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Acórdão 413/2015, de 19 de Novembro

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Sumário

Não julga inconstitucional a norma segundo a qual «o prazo de interposição de recurso de apelação pelo réu não se interrompe ou suspende por força do pedido de retificação de erro de cálculo constante da sentença recorrida formulado por um dos autores, contando-se a partir da data da notificação de tal decisão judicial e não a partir da data da proferição do despacho que posteriormente se pronuncie sobre a pretendida retificação», decorrente dos artigos 613.º, 614.º e 638.º do Novo Código de Processo Civil

Texto do documento

Acórdão 413/2015

Processo 1074/14

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional,

I - Relatório

1 - Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que é recorrente Mecildes Alves Évora e é recorrida Marlene Varela Gomes, com o patrocínio do Ministério Público, foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei 28/82, de 15 de novembro [LTC]).

2 - A ora recorrida impugnou junto do Tribunal de Trabalho de Lisboa a regularidade e licitude do seu despedimento promovido pela ora recorrente, sua empregadora.

Por sentença de 10 de outubro de 2013, o tribunal concluiu pela inexistência de fundamento para o despedimento e declarou a ilicitude do mesmo, condenando a empregadora no pagamento de determinadas quantias à impugnante, sua trabalhadora.

Por requerimento do Ministério Público, em representação da autora, foi solicitada a retificação de erro de cálculo ou lapso manifesto constante da sentença, ao abrigo do disposto no artigo 614.º do Código de Processo Civil (CPC), o qual viria a ser reconhecido e, consequentemente, retificado por despacho judicial proferido em 6 de janeiro de 2014.

Inconformada com a sentença de 10 de outubro, a ré-empregadora, aqui recorrente, apelou para o Tribunal da Relação de Lisboa, por requerimento apresentado em 13 de fevereiro, recurso este que não foi admitido, por intempestivo.

Apresentada reclamação do despacho de não admissão do recurso viria a mesma a ser indeferida por despacho do Relator, confirmado, após reclamação para a conferência, por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 8 de outubro de 2014.

É deste acórdão que vem agora interposto o presente recurso de constitucionalidade.

3 - Indica a recorrente, no requerimento de aperfeiçoamento do recurso, em resposta ao convite que lhe foi dirigido nos termos do n.º 5 do artigo 75.º-A, da LTC, que a norma cuja constitucionalidade pretende ver apreciada é a que estabelece que «o prazo de interposição de recurso da apelação não se interrompe ou suspende por força do pedido de retificação da sentença recorrida formulado por um dos autores, contando-se a partir da data da notificação de tal decisão judicial e não a partir da data da proferição do despacho que posteriormente se pronuncie sobre a pretendida retificação» decorrente da interpretação dos artigos 613.º, 614.º e 638.º do CPC.

4 - Prosseguindo o processo para alegações, o recorrente alegou concluindo do seguinte modo:

«1 - Como até decorre da decisão recorrida, corria o prazo de recurso da sentença do Proc. n.º 2106/12.4TTLSB, da 1.ª Secção, do 4.º Juízo do Tribunal do Trabalho de Lisboa, em que a recorrente é ré, quando ocorreu reclamação da sentença suscitada pela autora. Sendo que, entendendo de a deferir, o tribunal da causa decidiu-se pelo seu deferimento, introduzindo modificação à sentença, que, a seguir, notificou a ré. Sendo que, entendendo que, como um todo, a nova sentença integrada pelo despacho de deferimento da reclamação, entretanto, notificada, é, como um todo, recorrível e estava sujeita a prazo de recurso próprio, a ré dela recorreu, nesse prazo. Acontendendo, porém, que o recurso assim interposto acabou indeferido, por alegada extemporaneidade.

2 - O sistema processual civil português, integrado até pela Constituição da República, consagra o direito de defesa, o princípio do contraditório e, em especial, o direito de recurso contra decisões judiciais desfavoráveis, traduzido na possibilidade da parte prejudicada por uma dada decisão judicial tenha ou possa ter conhecimento efetivo do seu conteúdo e reagir contra ela, através dos meios processuais adequados (cf. Acs n.os 183/98 e 384/98, 632/99 e 148/01, apud Rui Medeiros, idem, anot. XI ao art.º 20.º), designadamente, através de recurso, sob pena de violação do art.º 20.º n.os 1, 4 e 5 da Constituição da República.

