de 29 de Dezembro
Razões diversas, de que ressaltam a necessidade de dispor de critérios seguros para orientar a reestruturação dos quadros de pessoal dos serviços e as implicações profissionais dos novos condicionalismos técnicos em saúde, reclamam, com premência, que se reveja o estatuto das profissões de saúde, sobretudo reelaborando-se o regime legal das correspondentes carreiras.Importa conduzir esse trabalho numa perspectiva de enquadramento global, que permita a observância de princípios fundamentais e a aplicação de orientações genéricas, de modo a compatibilizar-se o tratamento dos vários casos num conjunto coerente e de equilíbrio funcional.
Este método, que determinou estudos já em curso, não impede, porém, que se assuma a regulamentação individualizada de uma carreira ou de um grupo de carreiras afins, para cuja especialidade sejam insuficientes as normas gerais. Pelo estado de avanço em que os referidos estudos de base se encontram, nem sequer parece inconveniente que a publicação de diplomas legais quanto a algumas das carreiras preceda a do estatuto geral, visto ser possível respeitar a articulação já projectada.
A carreira médica apresenta-se como prioritária a este respeito, mas, nela, o ramo de clínica geral é, neste momento, o que merece mais acentuada atenção.
Esta carreira tem entre nós longas tradições, que, todavia, sofreram uma evolução irregular, de que resultaram manifestas assincronias, traduzidas hoje em situações relativas profissionalmente inconvenientes e imprestáveis para um sistema eficaz de prestação de cuidados de saúde.
Esboçada a sua estruturação primeiramente no ramo da saúde pública, seriam, depois, as especialidades hospitalares que viriam a seguir um processo mais dinâmico e seguro de institucionalização, começado, em 1968, pelo Decreto-Lei 48357, com a consequência de se desvalorizar a função médica na saúde pública.
O primeiro esforço de organização sistematizada das carreiras de saúde (Decreto-Lei 414/71, de 27 de Setembro), tendo procurado dar vida ao projecto que a Ordem dos Médicos, no final da década de 50, emprestou a um significativo movimento de opinião, recuperou, até certo ponto, a posição dos médicos de saúde pública.
Porém, o modelo orgânico, paralelamente reformulado e que constituía pressuposto da eficácia do regime profissional, não chegou em aspectos fundamentais a ser executado. Além disso, o esquema da carreira de saúde pública, em si mesmo, foi então concebido com excessiva dependência da hierarquização territorial de cargos, critério que a funcionalidade do sistema de saúde, o propósito de valorização profissional e os objectivos de desenvolvimento geograficamente equilibrado hoje aconselham a superar.
Por outro lado, o referido diploma, ainda em vigor, ocupou-se apenas dos ramos de saúde pública e hospitalar.
A contumaz omissão da clínica geral tem levado a avaliar este ramo por mera contraposição às especialidades, interpretação que, em absoluto, é necessário corrigir, por motivos que a própria concepção do sistema de saúde explica.
Sem o médico de clínica geral não poderá efectivar-se a cadeia contínua de cuidados de saúde, que exige ligação entre as funções específicas do médico de saúde pública e a intervenção dos serviços hospitalares.
Obviamente, porém, não constituiu solução aceitável tentar-se substituir a clínica geral pela prática segundo o modelo das caixas (e, posteriormente, dos serviços médico-sociais), que se traduziu num regime de compra da força de trabalho médico pelo expediente do pagamento de tempos de serviço, aliás tecnicamente arbitrários, sem qualquer relação com os cuidados a prestar e a responsabilidade pelo doente, bem como sem personalização das relações médico-utente.
A personalização das relações dos serviços com os utentes, por meio de actos nitidamente clínicos, ainda que só para orientar o recurso à cadeia de serviços prestadores de cuidados de saúde, é, de facto, uma das funções primordiais do clínico geral.
Mas, para se ter a noção exacta do papel nuclear que a este médico cabe no complexo dos serviços de saúde, convirá invocar os objectivos de continuidade dos cuidados médicos e de integração das prestações de saúde. Aquela continuidade não se obtém senão assegurando o acompanhamento e vigilância permanente da saúde do indivíduo, tomado na sua inserção social, nomeadamente familiar, bem como informação constante sobre a sua situação de saúde. A disponibilidade desta informação e as relações personalizadas com o doente e seu meio social, por seu turno, condicionam a integração das prestações de saúde, evitando que se dupliquem ou não se completem devidamente. Ora tudo isto se inscreve também na função do clínico geral.
