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Assento 3/79, de 27 de Setembro

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Sumário

Fixa a seguinte jurisprudência: A suspensão da execução da pena abrange a perda dos instrumentos do ilícito contravencional de caça em tempo de defeso.

Texto do documento

Assento 3/79

Processo 35155. - Tribunal pleno - Relação de Évora - Recorrente o

Ministério Público e recorridos António Francisco Coelho e outros.

Acordam neste Supremo Tribunal de Justiça, em sessão plena:

Os réus António Francisco Coelho, Lino Gonçalves Lopes e Albano Mendes da Costa, na comarca de Benavente, foram condenados como autores da contravenção ao disposto no n.º 1 do artigo 210.º do Decreto 47847, de 14 de Agosto de 1967, referido ao artigo 88.º, nas suas alíneas a), d) e e) do mesmo diploma, e artigos 29.º e 30.º do Decreto-Lei 354-A/74, de 14 de Agosto, na pena de quarenta e cinco dias de prisão e na de 2500$00 de multa, e esta pena, em alternativa, nos termos do disposto no artigo 123.º do Código Penal, com a de vinte e cinco dias de prisão.

Declarou-se, nos termos do artigo 88.º do Código Penal, suspensa pelo espaço de três anos a execução da pena. Ainda por tal sentença, de harmonia com o disposto nos artigos 205.º, 206.º, 207.º, n.º 1, e 210.º daquele Decreto 47847, ficaram interditos de caçar tais réus pelo tempo de três anos, tendo-se mais declarado perdidos a favor do Estado os instrumentos utilizados pelos réus na prática da dita infracção, concretizados no veículo automóvel FS-65-19 e nas espingardas, com as respectivas cartucheiras, oportunamente apreendidas.

De tal sentença recorreram os réus para o Tribunal da Relação de Évora e nesse recurso solicitavam a alteração do decidido no sentido de a suspensão da pena, quanto à sua execução, abranger também a parte em que se declararam perdidos os instrumentos utilizados para a prática da transgressão.

Tal recurso não obteve provimento, pois a Relação de Évora, no seu Acórdão de 9 de Fevereiro de 1978, baseou o aí decidido na circunstância de o n.º 1 do artigo 75.º incluir e referir-se apenas aos efeitos materiais da condenação, e não da pena, sucedendo que os efeitos pessoais desta constavam dos artigos 76.º, 77.º e 127.º, todos do Código Penal. Fundamentou tal orientação no confronto de tais preceitos.

Ainda nesse acórdão se argumentou no sentido de que o facto de o artigo 635.º e seus parágrafos do Código de Processo Penal se não referirem expressamente aos instrumentos do crime e à sua perda se deve à circunstância de esta perda a favor do Estado resultar de razões de ordem pública, e não particular.

O Exmo. Representante do Ministério Público junto dessa Relação, ao abrigo do preceituado no artigo 669.º do Código de Processo Penal tempestivamente, recorreu de tal acórdão para este tribunal pleno com fundamento, em oposição sobre o mesmo ponto de direito com o decidido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, no Acórdão datado de 28 de Janeiro de 1977, recurso n.º 8745, transitado em julgado e sumariado no Boletim Oficial do Ministério da Justiça, vol. 266, a páginas 204 e 205.

Com efeito, deste acórdão resultou a condenação dos aí réus como co-autores da contravenção prevista e punida pelo n.º 1 do artigo 210.º daquele Decreto 47847 e pelos artigos 30.º e 31.º do Decreto-Lei 354-A/74 na pena de um mês de prisão, substituída por igual tempo de multa a 30$00 diários, e ainda na multa complementar de 500$00, o que perfaz a multa total de 1400$00, e também na interdição do direito de caçar por um ano, na perda a favor do Estado do automóvel e espingardas, que foram instrumentos do crime.

Também neste acórdão se decidiu manter-se a suspensão da execução das penas aplicadas, suspensão que abrangeu ainda a interdição do direito de caçar e a perda do veículo e espingarda.

Além do mais, consta deste acórdão que, face à redacção do actual artigo 635.º e seus parágrafos (a constante do Decreto-Lei 185/72, de 31 de Maio), há que ter como certo não ser admissível a distinção entre efeitos da condenação e efeitos da pena, isto, pelo menos, quanto ao problema do âmbito de suspensão da execução das penas, devendo esta suspensão abranger todos esses efeitos.