3 - O direito de defesa, o princípio do contraditório e o direito de recurso direito ao recurso referido em 2 pressupõem pleno conhecimento do teor da decisão recorrida ou, pelo menos, a possibilidade de o obter e que o prazo para a interposição do recurso só pode começar a contar a partir do momento em que o recorrente tenha a possibilidade efetiva de apreender o texto integral da decisão que pretende impugnar (cf. Acs n.os 183/98 e 384/98, 632/99 e 148/01, apud Rui Medeiros, idem, anot. XI ao art.º 20.º). (cf. os Acórdãos n.os 148/01 e 16/2010 (proc. 141/99 e DR. 2.ª série n.º 36, de 22.02.2010), sob pena de violação do art.º 20.º n.os 1, 4 e 5 da Constituição da República.

4 - Na situação referida em 2 e 3, a alteração a uma sentença introduzida em consequência do deferimento de nulidades, retificação de erros ou reforma suscitados por reclamação de parte ou conhecidos por iniciativa oficiosa do tribunal integra-se na sentença alterada, de que passa a ser complemento e parte integrante (art.º 617.º n.º 2 CPC) e com a qual passa a constituir um todo, uma sentença nova, recorrível e sujeita a prazo de recurso próprio, sob pena violação do direito de defesa, do princípio do contraditório, do direito de recurso e do art.º 20.º n.os 1, 4 e 5 da Constituição da República.

5 - Na situação referida em 1 a 4, a sentença judicial objeto de alteração em consequência do deferimento de nulidades, retificação de erros ou reforma suscitados por reclamação de parte ou conhecidos por iniciativa oficiosa do tribunal é ela própria recorrível, como decorre, de resto, dos números 1 e 2, com referência aos números 5 e 6 todos do art.º 617.º CPC, sob pena da sua irrecorribilidade implicar violação tanto do direito de defesa, como do princípio do contraditório, do direito ao recurso da parte por ela prejudicada e do art.º 20.º n.os 1, 4 e 5 da Constituição da República.

6 - Na situação referida em 1 a 5, a interpretação de que "o prazo de interposição de recurso de Apelação não se interrompe ou suspende por força do pedido de retificação da sentença recorrida formulado por um dos Autores, contando-se a partir da data da notificação de tal decisão judicial e não a partir da data da proferição do despacho que posteriormente, se pronuncie sobre a pretendida retificação", dada, pelo acórdão recorrido, aos art.os 613.º e 614.º e 638.º CPC convocados para a justificação da decisão da extemporaneidade e do indeferimento do recurso da recorrente violou o seu direito de defesa, o princípio do contraditório e seu direito fundamental ao recurso e, assim, o disposto no art.º 20.º n.os 1, 4 e 5 da Constituição. E, por esse motivo, deve a mesma ser julgada não conforme com o disposto no art.º 20.º n.os 1, 4 e 5 da Constituição da República e com o direito ao recurso da recorrente e afastada, com a consequência de que, por em prazo, o recurso da ré, interposto da dita sentença do Tribunal do Trabalho de Lisboa seja de admitir,

Como é do direito e se pede.»

5 - Contra-alegou o Ministério Público, em representação da recorrida, apresentando as seguintes conclusões:

«Assim, por todas as razões anteriormente invocadas, julga-se que este Tribunal Constitucional deverá, agora:

a) concluir não serem inconstitucionais as disposições constantes dos arts. 613, 614.º e 638.º do Código de Processo Civil, na «interpretação de que o prazo de interposição de recurso de Apelação não se interrompe ou suspende por força do pedido de retificação da sentença recorrida formulado por um dos Autores, contando-se a partir da data da notificação de tal decisão judicial e não a partir da data da proferição do despacho que posteriormente, se pronuncie sobre a pretendida retificação»;

b) não ter havido, assim, violação, no caso dos presentes autos, das disposições constitucionais invocadas pela ora recorrente, ou seja, o artigo 20.º, n.os 1, 4 e 5 da Constituição da República Portuguesa;

c) negar, nessa medida, provimento ao recurso de constitucionalidade interposto;

d) manter, em consequência, o Acórdão recorrido, de 8 de outubro de 2014, do Tribunal da Relação de Lisboa.»

Cumpre apreciar e decidir.