Por seu turno, ao médico de saúde pública compete, essencialmente, elaborar o diagnóstico de saúde da comunidade e repercuti-lo em planeamento e programação das acções de saúde. Os seus contactos com os utentes caracterizam-se por serem relações com a comunidade ou com subgrupos desta.
Estamos, assim, em face de duas modalidades complementares de profissionais da medicina.
Se, portanto, pretendermos um sistema de prestação de cuidados de saúde tecnicamente estruturado e com métodos de acção médica eficientes, haveremos de começar por definir bem estes dois tipos de médico e promover a sua concretização, traçando-lhes o perfil profissional correcto, conferindo-lhes o estatuto sócio profissional que se lhes ajusta e pondo em correlação as respectivas funções.
Tudo, pois, justifica que se privilegie, no calendário de revisão legal das carreiras, estes dois ramos da profissão.
Tal não significa, de modo algum, qualquer depreciação do ramo hospitalar. Tem-se, aliás, a certeza técnico-administrativa de que o benefício que esta nova orientação proporcionará ao sistema vai repercutir-se em possibilidades de canalizar meios para reforço dos recursos, materiais e humanos, do sector hospitalar.
Existe a consciência exacta de que a configuração do clínico geral e da respectiva carreira postula um processo evolutivo, em cujas cristalizações hão-de, aliás, incidir factores de diversas ordens, designadamente culturais, sociais, económicos e administrativos. Considerou-se, principalmente, que a carreira de clínico geral deverá poder ser aquilo mesmo em que a torne a dinâmica da sua implantação gradual, sobretudo mercê do prestígio a adquirir pela própria profissão, o que abrirá várias alternativas para a especificação do esquema geral de carreira agora desenhado e poderá, até, levar à modificação deste mesmo esquema.
Atendeu-se, contudo, a peculiaridades do nosso meio e do nosso tempo, as quais exigem que, desde o primeiro momento, se assegure aos que abracem o novo ramo da carreira solidez bastante das garantias que são inerentes à própria ideia de carreira.
Da equiponderação destes dois factores opostos resultou o presente diploma, em que se consignam soluções até onde se entende serem desde já possíveis, sem prejuízo de se contemplarem aspectos de transitoriedade e de se deixar amplamente livre a dinâmica intrínseca das fórmulas básicas adoptadas.
Referências similares seriam também pertinentes quanto ao ramo de saúde pública, embora com as diferenças decorrentes de, para este, estar já estruturada a carreira.
Julga-se que uma vez nivelados os três ramos e articuladas funcionalmente as respectivas intervenções, chegará então o momento de se proceder à revisão unitária da carreira.
Nestes termos, em execução da Lei 56/79, de 15 de Setembro, ao abrigo da alínea c) do n.º 1 do artigo 201.º da Constituição, o Governo decreta o seguinte:
CARREIRA MÉDICA NOS SERVIÇOS PÚBLICOS DE SAÚDE
I
Disposições gerais
ARTIGO 1.º
Ramos da carreira médica
1 - A carreira médica nos serviços públicos de saúde compreende os seguinte ramos:a) Clínica geral;
b) Saúde pública;
c) Hospitalar.
2 - O presente diploma aplica-se apenas aos ramos de saúde pública e de clínica geral.
3 - Quanto ao ramo hospitalar, a carreira será reestruturada simultaneamente com a primeira revisão do presente diploma, a efectuar entre Março e Junho de 1981.
