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Acórdão 318/2007, de 15 de Junho

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Sumário

Anula o despacho da governadora civil de Lisboa de 14 de Maio de 2007, que designou o dia 1 de Julho de 2007 para a realização de eleições intercalares para a Câmara Municipal de Lisboa.

Texto do documento

Acórdão 318/2007

Processos n.os 564/2007 e 569/2007

Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional:

I - Relatório. - 1 - O partido da Terra - MPT, através de requerimento subscrito por Paulo Trancoso, na qualidade de presidente do Partido da Terra, interpôs recurso do despacho da governadora civil de Lisboa de 14 de Maio de 2007, que designou o dia 1 de Julho de 2007 para a realização de eleições intercalares para a Câmara Municipal de Lisboa.

O recurso deu entrada no Governo Civil de Lisboa, via fax, no dia 15 de Maio de 2007, pelas 16 horas e 35 minutos. O recorrente juntou cópia de uma certidão do Tribunal Constitucional.

O recurso foi remetido pelo Governo Civil de Lisboa ao Tribunal Constitucional, acompanhado de fotocópia autenticada do despacho recorrido.

O recurso tem a seguinte fundamentação:

"1 - De acordo com o consubstanciado no artigo 15.º, conjugado com o artigo 228.º da Lei 1/2001, de 14 de Agosto, o prazo mínimo para marcação de eleições autárquicas intercalares é de 60 dias.

2 - Contudo, a Exma. Sr.ª Governadora Civil de Lisboa procedeu à marcação com um prazo de 45 dias.

3 - Com base no prazo referido, a data limite para entrega de listas de candidatura é o dia 20 de Maio.

4 - Situação que vem impossibilitar de forma irremediável a participação de grupos de cidadãos eleitores, a constituição de coligações e a possibilidade de os pequenos partidos puderem (sic) exercer de forma digna os seus direitos de participação na vida política de uma democracia.

5 - O exercício dos direitos de cidadania não podem ser praticados sem uma verdadeira participação de todos na construção da cidade.

6 - Assim, o despacho objecto do presente recurso peca por ser contra legem e por no seu âmago consubstanciar uma violação dos direitos de todos os cidadãos, pondo em causa os princípios democráticos e a possibilidade de a cidade de Lisboa viver um processo eleitoral verdadeiramente livre e democrático."

2 - Por seu turno, Maria Helena do Rego da Costa Salema Roseta, na qualidade de primeira subscritora do grupo de cidadãos eleitores, constituído nos termos e para os efeitos do artigo 16.º, n.º 1, alínea c), da Lei Orgânica 1/2001, de 14 de Agosto, e na qualidade de candidata a presidente da Câmara de Lisboa, interpôs recurso do despacho da governadora civil de Lisboa de 14 de Maio de 2007, que fixou a data das aludidas eleições intercalares.

A recorrente juntou procuração forense, fotocópias do cartão de eleitor, do cartão de identificação de entidade equiparada a pessoa colectiva e de um recibo do Registo Nacional de Pessoas Colectivas relativo a emolumentos.

O recurso foi apresentado em 16 de Maio no Tribunal Constitucional, tendo o respectivo presidente, por despacho da mesma data, determinado a sua remessa ao Governo Civil de Lisboa, que ainda na mesma data, após registado, o reenviou ao Tribunal Constitucional, acompanhado de fotocópia autenticada do despacho recorrido.

O recurso tem os seguintes fundamentos:

"1.º A lei fundamental prevê o direito de constituição de grupos de cidadãos eleitores como direito instrumental de outro direito: o de apresentação de candidaturas para as eleições dos órgãos das autarquias locais (artigo 239.º, n.º 4, do CRP).

2.º A Lei Orgânica 1/2001, de 14 de Agosto, atribui a faculdade de apresentação de candidaturas, quer aos partidos políticos quer a coligações de partidos políticos quer aos grupos de cidadãos eleitores [artigo 16.º, n.º 1, alínea c), deste diploma].

3.º A recorrente e estes cidadãos constituíram-se em grupo de cidadãos eleitores, promoveram o respectivo registo junto da entidade legalmente competente (doc. junto).

