I - A Direcção-Geral do Tesouro (DGT) celebrou com os Correios de Portugal, S. A.
(CTT), um contrato de prestação de serviços de cobrança no qual está expressamente consignado, quanto ao regime de pagamento, que os CTT podem receber cheques em representação do Estado.
II - Na sequência de queixas-crime por falta de provisão dos cheques em causa, queixas essas apresentadas por agentes da administração fiscal, tem-se verificado a emissão de despachos de arquivamento por parte de alguns magistrados do Ministério Público.
São dois os tipos de arquivamento detectados:
a) Um tipo de arquivamento baseia-se no entendimento de que, estando o cheque emitido a favor dos CTT, e tendo sido estes que o apresentam à cobrança, só a estes cabe a legitimidade para proceder à apresentação da queixa-crime por falta de provisão;
b) O segundo tipo de arquivamento baseia-se no entendimento de que as faltas de pagamento em causa, decorrentes dos cheques sem provisão, não possuindo origem em negócio jurídico, antes resultando de uma imposição legal que impende sobre os contribuintes, não provocam quaisquer prejuízos ao credor, neste caso, ao Estado.
III - Certo é que da falta de provisão de tais cheques não poderão decorrer quaisquer prejuízos para a entidade cobradora que se limita a verificar a circunstância da falta de provisão e a proceder ao endosso à Tesouraria de Finanças respectiva.
Quer isto dizer que, pese embora os cheques serem emitidos a favor dos CTT, estes actuam, no caso, como instrumento da administração fiscal para a arrecadação de tais receitas, receitas essas devidas ao Estado.
Neste contexto, não se afigura viável defender que só aos CTT cabe legitimidade para a apresentação de queixa, posto ser aqui efectivamente ofendido o Estado, ao deixar de receber as quantias em dívida e devidas a título de impostos.
Assim, não deverá haver lugar a despacho de arquivamento com base no argumento de que, tendo o cheque sido passado à ordem dos CTT, e tendo sido estes que o apresentaram à cobrança, só a estes cabe legitimidade para proceder à apresentação da queixa-crime correspondente.
Na verdade, tem legitimidade para apresentar queixa aquele que tem a receber a quantia titulada no cheque por ser sujeito da obrigação para cujo pagamento o cheque serviu.
IV - Quanto aos despachos de arquivamento fundamentados no facto de não possuir a dívida origem em negócio jurídico, mas antes resultar de uma imposição legal que impende sobre os contribuintes, importa referir que, se é verdade que deixou de poder entender-se, para efeitos penais, o prejuízo como conatural ao cheque não pago, no caso presente existe um direito de crédito consubstanciado precisamente na relação jurídica subjacente, direito de crédito esse que, tendo uma fonte lícita, não poderá deixar de integrar o património do credor.
V - Tendo em conta o exposto, verificando-se que existem divergências de entendimento e de actuação no âmbito do Ministério Público, e desencadeando mesmo os despachos em causa intervenções hierárquicas por iniciativa dos serviços da administração fiscal, determino, ao abrigo do disposto no artigo 12.º, n.º 2, alínea b), do Estatuto do Ministério Público, que os magistrados e agentes do Ministério Público observem e sustentem o seguinte:
a) A administração fiscal tem legitimidade para apresentação de queixa relativa a cheques emitidos a favor dos CTT, para cumprimento de dívidas decorrentes de obrigações fiscais e devolvidos sem pagamento pela entidade bancária;
b) As obrigações fiscais constituem um direito de crédito lícito e exigível que integra o património do Estado, pelo que a falta de pagamento de um cheque, emitido para cumprimento de uma obrigação fiscal, consubstancia um prejuízo patrimonial para o Estado.
1 de Fevereiro de 2007. - O Procurador-Geral da República, Fernando José Matos Pinto Monteiro.