II - Fundamentação

A) Delimitação do objeto do recurso

6 - No âmbito do presente processo, a norma impugnada é aquela que estabelece que «o prazo de interposição de recurso da apelação não se interrompe ou suspende por força do pedido de retificação da sentença recorrida formulado por um dos autores, contando-se a partir da data da notificação de tal decisão judicial e não a partir da data da proferição do despacho que posteriormente se pronuncie sobre a pretendida retificação», decorrente da interpretação dos artigos 613.º, 614.º e 638.º do CPC (aprovado pela Lei 41/2013, de 26 de junho - NCPC).

Esta formulação demanda, todavia, alguma precisão. Na realidade, a dimensão normativa efetivamente aplicada pela decisão recorrida assenta em pressupostos mais limitados que os ali genericamente enunciados.

7 - Desde logo, verifica-se que, dos erros materiais elencados no artigo 614.º do CPC como suscetíveis de retificação, a decisão do caso apenas contempla a apreciação de um pedido de retificação de um erro de cálculo.

Por outro lado, a referência à autoria do pedido de retificação, sendo embora dispensável na análise da questão de constitucionalidade colocada (como adiante resultará evidenciado), convoca, no entanto, idêntico sentido especificador na referência à parte que interpõe o recurso, em coerência com o sentido normativo impugnado.

Em conformidade, impõe-se restringir a norma impugnada às situações de retificação de erro de cálculo requerido pelo autor quando está em causa a contagem de prazo de recurso interposto pelo réu, sendo apenas esta a dimensão normativa que logrou efetiva aplicação na decisão recorrida.

Trata-se, assim, de apreciar a norma segundo a qual «o prazo de interposição de recurso de apelação pelo réu não se interrompe ou suspende por força do pedido de retificação de erro de cálculo constante da sentença recorrida formulado por um dos autores, contando-se a partir da data da notificação de tal decisão judicial e não a partir da data da proferição do despacho que posteriormente se pronuncie sobre a pretendida retificação».

Esta foi, com efeito, a norma aplicada como fundamento da decisão recorrida, que, em interpretação dos artigos 613.º, 614.º e 638.º do CPC, não atendeu a pretensão da ré-reclamante, em ver tal prazo contado apenas a partir da data da proferição do despacho que posteriormente à prolação da sentença, se pronunciou sobre o pedido de retificação apresentada pela autora, aqui recorrida.

B) Enquadramento da questão

8 - Na origem do recurso está uma retificação da sentença que considerou ilícito o despedimento e condenou a ré no pagamento de determinadas quantias à autora.

Entre outras quantias, a sentença condenava a empregadora a pagar à trabalhadora a quantia de 177,67 euros a título de diferença entre a retribuição que lhe era paga e a que lhe era devida por força do valor do salário mínimo nacional no ano de 2011 e nos três meses e vinte e três dias do ano de 2012. Todavia, nos factos dados como provados (ponto 4.), constava que a remuneração mensal da autora era de 450,00 euros em 2009 e 475,00 euros a partir de abril de 2010, pelo que a quantia em dívida a esse título perfazia 252,67 euros (75,00 euros em 2010 + 140,00 euros em 2011 + 37,67 euros em 2012) e não a quantia identificada inicialmente na condenação como resultado daquele cálculo.

Em face desta discrepância a autora, com o patrocínio do Ministério Público, requereu, ao abrigo do disposto no artigo 614.º do CPC, a correspondente «retificação do erro de cálculo ou lapso manifesto identificado» (requerimento certificado a fls. 13-14, dos autos).

Notificada, a ré nada disse.

Por despacho proferido em 6 de janeiro de 2014 foi reconhecido e, consequentemente, corrigido o «lapso de cálculo» identificado.

9 - Pretende a recorrente que só na sequência da notificação daquela retificação poderia começar a correr o prazo para interposição do recurso da sentença que lhe foi desfavorável.

Outro foi, no entanto, o entendimento do tribunal recorrido que não admitiu o recurso interposto em 13 de fevereiro de 2014 da sentença proferida em 10 de outubro de 2013, e notificada à empregadora por carta expedida em 11 de outubro, por considerar decorrido o prazo que a ré tinha para o efeito, nos termos do artigo 80.º, n.º 1 e 3 do Código de Processo do Trabalho, anotando a natureza urgente do processo (sem possibilidade de suspensão de prazo contínuo durante as férias judiciais), e que, nos termos do artigo 614.º do CPC o pedido de retificação da sentença não suspende o prazo de recurso.