4.º Sempre e só com a finalidade de se agruparem, promoverem e apresentarem a sua candidatura às eleições intercalares à Câmara Municipal de Lisboa.

5.º Onde a recorrente assumirá o lugar de candidata a presidente da Câmara.

6.º Para que a candidatura do grupo de cidadãos eleitores seja validamente proposta, terá de ser subscrita por 4000 eleitores por força do que dispõe o artigo 19.º, n.os 1 e 2, da citada lei orgânica.

7.º Ou seja, apesar de a lei orgânica colocar em pé de igualdade os partidos, as coligações e os grupos de cidadãos, o certo é que aqueles se acham em normal e permanente exercício das suas funções, sendo dotados de órgãos próprios, de um aparelho adequado e hábil para, em poucas horas, constituir uma candidatura.

8.º No entanto, um grupo de cidadãos para alcançar o benefício e o direito à apresentação de uma candidatura terá de recolher uma abundante adesão, muito próxima da necessária para constituir um partido político ou erigir uma candidatura à presidência da República.

9.º Com a agravante de os subscritores, naqueles casos, poderem ser obtidos em todo o território nacional e na emigração, num universo de mais de uma dezena de milhão de eleitores.

10.º Ao passo que os subscritores dos grupos de cidadãos terão de provir dos recenseados na autarquia a eleger - e só dessa autarquia (artigo 19.º, n.º 4, da lei orgânica).

11.º Como se tal desigualdade não bastasse, eis que a Sr.ª Governadora Civil de Lisboa designou, no dia 14 de Maio, o dia 1 de Julho de 2007 para a realização da eleição intercalar para a Câmara Municipal de Lisboa.

12.º Apesar de a dissolução ou vacatura da Câmara se ter operado no dia 12 de Maio.

13.º O que exigiria que o acto eleitoral fosse designado para o dia 14 de Julho ex vi do artigo 222.º da Lei Orgânica 1/2001, ou para um domingo próximo dessa data.

14.º Daí que, como se pode facilmente concluir, a designação do dia 1 de Julho afronta directamente o que impõe o artigo 222.º, n.º 1, do diploma legal referido.

15.º Nem se diga que a redução em 25% da duração dos prazos, prevista no artigo 228.º desta lei orgânica tem aplicação neste particular caso.

16.º Na realidade, o prazo previsto no artigo 222.º, n.º 1, emana da norma especial dirigida à particular hipótese de eleições intercalares, sendo, pois, caso resolvido pela própria norma que expressamente previne e regula a situação eleitoral em causa.

17.º Daí que a redução dos prazos em 25% só pode operar-se relativamente a todos os demais prazos que a lei previne para as eleições não intercalares.

18.º Assim, o prazo a que se refere o artigo 20.º (55 dias), uma vez reduzido em 25%, ficará a durar 42 dias.

19.º Como se conclui, pois, a data do acto eleitoral deve ter lugar em data próxima do dia 14 de Julho de 2007.

20.º Não abandona a recorrente a contradição aparente entre o que dispõe o artigo 222.º da lei orgânica, por lado, e o artigo 59.º, n.º 4, da Lei 169/99, de 18 de Setembro, por outro lado.

21.º Na realidade, aquela lei impõe que 'as eleições intercalares a que haja lugar realizam-se dentro dos 60 dias posteriores ao da verificação do facto de que resultam, salvo disposição em contrário'.

22.º Ao passo que a norma da Lei 169/99 diz que 'As eleições realizam-se no prazo de 40 a 60 dias a contar da data da respectiva marcação.'.

23.º São evidentes as antinomias entre uma norma e outra, impondo-se apurar se se complementam ou se a lei orgânica, porque posterior, revoga a Lei das Autarquias Locais, neste particular aspecto.

24.º Na realidade, enquanto aquela norma da Lei 1/2001 se reporta a todas e quaisquer eleições 'a que haja lugar', o preceito da Lei 169/99 teria de ser interpretado à luz da previsão dos seus n.os 1, 2 e 3, ou seja, nos caso de:

Morte, renúncia, suspensão ou perda de mandato;

Esgotamento da possibilidade da sua substituição e desde que não esteja em efectividade de funções a maioria legal dos membros do órgão em causa;

Esgotada, em definitivo, a possibilidade do preenchimento da vaga de presidente da Câmara.

