Processo 762/2006 - 1.ª Secção
Acordam no pleno da 1.ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo:
1 Relatório
1.1 - O município de Oeiras vem interpor recurso de uniformização de jurisprudência, ao abrigo do artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 30 de Março de 2006, por este, alegadamente, se encontrar em oposição, sobre a mesma questão fundamental de direito, com o Acórdão do Tribunal Central Administrativo de 14 de Dezembro de 2005, proferido no processo 001126/2005.Nas suas alegações formula as seguintes conclusões:
«a) A questão fundamental de direito aqui em causa é pois a de saber se quando se trata de carreiras unicategoriais (categoria não reportada a nenhuma carreira) na administração local a sua progressão se faz por reporte às carreiras horizontais ou verticais. O acórdão recorrido sustenta que a progressão é vertical, o acórdão em contraste diz o inverso, entendendo que é horizontal, interpretando-se assim de forma contraditória o regime jurídico que decorre do artigo 38.º do Decreto-Lei 247/87.
b) Eis porque, tendo decidido como decidiu, o acórdão recorrido violou o disposto no artigo 38.º do Decreto-Lei 247/87, de 17 de Junho, interpretando-o de forma incorrecta.
Termos em que pelo exposto [...] deve, pois, em uniformização de jurisprudência, fixar-se a orientação de que nas carreiras unicategoriais (como a de fiscal de leituras e cobranças, entre muitas outras) a progressão na carreira se faz horizontalmente de quatro em quatro anos, por apelo ao disposto no artigo 38.º, n.º 3, do Decreto-Lei 247/87 de 17 de Junho.» (Cf. fls. 228-229.) 1.2 - Por sua vez, o recorrido STAL - Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Administração Local, tendo contra-alegado, apresenta as seguintes conclusões:
«A) Sendo a questão fundamental de direito em causa, saber se as carreiras unicategoriais como a de fiscal de leituras e cobranças são verticais, desde que incluídas no elenco do n.º 1 desse artigo 38.º, não revogado pelo Decreto-Lei 412-A/98, de 30 de Dezembro, artigo 25.º, n.º 1, alínea a), entende ser afirmativa a solução.
B) Inexiste violação do n.º 3 desse artigo 38.º do Decreto-Lei 247/87, de 17 de Junho, pois nele apenas se previa a progressão nas restantes categorias das carreiras elencadas no n.º 1 (então pluricategoriais) se fazia de harmonia com as regras definidas legalmente para as carreiras horizontais, isto é, de acordo com o artigo 15.º, n.os 3 e 4, do Decreto-Lei 248/85, de 15 de Julho.
Termos em que se requer que seja fixa, em sede da uniformização de jurisprudência, a orientação de que nas carreiras unicategoriais não incluídas no artigo 38.º, n.º 1, do Decreto-Lei 247/87, de 17 de Junho, como a de fiscal de leituras e cobranças, a progressão se faz por módulos de três anos.» (Cf. fl. 253-254.) 1.3 - Tendo o processo sido submetido a vistos, cumpre decidir.
2 Fundamentação
A matéria de facto. - Os factos dados como provados são os seguintes:«A) António Pedro Andrade da Encarnação, Gilberto Nunes, Joaquim António Sérgio Pedro e Vítor Manuel dos Santos Costa, funcionários dos Serviços Municipalizados de Água e Saneamento de Oeiras e Amadora, requereram, em 21 de Outubro de 2003, à presidente do conselho de administração dos Serviços Municipalizados de Água e Saneamento de Oeiras e Amadora que se reconheça que a carreira em que se encontram integrados - fiscal de leituras e cobranças - é uma carreira vertical, nomeadamente para efeitos de progressão, com as consequentes correcções remuneratórias (cf. documentos a fls. 61, 75, 89 e 103 dos autos);
B) Pelos ofícios n.os 1664, 1667, 1668, 1672 dos Serviços Municipalizados de Água e Saneamento de Oeiras e Amadora, de 2 de Fevereiro de 2004, António Pedro Andrade da Encarnação, Gilberto Nunes, Joaquim António Sérgio Pedro e Vítor Manuel dos Santos Costa foram informados de que os requerimentos por eles apresentados foram indeferidos 'por deliberação do conselho de administração de 26 de Janeiro de 2004' (cf. documentos a fls. 60, 74, 88 e 102 dos autos);
C) António Pedro Andrade da Encarnação, Gilberto Nunes, Joaquim António Sérgio Pedro e Vítor Manuel dos Santos Costa interpuseram recursos hierárquicos para a Câmara Municipal de Oeiras da deliberação referida na alínea B) (cf. documentos de fl.