Sublinha ainda, o acórdão recorrido, por remissão também para a decisão sumária ali reclamada, que «só antes da reforma do regime de recursos de 2007, introduzida no anterior Código de Processo Civil, é que se permitira a dilação do prazo de interposição de recurso, através da apresentação e julgamento prévios dos pedidos de retificação/aclaração/reforma quanto a custas ou multa». Nesse regime, se alguma das partes requeresse a retificação de erros materiais, solicitasse a aclaração da decisão quanto a alguma ambiguidade ou obscuridade ou a sua reforma quanta a custas ou multa, o prazo para a interposição do recurso só começava a correr depois de notificada a decisão proferida sobre o requerimento de retificação (v. arts. 667.º a 669.º e 686.º do CPC, na versão anterior à reforma de 2007).

Efetivamente, a partir de 1 de janeiro de 2008, com a entrada em vigor da reforma introduzida pelo Decreto-Lei 303/2007, de 24 de agosto, no regime dos recursos do Código de Processo Civil, desapareceu a norma que previa que o prazo para a interposição do recurso só começava a correr depois de notificada a decisão proferida sobre o requerimento de retificação, aclaração ou reforma (antigo artigo 686.º do CPC revogado pelo artigo 9.º do Decreto-Lei 303/2007), passando aquele prazo a iniciar-se logo com a notificação da primitiva decisão judicial.

C) O direito ao recurso e a retificação de erro de cálculo constante da sentença

10 - Na tese do recorrente, invocando o artigo 20.º, n.os 1, 4 e 5 da Constituição, enquanto expressão do direito de defesa e do princípio do contraditório, o direito ao recurso contra decisões judiciais desfavoráveis, pressupõe o pleno conhecimento do teor da decisão recorrida, pelo que o prazo para a sua interposição apenas pode começar a correr a partir do momento em que o recorrente tenha a possibilidade efetiva de apreender o texto integral da decisão que pretende impugnar.

Uma vez que a alteração a uma sentença introduzida em consequência do deferimento de retificação de erro suscitada por reclamação de parte se integra na sentença alterada, de que passa a ser complemento e parte integrante e com a qual passa a constituir um todo, configura uma sentença nova, recorrível, e portanto sujeita a prazo de recurso próprio.

11 - Quanto à invocação do parâmetro do direito de acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva, na dimensão de direito de defesa e contraditório inerentes a um processo equitativo, e mais concretamente ainda, na do direito ao recurso, tem sido jurisprudência do Tribunal Constitucional (cf. Acórdão 266/2015, n.º 17):

«O processo equitativo impõe que as normas processuais proporcionem aos interessados meios efetivos de defesa dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, nomeadamente prazos razoáveis de recurso nos casos em que esse direito esteja previsto, sem comprometer a descoberta da verdade material e a decisão ponderada da causa num prazo razoável.

Para além destas limitações, o legislador dispõe de reconhecida margem de liberdade na conformação no estabelecimento das regras sobre recursos em cada ramo processual, designadamente em processo civil e laboral. Ponto é que essas regras não traduzam a imposição de ónus de tal forma injustificados ou desproporcionados que acabem por importar lesão da garantia de acesso à justiça e aos tribunais (cf., por exemplo, o Acórdão 266/93, n.º 9)».

De seguida veremos como, diante dos dados do problema, a questão colocada se resume, afinal, em saber se a interpretação normativa em presença é compatível com a garantia constitucional da efetivação do direito ao recurso, ou, por outras palavras, saber se a interpretação em causa contraria, ou não, a exigência de um processo que seja estruturado de modo a tornar efetivo o direito ao recurso.

12 - Na fundamentação do recurso a recorrente socorre-se de alguma jurisprudência deste Tribunal, designadamente os Acórdãos n.os 183/98, 384/98, 632/99, 148/2001 e 16/2010.