25.º No que diz respeito aos termos a quo, enquanto que a lei orgânica os fixa a partir do momento da 'verificação do facto de que resultam'.

26.º Sem definir a natureza desse facto [podendo ser a comunicação do presidente da Câmara à Assembleia Municipal (artigo 59.º, n.º 2) ou ao governador civil (mesma norma), a deliberação daquele órgão ou a decisão deste, assim como a publicitação da designação de data de eleição intercalar].

27.º Tal regime de fixação de termos a quo não coincide com o que a Lei 169/99, estabelece pois que, para esta lei, ele deve contar-se 'da data da respectiva comunicação'.

28.º Finalmente (e para o que ora mais releva), no que diz respeito ao período intercalar, a Lei 1/2001 diz que as eleições devem realizar-se 'dentro dos 60 dias posteriores [...]'.

29.º Ao passo que a Lei 169/99 diz que tais eleições devem ter lugar 'no prazo de 40 a 60 dias a contar da data [...]'.

30.º Perante estas insanáveis contradições, mandam as regras da interpretação alcançar, a partir destas normas, 'o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada' (artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil), sem abandonar a presunção que o legislador consagrou 'as soluções mais acertadas que pretende alcançar' (artigo 9.º, n.º 3, do mesmo diploma).

31.º Para obter tais objectivos, havemos de nos socorrer de alguns princípios gerais do ordenamento jurídico eleitoral para as autarquias locais.

32.º Assim, e em primeiro lugar, o prazo intercalar consagrado como regra é o de '80 dias de antecedência' e é marcado por decreto do Governo (artigo 15.º, n.º 1, da Lei 1/2001).

33.º No caso das eleições intercalares os prazos deverão ser reduzidos em 25% (artigo 228.º da mesma lei).

34.º Como se verifica, não foi por acaso que o artigo 222.º fixou em 60 dias o prazo intercalar, já que, como se sabe, 60 é 25% de 80.

35.º Por outro lado, a publicitação da data da eleição há-de operar-se no Diário da República.

36.º Sendo o termo a quo, inexoravelmente, o da publicitação dessa data no órgão oficial da República Portuguesa.

37.º Não sendo legalmente suportável a comunicação particular (ou seja, a ausência de comunicação) do governador civil para fixar o momento juridicamente relevante para accionar os mecanismos eleitorais.

38.º Tanto mais que, no particular caso das eleições para as autarquias locais, o universo de candidaturas não se cinge aos partidos políticos.

39.º Pelo que os cidadãos terão de ser informados pelo único meio legalmente admissível: o da publicidade dos actos genéricos da Administração Pública ou o da publicitação dos actos legislativos.

40.º Daí que o momento juridicamente relevante para fixar o termo a quo do prazo intercalar terá de ser o da publicação no Diário da República do acto do governador civil que designa o dia para a realização das eleições.

41.º Pois é a partir desse momento que todos os prazos consequenciais iniciam a sua contagem decrescente.

42.º Seja para a actualização dos cadernos eleitorais.

43.º Seja para as transferências de inscrição de eleitores, nos respectivos cadernos eleitorais.

44.º Seja para a inscrição como novo eleitor, por aquisição de capacidade eleitoral activa.

45.º E, principalmente, para a constituição dos eventuais 'grupos de cidadãos eleitores' que detêm legitimidade eleitoral similar à dos partidos políticos ou coligações de partidos.

46.º Seja, finalmente, para a obtenção das 4000 subscrições necessárias para adquirir tal legitimidade (que, como se disse, têm de ser alcançadas num universo restritíssimo de cidadãos eleitores).

47.º Como se verifica, o legislador de 2001 actualizou os requisitos eleitorais, a duração dos prazos intercalares, a redução em 25% desses prazos gerais, tabelares, em caso de eleições intercalares.

48.º Nem se diga que uma interpretação puramente literal da expressão 'dentro de 60 dias' adoptada pelo artigo 222.º da lei orgânica absorve a redacção do artigo 59.º, n.º 4, da Lei das Autarquias Locais.