48 a fl. 59, de fl. 62 a fl. 73, de fl. 76 a fl. 87 e de fl. 90 a fl. 101 dos autos);
D) Pelo ofício da Câmara Municipal de Oeiras n.º 53232, de 14 de Julho de 2004, António Pedro Andrade da Encarnação foi notificado de que o recurso hierárquico impróprio da deliberação, tomada em 26 de Janeiro de 2004 pelo conselho de administração dos Serviços Municipalizados de Água e Saneamento de Oeiras e Amadora, por ele interposto 'foi indeferido por deliberação da Câmara Municipal tomada em 28 de Abril de 2004, com fundamento na proposta de deliberação 613/2004' (cf. documento a fl. 9 dos autos);
E) Pelos ofícios da Câmara Municipal de Oeiras n.os 53238, 53237 e 53235, de 14 de Julho de 2004, Gilberto Nunes, Joaquim António Sérgio Pedro e Vítor Manuel dos Santos Costa foram notificados de que os recursos hierárquicos impróprios da deliberação, tomada em 26 de Janeiro de 2004 pelo conselho de administração dos Serviços Municipalizados de Água e Saneamento de Oeiras e Amadora, por eles interpostos foram indeferidos, por deliberação da Câmara Municipal tomada em 23 de Junho de 2004, com fundamento nas propostas de deliberação n.os 856/2004, 855/2004 e 852/2004.» (cf. documento a fls. 22, 28 e 34 dos autos) (cf. fls. 157-158).»
3 - O direito
3.1 - A primeira questão que importa decidir consiste em averiguar se existe ou não a invocada contradição de julgados.Sucede que, no caso em apreço, se verifica a alegada contradição.
Com efeito, os acórdãos em confronto, tendo por base situações de facto substancialmente similares, perfilharam soluções diferentes e opostas, na exacta medida em que o acórdão recorrido considerou que a enumeração feita no artigo 38.º do Decreto-Lei 247/87, de 17 de Junho, era taxativa, daí que tivesse qualificado as carreiras em causa no processo como verticais, com a consequente forma de progressão na carreira (de três em três anos), enquanto no acórdão fundamento se considerou que as carreiras aí em questão eram horizontais, por o citado artigo 38.º não conter uma enumeração taxativa, daí se partindo para fixar que a respectiva progressão se faz por mudança de escalão, de quatro em quatro anos.
Temos, assim, que os dois acórdãos em confronto decidiram de forma diferente e oposta a mesma questão fundamental de direito, que se traduz na interpretação do dito artigo 38.º, e isto ainda que nos mencionados acórdãos tenham estado subjacentes carreiras distintas, só que tal diferenciação não assumiu relevância no quadro do decidido nos referidos arestos, por os mesmos terem feito radicar o entendimento neles acolhido na leitura (oposta) que fizeram da mesma norma jurídica (o mencionado artigo 38.º).
Por último, não existe uma jurisprudência consolidada, em especial deste pleno, quanto à aludida questão fundamental de direito.
Mostram-se, por isso, preenchidos os requisitos de admissão do recurso para uniformização de jurisprudência.
3.2 - Importa, agora, decidir a questão controvertida e que se consubstancia, como já atrás se assinalou, em saber se o aludido artigo 38.º do Decreto-Lei 247/87, de 17 de Junho, contém ou não uma enumeração taxativa das carreiras horizontais.
