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Acórdão 92/84, de 7 de Novembro

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Sumário

Declara, com força obrigatória geral e por infracção do artigo 167.º, alínea e), da Constituição, a inconstitucionalidade das normas constantes do Despacho n.º 95/ME/83, de 4 de Outubro, do Ministro da Educação, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 19 de Outubro de 1983, e ao abrigo do n.º 4 do referido artigo 282.º e por razões de segurança jurídica restringem-se os efeitos da declaração de inconstitucionalidade, de forma a salvaguardar os efeitos produzidos no ano de 1983-1984, relativo neste a alunos e professores dos seminários menores.

Texto do documento

Acórdão 92/84

Processo 111/83

Acordam, em conferência, no Tribunal Constitucional:

I

O Presidente da Assembleia da República apresentou um pedido de apreciação de inconstitucionalidade nos termos do artigo 281.º, n.º 1, alínea a), da Constituição e com os fundamentos seguintes:

O Despacho 95/ME/83, de 4 de Outubro, do Sr. Ministro da Educação, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 19 de Outubro de 1983, ao estabelecer uma equiparação ou equivalência entre o ensino preparatório e secundário ministrado nos seminários menores católicos ao ensino oficial parece ofender vários preceitos constitucionais, designadamente os artigos 13.º, n.º 2, e 41.º, n.os 1 e 4, todos do diploma fundamental.

Com efeito, o artigo 13.º, n.º 2, da Constituição estabelece, além do mais, que ninguém pode ser privilegiado em razão da religião: o artigo 41.º, n.º 1, por seu lado, firma o princípio da liberdade religiosa, enquanto o n.º 4 deste mesmo artigo determina que as igrejas e outras comunidades religiosas estão separadas do Estado e são livres na sua organização e no exercício das suas funções e do culto.

De harmonia com os artigos 277.º e 281.º, n.º 1, alínea a), da Constituição e 51.º da Lei 28/82, de 15 de Novembro, requer que este Tribunal Constitucional aprecie e declare com força obrigatória geral a inconstitucionalidade do referido Despacho 95/ME/83, do Sr. Ministro da Educação.

Foi notificado o Sr. Ministro da Educação, ao abrigo do artigo 54.º da Lei 28/82, de 15 de Novembro, para se pronunciar.

Apresentou a sua resposta, a fl. 12, acompanhada de um parecer de um professor de Direito, que se dão por reproduzidos, para todos os efeitos. Neles se concluiu pela constitucionalidade do Despacho 95/ME/83, de 4 de Outubro.

Tudo visto:

II

Do despacho consta:

Considerando que através dos seminários menores a igreja católica, ao mesmo tempo que garante a formação dos seus ministros, tem proporcionado a muitos portugueses, oriundos, na sua maioria, dos estratos sócio-económicos mais desfavorecidos, o acesso à educação e à cultura;

Considerando que na condução e governo dos seminários a igreja procurou sempre manter uma completa autonomia, por considerar a independência na formação dos sacerdotes uma manifestação essencial de liberdade religiosa, não deixando nunca o Estado de reconhecer essa autonomia, através do § 3.º do artigo XX da Concordata celebrada em 1940 entre a Santa Sé e o Estado Português;

Considerando que a experiência tem demonstrado que, não obstante as características próprias dos programas e métodos adoptados pelos seminários menores, a formação científico-cultural adquirida pelos respectivos alunos se revela equiparável à dos correspondentes estabelecimentos oficiais de ensino:

Determino:

1 - O ensino preparatório e secundário ministrado nos seminários menores é considerado, para todos os efeitos legais, como equivalente ao correspondente ensino oficial, desde que satisfaça as seguintes condições cumulativas:

a) Programas e curricula aprovados por despacho ministerial;

b) Leccionação de matérias de natureza não religiosa ou filosófica por professores portadores das habilitações exigidas para os diferentes graus de ensino público;

c) Existência de instalações escolares que satisfaçam as condições higiénicas e pedagógicas exigidas para os diferentes estabelecimentos de ensino particular, bem como o respectivo apetrechamento.

2 - Compete às autoridades eclesiásticas a apresentação dos programas e curricula à Direcção-Geral do Ensino Particular e Cooperativo, até 15 de Julho de cada ano, para vigorarem no ano lectivo seguinte.

3 - A verificação do cumprimento do disposto nas alíneas do n.º 1 do presente despacho compete à Direcção-Geral do Ensino Particular e Cooperativo.

4 - Para efeitos do disposto no n.º 1 do presente despacho, os certificados dos diferentes graus de ensino serão passados pelos seminários menores e confirmados pela Direcção-Geral do Ensino Particular e Cooperativo.