ARTIGO 2.º
Princípios comuns
A carreira médica é organizada em termos de estabelecer equilíbrio entre situações profissionais com idêntica responsabilidade e obedece aos seguintes princípios comuns aos vários ramos:a) A integração na carreira garante estabilidade de emprego, acesso a funções em conformidade com a graduação, bem como regimes de trabalho, de remuneração e de segurança social legalmente estabelecidos;
b) A cada grau corresponde, como direito adquirido, uma remuneração por simples motivo de integração na carreira, sendo o respectivo valor equitativo entre todos os ramos;
c) À remuneração mencionada na alínea anterior poderão adicionar-se, sem constituírem direito adquirido, retribuições correspondentes ao regime de trabalho adoptado em cada caso e valores variáveis determinados a partir dos termos da prestação efectiva de serviços;
d) A remuneração pelo desempenho de cargos da hierarquia orgânica é independente da que ao profissional caiba pela sua graduação na carreira e não constitui direito adquirido;
e) As graduações dependem sempre de níveis apropriados de formação e de avaliação do exercício profissional ou das potencialidades para este;
f) Os esquemas de formação, embora de carácter contínuo, tomam como centro de incidência especial um período, definido quanto a cada ramo, considerado estratégico na evolução profissional;
g) A avaliação profissional valoriza primacialmente o factor formação quanto aos primeiros graus e os factores curriculares quanto aos graus mais elevados;
h) A integração na carreira obriga ao exercício das funções médicas inerentes, por essência, ao perfil profissional de cada ramo;
i) Além das funções inerentes, por essência, ao seu perfil profissional, pode o médico integrado em carreira desempenhar também as correspondentes a cargos para cujo nível de responsabilidade se encontre habilitado mediante graduação bastante e formação específica quanto a tais funções;
j) Os profissionais integrados na carreira médica podem, em condições determinadas, beneficiar de esquemas de comunicabilidade com outras carreiras profissionais de saúde;
k) Entre os ramos da carreira médica existe permutabilidade em condições definidas, ficando o permutado com estatuto de equiparação a um dos graus do ramo de destino até preenchimento de requisitos para integração plena que salvaguardem os direitos e legítimas expectativas dos já integrados nesse ramo;
l) A carreira médica é objecto de planeamento, supervisão e administração, para efeitos de gestão e formação, a cargo dos competentes departamentos centrais do Serviço Nacional de Saúde, eventualmente apoiados por órgãos constituídos para tal fim junto dos departamentos de tutela dos serviços a que os médicos dos vários ramos se encontram vinculados;
m) A aplicação do disposto no presente diploma ou em qualquer das suas revisões em caso algum prejudicará direitos adquiridos;
n) Nas revisões deste diploma respeitar-se-ão as legítimas expectativas invocadas pela representação dos profissionais integrados na carreira médica que decorram da aplicação do presente regime e não contrariem o interesse e ordem públicos.
II
Ramo de clínica geral
ARTIGO 3.º
Perfil do médico de clínica geral
O médico de clínica geral tem o seguinte perfil profissional:a) É um graduado em medicina com formação pós-graduação oficialmente reconhecida para efeitos de exercício de actos médicos de clínica geral, caracterizados nos termos das alíneas subsequentes;
b) Presta cuidados personalizados a indivíduos, a famílias e, mais generalizadamente, a uma população definida confiada à sua assistência;
c) Assegura os referidos cuidados em termos de continuidade, sendo responsável pelas decisões iniciais quanto à situação de saúde das pessoas entregues à sua assistência, às quais deve prestar todos os cuidados ao seu alcance e que lhe cabe orientar e acompanhar na utilização da cadeia de serviços a que, segundo a sua apreciação médica, hajam de recorrer;
d) A sua intervenção incide em âmbito de generalidade, podendo, pois, ocupar-se de qualquer situação de saúde, sem restrições em função da idade, do sexo ou do tipo de problema das pessoas que assiste;
e) Dispõe, quanto à situação de saúde dos seus assistidos, de informação, que colhe e organiza mediante os seus contactos personalizados com estes, por relatório em referência de retorno dos serviços hospitalares e também com base na informação facultada pelos médicos e outros profissionais de saúde pública da mesma área de intervenção;
f) Conta com local, que lhe está afectado a título individual e permanente, para atendimento dos seus assistidos, os quais pode também visitar no domicílio ou noutros lugares, e, bem assim, com os demais meios adequados à condução das suas actividades;
g) Coopera com outros profissionais de saúde, médicos e não médicos;
h) Promove a saúde dos assistidos e suas famílias por meio de acção curativa, de prevenção e de educação, prevalecendo-se das oportunidades de diagnóstico precoce e considerando a integralidade de factores físicos, psicológicos e sociais.
ARTIGO 4.º
Atribuições do médico de clínica geral
1 - O médico de clínica geral desempenha, essencialmente, as funções de intervenção clínica inerentes ao seu perfil descrito no artigo 3.º, podendo o seu exercício profissional preencher-se apenas com este tipo de actos, qualquer que seja a situação na carreira ou integração nos serviços de saúde.
2 - Por opção conjunta dos serviços e do próprio médico, podem a este ser atribuídas também outras funções relativas a:
a) Participação nos órgãos de planeamento, supervisão e administração da carreira médica, quanto a aspectos de gestão e de formação;
b) Direcção dos serviços de saúde, a nível local, regional ou central, bem como assessoria técnica nestes serviços.
