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Acórdão 405/2002/T, de 16 de Novembro

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Texto do documento

Acórdão 405/2002/T. Const. - Processo 316/2002. - Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

1 - Jorge Manuel Matos Francisco, com os sinais identificadores dos autos, veio "nos termos do disposto nos artigos 76.º e 77.º da Lei 28/82, de 15 de Novembro (LTC)" reclamar para este Tribunal Constitucional do despacho que não admitiu o recurso de constitucionalidade, "por extemporaneidade do mesmo", despacho esse em que "o M.mº Juiz Desembargador Relator julgou extemporâneo o requerimento de recurso interposto pelo ora recorrente para o Tribunal Constitucional".

No articulado concluiu como se segue:

"a) O M.mº Juiz Desembargador Relator julgou extemporâneo o requerimento de recurso interposto pelo ora recorrente para o Tribunal Constitucional, por entender, em suma, que o pedido de esclarecimento formulado pelo recorrente '[...] não interrompeu, nem suspendeu [...]', o prazo de interposição do recurso;

b) O recorrente nas suas alegações de recurso logo para o venerando Tribunal de Évora e ainda antes de esgotado o poder jurisdicional havia de forma clara, expressa e detalhada suscitado várias questões constitucionais, com manifesto interesse para os autos;

c) Não obstante a concreta invocação, o douto acórdão proferido não se manifestou ou mesmo se pronunciou sobre a concreta argumentação desenvolvida pelo recorrente, ou, se o fez, fê-lo de forma obscura ou ambígua;

d) O recorrente foi forçado a socorrer-se do mecanismo processual previsto para tal situação (artigo 669.º do Código de Processo Civil), requerendo expressamente que fosse fixado qual o entendimento, segundo a lei fundamental de Portugal, a dar à questão em apreço;

e) O M.mº Juiz a quo não proferiu, ainda assim, qualquer entendimento ou fundamentação constitucional sobre as questões expressamente suscitadas;

f) Em consequência, o recorrente interpões recurso para o Tribunal Constitucional ao abrigo das alíneas a) e b) do artigo 700.º da LTC;

g) O qual foi indeferido por extemporaneidade, contabilizando o M.mº Juiz a quo a data da notificação do acórdão proferido e não a decisão do despacho que apreciou o pedido de aclaração;

h) Ao recorrente, enquanto não fosse fixado o concreto entendimento do douto acórdão proferido sobre a questão constitucional, não lhe era possível, com razoabilidade e certeza, tomar uma decisão, uma vez que tal se mostrava indispensável sobre a apresentação ou não do recurso para o Tribunal Constitucional, em virtude de total falta de clareza, ou mesmo pela omissão total da fundamentação legal sobre a questão constitucional invocada, não lhe sendo possível, como o não foi, sequer compreender tal decisão judicial, e nomeadamente quanto à sua fundamentação;

i) Atendendo ao prazo a que o recorrente foi notificado do despacho que se pronunciou sobre o pedido de aclaração formulado, o requerimento de recurso para o Tribunal Constitucional apresentado a fls. [...] é oportuno, e como tal deve ser julgado, devendo em conformidade ser recebido, seguindo-se os demais termos até final."

2 - No seu visto pronunciou-se assim o Ministério Público:

"Por força do preceituado no n.º 1 do artigo 686.º do CPC, subsidiariamente aplicável no âmbito do processo constitucional, o pedido de aclaração de uma sentença ou acórdão implica que se suspenda o prazo para deduzir a pertinente impugnação por via de recurso, o qual só começa a correr depois de notificada a decisão proferida sobre o requerimento, pelo que não procede a razão invocada no despacho que rejeitou, por intempestivo, o recurso de constitucionalidade interposto.

Não se verificam, porém, os respectivos pressupostos de admissibilidade, pelo que terá de indeferir-se a presente reclamação. Na verdade:

Não foi recusada, com fundamento em inconstitucionalidade, a aplicação de qualquer norma, pelo que carece manifestamente de sentido a invocação da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei 28/82;

Não se mostra suscitada pelo recorrente, em termos procedimentalmente adequados, a questão de inconstitucionalidade das normas que constituem 'ratio decidendi' do acórdão impugnado (vejam-se as conclusões do recurso interposto para a Relação); sendo certo que o decidido pela Relação assentou, em termos decisivos, na intempestividade do recurso, decorrente de o ora reclamante ter começado por utilizar um meio procedimental manifestamente inidóneo (a reclamação para o Presidente da Relação de uma decisão de não aceitação do recurso, por não haverem sido respeitadas as exigências de forma), prescrevendo o n.º 2 do artigo 63.º do Decreto-Lei 433/82 que a forma adequada para impugnar tal despacho é precisamente o 'recurso'.