Também neste acórdão, nos termos da base XIV da Lei 2132, se entendeu e decidiu que tanto a interdição do direito de caçar como a perda a favor do Estado dos instrumentos das contravenções à lei que regula a caça e dos respectivos produtos são verdadeiras sanções penais e, como tais, abrangidas pela referida suspensão de execução das penas, e não meros efeitos das penas ou da condenação. E a tal não obsta a circunstância de o artigo 88.º do Código Penal se não referir expressamente a este tipo de penas, pois, como se referiu, por maioria de razão, há que aplicar aquele artigo 635.º e seus parágrafos do Código de Processo Penal.

Consta de fl. 18 que este acórdão transitou em julgado.

A secção criminal deste Supremo, pelo seu acórdão de fls. 46 a 49, considerando estarem verificados os requisitos exigidos pela lei para que este recurso extraordinário fosse admitido, manda-o prosseguir.

Com efeito, tendo o acórdão agora recorrido sido proferido em processo sumário, dele não era admissível recurso ordinário, por ao mesmo se opor o n.º 6.º do artigo 646.º do Código de Processo Penal, preceito em vigor e não modificado pelo disposto no artigo 20.º do Decreto-Lei 605/75, de 3 de Novembro, como tem sido jurisprudência deste Supremo.

Como já vimos, o acórdão da Relação de Lisboa transitou em julgado. Do exposto, fácil é de ver que os dois acórdãos foram proferidos no domínio da mesma legislação, aliás ainda em vigor.

Também em ambos os acórdãos se decretou a suspensão da execução das penas aplicadas, só que no agora recorrido se decidiu que ela não abrangia a perda a favor do Estado do automóvel, arma e munições, instrumentos da contravenção, e no acórdão da Relação de Lisboa decidiu-se precisamente o contrário, que essa suspensão abrangia a perda do automóvel e da espingarda, também instrumentos do crime.

Neste último acórdão também se decidiu que a mesma suspensão abrangia mais a interdição do direito de caçar decretada, mas como no acórdão agora recorrido a Relação não se pronunciou sobre esta matéria, bem se decidiu no acórdão da secção criminal no sentido de que a oposição sobre o mesmo ponto de direito verificada respeita apenas quanto ao veículo e armamento.

Fica assim restringido a tais limites e objecto do presente recurso.

Como já também se referiu no acórdão da secção criminal, há nítida oposição sobre o mesmo ponto de direito, pois que o agora recorrido considerou a perda do veículo e do armamento como efeito da condenação, pois assim haveria que interpretar o artigo 75.º, n.º 1.º, do Código Penal, em confronto com o disposto nos artigos 76.º, 77.º e 127.º do mesmo diploma legal, respeitando estes aos efeitos pessoais da pena.

Desta forma, suspensa a execução da pena, nos termos do artigo 88.º do referido Código, não há que suspender senão os efeitos dela, e por isso se não suspendem os efeitos da condenação, ou seja a perda dos instrumentos da contravenção.

E o acórdão da Relação de Lisboa decidiu em sentido contrário, que não há distinção entre efeitos de condenação no aspecto material e os efeitos da pena, mesmo pessoais, pelo que tudo é abrangido pela pena, e daí, suspensa a execução desta, suspensos estão todos esses efeitos, nomeadamente a perda do automóvel e do armamento, instrumentos do ilícito.

Fica assim mais uma vez demonstrado que no presente recurso se deve conhecer do respectivo objecto, nos termos dos artigos 669.º e § único e 668.º e § único, ambos do Código de Processo Penal, e 764.º do Código de Processo Civil.

A fl. 52 o Exmo. Ajudante do procurador da República apresentou as suas alegações.