5 - As transferências dos alunos dos seminários menores para as escolas públicas ou particulares e cooperativas obedecerão ao regime estabelecido para o ensino particular e cooperativo.

6 - O serviço docente prestado nos seminários menores constará, para todos os efeitos legais, como prestado em estabelecimentos de ensino particular e cooperativo, desde que verificadas as condições mencionadas no n.º 1 deste despacho.

7 - O presente despacho produz efeitos a partir do ano lectivo de 1983-1984.

III

Antes de se afrontar a questão da inconstitucionalidade material arguida, tem interesse debruçarmo-nos sobre a possível existência de uma inconstitucionalidade orgânica, o que o artigo 51.º, n.º 5, da Lei 28/82, de 15 de Novembro, permite.

A alínea e) do artigo 167.º da Constituição determina que é da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre as «bases do sistema de ensino».

A Lei 9/79, de 19 de Março, estabeleceu as bases do ensino particular e cooperativo.

No artigo 3.º preceitua-se:

1 - Para efeitos desta lei, consideram-se escolas públicas, escolas particulares e escolas cooperativas:

a) Escolas públicas - aquelas cujo funcionamento seja da responsabilidade exclusiva do Estado, das regiões autónomas, das autarquias locais ou de outra pessoa de direito público;

b) Escolas particulares - aquelas cuja criação e funcionamento seja da responsabilidade de pessoas singulares ou colectivas de natureza privada;

c) Escolas cooperativas - aquelas que forem constituídas de acordo com as disposições legais respectivas.

Por sua vez, o artigo 5.º estabelece:

1 - Esta lei não se aplica aos estabelecimentos de ensino eclesiástico, cujo regime está previsto na Concordata entre a Santa Sé e o Estado Português, nem aos estabelecimentos de formação de ministros pertencentes a outras confissões religiosas (o itálico é nosso).

O despacho em apreço está em desarmonia com os artigos 3.º e 5.º citados, porque o n.º 1 reza assim:

O ensino preparatório e secundário ministrado nos seminários menores é considerado, para todos os efeitos legais, como equivalente ao correspondente ensino oficial, desde que satisfaça as seguintes condições cumulativas (o itálico é nosso).

Este n.º 1, além de contradizer os preceitos citados, vem alargar o campo de aplicação da Lei 9/79, na medida em que estabelece regime idêntico para o ensino ministrado nos seminários menores ao que tem lugar nas escolas particulares e cooperativas previstas no artigo 3.º da Lei 9/79. Veio, portanto, conferir «paralelismo pedagógico» ao ensino daqueles estabelecimentos eclesiásticos.

Deve frisar-se que pode haver escolas particulares da Igreja, mas os seminários não são, porém, «escolas particulares», para efeitos do sistema da Lei 9/79, pois não se integram na alínea b) do artigo 3.º, não só pelo que está estatuído no artigo 5.º, também já mencionado, como também porque do artigo XX da Concordata consta:

É livre a fundação de seminários ou de quaisquer outros estabelecimentos de formação ou alta cultura eclesiástica. O seu regime interno não está sujeito à fiscalização do Estado.

Acresce que no artigo 6.º, n.º 2, alínea a), da Lei 9/79, se dispõe que:

No âmbito desta competência são, designadamente, atribuições do Estado:

a) Conceder a autorização para a criação e assegurar-se do normal funcionamento das escolas particulares e cooperativas, segundo critérios a definir no Estatuto dos Ensinos Particular e Cooperativo, o qual deve salvaguardar a idoneidade civil e pedagógica das entidades responsáveis e os requisitos técnicos, pedagógicos e sanitários adequados (o itálico é nosso).

Efeito similar se pretendeu obter no despacho em apreço, ao estatuir como condições para a «oficialização» do ensino dos seminários:

a) Programas e curricula aprovados por despacho ministerial;

b) Leccionação de matérias de natureza não religiosa ou filosófica por professores portadores das habilitações exigidas para os diferentes graus de ensino público;

c) Existência de instalações escolares que satisfaçam as condições higiénicas e pedagógicas exigidas para os diferentes estabelecimentos de ensino particular, bem como o respectivo apetrechamento (o itálico é nosso).

Em ambos os casos se constatam preocupações relativas a regras de higiene, à competência dos professores e de requisitos técnicos adequados.