3 - A nomeação para os cargos correspondentes às funções indicadas no n.º 2 pressupõe a integração no grau de carreira que, relativamente a cada um, seja exigido pela respectiva legislação orgânica e depende também de formação específica para o exercício de funções de tal natureza.
ARTIGO 5.º
Formação do clínico geral
1 - A formação do clínico geral constitui parte integrante da estrutura da carreira e obedece a esquemas definidos pelas instituições de ensino competentes, sob orientação do Departamento Central de Ensino e Investigação do Serviço Nacional de Saúde.2 - Nos planos de formação atender-se-á à necessidade de:
a) Incentivar, logo na fase do internato policlínico, a orientação vocacional para este ramo da carreira médica;
b) Centrar os principais esforços formativos na fase de formação imediata ao internato policlínico, programando os correspondentes esquemas com intensa participação dos órgãos de supervisão da carreira e dos organismos de representação profissional dos médicos de clínica geral, em termos evolutivos que permitam acompanhar e dinamizar a progressiva efectivação do perfil profissional previsto e da correspondente carreira;
c) Organizar modalidades de formação em serviço, nos próprios locais de exercício da clínica geral, com recurso ao apoio formativo dos hospitais e de outros serviços de saúde com idênticas potencialidades para este efeito, por meio de colaboração, nos locais nucleares de exercício, de equipas dos referidos estabelecimentos, bem como de frequência destes para manter e aperfeiçoar os conhecimentos proporcionados pela natureza dos serviços hospitalares;
d) Incluir conhecimentos de saúde pública;
e) Definir previamente objectivos pedagógicos explícitos na generalidade das áreas de ensino e aprendizagem, com a participação de todos os elementos do processo pedagógico, e utilizar práticas de ensino motivadoras de estudo efectivo, conduzidas, essencialmente, no enquadramento próprio do exercício do médico de clínica geral.
3 - A formação do médico de clínica geral assume carácter de continuidade, mobilizando os serviços de saúde os meios adequados para tal fim.
ARTIGO 6.º
Estrutura da carreira médica no ramo de clínica geral
1 - A carreira médica no ramo de clínica geral desenvolve-se pelas seguintes categorias:
Clínico geral;
Clínico geral graduado;
Clínico geral principal.
2 - A categoria de clínico geral:
a) Adquire-se mediante concurso documental para ingresso na carreira, após aproveitamento no internato policlínico e o serviço médico à periferia, nos termos dos respectivos regulamentos;
b) Permite o exercício de funções médicas enquadradas em esquemas de aprendizagem e aperfeiçoamento em serviço, concebidos de acordo com o artigo 5.º 3 - A categoria de clínico geral graduado:
a) Adquire-se mediante prestação de provas públicas, incluindo avaliação curricular, após um período de, pelo menos, três anos de formação em serviço, conduzida de acordo com os objectivos indicados no artigo 5.º;
b) Permite o exercício das funções indicadas no n.º 1 do artigo 4.º e, na falta de clínicos gerais dos graus imediatos, das referidas no n.º 2 do mesmo artigo, com dispensa, se necessário, do cumprimento do disposto no n.º 3 desse preceito.