Deste modo - e por evidente inverificação dos pressupostos do recurso tipificado na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei 28/82 - deverá improceder a presente reclamação."

3 - Por Acórdão 354/02, a fl. 63 dos autos, foi mandado ouvir o reclamante sobre o parecer do Ministério Público e sobre a eventualidade de se poder vir a entender que é manifestamente infundado o recurso de constitucionalidade.

4 - Respondeu largamente o reclamante ao convite constante daquele acórdão, pretendendo demonstrar que "desde sempre suscitou a questão da inconstitucionalidade das normas que constituem a 'ratio decidendi' do acórdão impugnado" e que "o recurso deverá ser apreciado" ("O mesmo poderá, ou não, vir a ser procedente, de acordo com a fundamentação que vier a ser desenvolvida pelo recorrente; a qual é exigente, vasta e complexa" - acrescenta o reclamante).

O reclamante passou a transcrever trechos das peças processuais que apresentou nos autos, para querer demonstrar que "alegou e fundamentou em sua defesa, não só a violação da lei penal, processual penal e civil e do regime especial das contra-ordenações, como igualmente a violação de normas e ou princípios constitucionais", mas o ponto central que ele, no fundo, pretende sustentar é o de que "a existência de recurso não é incompatível com a reclamação para o presidente do tribunal competente para conhecer aquele" e que, a existir entendimento diverso, "a norma do artigo 63.º/2 seria inconstitucional, por violação do mencionado artigo 29.º da CRP", adiantando, finalmente, a tal propósito, o seguinte arrazoado:

"40 - Está, sim, como desde sempre invocado,

41 - Que a existência de recurso não é incompatível com a reclamação para o presidente do Tribunal competente para conhecer aquele.

42 - Até porque mesmo sendo um regime especial o previsto no Decreto-Lei 433/82, aplicam-se as regras de Direito Penal e posteriormente de Civil, que não sejam incompatíveis com aquela.

43 - Porque, a não ser assim, como acima se defendeu, a norma do artigo 63.º/2 do Decreto-Lei 433/82 será inconstitucional por violação do mencionado artigo 29.º da CRP.

44 - O regime contra-ordenacional é, em toda a sua natureza, um regime sancionatório, ao qual até se aplicam, subsidiariamente, as normas do Código Penal.

45 - O regime penal prevê um especial cuidado e atenção em matéria de direito de defesa, que não se revê com um mero direito de audição, indo muito para além dele, uma vez que nos encontramos perante matéria de direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.

46 - Perante tal, tais garantias gozam naturalmente de protecção constitucional (v. artigo 29.º da Constituição da República Portuguesa - CRP), nomeadamente o princípio da tutela da defesa.

47 - A questão que se coloca é: se o direito penal deve ou não prevalecer sobre o direito civil, em matéria de direitos, liberdades e garantias? E ainda: deve ou não beneficiar, no mínimo, das mesmas regras de defesa?

48 - Sendo o regime contra-ordenacional um regime claramente enraizado no Direito Penal não se poderá deixar de concluir que em matéria desta última natureza deve ser permitido, pelo menos, fazer uso da protecção (mínima) civil.

49 - Se a lei civil permite fazer uso da reclamação, o ilícito de mera ordenação social, porque não é incompatível com a sua existência, não poderá impedir a sua aplicação, aceitando-a consequentemente.

50 - Por último, e por mero raciocínio, se a reclamação apresentada para o presidente do tribunal competente para conhecer o recurso (fl. 65), mesmo que o M.mº Juiz entendesse, como entendeu, que não era o meio idóneo, esta podia e deveria ter sido entendida como um recurso, uma vez que os M.mºs Juízes não estão condicionados no julgamento à forma, meio e efeitos do recurso, tal como os mesmos são apresentados pelas partes."

5 - Vistos os autos, cumpre decidir.