Do artigo 11.º da Lei 9/79 consta:

Todo aquele que exerce funções docentes em escolas particulares e cooperativas de ensino, qualquer que seja a sua natureza ou grau, tem os direitos e está sujeito aos específicos deveres emergentes do exercício da função docente [...] No n.º 6 do despacho sub judice estabelece-se:

O serviço docente prestado nos seminários menores contará, para todos os efeitos legais, como prestado em estabelecimentos de ensino particular e cooperativo, desde que verificadas as condições mencionadas no n.º 1 deste despacho.

Novamente se verifica uma equiparação ao regime constante da Lei 9/79.

Por sua vez, o artigo 15.º da Lei 9/79 determina que a verificação do aproveitamento compete às escolas particulares e cooperativas, em igualdade com as escolas públicas, desde que obedeçam aos requisitos legais adequados (o itálico é nosso).

Não está longe do que consta do n.º 1 do despacho em apreço ao dizer:

O ensino preparatório e secundário ministrado nos seminários menores é considerado, para todos os efeitos legais, como equivalente ao correspondente ao ensino oficial, desde que satisfaça as seguintes condições cumulativas (o itálico é nosso).

Ainda o n.º 2 do referido artigo 15.º vem estabelecer: «São permitidas as transferências de alunos entre as escolas públicas, particulares e cooperativas», enquanto no n.º 5 do despacho mencionado se dispõe:

As transferências dos alunos dos seminários menores para as escolas públicas ou particulares e cooperativas obedecerão ao regime estabelecido para o ensino particular e cooperativo.

IV

Tudo isto, e algo mais que se poderia acrescentar, revela claramente que, além de se contradizerem normas da Lei 9/79, se criou um verdadeiro regime novo, no qual se reproduzem ou adoptam normas daquela lei, mostrando a sua íntima conexão com as referidas bases. Verifica-se, assim, um paralelismo que a Lei 9/79 não deseja (independentemente de saber, neste momento, se, constitucionalmente, tal é ou não possível).

Parece assim indiscutível que - independentemente da questão da alegada inconstitucionalidade material - se invadiu a área da competência exclusiva da Assembleia da República ao legislar-se sobre matéria que se integra nas bases do sistema do ensino. Isto porque como bases de ensino se devem considerar aquelas regras gerais que a lei definiu e ainda os princípios que se podem extrair da legislação em vigor.

Ora, as bases do ensino particular e cooperativo fazem parte das bases gerais do sistema de ensino do nosso país, nomeadamente porque são consideradas de interesse público e equiparadas ao ensino público, com possibilidade de livre transferência de alunos para qualquer dos ramos, e gozando os professores do ensino particular estatuto idêntico aos do ensino público.

V

Poderia eventualmente dizer-se que nem todas as normas do questionado despacho possuem nível de bases do sistema de ensino. Mas a verdade é que as que a não tenham não têm autonomia normativa própria, não passando de normas instrumentais, cujo destino não pode deixar de ser solidário com as normas fundamentais daquele diploma.

O confronto das normas do despacho em questão com os preceitos da Lei de Bases do Ensino Particular e Cooperativo mostra à evidência que aquele se coloca no terreno desta. Mas, para além disso, sempre se haveria de concluir que a «oficialização» do ensino ministrado em estabelecimentos eclesiásticos (a entender-se constitucionalmente legítima) assume tal significado e contende de tal modo com o sistema nacional de ensino que não poderia deixar de competir em exclusivo à Assembleia da República. Mesmo que essa medida não fosse contra a Lei 9/79, mas antes apenas um mais em relação a ela, ainda assim ela é de tal modo grave que não poderia deixar de contar-se entre as «bases do sistema de ensino».

VI

Atingida esta conclusão e tal-qualmente se decidiu nos Acórdãos n.º 24/83 e 31/84, respectivamente, in Diário da República, 1.ª série, de 19 de Janeiro de 1984, não importa analisar qualquer outro eventual vício de inconstitucionalidade de que o despacho controvertido possa padecer, nomeadamente os que lhe são assacados no requerimento inicial, pois que com o efeito útil já alcançado o pedido obteve o acolhimento pretendido.

VII

Tendo em atenção que efeitos vários já se produziram, há que reconhecer que graves prejuízos resultarão para professores ou alunos que de boa fé leccionaram ou frequentaram os seminários menores durante o ano lectivo de 1983-1984 se for atribuído o efeito normal à declaração de inconstitucionalidade, nos termos do n.º 1 do artigo 282.º da Constituição.

Daí que a segurança jurídica justifique que se restrinjam os efeitos da declaração da inconstitucionalidade de forma a salvaguardar a posição de docentes e discentes dos seminários menores durante o ano lectivo de 1983-1984.

