais separados, hierarquicamente ordenados, e vai dividir os juízes que a integram em duas classes distintas, com desiguais funções e responsabilidades: uma delas, a dos juízes afectos em exclusivo ao pleno, terá por única missão censurar as decisões proferidas pela outra (a dos juízes das subsecções);
Tal solução viola manifestamente o disposto no artigo 112.º, n.º 6, da Constituição, na medida em que o referido artigo 111.º confere a acto de natureza não legislativa (despacho do Presidente do Supremo Tribunal Administrativo) o poder de, ao afectar juízes da 1.ª Secção, a título exclusivo, ao respectivo pleno, por um lado, isentar esses juízes das funções de intervenção como relatores e adjuntos nos julgamentos de subsecção e, por outro, permite retirar aos juízes não seleccionados para intervirem em exclusivo no pleno, que tenham dois ou mais anos de serviço na Secção, a competência para intervirem como relatores nos julgamentos em pleno, assim modificando ou revogando as disposições constantes das normas legais que directamente procederam à exaustiva regulação da composição e do funcionamento da 1.ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo e da competência e das atribuições dos respectivos juízes;
Por outro lado, ao cometer ao Presidente do Supremo Tribunal Administrativo a determinação do momento em que será implementado o novo sistema de "reforço" do pleno e ao confiar-lhe amplíssimos poderes - praticamente discricionários - de gestão da magistratura, de modo a poder colocar naquele pleno, em exclusividade de funções, os juízes conselheiros que entenda serem necessários e estarem em melhores condições para realizar a pretendida recuperação de serviço, a norma contida no artigo 111.º colide frontalmente com a norma do artigo 217.º, n.º 2, da Constituição, segundo a qual a nomeação, a colocação, a transferência e a promoção dos juízes dos tribunais administrativos e fiscais, bem como o exercício da acção disciplinar, competem ao respectivo Conselho Superior, nos termos da lei.
Conclui, assim, o requerente pela inconstitucionalidade da norma contida no artigo 111.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (na redacção emergente da Lei 49/96, de 4 de Setembro), por violação do disposto nos artigos 112.º, n.º 6, e 217.º, n.º 2, da Constituição.
Notificado do pedido, o Presidente da Assembleia da República ofereceu o merecimento dos autos e juntou os Diário da Assembleia da República contendo os trabalhos preparatórios da Lei 49/96.
Submetido a debate o memorando apresentado pelo Presidente deste Tribunal e fixada a orientação do Tribunal sobre as questões a resolver, cumpre decidir de acordo com essa orientação (artigos 63.º, n.º 2, e 65.º, n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional).
3 - O Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pelo Decreto-Lei 129/84, foi expressamente revogado pela Lei 13/2002, de 19 de Fevereiro.
Esta lei teve por objecto a aprovação do novo Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais e determinou, expressamente, na alínea c) do artigo 8.º, a revogação do "Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pelo Decreto-Lei 129/84, de 27 de Abril".
De acrescentar ainda que, de acordo com o disposto no artigo 9.º da Lei 13/2002 (na redacção dada pelo artigo 1.º da Lei 4-A/2003, de 19 de Fevereiro), a sua entrada em vigor ocorreu (com excepção do artigo 7.º) em 1 de Janeiro de 2004, data, portanto, em que se operou a revogação do Decreto-Lei 129/84.
Em face desta revogação, importa agora averiguar se existe utilidade no conhecimento do mérito do pedido.
4 - De acordo com disposto no n.º 1 do artigo 282.º da Constituição, a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral produz efeitos desde a entrada em vigor da norma em causa, "o que justificará que se conheça de pedidos relativos a normas revogadas sempre que tal se mostre indispensável para corrigir ou eliminar os efeitos entretanto produzidos por tais normas durante o período da sua vigência" (v. o Acórdão 531/2000, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 48.º vol., pp. 47 e segs.).
Contudo, no presente caso, só existem efeitos a "corrigir ou eliminar" se a faculdade concedida ao Presidente do Supremo Tribunal Administrativo pelo artigo 111.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, introduzida pela Lei 49/96, tiver sido exercida pelo mesmo.
Ora, por despacho de 19 de Novembro de 1997, o Presidente do Supremo Tribunal Administrativo, considerando que "desapareceu a legitimidade legal para a manutenção da dita medida de excepção", determinou o seguinte:
"1 - No início [...] de 1998, o pleno da Secção de Contencioso Administrativo passará a funcionar com a composição ditada pelo artigo 25.º do ETAF;
2 - Na sequência do que os Srs. Juízes que presentemente integram o Pleno ficarão radicados numa das Subsecções, onde entrarão também na respectiva distribuição de processos."
Em face de tal despacho, conclui-se que a faculdade contida na norma questionada deixou de ser usada a partir de 19 de Novembro de 1997, e que os efeitos eventualmente produzidos (entre 5 de Setembro de 1996 e 1 de Janeiro de 1998) não justificam o conhecimento do presente pedido de fiscalização abstracta.
Efectivamente, é quase certo, dado o tempo já decorrido, e uma vez que está em causa a composição do pleno (última instância de recurso), que os casos abrangidos estarão todos cobertos por caso julgado.
Conclui-se, portanto, pela inexistência de interesse jurídico relevante e pela consequente inutilidade no conhecimento do pedido.
5 - Decisão. - Pelo exposto e em conclusão, decide-se não conhecer do pedido quanto à declaração da inconstitucionalidade do artigo 111.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (aprovado pelo Decreto-Lei 129/84, de 27 de Abril), na redacção que lhe foi dada pela Lei 49/96, de 4 de Setembro, por inutilidade superveniente.
Lisboa, 3 de Fevereiro de 2004. - Artur Maurício (relator) - Rui Manuel Moura Ramos - Gil Galvão - Maria Fernanda Palma - Pamplona de Oliveira - Bravo Serra - Paulo Mota Pinto - Maria dos Prazeres Beleza - Maria Helena Brito - Benjamim Rodrigues - Vítor Gomes Mota Pinto - Luís Nunes de Almeida.