Para o recorrente seria de adoptar o entendimento acolhido no acórdão fundamento, segundo o qual tal enumeração é meramente exemplificativa, não constituindo obstáculo à qualificação de uma carreira como horizontal a simples circunstância de ela não constar da enumeração contida no n.º 1 do artigo 38.º Ora, efectivamente, assiste razão ao recorrente, sendo de acolher aqui a posição defendida no acórdão fundamento.
Aliás, este mesmo entendimento foi sufragado no Acórdão deste pleno de 12 de Dezembro de 2006, recurso n.º 870/2006-20, que se debruçou sobre questão idêntica à agora em apreciação e cuja doutrina aqui se reitera, dele se passando a transcrever os passos mais significativos:
«[...].
Vejamos.
Na definição legal, constante do artigo 4.º do [...] Decreto-Lei 248/85, de 15 de Julho, 'a carreira é o conjunto hierarquizado de categorias às quais correspondem funções da mesma natureza a que os funcionários terão acesso de acordo com a antiguidade e o mérito evidenciado no desempenho profissional' (n.º 1), sendo categoria 'a posição que os funcionários ocupam no âmbito de uma carreira, fixada de acordo com o conteúdo e qualificação da função ou funções referida à escala salarial da função pública' (n.º 2).
Sobre a 'estrutura das carreiras', dispõe o artigo 5.º do mesmo diploma legal que são:
'a) Verticais, quando integram categorias com o mesmo conteúdo funcional, diferenciadas em exigências, complexidade e responsabilidade;
b) Horizontais, quando integram categorias com o mesmo conteúdo funcional cuja mudança corresponde apenas à maior eficácia na execução das respectivas tarefas;
c) Mistas, quando combinam características das carreiras verticais e horizontais.' Face a esta caracterização legal das carreiras, podemos afirmar, com segurança, que o elemento diferenciador das carreiras verticais relativamente às horizontais consiste em que, nas primeiras, as diversas categorias correspondem a níveis, supostamente crescentes (v. Ana Fernanda Neves, Relação Jurídica de Emprego Público, Movimentos Fractais, Diferença e Repetição, Coimbra Ed., 1999, p. 136), exigências, complexidade e responsabilidade.
A esta luz, e na falta de disposição legal que proceda à qualificação de determinada carreira como vertical ou horizontal, deverá a mesma ser considerada como tendo esta natureza e não aquela, se a respectiva estrutura não comportar a possibilidade de progressão por diferentes e crescentes níveis de exigência, complexidade e responsabilidade na execução das tarefas funcionais.
Assim sendo, não obstará à qualificação de uma carreira como horizontal o facto de a mesma não constar da enumeração de carreiras horizontais, feito no referenciado artigo 38.º do Decreto-Lei 247/87, de 17 de Junho.
Neste sentido, v. o Acórdão desta 1.ª Secção de 13 de Fevereiro de 1997, proferido no recurso n.º 40594 (apêndice ao Diário da República, de 25 de Novembro de 1999, vol.
II, pp. 1108 e segs.), onde se afirma que 'é em face dos critérios enunciados no artigo 5.º do Decreto-Lei 248/85, de 15 de Julho, que terá de se encontrar o enquadramento', para efeitos de progressão, de categoria [...] não directamente inserida em carreira e não constante da enumeração do citado artigo 38.º» Temos, assim, que, contra o que se decidiu no acórdão recorrido, o n.º 1, do artigo 38.º do Decreto-Lei 247/87, de 17 de Junho, não contém uma enumeração taxativa das carreiras horizontais, daí que, diversamente do que decorre do mencionado aresto, não obstará à qualificação de uma carreira como horizontal o facto da a mesma não constar da dita enumeração.
Em suma, podemos adiantar, desde já, não ser de subscrever o entendimento perfilhado no dito acórdão, antes sendo de coonestar a tese acolhida no acórdão fundamento, no tocante à questão do sentido e alcance do referido n.º 1 do artigo 38.º, questão esta em relação à qual se reconheceu existir oposição de julgados, impondo-se, por isso, anular o acórdão recorrido e substituí-lo por outro que julgue de novo a questão (judicium rescisorium).