Nestes termos, e por todo o exposto:

Se declara, com força obrigatória geral e por infracção do artigo 167.º, alínea e), da Constituição, a inconstitucionalidade das normas constantes do Despacho 95/ME/83, de 4 de Outubro, do Sr. Ministro da Educação, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 19 de Outubro de 1983, e ao abrigo do n.º 4 do referido artigo 282.º e por razões de segurança jurídica restringem-se os efeitos da declaração de inconstitucionalidade, de forma a salvaguardar os efeitos produzidos no ano de 1983-1984, relativo neste a alunos e professores dos seminários menores.

Lisboa, 31 de Julho de 1984. - José Martins da Fonseca - Jorge Campinos - Luís Nunes de Almeida - Antero Alves Monteiro Dinis - Vital Moreira (considerando, porém, que o Tribunal deveria ter abordado a questão da inconstitucionalidade material - aliás, a única suscitada pelo requerente - e que não havia razões concludentes para limitar os efeitos da decisão, tão flagrante se apresentava, desde o princípio, a inconstitucionalidade suscitada) - Raul Mateus (com declaração de voto) - Mário de Brito (vencido quanto à limitação dos efeitos da declaração da inconstitucionalidade, pela razão invocada pelo Sr. Conselheiro Vital Moreira) - Joaquim Costa Aroso (vencido apenas quanto à norma constitucional, pelas razões constantes do voto do conselheiro Cardoso da Costa) - José Manuel Cardoso da Costa (vencido quanto à inconstitucionalidade declarada, nos termos de declaração anexa, mas não quanto à restrição dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade) - Mário Afonso (vencido nos termos da declaração de voto do Exmo. Conselheiro Cardoso da Costa, a que inteiramente adiro, quanto ao problema de inconstitucionalidade; concordo com o acórdão quanto à restrição dos efeitos da inconstitucionalidade) - Messias Bento (vencido nos termos da declaração de voto do Exmo. Conselheiro Cardoso da Costa) - José Magalhães Godinho.

Declaração de voto

1 - Com a conclusão decisória, entendi que o Despacho 95/ME/83 é inconstitucional por violação do artigo 167.º, alínea e), da Constituição, que situa na esfera da competência exclusiva da Assembleia da República legislar sobre as bases do sistema de ensino.

No entanto, porque divergi em alguns pontos acessórios da fundamentação, não posso deixar de sublinhá-los, o que me leva a fazer breves considerações em ordem a cabal esclarecimento da minha posição.

2 - O Despacho 95/ME/83 não contraria a Lei 9/79, de 19 de Março;

apenas dispõe para além dela, preenchendo um espaço de vazio normativo.

3 - Em bom rigor, só duas normas do Despacho 95/ME/83 traçam linhas essenciais em matéria de sistema de ensino:

O n.º 1, enquanto estabelece o princípio do paralelismo pedagógico entre o ensino preparatório e secundário ministrado nos seminários menores e o correspondente ensino oficial;

E o n.º 6, enquanto enuncia o princípio da equivalência entre o serviço docente prestado nos seminários menores e o prestado em estabelecimentos de ensino particular e cooperativo.

4 - Embora o sector restante do Despacho 95/ME/83, com excepção do n.º 7, seja apenas regulamentativo daqueles preceitos fundamentais, ele é também violador do artigo 167.º, alínea e), da Constituição.

É que, face à inexistência de normas legislativas básicas referentes ao sistema de ensino - cuja emissão, como se viu, é reservada pela lei fundamental à competência exclusiva da Assembleia da República -, tão inconstitucional é a edição por outro órgão dessas directrizes normativas fundamentais como a edição por esse mesmo órgão, e a descoberto, de preceitos meramente regulamentares.

5 - Finalmente, o n.º 7 é uma norma sobre normas. Pertence àquele grupo de preceitos que a doutrina italiana engloba sob a designação genérica de preleggi. A sua existência só se justifica pela existência de outras normas cuja operatividade regulam.

A inconstitucionalização destas últimas postula, por imperativo lógico, a inconstitucionalização, em iguais termos, das preleggi. Esta a razão da inconstitucionalidade da norma do n.º 7.

Raul Mateus.

Declaração de voto

1 - O precedente acórdão assenta na seguinte lógica: a Lei 9/79, contendo as bases do ensino particular e cooperativo, as quais se integram nas «bases do sistema de ensino» a que se refere o artigo 167.º, alínea e), da Constituição, excluiu expressamente do seu âmbito os seminários da igreja católica (artigo 5.º); assim, o Despacho 95/ME/83, ao estabelecer para os mesmos estabelecimentos um regime idêntico ao previsto naquela lei, está manifestamente a contrariá-la e a invadir directamente, por consequência, a esfera da competência legislativa reservada da Assembleia da República; de qualquer modo, ainda que se entenda que tal despacho não vai contra mas unicamente para além da dita lei, sempre que ele dispõe sobre matéria que pela sua gravidade e importância não pode deixar de contar-se entre as «bases do sistema de ensino», e daí que continue ferido do mesmo vício de competência.