49.º E muito menos se utilize o fácil argumento (lateral e enviesado) que se poderá extrair da expressão final da mesma norma da lei orgânica ('salvo disposição especial em contrário').

50.º Quer um quer outro dos argumentos abandonariam o pensamento actual do legislador, dum lado.

51.º E, acima de tudo, os princípios gerais de direito eleitoral que exigem:

A publicidade e a publicitação da convocatória do acto eleitoral por via dos meios legalmente impostos;

O início do termo a quo (e dos que dele decorrem) para a contagem do período intercalar a partir da publicitação da data do acto eleitoral;

A igualdade de tratamento e de oportunidades entre os partidos políticos e os "grupos de cidadãos eleitores" (com expressão constitucional).

52.º Todos estes princípios foram abandonados pela Sr.ª Governadora Civil de Lisboa, quando designou o dia 1 de Julho de 2007 para a realização de eleições para a Câmara Municipal.

53.º O que fez no dia 14 de Maio de 2007.

54.º Ou seja, com 46 dias de antecedência.

55.º Sem qualquer publicidade, nos termos legalmente impostos.

56.º Sem permitir aos cidadãos constituir-se em 'grupos de cidadãos eleitores'.

57.º Estiolando todos os prazos, quer o que diz respeito à actualização dos cadernos eleitorais quer o que se reporta à obtenção de subscrição para as candidaturas para que os grupos de cidadãos eleitores se constituam.

58.º Privilegiando de forma acentuada e constitucionalmente inadmissível as candidaturas institucionalizadas por via dos partidos políticos.

59.º Curiosamente, impedindo absolutamente a constituição de coligações de partidos.

60.º Já que tinham de ser constituídas e publicitadas até ao dia 14 de Maio, ou seja, o prazo começava e acabava quase no mesmo dia (artigo 16.º, n.º 5, e 17.º, n.º 2, da lei orgânica).

61.º Uma vez que o prazo do artigo 17.º, n.º 2 (reduzido em 25%), era de 48 dias, e entre o dia 15 de Maio e o dia 1 de Julho medeiam 46 dias.

62.º Ou seja, nem os grupos de cidadãos eleitores gozam de prazo razoável para se constituírem, nem sequer as coligações de partidos beneficiam de qualquer hipótese de surgirem.

63.º Verifica-se, em suma, que o acto da Sr.ª Governadora Civil de Lisboa, que designa o dia 1 de Julho de 2007 para a realização de eleições intercalares para a Câmara Municipal de Lisboa, enferma dos seguintes vícios:

a) Violação do artigo 239.º, n.º 4, da CRP;

b) Violação dos artigos 13.º e 113.º, n.º 3, alíneas b) e c), da CRP;

c) Violação do artigo 16.º, n.º 1, alínea c), e artigo 19.º da Lei Orgânica 1/2001, de 12 de Agosto;

d) Violação do artigo 222.º, n.º 1, da Lei Orgânica 1/2001, de 14 de Agosto.

O pedido formulado pela recorrente tem o seguinte teor:

'Nestes termos, e nos mais de direito, deve ser julgado procedente o presente recurso e, consequentemente, declarado que:

a) O acto da Sr.ª Governadora Civil de Lisboa que designa dia para eleição intercalar para a Câmara Municipal de Lisboa deve ser publicado no Diário da República;

b) O termo a quo para os prazos dele decorrentes se inicia com tal publicidade;

c) O período intercalar entre o termo a quo e a data de realização do acto eleitoral não pode provocar uma desigualdade de oportunidades e tratamento entre as diversas candidaturas, maxime o da constituição de coligações entre partidos políticos;

d) O prazo intercalar de 46 dias estiola ou destrói a faculdade constitucional e legal de constituição de grupos de cidadãos eleitores se apresentarem a sufrágio;

e) O prazo legal intercalar entre o termo a quo e o acto eleitoral é de 60 dias, ou, no mínimo, próximo de 60 dias, face à imposição legal de o acto eleitoral ter de coincidir com o domingo.'"

Cumpre apreciar.