Todavia, dos acórdãos citados, apenas o último se ocupa de uma questão de constitucionalidade paralela à colocada no presente recurso e que se traduz, afinal, em saber se o pedido de retificação de uma sentença suspende ou interrompe o prazo para a interposição de recurso. Todos os demais se ocuparam de questão diferente, designadamente da questão relacionada com a possibilidade de conhecimento efetivo da decisão como requisito essencial do exercício do direito ao recurso. Embora conexa com a questão de constitucionalidade em apreciação, na parte em que se relaciona com a exigência constitucional de conhecimento pelos destinatários de uma decisão judicial do respetivo conteúdo para contra ela poderem reagir, através dos meios processuais adequados, a dimensão normativa conhecida nos aludidos arestos não se confunde, todavia, com ela. E a demonstrá-lo está precisamente a circunstância de no recurso ora em apreciação não estar em causa a validade da notificação da sentença aos seus destinatários (Acórdão 183/98), ou o conhecimento dos fundamentos da decisão a impugnar (Acórdão 384/98), a igualdade das partes nas condições de acesso à impugnação da decisão (Acórdão 632/99), ou a entrega de cópias legíveis da decisão (Acórdão 148/2001).

Resta, assim, da jurisprudência citada, o Acórdão 16/2010, onde o Tribunal Constitucional se pronunciou sobre uma questão paralela à que constitui o objeto do recurso ora em análise. Tirado, embora, no âmbito de um processo de natureza penal, este acórdão pronunciou-se, sobre a norma segundo a qual «o pedido de correção de uma decisão, formulado pelo arguido, não suspende o prazo para este interpor recurso dessa mesma decisão», que foi julgada inconstitucional, por violação do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição. Pese embora extraída de disposições legais insertas no Código de Processo Penal, concretamente os seus artigos 380.º e 411.º, n.º 1, o conteúdo essencial da interpretação normativa julgada neste acórdão coincide, com efeito, com a agora em análise, sem prejuízo do diferente enquadramento jurídico-constitucional reclamado por um âmbito de aplicação restrito a um processo de natureza laboral

O Acórdão 16/2010, apesar de ter julgado a norma inconstitucional, não deixou, todavia, de salientar a diferença identificável entre um mero erro material e a verificação de obscuridade ou ambiguidade na sentença, enfatizando: «quando está em causa uma obscuridade ou ambiguidade, o arguido defronta-se com uma opacidade, maior ou menor, do conteúdo da sentença, que pode não lhe permitir alcançar, com um mínimo de certeza, o seu sentido e alcance, de modo a ter por definido o objeto da sua contra-argumentação. Já quando está em causa um erro, sobretudo quando se trata de um erro de escrita ou de cálculo, ele, em regra, não só é manifesto ou patente, como a sua retificação não levanta dificuldades de maior, sendo possível por uma leitura integrada da sentença. Na maioria das vezes, o erro não é, pois, suscetível de afetar a posição do recorrente. Nomeadamente, naqueles casos em que este, independentemente do despacho que venha a recair sobre aquele pedido, dispõe, desde logo de todos os elementos indispensáveis à elaboração do seu recurso, podendo formulá-lo contando com a retificação, ou em termos de condicionalidade, de fácil conformação, sem ónus excessivos» (cf. Acórdão 16/2010, n.º 10).

13 - No caso da norma em apreciação estamos perante uma retificação de um mero erro de cálculo, verificável por simples operação aritmética tendo por base os dados afirmados nos factos provados. O dissídio entre as partes, na parte aqui relevante, respeita à liquidação de determinadas prestações e não propriamente ao montante dessas mesmas prestações.

Não está, de modo algum em causa, qualquer retificação com implicações no sentido decisório, ou sequer da sua fundamentação. Como de resto na retificação de qualquer erro exclusivamente material, não existe alteração de julgamento, antes mera a reposição da correspondência da vontade real do juiz com a vontade erroneamente declarada na sentença.

Como salientado por Fernando Amâncio Ferreira, por referência a Liebman, «Erro material é o erro "na expressão", não no pensamento; somente a leitura da sentença deve tornar evidente que o juiz, ao manifestar o seu pensamento, usou nomes, palavras ou algarismos diversos daqueles que devia ter usado para exprimir fiel e corretamente as ideias que tinha em mente. Pertence ao conceito de erro material ainda o erro de cálculo, que pode ser retificado também simplesmente, refazendo-se as operações aritméticas executadas ao formular o julgamento. Por outras palavras, o erro material é o que fica a dever-se a uma desatenção ou a um engano ocorrido na operação de redação do ato» (in Manual dos Recursos em Processo Civil, 9.ª ed., Almedina, 2009, p. 50).