Não acompanho esta lógica e, por isso, concluo que o Governo possuía competência para estabelecer a regulamentação constante do despacho em apreço.

2 - Estou de acordo em que os seminários menores não são «escolas particulares» da igreja católica no sentido em que dessas escolas se fala na Lei 9/79. Os seminários - mesmo os menores - têm, na verdade, uma função e vocação específicas, que são as da preparação e formação de ministros sagrados, ou clérigos, e por aí se distinguem de quaisquer outras escolas que a Igreja promova ou institua, em vista da prossecução do seu múnus geral de ensino (isto é, de uma finalidade educativa geral, orientada segundo os seus padrões e critérios doutrinais). É esta uma distinção institucional clara, mas que encontra tradução normativa no próprio direito canónico (cf. Código de Direito Canónico, cânones 234 e seguintes e 796 e seguintes, inseridos, de resto, em lugares bem diversos desse diploma), e também no direito concordatário português (cf. artigo 20.º da Concordata e ainda artigo 3.º da mesma convenção, que reconhece em geral o direito canónico como ordenamento jurídico próprio da igreja).

Não sendo «escolas particulares» da igreja, os seminários menores estão fora do âmbito de aplicação da Lei 9/79: di-lo expressamente o artigo 5.º, n.º 1, deste diploma, mas di-lo, afinal, explicitando algo já decorrente da natureza dos estabelecimentos em causa. Significa isto que um tal preceito não veio «restringir» o universo das situações tendencialmente abrangidas pela respectiva lei (dele excluindo algumas situações que em princípio lá cairiam), mas veio simplesmente integrar a definição ou delimitação desse universo - o universo do «ensino particular e cooperativo» -, em complemento do disposto no artigo 4.º antecedente.

Assim sendo, tenho por indubitável que o Despacho 95/ME/83 não contrarie ou infringe o disposto na Lei 9/79, por «estender» o regime desta última, ao arrepio do estatuído no seu artigo 5.º, a situação dele expressamente excluída.

O caso não é esse: é antes, e simplesmente, o de se ter vindo dispor sobre uma área não coberta pela Lei 9/79. E pode o despacho conter uma regulamentação semelhante, nalguns pontos ou até no seu desenho geral, à dessa lei (ou à editada ao abrigo dela), que as coisas não se modificam: pois é óbvio que, definido por certo diploma um determinado regime jurídico para dadas situações, nem por isso fica sem mais precludida a possibilidade de ulteriormente se estabelecer o mesmo, ou um regime paralelo, para outras situações não contempladas naquele diploma.

Estamos, pois, não perante um despacho contra legem, nem sequer verdadeiramente praeter legem, mas, em rigor, perante um despacho extra legem. Por aí, consequentemente, não haverá invasão da reserva legislativa da Assembleia da República.

3 - Acresce, porém, que, não sendo «escolas particulares» promovidas ou instituídas pela igreja católica, os seminários não ficam apenas fora do âmbito da Lei 9/79 (isto é, do âmbito do «ensino particular e cooperativo»): ficam também, mais do que isso, fora do sistema nacional português de ensino.

Nesse «sistema» entra seguramente o ensino particular e cooperativo [como logo o mostra o artigo 75.º, n.º 2, da Constituição e, depois, a base XXVIII da Lei 5/73, de 25 de Julho, e a própria Lei 9/79, emitida ao abrigo da alínea n), correspondente à actual alínea e) do artigo 167.º da Constituição, na sua versão originária]. Mas que nele não entram os seminários (de qualquer nível ou grau) é conclusão que, atenta a natureza dessas instituições, se tem naturalmente de extrair do princípio do artigo 41.º, n.º 4, da Constituição e já resultava dos artigos 3.º, primeira parte, e 20.º, terceira parte, da Concordata, atrás citados.

Pois bem: esta circunstância - que os seminários menores não integram o sistema nacional de ensino - é decisiva para, de todo o modo, concluir pela competência do Governo para estabelecer a regulamentação constante do despacho em apreço.