As certidões juntas revelam a seguinte sequência processual:

5.1 - Por Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 22 de Janeiro de 2002, proferido em "processo de recurso de contra-ordenação vindo do 1.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, com o n.º 561/00.4TBSTB, em que é arguido Jorge Manuel Matos Francisco", foi negado provimento ao recurso e confirmado "o despacho recorrido", que havia rejeitado um recurso por "manifestamente intempestivo" (e no acórdão considerou-se, com relevo para o caso, que o "arguido ao apresentar reclamação para o Sr. Presidente do Tribunal da Relação de Évora fez uso da disposição do artigo 405.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, desprezando o que a lei especial previa - cf. artigo 63.º, n.º 2, do Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro, que, expressamente, refere que 'deste despacho há recurso [...]" e, perante "este lapso, o recorrente desperdiçou o prazo que a lei lhe concedia para recorrer").

5.2 - Desse acórdão veio ele "requerer o esclarecimento do mesmo", o que foi indeferido porque "o acórdão proferido não contém erro, lapso, obscuridade ou ambiguidade que deva corrigir-se", seguindo-se a interposição do recurso para o Tribunal Constitucional, "com fundamento nas alíneas a) e b) do artigo 70.º da LTC (Lei 28/82, de 15 de Novembro)".

5.3 - Tal requerimento foi indeferido pelo despacho reclamado, do seguinte teor:

"Nos termos do disposto no artigo 75.º da Lei 28/82, de 15 de Novembro, é de 10 dias o prazo de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional.

Compulsando os autos, verifica-se que o recorrente foi notificado na pessoa do seu mandatário em 28 de Janeiro de 2002 do acórdão proferido nos autos - cf. cota de fl. 180.

Apresentando agora recurso para o Tribunal Constitucional, em 11 de Março de 2002, o referido prazo mostra-se amplamente ultrapassado.

Com efeito, o facto de o recorrente ter pedido a aclaração do acórdão em 8 de Fevereiro de 2002, não interrompeu nem suspendeu o aludido prazo - cf. T., n.º 92, 48 e just. 30.º, p. 15.

E, face à decisão de indeferimento do pedido de aclaração, o acórdão proferido mostra-se já transitado em julgado.

Nesta conformidade, ao abrigo do disposto no artigo 76.º da Lei 28/82 de 15 de Novembro, não se admite o recurso interposto a fl. 186 para o Tribunal Constitucional".

6 - Parece claro, face à norma do n.º 1 do artigo 686.º do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 69.º da Lei 28/82, de 15 de Novembro, que, aliás, é esquecida no despacho reclamado, haver suspensão do prazo de interposição de um recurso, quando haja, como é o presente caso, aclaração do julgado (esse prazo "só começa a correr depois de notificada a decisão proferida sobre o requerimento", de acordo com o texto legal).

Assim, é fácil concluir que não procede o fundamento de intempestividade em que se fundou o despacho reclamado, tal-qualmente conclui o Ministério Público.

Com o que assiste razão ao reclamante quando alega que "o requerimento de recurso para o Tribunal Constitucional apresentado a fls. [...] é oportuno, e como tal deve ser julgado, devendo em conformidade ser recebido", não podendo manter-se o despacho reclamado nessa base.

7 - Adianta, todavia, o Ministério Público, no seu visto, que não se verificam os pressupostos de admissibilidade do recurso de constitucionalidade, "pelo que terá de indeferir-se a presente reclamação", pois por um lado, "não foi recusada, com fundamento em inconstitucionalidade, a aplicação de qualquer norma, pelo que carece manifestamente de sentido a invocação da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei 28/82", e, por outro, "por evidente inverificação dos pressupostos do recurso tipificado na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei 28/82".

Só que, se é evidente, à partida, que o fundamento da alínea a) não tem no caso razão de ser, porque, como diz o Ministério Público, "não foi recusada, com fundamento em inconstitucionalidade, a aplicação de qualquer norma", a mesma evidência não resulta quanto à "inverificação dos pressupostos do recurso tipificado na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei 28/82".

Isto porque, nos fundamentos do recurso interposto para o tribunal de relação, alega o reclamante que o "regime penal prevê um especial cuidado e atenção em matéria de direito de defesa, que não se revê com um mero direito de audição, indo muito para além dele, uma vez que nos encontramos perante matéria de direitos, liberdades e garantias dos cidadãos" e que "tais garantias gozam naturalmente de protecção constitucional (vide artigo 29.º da Constituição da República Portuguesa - CRP), nomeadamente o princípio da tutela da defesa", acrescentando a seguir:

"13 - A questão que se coloca é: se o direito penal deve ou não prevalecer sobre o direito civil, em matéria de direitos, liberdades e garantias?