II - Fundamentação. - 3 - Começando pela apreciação do recurso interposto pelo Partido da Terra (recurso n.º 564/2007).

O recorrente interpõe, junto do Tribunal Constitucional, recurso do despacho da governadora civil de Lisboa - que designa o dia 1 de Julho de 2007 para a realização das eleições intercalares para a Câmara Municipal de Lisboa - ao abrigo do artigo 102.º-B da Lei do Tribunal Constitucional (Lei 28/82).

Com efeito, e de acordo com o n.º 2 do artigo 222.º da Lei Eleitoral para as Autarquias Locais, é ao governador civil que cabe marcar o dia da realização das eleições intercalares.

Assim sendo, a governadora civil de Lisboa, ao exarar o despacho datado de 14 de Maio, exerceu competências próprias de um órgão da administração eleitoral, pelo que, nos termos do n.º 7 do referido artigo 102.º-B, da sua decisão cabe recurso para o Tribunal Constitucional.

Não se suscitam dúvidas quanto à tempestividade do recurso, que cumpre o disposto no n.º 2 do artigo 102.º-B da Lei 28/82. Do mesmo modo se reconhece a legitimidade do recorrente que, sendo um partido político, goza do direito de formar coligações, designadamente para efeito de apresentação de candidaturas a eleições autárquicas, sendo certo que, na petição do recurso, alegou o mesmo que o acto impugnado impossibilitava a constituição das referidas coligações.

Dado o curto prazo de interposição de recurso - e a não exigência de patrocínio judiciário no mesmo (n.º 6 do referido artigo 102.º-B) - entende-se finalmente que a invocação do vício do acto foi feita em termos suficientes para que se reconheça o interesse em agir do recorrente.

4 - O Partido da Terra requer que o Tribunal declare a nulidade do despacho da governadora civil por esta ter marcado a data das eleições com uma antecedência de 45 dias e não de 60 dias, o que, no seu entender, violaria as normas conjugadas dos artigos 15.º e 228.º da Lei Eleitoral para as Autarquias Locais, dos quais resultaria que o prazo mínimo para a realização das eleições intercalares seria de 60 dias.

Deve, por isso, antes do mais, decidir-se se tem ou não razão, quanto a este ponto, o recorrente, ou seja, se devem ou não estas eleições ser marcadas com uma antecedência não inferior a 60 dias.

Para este efeito, não são aplicáveis ao caso as normas invocadas pelo recorrente (artigos 15.º e 228.º da Lei Eleitoral para as Autarquias Locais), tendo em conta a existência de normas especiais que valem para a realização das eleições intercalares.

Dispõe o n.º 1 do artigo 222.º da Lei Eleitoral para as Autarquias Locais:

"As eleições intercalares a que haja lugar realizam-se dentro dos 60 dias posteriores ao da verificação do facto de que resultam, salvo disposição especial em contrário."

Dispõe o n.º 4 do artigo 59.º da Lei das Autarquias Locais:

"As eleições realizam-se no prazo de 40 a 60 dias a contar da data da respectiva marcação."

De nenhuma destas normas se retira a proibição de fixação de um prazo inferior ao de 60 dias.

Com efeito, elas não podem deixar de ser lidas em conjugação com o disposto no n.º 4 do artigo 15.º (também da Lei Eleitoral para as Autarquias Locais), segundo o qual o dia dos actos eleitorais recai em domingo, feriado, ou, para o que agora interessa, ainda feriado municipal, pelo que a antecedência de 60 dias nunca deve, evidentemente, ser tida como um prazo que não permita modulações. Ponto é que a sua fixação implique uma antecedência côngrua, adequada a todas as exigências que a realização de um acto eleitoral comporta.

Nesta medida, a indicação da Lei das Autarquias Locais (Lei 169/99, de 18 de Setembro), segundo a qual as eleições podem ser marcadas entre os 40 e os 60 dias a seguir à data da convocação, poderá servir como um critério interpretativo do que deva ser tido como uma antecedência côngrua: nunca menos que 40, não mais do que 60 dias.