E isto porque, bem vistas as coisas, do que o Despacho 95/ME/83 trata é apenas de definir as condições do reconhecimento, no sistema escolar português, do ensino ministrado num outro sistema escolar, ou seja, de definir as condições de equivalência (cf., justamente, o teor do n.º 1 desse despacho), no nosso ordenamento escolar e, em geral, no nosso ordenamento jurídico, dos graus e correspondentes diplomas (ou certificados) obtidos num sistema de ensino dependente de uma ordem jurídica diversa da portuguesa (como é a ordem jurídica canónica). Ora, a definição de tais condições não se inclui seguramente entre as bases do sistema de ensino, cujo estabelecimento o artigo 167.º, alínea e), da Constituição reserva em absoluto à competência legislativa da Assembleia da República.

Em tal matéria - a do reconhecimento ou equivalência, no sistema português de ensino, de graus e diplomas obtidos noutros sistemas escolares - só caberá qualificar como «base» do respectivo regime jurídico a consagração ou a exclusão da possibilidade dessa equivalência. Admitida essa possibilidade, tudo o mais - ou seja, a regulamentação precisa dos pressupostos ou requisitos da concessão da equivalência no tocante a cada sistema ou a cada grau de ensino - não passará de uma «aplicação» ou «concretização» desse princípio: semelhante «concretização», todavia, já cai, por definição, fora da reserva parlamentar.

É justamente neste último âmbito normativo que se situa o Despacho 95/ME/83. Ele, na verdade, não estabelece qualquer princípio geral no tocante ao reconhecimento em Portugal do ensino ministrado por outros sistemas escolares que não o português; define unicamente, em aplicação ou concretização desse princípio, as condições de um tal reconhecimento que respeita ao ensino recebido em certos estabelecimentos (os seminários menores) do sistema de ensino eclesiástico da igreja católica.

Certo que na já referida Lei 5/73 - que é a lei de bases do sistema de ensino ainda em vigor, ao menos parcialmente - debalde se procurará a afirmação directa e expressa da admissibilidade, em geral, da equivalência dos graus e diplomas obtidos noutros sistemas de ensino aos diplomas e graus portugueses, e certo também que, feita com essa generalidade, uma tal afirmação não se encontrou em nenhum outro diploma legal. Em face disso, poderia ser-se tentado a argumentar que, na área específica a que respeita, o despacho em apreço veio estabelecer um regime insusceptível de reconduzir-se a qualquer princípio (ou base) geral anterior, pelo que é ele próprio que, simultânea e implicitamente, define o princípio de que faz «aplicação».

O argumento, porém, seria improcedente. E seria improcedente porque, se falta a referida declaração legal genérica expressa, não é menos verdade que vários preceitos e diplomas legais - na maior parte dos casos, de resto, de proveniência governamental - consagram a possibilidade da concessão de equivalência a estudos realizados no âmbito de sistemas de ensino estrangeiro e aos graus e diplomas aí obtidos, e fazem-no com uma tal amplitude que permitem afoita e indubitavelmente concluir que essa possibilidade não é nada de estranho ao ordenamento escolar português, mas representa a simples expressão do carácter não autárquico do nosso sistema de ensino (veja o artigo 7.º da Lei 74/77, de 28 de Setembro, sobre habilitações escolares adquiridas por portugueses e seus descendentes em países de imigração; e o Decreto-Lei 555/77, de 31 de Dezembro, com as alterações subsequentes dos Decretos-Leis n.os 148/83, de 5 de Abril, e 316/83, de 2 de Julho, sobre a equivalência de graus universitários estrangeiros). Quer isto dizer que, se o princípio do reconhecimento ou equivalência de estudos, graus e diplomas realizados e obtidos no âmbito de outros sistemas de ensino - ou seja, o princípio da não autarcia do sistema de ensino - não se encontra explicitamente proclamado em qualquer preceito legal, nem por isso deixa de constituir um princípio geral do direito escolar português, que aflora com toda a clareza em vários lugares legislativos. Ora isso é quanto basta para que qualquer sua «aplicação» ou «concretização» - como a que consta do despacho em apreço - não tenha de passar por uma intervenção da Assembleia da República, mas possa perfeitamente ser editada pelo Governo.

Assim sendo, não haverá dúvida em concluir que cabia na competência deste órgão de soberania a emissão de um diploma contendo a disciplina jurídica que integra o Despacho 95/ME/83.

4 - Contra uma tal conclusão dir-se-á, porém, que a este despacho não pode imputar-se simplesmente a intenção (ou o resultado) de estabelecer as condições do reconhecimento no sistema escolar português do ensino nos seminários, mas um objectivo (ou um resultado) diverso - qual seja o de «oficializar» esse ensino, com a consequência (acrescentar-se-á) da sua «integração» naquele sistema.