Ou, por outro lado: deve ou não beneficiar, no mínimo, das mesmas regras de defesa?

14 - Sendo o regime contra-ordenacional um regime claramente enraizado no Direito Penal, não se poderá deixar de concluir que em matéria desta última natureza deve ser permitido, pelo menos, fazer uso da protecção (mínima) civil.

15 - Se a lei civil permite fazer uso da reclamação, o ilícito de mera ordenação social, porque não é incompatível com a sua exis tência, não poderá impedir a sua aplicação, aceitando-a consequentemente.

16 - A existência de recurso não é incompatível com a reclamação para o presidente do tribunal competente para conhecer aquele.

17 - A existir entendimento diverso, a norma do artigo 63.º, n.º 2, seria inconstitucional, por violação do mencionado artigo 29.º da CRP."

Tudo isto para demonstrar que aquela reclamação sempre "teria por efeito interromper o prazo de interposição do recurso", o que determinaria a sua tempestividade (e daí um entendimento contrário que poderia ser desconforme com a Constituição).

Saber se isto, com os elementos que possam constar dos autos, preenche a exigência da suscitação de questão de inconstitucionalidade normativa durante o processo, "em termos procedimentalmente adequados", como diz o Ministério Público, questão que se deixa em aberto, pois uma outra questão releva para o resultado da reclamação, como passa a ser demonstrado.

8 - É que não se vê como possa ser acolhida com êxito a questão posta pelo ora reclamante, a propósito da pretensa inconstitucionalidade do apontado artigo 63.º, n.º 2, "por violação do mencionado artigo 29.º da CRP", não tendo, pois, manifestamente qualquer fundamento o presente recurso de constitucionalidade, aspecto que, aliás, passou à margem da sua resposta.

Com efeito, aquele n.º 2 do artigo 63.º, prevendo um recurso, a subir imediatamente para o tribunal superior, não pode de modo algum contender com as "regras de defesa" ou a "matéria de direito de defesa", como invoca o ora reclamante, o que só pode localizar-se no artigo 32.º da Constituição e não no artigo 29.º, que é por ele citado. Pois se está aí garantida a via judiciária de impugnação de uma decisão jurisdicional, não há ofensa de tais regras ou de tal matéria, como é perfeitamente líquido.

E isto mesmo no entendimento, que teria sido perfilhado no acórdão recorrido, de que essa via prevalece sobre a reclamação de que se tenha servido o interessado, não podendo dela decorrer a suspensão do decurso do prazo para recorrer.

A argumentação da ora reclamante de que se poderia "fazer uso da reclamação" no processo contra-ordenacional e a existência do recurso não seria incompatível com ela - e este deveria ser o entendimento conforme às normas ou princípios constitucionais - não tem nenhum apoio no regime legal regulador do ilícito de mera ordenação social e não pode dar guarida ao comportamento do ora reclamante, que "desperdiçou o prazo que a lei lhe concedia para recorrer", tal-qualmente se lê no acórdão recorrido (quanto a saber se a reclamação em causa "podia e devia ter sido entendida como um recurso" nas instâncias, como pretende o ora reclamante, ou seja, quanto a saber se o juiz pode ou não "substituir-se à parte e tomar ele a posição que só às partes é devida", isto é matéria que escapa ao poder de controlo do Tribunal Constitucional, cuja competência é restrita às "matérias de natureza jurídico-constitucional" - artigo 221.º da Constituição).

De tudo isto decorre ser manifestamente infundado o pretendido recurso de constitucionalidade (n.º 2 do artigo 76.º da Lei 28/82), o que implica por esta via que não merece acolhimento a presente reclamação.

9 - Termos em que, decidindo, indefere-se a reclamação e condena-se o reclamante nas custas, com a taxa de justiça fixada em 15 unidades de conta.

9 de Outubro de 2002. - Guilherme da Fonseca - Paulo Mota Pinto - José Manuel Cardoso da Costa.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/2068855.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1982-10-27 - Decreto-Lei 433/82 - Ministério da Justiça

    Institui o ilícito de mera ordenação social e respectivo processo.

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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