4 - O grau de clínico geral principal:
a) Adquire-se mediante prestação de provas públicas, incluindo avaliação curricular;
b) Permite, além da continuação do exercício das funções de prestação de actos clínicos, o desempenho de cargos da administração de saúde, nos termos dos n.os 2 e 3 do artigo 4.º
III
Ramo de saúde pública
ARTIGO 7.º
Perfil do médico de saúde pública
O médico de saúde pública tem o seguinte perfil profissional:a) É um graduado em medicina com formação pós-graduação oficialmente reconhecida para efeitos de exercício das actividades de estudo e resolução ou de colaboração na resolução dos problemas de saúde das comunidades e grupos populacionais nos termos das alíneas subsequentes;
b) Diagnostica a situação de saúde da comunidade e dos grupos que a integram, descrevendo o respectivo estado de saúde e esclarecendo os factores individuais e ambientais, tanto do meio físico como do sócio-cultural, que o determinam;
c) Colabora com outros profissionais de saúde, médicos e não médicos, particularmente com o médico de clínica geral e a enfermeira, por forma a permitir-lhes uma adequada integração dos factores referidos na alínea b) no processo de diagnóstico e de orientação terapêutica das pessoas por quem são responsáveis;
d) A partir do referido diagnóstico, explicita as necessidades identificadas e define ou colabora na definição dos objectivos de saúde a atingir quanto à população considerada, em termos da existência de indivíduos ou grupos familiares e populacionais especialmente vulneráveis, da estrutura do sistema ou dos subsistemas da prestação de cuidados de saúde, dos padrões de acesso e da forma como se processam estas prestações e do seu impacte no estado de saúde da população;
e) Traduz os objectivos de saúde, estabelecidos nos termos da alínea d), em programas de acção, cuja coordenação assume;
f) Coordena a execução e colabora na efectivação de observações individuais de carácter sistemático ou excepcional, de acções de prevenção específica e de actividades de colheita da informação e estuda as indicações que estas intervenções lhe proporcionem, procedendo sempre em articulação com actividades de fins similares que tenham lugar no contexto comum da clínica geral;
g) Prevalece-se das suas relações privilegiadas com a comunidade em geral e com subgrupos, nomeadamente grávidas, crianças, adolescentes, idosos, e meios, como o familiar, o ocupacional ou o escolar, para, em colaboração estreita com os outros profissionais de saúde, promover e coordenar acções de educação para a saúde, incentivando a participação da população na resolução dos seus próprios problemas de saúde, numa perspectiva de desenvolvimento global da comunidade;
h) Com base em adequado conhecimento das normas legais e dos condicionalismos específicos do meio onde exerce a sua actividade, utiliza as prerrogativas, que lhe sejam conferidas, de autoridade sanitária, como mais um instrumento para a defesa e promoção do estado de saúde das populações.
ARTIGO 8.º
Atribuições do médico de saúde pública
1 - Ao médico de saúde pública, de acordo com os esquemas de formação específica que lhe forem proporcionados na evolução da sua carreira, correspondem funções de:
a) Administração de saúde da comunidade, incluindo as competências de autoridade sanitária;
b) Especialização em áreas específicas da saúde pública, como epidemiologia, nutrição, saúde escolar ou outras;
c) Participação nos órgãos de planeamento, supervisão e administração da carreira médica, quanto a aspectos da gestão e de formação;
d) Direcção de serviços de saúde, a nível local, regional ou central, bem como assessoria técnica nestes serviços.
2 - A distribuição dos vários tipos de funções indicadas no n.º 1 pelos diversos níveis territoriais define os seguintes conjuntos de atribuições do médico de saúde pública:
a) A nível local. - O médico de saúde pública exerce funções correspondentes à globalidade do seu perfil profissional, nos termos do artigo 7.º, prossegue a sua formação e participa na programação e efectivação de acções de formação destinadas a médicos de saúde pública de graus inferiores, podendo também ocupar cargos de direcção dos serviços de saúde locais.
b) A nível regional e a nível central. - O médico de saúde pública centra as suas funções numa das especializações de saúde pública para que tenha aprofundado o seu perfil profissional (epidemiologia, nutrição, saúde escolar, saúde ocupacional ou outras) ou, se este aprofundamento se orientar no sentido mais específico da administração de saúde, fará parte das correspondentes equipas, assumindo as atribuições de autoridade sanitária, podendo também ocupar cargos de direcção dos serviços de saúde a estes níveis territoriais e participar nos órgãos de planeamento, coordenação e supervisão da carreira, bem como nas acções de formação.
ARTIGO 9.º
Formação do médico de saúde pública
1 - A formação do médico de saúde pública constitui parte integrante da estrutura da carreira e obedece a esquemas definidos pelas instituições de ensino competentes, sob orientação do Departamento Central de Ensino e Investigação do Serviço Nacional de Saúde.
2 - Nos planos de formação, atender-se-á à necessidade de:
a) Incentivar, logo na fase do internato policlínico, a orientação vocacional para este ramo da carreira médica;
b) Centrar os principais esforços formativos na fase imediata ao internato policlínico, programando os correspondentes esquemas com intensa participação dos órgãos de supervisão da carreira e dos próprios médicos de saúde pública;
c) Organizar a formação em termos de permitir ao médico de saúde pública o desenvolvimento global do seu perfil na administração de saúde pública, a especialização em uma das áreas dos conhecimentos de saúde pública, nomeadamente em epidemiologia, nutrição, saúde escolar, saúde ocupacional ou outra, e a especialização em funções mais delimitadas e centralizadas da administração de saúde;
d) Incluir conhecimentos de clínica geral, indispensáveis ao exercício do médico de saúde pública, de acordo com o seu perfil profissional;
e) Definir previamente objectivos pedagógicos explícitos na generalidade das áreas de ensino e aprendizagem, com a participação de todos os elementos do processo pedagógico, e utilizar práticas de ensino motivadoras de estudo efectivo, conduzidas essencialmente no enquadramento próprio do exercício do médico de saúde pública.