Nelas defende: que a perda do veículo e espingarda não são verdadeiras sanções penais, mas meros efeitos da condenação, e não da pena, e por isso não são abrangidos no artigo 635.º do Código de Processo Penal; assim, e por tal razão, é que o § 1.º deste artigo não inclui os instrumentos do crime; resulta do confronto do disposto no artigo 75.º com o que consta dos artigos 76.º, 77.º e 127.º, todos do Código Penal, que aquele teve em atenção as consequências económicas da condenação e estes os efeitos pessoais das penas ou a forma de os extinguir;

finalmente, os termos do artigo 75.º e seu n.º 1.º do Código Penal, estabelecendo a independência da perda dos instrumentos em relação à pena, demonstram que aquela é mero efeito da condenação, e não desta.

Os réus António Francisco Coelho, Lino Gonçalves Lopes e Albino Mendes da Costa alegaram a fls. 54 e 56. Aí solicitam que se lavre assento no sentido de que «a suspensão da execução da pena abrange a perda dos instrumentos e produtos da infracção e a interdição do direito de caçar, aplicável por força do n.º 1.º dos artigos 206.º, 207.º e 210.º do Regulamento da Caça (Decreto-Lei 47847, de 14 de Agosto de 1967)».

Baseiam o pedido com os seguintes fundamentos:

A base XLVI da Lei 2132, de 26 de Maio de 1967, e os artigos 206.º, n.º 1.º, 207.º e 210.º do Decreto-Lei 47847, de 14 de Agosto de 1967, consideram a perda dos instrumentos, incluindo a espingarda, o veículo utilizado para o cometimento da infracção e a interdição do direito de caçar como sanções tipicamente penais, e não meros efeitos da condenação, o mesmo sucedendo com a perda do produto da caça ilegal. Não se pode, assim, aplicar a regra geral do artigo 75.º nem estabelecer o invocado paralelismo com os artigos 76.º, 77.º e 127.º, todos do Código Penal. Não é admissível a distinção entre efeitos da pena e da condenação, nem há disso necessidade. Apenas sucede que o artigo 75.º estabelece o princípio geral, independentemente da espécie da pena aplicada, e os artigos 76.º e 77.º, referidos, determinam os efeitos específicos de certas penas. Nos termos do § 1.º do artigo 635.º do Código de Processo Penal, os únicos efeitos da pena que a suspensão não extingue são a responsabilidade civil pelos danos, pelo imposto de justiça e custas.

Correram os vistos legais, e nada impede que se conheça do objecto do recurso.

O nosso Código Penal, no artigo 54.º, instituiu penas e medidas de segurança, sendo umas e outras «as que se declaram nos artigos seguintes».

Assim, o nosso Código Penal não estabeleceu expressamente existirem penas principais e penas acessórias, ao contrário do Código italiano, que, nos seus artigos 17.º e 19.º, as contempla.

Do disposto nos artigos 74.º e seguintes do Código Penal estabelecem-se efeitos, que, por vezes, se dizem da condenação e outras vezes também respeitam a certas penas.

As penas foram instituídas, como se diz no artigo 27.º do Código Penal, para reparar o dano causado na ordem moral da sociedade e para fins de prevenção geral e especial.

Implicam para o condenado o sofrimento de um mal ou a perda, baseada apenas no cometimento da infracção, de bens jurídicos.

E neste conceito cabem, pelo menos, muitos desses denominados «efeitos».

E como eles acrescem à pena principal ou fundamental aplicada, atenta a sua natureza punitiva ou preventiva nitidamente criminal, constituem verdadeiras penas acessórias. No entanto, não podemos esquecer o sistema do nosso Código Penal, que as considera efeitos, e não penas. Tal matéria interessa mais propriamente para o aspecto processual, já que, embora da sentença deva constar o que se diz no § 2.º e parte do § 5.º (indemnização e imposto) do artigo 450.º do Código de Processo Penal, o artigo 83.º do Código Penal, ao contrário, determinava que «os efeitos das penas têm lugar em virtude da lei, independentemente de declaração alguma na sentença condenatória».

Pelo contrário, não só pelo disposto na parte primeira do n.º 5.º do dito artigo 450.º, mas até pela parte final do artigo 27.º do Código Penal, as penas têm de constar da sentença.

Num critério formal ou adjectivo determinado pelo Código Penal, mas alterado pelo Código de Processo Penal, as penas teriam de constar da sentença, e os efeitos não.

Em regra, tais penas acessórias cominam-se nas leis, com vista a obter um fim específico determinado, para além do fim geral de reprovação e prevenção da chamada «pena principal».