Dentro destes parâmetros, a governadora civil de Lisboa tinha à sua escolha várias datas possíveis para a marcação do acto eleitoral: escolheu a Senhora Governadora o dia 1 de Julho. Ao fazê-lo, exerceu o poder que a lei lhe confere.

No exercício de um tal poder, porém, a governadora civil deveria ter ponderado todos os interesses em presença: por um lado, o interesse público em não protelar excessivamente no tempo a situação de crise vivida na autarquia, e, por outro, a garantia de exercício, por parte de cidadãos e partidos, de direitos, liberdades e garantias de participação política.

Porém, no caso, tal não ocorreu.

5 - Determina o artigo 228.º da Lei das Autarquias Locais:

"No caso de realização de eleições intercalares, os prazos em dias previstos na presente lei são reduzidos em 25%, com arredondamento para a unidade superior."

Esta norma é aplicável quer ao prazo em dias previsto para o anúncio público de apresentação de coligações de partidos e a consequente comunicação da sua constituição ao Tribunal Constitucional (até ao 65.º dia anterior à realização da eleição - n.º 2 do artigo 17.º da Lei Eleitoral para as Autarquias Locais) quer ao prazo em dias previsto para apresentação das listas de candidatos perante o juiz do tribunal competente (e que é até ao 55.º dia anterior ao da realização das eleições - artigo 20.º, n.º 1, da mesma lei).

Ao escolher-se o dia 1 de Julho como data de realização das eleições, o termo do prazo para a apresentação das candidaturas coincidirá - nos termos conjugados dos já referidos artigos 20.º e 228.º da Lei Eleitoral - com o dia 21 de Maio. Por seu turno, o termo do prazo para o anúncio e comunicação das coligações coincidiria - nos termos conjugados dos artigos 17.º, n.º 2, e 228.º da mesma lei - com o dia 14 de Maio, ou seja, com o próprio dia em que se emitiu o despacho em que se convocou as eleições.

Significa isto que o acto do Governo Civil, ao escolher entre as várias datas possíveis a de 1 de Julho, tornou inviável o exercício de um direito de participação política com assento expresso no texto constitucional (artigo 239.º, n.º 4) - o direito à formação de coligações de partidos.

Por este motivo, é inválido o acto impugnado, por ter decorrido do seu exercício o sacrifício do direito dos partidos a constituírem coligações.

A consequente anulação do despacho recorrido tem por efeito a necessidade de emissão de um novo despacho que marque a data das eleições, data essa que deverá ser escolhida de forma a assegurar o exercício efectivo dos direitos, liberdades e garantias de participação política, ainda que tal justifique a desconsideração do prazo fixado no n.º 1 do artigo 222.º da Lei Eleitoral para as Autarquias Locais.

6 - Na medida em que a anulação do despacho determina uma ampliação do prazo para apresentação de candidaturas de grupos de cidadãos, julga-se prejudicada a apreciação do recurso n.º 569/2007, interposto por Maria Helena do Rego da Costa Salema Roseta, na qualidade de primeira subscritora do "grupo de cidadãos eleitores".

III - Decisão. - 7 - Pelos fundamentos expostos, decide-se:

a) Dar provimento ao recurso apresentado pelo Partido da Terra - MPT, anulando o despacho recorrido, sem prejuízo das formalidades procedimentais antes praticadas; e, em consequência, b) Julgar prejudicado o conhecimento do recurso n.º 569/2007, interposto por Maria Helena do Rego da Costa Salema Roseta, na qualidade de primeira subscritora do "grupo de cidadãos eleitores".

Lisboa, 18 de Maio de 2007. - Maria Lúcia Amaral - Vítor Gomes - Benjamim Rodrigues - João Cura Mariano - José Borges Soeiro Carlos Pamplona de Oliveira - Maria João Antunes - Mário José de Araújo Torres - Carlos Fernandes Cadilha (vencido nos termos da declaração de voto anexa) - Ana Maria Guerra Martins (vencida conforme declaração de voto anexa) - Rui Manuel Moura Ramos.