3 - A formação do médico de saúde pública assume carácter de continuidade, mobilizando os serviços de saúde os meios adequados para tal fim.
ARTIGO 10.º
Estrutura da carreira médica no ramo de saúde pública
1 - A carreira médica no ramo de saúde pública desenvolve-se pelas seguintes categorias:
Clínico geral (em exercício no ramo de saúde pública);
Médico de saúde pública graduado;
Médico de saúde pública principal.
2 - A categoria de clínico geral (em exercício no ramo de saúde pública):
a) Adquire-se mediante concurso documental para ingresso na carreira, após aproveitamento no internato policlínico e o serviço médico à periferia, nos termos dos respectivos regulamentos;
b) Permite o exercício de funções médicas enquadradas em esquemas de aprendizagem e aperfeiçoamento em serviço, concebidos de acordo com o artigo 9.
3 - As actividades do exercício profissional durante o período correspondente ao 1.º grau classificam-se em três tipos:
a) Aprendizagem teórico-formal, a programar pela Escola Nacional de Saúde Pública:
b) Formação em exercício de funções de saúde pública, mediante prática efectiva de acções de saúde pública articuladas com a aprendizagem teórico-formal e conduzidas sob orientação de profissionais mais graduados no mesmo ramo;
c) Formação em exercício correspondente à clínica geral, com duração de, pelo menos, um ano.
4 - A categoria de médico de saúde pública graduado:
a) Adquire-se mediante prestação de provas públicas, incluindo avaliação curricular, após um período de, pelo menos, três anos de formação em serviço, conduzida de acordo com os objectivos indicados no artigo 9.º;
b) Permite o exercício das funções inerentes ao perfil da base deste médico, indicadas no artigo 8.º 5 - A categoria de médico de saúde pública principal:
a) Adquire-se mediante prestação de provas públicas, incluindo avaliação curricular, demonstrativa de aprofundamento de conhecimentos em saúde pública ou nas suas áreas especializadas;
b) Permite a continuação do exercício das funções próprias do médico de saúde pública, de acordo com a orientação seguida no aprofundamento do seu perfil profissional.
IV
Permutabilidade na carreira e intercomunicabilidade com outras carreiras
ARTIGO 11.º
Regras aplicáveis
1 - Além da opção entre os ramos da carreira, após o tronco comum constituído pelo internato policlínico e serviço médico à periferia, os clínicos gerais e os médicos de saúde pública podem requerer aos órgãos competentes de gestão da carreira médica a permuta de ramo ou a mudança para outra carreira profissional dos serviços públicos de saúde.2 - As correspondências entre graus das várias carreiras e dos ramos da carreira médica estabelecer-se-ão nos termos de regulamento aprovado por portaria do Secretário de Estado da Saúde, proposto pelos Departamentos Centrais de Ensino e Investigação e de Recursos Humanos do Serviço Nacional de Saúde e elaborado com a participação de representações dos médicos de saúde pública e de clínica geral com atribuições de formação.
3 - A transferência de carreira ou de ramo da carreira médica implicará, em todos os casos, a atribuição de um estatuto de simples equiparação a um dos graus da carreira ou do ramo de destino, ficando a integração plena dependente do preenchimento de pressupostos de formação específica para as novas funções, a definir, estas também, pelo regulamento previsto no n.º 2.
V
Regime de trabalho
ARTIGO 12.º
Princípios gerais para aplicação nas normas orgânicas quanto ao regime de
trabalho
1 - Aos lugares de médicos de clínica geral e de saúde pública são aplicáveis os regimes de trabalho determinados pelas normas orgânicas dos respectivos serviços, em que se observarão os critérios estabelecidos nos números seguintes.2 - Os médicos dos ramos de clínica geral e de saúde pública que desempenhem funções de direcção ficam, em todos os casos e em qualquer dos níveis territoriais, sujeitos ao regime de dedicação exclusiva.