Com efeito, à luz do prescrito do n.º 6 do artigo 152.º do CPTA, caso se conclua pela anulação do acórdão recorrido, o acórdão do tribunal ad quem terá de decidir definitivamente a questão controvertida, tendo, por isso, o presente recurso natureza substitutiva.
Importa, assim, proceder em conformidade com o dito regime legal.
Ora, como resulta da matéria de facto dada como provada, os funcionários em questão têm a categoria de fiscal de leituras e cobranças, prestando serviço nos Serviços Municipalizados de Água e Saneamento de Oeiras e Amadora [cf. a alínea A) da matéria de facto].
Trata-se, aqui, de uma carreira unicategorial (categoria não reportada a nenhuma carreira), como, de resto, é reconhecido pelas partes [cf. as conclusões A) da alegação, a fl. 228, e A) das contra-alegações, a fl. 253].
Já se viu anteriormente não se poder alicerçar no suposto carácter taxativo de enumeração contida no n.º 1 do artigo 38.º do Decreto-Lei 247/87, de 17 de Junho, a pretensão do agora recorrido STAL em ver reconhecida como carreira vertical a referente à categoria de fiscais de leituras e cobranças.
Sucede que, contra o que defende o dito recorrido (STAL), a carreira em causa é horizontal.
Na verdade, tal como decorre do anexo III, para que remete o artigo 13.º do Decreto-Lei 412-A/98, consta essa carreira (enquadrada no grupo de pessoal auxiliar) como carreira de uma só categoria, com quatro diferentes escalões.
Por sua vez, no mapa anexo ao Decreto-Lei 247/87, a que alude o seu artigo 8.º, a categoria de fiscal de leituras e cobranças aparece, isoladamente, integrada no grupo de pessoal auxiliar, sem designação de carreira.
O legislador não procedeu, assim, em sede dos fiscais de leituras e cobranças a uma estruturação em pirâmide, por forma que o grau de exigência, complexidade e responsabilidade fosse aumentando desde uma categoria de base até a uma de topo.
Ora, considerando a integração dos fiscais de leituras e cobranças no grupo de pessoal auxiliar, atendendo ainda à circunstância de a categoria detida pelas funções em causa não se apresentar, em face do seu conteúdo funcional, como diferenciada em exigência, complexidade e responsabilidade, é de concluir que a categoria de fiscal de leituras e cobranças se deverá ter por enquadrada em carreira horizontal, sendo que a progressão na respectiva categoria (única) se faz por mudança de escalão, que depende da permanência de quatro anos no escalão imediatamente anterior, tal como se decidiu nas deliberações da Câmara Municipal de Oeiras de 28 de Abril e de 23 de Junho de 2004, que o agora recorrido (STAL) pretendia ver anuladas por via da acção administrativa especial que intentou junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, deliberações essas que, assim, por se conformarem com o quadro legal aplicável, não violaram qualquer dos preceitos ou princípios invocados pelo dito recorrido.
4 Decisão
Nestes termos, acordam em conceder provimento ao recurso jurisdicional, anulando o acórdão recorrido e revogando o Acórdão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra de 14 de Abril de 2005, mais se julgando improcedente a acção administrativa especial que o recorrido (STAL) intentou contra o aqui recorrente município de Oeiras.Sem custas em ambas as instâncias.
Cumpra o disposto na parte final do n.º 4 do artigo 152.º do CPTA.
Lisboa, 17 de Janeiro de 2007. - Santos Botelho (relator) - Azevedo Moreira - Rosendo José - Angelina Domingues - João Belchior - Costa Reis - Rui Botelho - Cândido de Pinho - Políbio Henriques - Freitas Carvalho - Pais Borges - Jorge de Sousa - Adérito Santos - Madeira dos Santos - São Pedro - Edmundo Moscoso - Fernanda Xavier.