Temos, pois, tais espécies de sanções, quer se chamem «efeitos», quer apenas «acessórias», mas todas de carácter penal. Continuemos agora no desenvolvimento do problema em crise.

O n.º 1.º do artigo 210.º do Regulamento da Caça (Decreto 47847, de 14 de Agosto de 1967), fundado na base XLVIII da Lei da Caça, n.º 2132, de 26 de Maio de 1967, dispõe:

A caça em época de defeso ou com emprego de meios proibidos ou a espécies a que não seja permitida é punível, salvo o disposto no artigo seguinte, com prisão de um a seis meses e multa de 500$00 a 10000$00 e acarreta sempre a interdição do direito de caçar, bem como a perda dos instrumentos e produtos da infracção.

Pelo artigo 205.º desse diploma, seu n.º 1.º, «a interdição do direito de caçar pode ser temporário, de um a cinco anos, ou definitiva».

E o artigo 206.º, n.º 1.º, desse Regulamento determina que «a perda dos instrumentos de infracção abrange todos os instrumentos utilizados no seu cometimento», incluindo a espingarda e o veículo que tenha servido à prática daquela.

Ainda no n.º 1.º do artigo 207.º do mesmo Regulamento se diz:

Decretar-se-á sempre a perda dos produtos das infracções previstas no artigo 210.º Em outros preceitos deste Regulamento estabelecem-se outras sanções, como a perda da arma usada na caça por quem, nos termos da respectiva carta de caçador, estiver proibido do seu uso (artigo 214.º, n.º 1.º).

Finalmente, a alínea a) do n.º 1.º do artigo 88.º desse Regulamento proíbe a utilização na caça de veículos de tracção animal ou mecânica ou aviões.

Passamos agora a transcrever alguns preceitos do Código Penal:

A condenação do criminoso, logo que passe em julgado, tem unicamente os efeitos declarados nos artigos seguintes [artigo 74.º].

O réu definitivamente condenado, qualquer que seja a pena, incorre:

1.º Na perda a favor do Estado dos instrumentos do crime, não tendo o ofendido, ou terceira pessoa, direito à sua restituição [artigo 75.º];

Nos n.os 2.º, 3.º e 4.º estabelece-se a obrigação de restituição das coisas ou do seu valor, de indemnizações do dano causado e de pagar as custas do processo e despesas de expiação.

Anota-se que nos n.os 1.º e 2.º se faz referência sempre à infracção como «crime», o que não sucede com os n.os 3.º e 4.º, todos do artigo 75.º, citado.

Pelo artigo 76.º o condenado a pena maior incorre na perda de emprego ou funções públicas, não podendo eleger, ser eleito ou nomeado para quaisquer funções públicas, nem ser tutor, curador, procurador em negócios de justiça ou membro do conselho de família.

Pelo artigo 77.º e seus números, se a condenação for de prisão correcional ou de suspensão temporária dos direitos políticos ou desterro, será suspenso de qualquer emprego ou funções públicas, além de outras proibições atrás indicadas nos n.os 2.º e 3.º daquele artigo 76.º Da análise destas regras resulta que a interdição do direito de caçar não se encontra prevista, nem como efeito da pena, nem com esta natureza, no Código Penal, e daí o problema da sua qualificação jurídica.

Tal interdição não pode considerar-se como efeito da pena por tal razão, atento que o artigo 74.º do Código Penal, ao empregar a expressão «unicamente», limitou-os aos indicados neste diploma penal.

Tem, pois, de se considerar uma pena, taxativamente fixada, quer nas bases XLVII, XLVI, alínea c), e XLVIII, quer nos mencionados artigos 205.º, n.os 1.º e 2.º, e 210.º, n.os 1.º e 2.º, e que tem de ser declarada na decisão condenatória, como atrás sucedeu no caso dos autos.

Também ela, ao ser instituída, foi motivada para evitar que o infractor volte a prevaricar, constatando-se o fim especial dessa sanção.

E como ela se encontra fixada na lei, nos termos do disposto nos artigos 1.º, 5.º e 27.º do Código Penal, há que considerá-la como pena, apesar do que dispõe a parte final do artigo 54.º, que assim se tem de entender como preceito do Código Penal, que contém enumeração exemplificativa.