É que - poderia argumentar-se - o Despacho 95/ME/83 estabelece, como pressupostos do dito reconhecimento ou equivalência, condições de carácter «prévio» relativas ao próprio conteúdo do ensino que os seminários menores deverão ministrar, bem como ao seu apetrechamento pessoal e material; e requisitos, por outro lado, paralelos ou idênticos aos que se encontram estabelecidos, ao abrigo da Lei 9/79, para a atribuição de «paralelismo pedagógico» às escolas particulares. Tratar-se-ia, pois - sublinhar-se-ia -, da «extensão», em sentido verdadeiro e próprio, do regime dessa lei aos seminários menores, com a aludida consequência da sua inserção no nosso sistema de ensino.

Ainda aqui, no entanto, o argumento improcede.

Não se discute que, no tocante à concessão de equivalência a habilitações escolares ou académicas obtidas no estrangeiro, o que a lei define são condições, de natureza formal ou substancial, a apreciar apenas a posteriori, e por isso de índole diversa das estabelecidas no despacho em apreço. Só que nesse outro caso, e por óbvias razões, o legislador português não pode fazer mais. Já não será assim, porém, no tocante ao ensino dos seminários, pois que estes se integram num sistema de ensino que tem como suporte «territorial» o mesmo espaço da jurisdição do Estado: não se vê, pois, porque não há-de o Estado Português poder aí estabelecer condições de equivalência diferentes daquelas outras, nem porque, no caso de estabelecê-las, há-de concluir-se por uma «mudança de natureza» da intervenção do Estado (que já não seria no sentido do simples «reconhecimento» desse ensino, mas no da sua «integração» no nosso sistema escolar).

E se tais condições são afinal paralelas ou semelhantes (ou porventura idênticas), nalguns pontos ou no seu desenho geral, às que vigoram dentro do sistema de ensino para certos dos respectivos elementos integradores, também se não vê que tal coincidência modifique as coisas. Pois, na verdade, porque haveria de considerar-se impedido o Estado Português de inspirar-se ou de recorrer, para definir os termos em que se disporá a conceder equivalência ao ensino ministrado nos seminários, a uma regulamentação que já estabelecera para outros efeitos, se a mesma se mostra basicamente adequada também a esse outro objectivo (atenta a referida especificidade do sistema de ensino a que pertencem esses estabelecimentos)? Certo é que, como quer que seja, o regime do Despacho 95/ME/83 não se impõe aos seminários (quer dizer, às autoridades eclesiásticas), mas constitui unicamente uma possibilidade que aqueles podem aproveitar; e certo é também que a fiscalização do cumprimento desse diploma, cometida à Direcção-Geral do Ensino Particular e Cooperativo, abrange justamente só a verificação das condições por ele estabelecidas, não se traduzindo num poder geral de inspecção do funcionamento dos seminários por parte do Estado (cf.

n.os 2 e 3 do despacho). Ora isto é que verdadeiramente é decisivo para concluir que não se está perante uma «oficialização» desses estabelecimentos (com a consequente integração dos mesmos no nosso sistema de ensino), mas ainda, e só, perante o «reconhecimento» dos estudos neles realizados.

5 - Ao concluir que, tendo a regulamentação constante do despacho em apreço o alcance acabado mais uma vez de referir, o Governo dispunha de competência para editá-la, nem por isso, no entanto, se quer dizer que do mesmo despacho esteja ausente qualquer irregularidade ou vício de ordem formal (tomada agora a expressão no seu sentido mais amplo, de modo a abranger os próprios vícios de competência).

É que, de toda a maneira, não se vê que o Despacho 95/ME/83 tenha um fundamento legal imediato (sendo certo, aliás, que nenhum fundamento dessa ordem é nele expressamente invocado, em contravenção do que se prevê no artigo 115.º, n.º 7, da Constituição). O seu fundamento - vimo-lo atrás - encontra-se unicamente num princípio geral do direito escolar português, o qual não se acha explicitamente formulado nesses termos em qualquer disposição legislativa. Afigura-se assim que semelhante despacho assume o carácter de um regulamento independente, do tipo daqueles a que faz referência o n.º 6, in fine, do acima citado artigo 115.º Ora, poderia logo questionar-se se essa via - a de um regulamento independente - seria a idónea para estabelecer a regulamentação em causa.