Declaração de voto Teria rejeitado o recurso apresentado pelo Partido da Terra por considerar que o recorrente não concretizou o seu interesse processual quanto à impugnação do acto recorrido, com fundamento na violação do direito à apresentação de candidaturas coligadas, e por entender que, nessa circunstância, a eventual violação desse direito apenas poderia ser apreciada oficiosamente pelo Tribunal Constitucional caso pudesse caracterizar um vício de nulidade por ofensa do conteúdo essencial de um direito fundamental (artigo 33.º, n.º 1, alínea d), do Código do Procedimento Administrativo), o que não sucede, na hipótese, porquanto a possibilidade de apresentação de candidaturas em coligação constitui um mero princípio do sistema eleitoral (artigo 239.º, n.º 4, da Constituição), que apenas indirectamente se repercute no direito fundamental dos cidadãos à participação política (artigo 48.º da Constituição).

Nestes termos, não julgaria prejudicada a apreciação do recurso apresentado pela primeira subscritora do "grupo de cidadãos eleitores", que suscitou, com legitimidade e em tempo, a questão da impossibilidade de apresentação de candidaturas por grupos de cidadãos. - Carlos Fernandes Cadilha.

Declaração de voto Votei vencida por considerar que não estão reunidos os pressupostos processuais de conhecimento do pedido.

É meu entendimento que o acto da governadora civil de Lisboa de marcação de eleições intercalares para a Câmara Municipal de Lisboa para o dia 1 de Julho de 2007, embora provindo de um órgão administrativo, não configura verdadeiramente um acto de administração eleitoral, recorrível para este Tribunal, ao abrigo do artigo 8.º, alínea f), da LTC, antes se apresentando como um acto da função política stricto sensu.

Como afirma Jorge Miranda, os actos da função política stricto sensu caracterizam-se por visarem dirigir a actividade do Estado e definir a título primário e global o interesse público, ao contrário dos actos típicos da função administrativa, que visam a satisfação quotidiana das necessidades colectivas, mediante a necessária subordinação à Constituição e à lei (in Manual de Direito Constitucional, tomo V, Coimbra, 2004, p. 23).

Com efeito, no que diz respeito aos actos de marcação de eleições, todos eles são praticados no exercício de poderes políticos do presidente da República ou do Governo. A alínea b) do artigo 133.º da CRP atribui tal poder ao Presidente da República, órgão de soberania que não participa no exercício da função executiva. E quanto às eleições autárquicas, compete ao Governo a marcação da data do acto eleitoral, por força do n.º 1 do artigo 15.º da Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais (aprovada pela Lei Orgânica 1/2001. Ora, tal poder não pode deixar de encontrar o seu fundamento constitucional na alínea j) do n.º 1 do artigo 197.º da CRP ("Praticar os demais actos que lhe sejam cometidos pela Constituição ou pela lei" - com sublinhado nosso), que integra norma constitucional epigrafada de "Competência política". Caso estivéssemos perante um verdadeiro acto de administração eleitoral, tal poder encontrar-se-ia certamente em alguma das alíneas do artigo 199.º da CRP, correspondente à "Competência administrativa".

Não se vislumbram razões para qualificar o acto de marcação de eleições autárquicas intercalares do governador civil de modo diverso dos anteriores, atento o manifesto paralelismo de situações.

Tendo chegado a esta conclusão, considero que este Tribunal não é competente para conhecer dos pedidos formulados pelos recorrentes, ficando, assim, prejudicado o conhecimento de fundo da matéria em apreço. - Ana Maria Guerra Martins.

Anexos

  • Texto integral do documento: https://dre.tretas.org/pdfs/2007/06/15/plain-213806.pdf ;
  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/213806.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1999-09-18 - Lei 169/99 - Assembleia da República

    Estabelece o quadro de competências, assim como o regime jurídico de funcionamento, dos orgãos dos municípios e das freguesias.

  • Tem documento Em vigor 2001-01-04 - Lei 1/2001 - Assembleia da República

    Altera a Lei nº 98/97, de 26 de Agosto, que aprova a Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas.

  • Tem documento Em vigor 2001-08-14 - Lei Orgânica 1/2001 - Assembleia da República

    Aprova a lei que regula a eleição dos titulares dos órgãos das autarquias locais. Altera o regime de financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais.

Ligações para este documento

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NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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