Tratando agora das perdas do automóvel e da espingarda, constata-se da exposição feita que também estão expressamente previstas, para serem aplicadas aos infractores, nas mencionadas leis e foram decretadas na decisão recorrida, como atrás a respectiva regra punitiva manda, parecendo serem penas.

Mas é evidente que a infracção praticada o foi utilizando tais objectos, e assim estes são instrumentos dele.

Daí a questão de saber se tal situação não se deveria enquadrar no n.º 1.º do mencionado artigo 75.º do Código Penal.

É ocasião de frisar o que ainda se não fez nestes autos, mas apenas neste acórdão, na folha antecedente: o n.º 1.º desse artigo empregar a expressão «instrumentos do crime» e, no caso do processo, os réus terem sido condenados por meras contravenções. Poderá nesta matéria de incriminação entender-se que a lei, ao falar aí em crime, quis referir-se a qualquer ilícito, mesmo meramente contravencional? Sabe-se que o Código Penal, na sua parte geral, expressamente se refere e define os crimes e delitos e as contravenções empregando também a expressão «infracção» (v.

artigos 1.º, 3.º, 6.º, 8.º e outros).

É de presumir, assim, que, ao usar cada uma dessas expressões, o faça no seu sentido técnico-jurídico.

Daí que, nem que não seja por dúvidas, se não possa aceitar qualquer interpretação analógica quanto a tal n.º 1.º do artigo 75.º, pois tal é proibido pelo artigo 18.º do Código Penal.

Mas, relativamente à perda do automóvel, dispõe o artigo 63.º do Código da Estrada serem «declarados perdidos a favor do Estado, nos termos do artigo 75.º, n.º 1.º, do Código Penal, apenas os veículos que, sendo propriedade do agente, tenham servido de instrumento a crimes voluntários puníveis com pena maior».

Tal preceito tem de se considerar de carácter geral, embora conste do Código da Estrada, e assim, sendo posterior à redacção desse n.º 1.º do artigo 75.º constante do Código Penal, tem de aplicar-se.

Daqui se conclui que o n.º 1.º do artigo 75.º do Código Penal não abrange o caso dos autos, por se tratar de uma contravenção, isto em relação ao veículo.

Com relação à espingarda, admitindo-se que tal perda também podia ser considerada prevista no dito n.º 1.º do artigo 75.º mencionado, teríamos a situação análoga à do § único do artigo 38.º do Código Penal.

À face do Código Penal, seria efeito da pena; à face do Código da Caça, teria a natureza desta sanção.

Posto assim o problema, continuemos agora com a situação da declaração da suspensão da execução da pena decretada.

Com a promulgação do Decreto-Lei 185/72, de 31 de Maio, o artigo 635.º do Código de Processo Penal passou a ter a seguinte redacção, na parte relevante ao caso dos autos:

A suspensão da pena resultante de condenação condicional abrange os efeitos de natureza penal da condenação.

1.º A caducidade da condenação condicional não extingue a responsabilidade civil por danos, pelo imposto de justiça e custas.

Não nos diz a lei o que são efeitos de natureza penal da condenação, mas, como a expressão demonstra, são todos aqueles males resultantes da condenação instituídos pela lei ao punir a prática do ilícito criminal que envolvem castigo ou mesmo e apenas procurem evitar a nova prática de ilícitos penais.

Isso se conclui do exposto e do que consta do seu § 1.º, ao excluir, afinal, o que os n.os 2.º, 3.º e 4.º do artigo 75.º preconizam.

É evidente a natureza penal das perdas do automóvel e da espingarda e também a interdição do direito de caçar.

Resultam directamente da infracção cometida e têm por motivo o que o artigo 27.º do Código Penal indica como razão ou fundamento da responsabilidade criminal.

Ao contrário, o que se contém nesse § 1.º do artigo 535.º e n.os 2.º, 3.º e 4.º do artigo 75.º tem em vista já razões que baseiam o que o direito civil determina sobre o direito de ser restituído daquilo de que se foi ilicitando privado, de ser indemnizado e de indemnizar o Estado, ao menos parcialmente, das despesas que faz com a punição dos delinquentes.