Ou seja: poderia logo perguntar-se se para editar semelhante regulamentação não deveria o Governo, em lugar de recorrer ao poder regulamentar, ter usado antes o seu poder legislativo, emitindo um decreto-lei (artigo 201.º da Constituição). E isto por se entender ou que os regulamentos independentes não prescindem (como é doutrina tradicional) de um mínimo de ligação a certa lei (a que define a competência subjectiva e objectiva para a sua emissão: cf.

citado artigo 115.º, n.º 7, in fine), ligação que, no caso, não se descortina, ou então que se está, de qualquer modo e no fundo, perante o «desenvolvimento» da base (ou princípio) do direito escolar que permite o reconhecimento de estudos realizados noutros sistemas de ensino (que não o português), o que teria obrigatoriamente de ser feito por decreto-lei [citado artigo 201.º, n.º 1, alínea c)].

Teríamos aí, pois, uma inconstitucionalidade «formal» (por o diploma não ter revestido a forma acabada de indicar) ou, como outros preferem, uma inconstitucionalidade «orgânica» (por o Governo não haver utilizado o poder idóneo para a sua emissão).

Seja como for, não se tolha necessário resolver, no presente caso, a árdua questão que fica levantada (a questão não propriamente da qualificação do vício, que é puramente conceitual, mas sim da sua mesma ocorrência). É que, ainda que superadas fossem as dúvidas que se apontam - por se entender que a regulamentação do Despacho 95/ME/83 já está para além do simples «desenvolvimento» de um princípio, no sentido em que dele se fala no artigo 201.º, n.º 1, alínea c), e por se considerar, por outro lado, com doutrina mais recente (nesse sentido, veja Prof. Afonso Queiró, «Teoria dos regulamentos», na Revista de Direito e Estudos Sociais, ano XXVII, máximo pp. 13 e 17), que, fora da reserva da lei parlamentar (a dos artigos 167.º e 168.º da Constituição), são admissíveis regulamentos em absoluto independentes, em que a subordinação à lei é substituída justamente pela subordinação aos princípios gerais de direito administrativo -, sempre se acabaria por ter de concluir pela inconstitucionalidade formal do despacho em apreço. E isso porque, tratando-se aí de um regulamento independente, não poderia ele, suposta a sua admissibilidade, revestir apenas a forma de «despacho ministerial»: de harmonia com o disposto no n.º 6 do artigo 115.º da Constituição, deveria antes revestir a forma de «decreto regulamentar». Ou seja: na emissão desse regulamento não podia intervir só o Ministro da Educação; haveria de intervir ainda o Primeiro-Ministro e depois, a promulgá-lo, o Presidente da República [cf., respectivamente, artigos 204.º, n.º 3, e 137.º, alínea b), da Constituição].

Eis porque, concluindo que o Governo tinha competência para editar a regulamentação do Despacho 95/ME/83, concluo também, no entanto, que essa regulamentação não se reveste da forma constitucionalmente exigida (ou não provém da competência adequada): em qualquer caso deveria, no mínimo, ter sido observada a forma de decreto regulamentar.

6 - Resta advertir que nas considerações precedentes - sobretudo nas constantes dos n.os 3 e 4 - curou-se fundamentalmente do núcleo da regulamentação do despacho em apreço, que é o referido nesses lugares.

Abstraiu-se assim de aspectos meramente «complementares» ou acessórios dessa regulamentação, como é, designadamente, o caso do disposto no n.º 6 do diploma. Importará, pois, acrescentar que esses outros aspectos de regime jurídico em causa ou são insusceptíveis de qualquer autonomia (por se reportarem a um domínio puramente processual) ou, quando a pudessem ter (para efeitos de um juízo específico de constitucionalidade), não se vê que, de todo o modo, respeitem a «bases do sistema de ensino» e entrem, por conseguinte, na competência reservada do Parlamento.

José Manuel Cardoso da Costa.

Anexos

  • Texto integral do documento: https://dre.tretas.org/pdfs/1984/11/07/plain-21220.pdf ;
  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/21220.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1973-07-25 - Lei 5/73 - Presidência da República

    Aprova as bases a que deve obedecer a reforma do sistema educativo.

  • Tem documento Em vigor 1977-09-28 - Lei 74/77 - Assembleia da República

    Estabelece disposições relativas a língua e cultura portuguesas no estrangeiro.

  • Tem documento Em vigor 1977-12-31 - Decreto-Lei 555/77 - Ministério da Educação e Investigação Científica

    Estabelece as normas pelas quais se passam a reger as equivalências de habilitações e graus de nível superior obtidos por cidadãos portugueses no estrangeiro.

  • Tem documento Em vigor 1979-03-19 - Lei 9/79 - Assembleia da República

    Estabelece as bases do ensino particular e cooperativo.

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

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