3 - Aos restantes postos de trabalho poderá corresponder o regime de tempo completo, de tempo prolongado ou de dedicação exclusiva, de acordo com a definição constante do Decreto-Lei 373/79, de 8 de Setembro, estimulando-se porém, a adopção do último.
4 - Quando as normas orgânicas admitirem a opção entre alternativas de regime, constará dos avisos de abertura dos concursos documentais para preenchimento de vagas qual o regime aplicado a cada uma destas, podendo os médicos candidatar-se simultaneamente às várias modalidades, com indicação expressa da ordem de preferência e atendendo-se nas classificações às potencialidades dos candidatos quanto a cada regime.
5 - As vagas destinadas a clínicos gerais que desejarem ingressar no ramo de clínica geral, sem ser por permuta dentro da carreira médica, por comunicabilidade com outras carreiras ou por conversão de outras situações profissionais ao abrigo das normas de transição constantes deste diploma, beneficiarão, todas, da possibilidade de opção pelo regime de dedicação exclusiva, salvo se o impedirem limitações financeiras ou o desaconselharem os condicionalismos concretos dos correspondentes serviços.
6 - Os clínicos gerais a que se refere o n.º 5 não poderão, em qualquer caso, auferir outras remunerações pagas por serviços dependentes da Secretaria de Estado da Saúde, além das que correspondam às funções exercidas neste ramo da carreira.
7 - As vagas a que se refere o n.º 5 só poderão, todavia, ser atribuídas aos serviços onde, pelo preenchimento de requisitos técnicos, a definir pelos órgãos de gestão da carreira, fique autorizada a colocação de médicos que satisfaçam os pressupostos e assim beneficiem das garantias do regime do ramo de clínica geral da carreira médica definido por este diploma.
8 - As vagas correspondentes aos três ramos da carreira serão, em cada ano, anunciadas pela Secretaria de Estado da Saúde em termos que permitam aos médicos em internato de policlínica tomarem a sua opção de carreira em tempo oportuno à luz dos esquemas e calendários desse período de formação.
VI
Remunerações
ARTIGO 13.º
Remuneração de base
1 - A remuneração de base é atribuída em correspondência com a categoria de carreira ou com o cargo orgânico que o médico seja chamado a desempenhar.2 - A remuneração de base por carreira segue, quanto a ambos os ramos, o seguinte esquema:
(ver documento original) 3 - A remuneração por cargos é a fixada pela respectiva legislação orgânica ou da Administração Pública.
4 - A remuneração por tempo prolongado rege-se pelo disposto no Decreto-Lei 373/79, de 8 de Setembro, e legislação que a regulamente.
ARTIGO 14.º
Retribuições complementares
1 - Além do que for devido pela adopção dos regimes de tempo completo ou de tempo prolongado, os médicos de clínica geral e de saúde pública poderão auferir outras retribuições complementares, determinadas por aplicação de critérios factoriais a estabelecer em portarias anuais dos Secretários de Estado do Orçamento e da Saúde, mediante participação de representantes dos referidos médicos.2 - Aos clínicos gerais principais e médicos de saúde pública principais que se hajam distinguido por relevantes contributos para o respectivo ramo da carreira poderá o Secretário de Estado da Saúde, por despacho mediante proposta da comissão de supervisão a que se refere o artigo 15.º, atribuir a denominação de consultor, a que corresponderá a remuneração estabelecida para a letra A, como direito adquirido para todos os efeitos, designadamente os de aposentação.
VII
Órgãos de gestão da carreira e de formação
ARTIGO 15.º
1 - A carreira médica é gerida, nos aspectos administrativos, pelo Departamento Central de Recursos Humanos e, para efeitos de formação profissional, pelo Departamento Central de Ensino e Investigação, apoiados por serviços ou funcionários expressamente designados, a nível regional e sub-regional.2 - Dentro de quinze dias após a publicação do presente diploma, o Secretário de Estado da Saúde nomeará, por despacho, uma comissão de supervisão da carreira médica, que terá a responsabilidade de promover as acções do lançamento da carreira e dos correspondentes meios de efectivação, tanto no aspecto de instalação e equipamento como relativamente a projectos de formação.
3 - A comissão referida no n.º 2 será composta por um representante de cada um dos departamentos de cuidados primários, de cuidados diferenciados, de ensino e investigação e de recursos humanos, dela podendo ainda fazer parte um representante permanente da Ordem dos Médicos, e será assessorada pelos técnicos necessários.