Temos assim efeitos civis de condenação e efeitos penais, usando-se aquela qualificação no sentido amplo de abranger também o que se pode chamar de carácter fiscal quanto às custas e imposto de justiça.

Como já consta deste acórdão, há quem entenda existir distinção entre efeito da condenação, que abrangeria os efeitos dos n.os 1.º a 4.º do referido artigo 75.º, e os efeitos da pena constantes dos artigos 76.º, 77.º, 81.º e outros do Código Penal.

Este Supremo, no seu Acórdão de 6 de Janeiro de 1971, no Boletim Oficial do Ministério da Justiça, n.º 203, a página 111, decidiu nesse sentido em relação à excepção constante do artigo 6.º do Código Penal indicada em terceiro lugar.

Porém, tal decisão teve lugar antes da actual redacção do referido artigo 535.º do Código de Processo Penal.

É certo que, como é óbvio, e até resulta do disposto no artigo 450.º do Código de Processo Penal, a condenação como decisão é bastante mais do que uma aplicação da pena.

E também é verdade que o artigo 75.º se refere ao réu condenado e os artigos 76.º, 77.º, 81.º e outros à pena sofrida pela condenação.

O artigo 88.º do Código Penal também fala em condenação, individualizando as penas de prisão e multa, mas declara suspensa a execução da pena.

Porém, a expressão usada no corpo do artigo 535.º e o conteúdo do seu § 1.º não permitem tal distinção.

No corpo do artigo identifica-se a condenação condicional com a suspensão da pena para se dizer que abrange os efeitos penais daquela.

E o § 1.º, em vez de se referir à caducidade da pena, declarada suspensa quanto à sua execução pelo artigo 88.º do Código Penal, refere-se à caducidade da condenação condicional, situação que envolve tudo e que consta da sentença e que, como se vê do disposto no artigo 450.º do Código de Processo Penal, é bastante mais.

Do disposto nesse § 1.º e do próprio corpo do artigo 635.º do Código de Processo Penal resulta a irrelevância, se é que ela existe, da distinção entre efeitos da condenação e efeitos da pena.

Para se saber o que é mais abrangido pela suspensão da execução da pena, além desta, há somente a considerar tal dispositivo desse § 1.º e desse artigo 635.º E nesses efeitos de natureza penal, como são da condenação são abrangidos não só os que o Código qualifica como tais, mas todos e quaisquer outros dessa espécie, incluindo as também denominadas por muitos «penas acessórias». Fica assim considerado e decidido o problema, podendo ainda dizer-se que não havia razão para que se suspendesse, quanto à execução, a pena considerada sanção primordial e as demais acessórias ou complementares ou os seus efeitos de natureza penal de menor importância tivessem que ser cumpridas por não estarem compreendidas na suspensão.

E também, atento o disposto no corpo do artigo 635.º, citado, não representa óbice à orientação adoptada a circunstância de o artigo 88.º do Código Penal se referir só às penas de prisão e multa, além de que visava apenas as sanções consideradas primórdias.

Desta forma se lavra o seguinte assento:

A suspensão da execução da pena abrange a perda dos instrumentos do ilícito contravencional de caça em tempo de defeso.

Sem imposto.

Lisboa, 28 de Junho de 1979. - Eduardo Botelho de Sousa - Ferreira da Costa - Miguel Caeiro - Avelino da Costa Ferreira Júnior - Costa Soares - Artur Moreira da Fonseca - Hernâni de Lencastre - Aníbal Aquilino Ribeiro - Alberto Alves Pinto - António Furtado Santos - Octávio Dias Garcia - João Vale - Henrique Justino da Rocha Ferreira - Ruy Corte Real - António Correia de Melo Bandeira - Oliveira Carvalho - Augusto de Azevedo Ferreira - Adriano Vera Jardim - João Moura - F. Bruto da Costa - Rodrigues Bastos - Daniel Ferreira - Abel de Campos - Santos Victor.

Está conforme.

Secretaria do Supremo Tribunal de Justiça, 11 de Julho de 1979. - Pelo Escrivão de Direito, (Assinatura ilegível.)

Anexos

  • Texto integral do documento: https://dre.tretas.org/pdfs/1979/09/27/plain-210084.pdf ;
  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/210084.dre.pdf .

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