Circular n.º 2/2007
No uso da competência atribuída pelo artigo 12.º, n.º 2, alínea b), do Estatuto do Ministério Público (Lei 60/98, de 28 de Agosto), profere-se o seguinte:I - A Lei 53-A/2006, de 29 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2007) inseriu, no artigo 105.º, n.º 4, do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), a exigência de notificação para a entrega da prestação tributária.
Está em causa a alínea b), agora aditada ao citado n.º 4 do artigo 105.º do RGIT, e na qual se prevê:
"4 - Os factos descritos nos números anteriores só são puníveis se:
a) ...
b) A prestação comunicada à administração tributária através da correspondente declaração não for paga, acrescida dos juros respectivos e do valor da coima aplicável, no prazo de 30 dias após notificação para o efeito."
II - Certo é que a entrada em vigor do agora disposto no preceito transcrito está a suscitar diferentes entendimentos nos magistrados do Ministério Público, sustentando uns que a sucessão legislativa tem como consequência a despenalização do crime que antecedentemente tivesse sido praticado e sustentando outros que o procedimento deve prosseguir, ainda que realizando-se a notificação que passou a ser exigível.
Importa pois uniformizar procedimentos por forma a evitar intervenções processuais dissemelhantes por parte dos magistrados do Ministério Público.
III - Na verdade, a notificação agora exigida não constitui um novo elemento do tipo introduzido com a redacção dada pela Lei 53-A/2006, de 29 de Dezembro.
Tal exigência (de notificação) configura-se antes como uma circunstância estranha ao agente, não entrando na decisão sobre o juízo de censura, isto é, não pertence nem ao tipo de ilícito nem à culpa.
Com efeito, o crime de abuso de confiança fiscal, tratando-se de um crime omissivo, consuma-se no momento em que o agente não cumpre a obrigação tributária a que estava adstrito, não podendo reconduzir-se ao núcleo da ilicitude e da tipicidade, o que são meras condições de exercício da acção penal.
Não estando em causa um elemento do tipo, não terá aqui pertinência a questão da despenalização por aplicação sucessiva da lei penal.
IV - Tendo em conta o exposto, verificando-se que existem divergências de entendimento e de actuação no âmbito do Ministério Público, determino, ao abrigo do disposto no artigo 12.º, n.º 2, alínea b), do Estatuto do Ministério Público, que os magistrados e agentes do Ministério Público observem e sustentem o seguinte:
"a) Na fase de inquérito, providenciem junto da Administração Fiscal ou da Segurança Social pela notificação agora imposta por lei;
b) Nas fases de instrução e julgamento, promovam a realização dessa diligência à autoridade jurisdicional que superintender no processo;
c) Impugnem para o tribunal superior as decisões que determinem o imediato arquivamento do procedimento criminal pela mera falta de antecedente notificação do contribuinte para efectuar os pagamentos necessários e que considerem o facto despenalizado."
13 de Março de 2007. - O Procurador-Geral da República, Fernando José
Matos Pinto Monteiro.