4 - A mencionada comissão programará, de imediato, a utilização do auxílio estrangeiro para efeitos de preparação dos médicos que ficarão com as responsabilidade de formar os primeiros grupos de médicos que desejem ingressar no ramo de clínica geral da carreira médica.
5 - A mesma comissão, por si própria ou por meio das subcomissões que entenda dever constituir, apresentará ao Secretário de Estado da Saúde, até ao final do corrente ano, uma proposta fundamentada quanto aos serviços cuja utilização seja desde já possível para lançamento da carreira com as suas novas características e das transformações que, para tal fim, considere indispensáveis.
6 - Clínicos e médicos de saúde pública, portugueses ou estrangeiros, que, pelo seu currículo, ofereçam garantias de capacidade para motivar os poderes públicos, as novas gerações de médicos e os serviços no sentido da prestação de cuidados de saúde segundo os padrões compatíveis com a valorização profissional decorrente do regime de carreira agora decretado serão convidados a colaborar com a comissão central mencionada nos números anteriores.
7 - Os médicos a que se refere o número anterior são designados por despacho do Secretário de Estado da Saúde e os correspondentes encargos serão suportados pelas dotações inscritas para gestão da carreira.
8 - Os componentes indicados no n.º 3 poderão ser destacados para a comissão ou desempenhar nesta funções retribuídas mediante gratificação a fixar em despacho dos Secretários de Estado do Orçamento e da Saúde.
9 - Aos médicos referidos no n.º 6 será atribuída uma gratificação fixada em despacho dos Secretários de Estado do Orçamento e da Saúde.
10 - A comissão central indicada nos números anteriores apresentará ao Secretário de Estado da Saúde, até 30 de Novembro de cada ano, relatório da execução da carreira, fazendo-o acompanhar de parecer da Ordem dos Médicos e do departamento de cuidados primários, a quem, para o efeito, o enviará até 30 de Setembro.
VIII
Regime de transição
ARTIGO 16.º
Médicos de saúde pública
1 - Os médicos que à data da entrada em vigor do presente diploma desempenham, com direitos de carreira, cargos de saúde pública mantêm-se nestes até deles serem exonerados por despacho do Secretário de Estado da Saúde.
2 - Os mesmos médicos transitam para o ramo de saúde pública da carreira médica, na categoria que tenha a letra igual à que esteja atribuída ao cargo que actualmente desempenhem, ou, na falta desta, na imediatamente superior.
ARTIGO 17.º
Transição para a clínica geral
1 - Os médicos integrados já na carreira médica que desejem transitar para o ramo de clínica geral da carreira médica receberão, neste ramo, a categoria que lhes for atribuída por despacho do Secretário de Estado da Saúde, mediante proposta da comissão a que se refere o artigo 15.º, não podendo, porém, transitar para a categoria a que corresponda letra inferior à que lhes esteja já atribuída como direito adquirido.2 - Aos médicos não integrados ainda na carreira médica, mas no exercício efectivo de actividade clínica, que pretendam ingressar no ramo de clínica geral, por conversão das suas situações profissionais presentes, poderá, pelo mesmo processo previsto no n.º 1, ser atribuída uma categoria da carreira.
3 - Os médicos que transitem para o ramo de clínica geral da carreira médica ao abrigo do disposto nos números anteriores podem ficar sujeitos a formação complementar específica para efeitos de exercício de funções de clínica geral, nos termos a determinar em despacho do Secretário de Estado da Saúde, mediante proposta do Departamento de Ensino e Investigação, ouvida a comissão a que se refere o artigo 15.º
ARTIGO 18.º
Entrada em vigor e revogação
1 - O presente diploma entra em vigor em 1 de Janeiro de 1980, sem prejuízo do prazo estabelecido no n.º 2 do artigo 15.º 2 - Fica revogado o disposto no Decreto-Lei 414/71, de 27 de Setembro, quanto à carreira médica de saúde pública.Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 11 de Dezembro de 1979. - Maria de Lourdes Ruivo da Silva Matos Pintasilgo - Manuel da Costa Brás - António Luciano Pacheco de Sousa Franco - Alfredo Bruto da Costa.
Promulgado em 24 de Dezembro de 1979.
Publique-se.O Presidente da República, ANTÓNIO RAMALHO EANES.