A eliminação de um erro de cálculo não importa qualquer modificação substancial da sentença, pelo que o seu reconhecimento e possibilidade de retificação não levantam dificuldades de maior à posição do recorrente. A sua correção não tem, com efeito, nenhuma repercussão na decisão querida pelo juiz e claramente deduzível da leitura global da sua fundamentação. Da simples leitura do conteúdo da sentença é possível compreender, com certeza e segurança, todo o seu alcance, o que permite à parte prejudicada pelo decidido a plena definição do objeto da sua argumentação nas alegações de recurso. A retificação de um erro deste tipo não tem, portanto, implicação de relevo na elaboração e motivação do recurso a interpor pela parte vencida que, desta forma, pode exercer o seu direito de impugnar a decisão sem constrangimentos ou condicionamentos.

14 - De todo o modo, como se prevê ainda no n.º 2 do artigo 614.º do CPC, em caso de recurso, a retificação de erros materiais, nomeadamente a retificação de erro de cálculo, só pode ter lugar antes de aquele subir, podendo, nesse caso, as partes alegar ainda perante o tribunal superior o que entendam de seu direito no respeitante à retificação.

Assim, garantida está sempre a possibilidade de modificar a motivação do recurso, adequando-a à decisão corrigida o que sempre constituiria suficiente "válvula de escape" a harmonizar as eventuais dificuldades implicadas no exercício do direito ao recurso pela retificação da sentença, com o interesse contraposto, também ele digno de proteção constitucional, que consiste em combater dilações totalmente injustificadas e prejudiciais à boa administração da justiça, decorrente também dos n.os 4 e 5 do artigo 20.º da Constituição.

15 - Conclui-se, assim, que a exigência de interposição de recurso, sem esperar pelo resultado da retificação de erro de cálculo requerido pela parte contrária, não impede a apresentação das razões de discordância da decisão, e, nessa medida, não põe em causa o efetivo direito ao recurso. E essa conclusão é independente da posição que o recorrente ocupa no processo. Efetivamente, seja autor ou réu o requerente da retificação, ou mesmo o recorrente, será a mesma a resposta a dar à questão da conformidade constitucional da solução normativa que consiste na não interrupção ou suspensão do prazo de interposição de recurso por via da apresentação de requerimento de retificação de erro de cálculo inscrito na sentença.

Em face do exposto, inevitável será concluir que a norma sindicada, ao prever que o prazo de interposição de recurso de apelação pelo réu não se interrompe ou suspende por força do pedido de retificação de erro de cálculo constante da sentença recorrida formulado por um dos autores, contando-se a partir da data da notificação de tal decisão judicial e não a partir da data da proferição do despacho que posteriormente se pronuncie sobre a pretendida retificação, não viola o disposto no artigo 20.º, n.os 1, 4 e 5 da Constituição.

III - Decisão

Em face do exposto, decide-se:

a) Não julgar inconstitucional a norma segundo a qual «o prazo de interposição de recurso de apelação pelo réu não se interrompe ou suspende por força do pedido de retificação de erro de cálculo constante da sentença recorrida formulado por um dos autores, contando-se a partir da data da notificação de tal decisão judicial e não a partir da data da proferição do despacho que posteriormente se pronuncie sobre a pretendida retificação», decorrente dos artigos 613.º, 614.º e 638.º do NCPC.

b) Consequentemente, negar provimento ao recurso.

Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 (vinte e cinco) unidades de conta.

Lisboa, 29 de setembro de 2015. - Maria de Fátima Mata-Mouros - João Pedro Caupers - Maria Lúcia Amaral - Teles Pereira - Joaquim de Sousa Ribeiro.

209100158

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/2043723.dre.pdf .

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Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 2007-08-24 - Decreto-Lei 303/2007 - Ministério da Justiça

    Altera, no uso de autorização legislativa concedida pela Lei n.º 6/2007, de 2 de Fevereiro, o Código de Processo Civil, procedendo à revisão do regime de recursos e de conflitos em processo civil e adaptando-o à prática de actos processuais por via electrónica; introduz ainda alterações à Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais e aos Decretos-Leis n.os 269/98, de 1 de Setembro ( procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não (...)

  • Tem documento Em vigor 2013-06-26 - Lei 41/2013 - Assembleia da República

    Aprova em anexo à presente lei, que dela faz parte integrante, o Código de Processo Civil.

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